O Avesso da Cena

1\'gradecimentos Os anos dedicados à realização deste livro foram de intensos estudos, pesquisas, dítvidas, conversas, r

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1\'gradecimentos Os anos dedicados à realização deste livro foram de intensos estudos, pesquisas, dítvidas, conversas, registros, análises e muitos, 1nuitos questionamentos. Fora111 incontáveis as idas e vindas, na busca de um ordenamento lógico para o emaranhado de informações colhidas ao longo do tempo, por este país afora. Agradeço a todas as pessoas e entidades que me abriram canúnhos e deram suporte à empreitada: Aos meus pais, Eunice e Zezé - referências de dignidade, sabedoria e conduta

ética-, pelo apoio incondicional. Aos irmãos Ernane, Solange, Wagner, Eduardo, Sérgio, Sônia e Marcelo, às cunhadas Solange e Ção e a todos os meus sobrinhos, pelo estímulo e carinho de sempre. Aos amigos que acompanharam cada passo do trabalho, em especial Beta Franco, Chico Pelúcia, Eleonora Santa Rosa, Fernando Lara, Karla Guerra, Márcio Rimei Nobre, Maria Helena Cunha, Nestor Sant'Anna, Rosângela

Miriam e Vanessa Martin, pela presença, generosidade, paciência e, claro, pelas críticas. Aos parceiros do Grupo Galpão - exemplo de seriedade e trabalho compartilhado-, pelo apoio integral a este projeto. Aos companheiros do Grupo do Beco, pela inspiração. Aos colaboradores Fábio Batista, Graziane Gonçalves da Silva, Guto Muniz, Júnia Alvarenga, Lílian de Oliveira e Martuse Fornaciari, pela competência colocada a serviço deste trabalho. À equipe da Duo Editorial: Marcela Bertelli, Ana Paula Sena, Elaine Vignoli,

Isabel Brant, Tatiana Cavinato e Diego Ribeiro, pela confiança e pelo esmero nos detalhes.

À equipe da Drummond & Neumayr Advocacia, em especial Alessandra Drummond e Rafael Neumayr, pela disponibilidade e pela condução segura no mundo das leis. Aos funcionários da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, em especial José Eduardo Liboreiro, Carla Cristiane Prestes da Costa, Ivan Toledo de Sousa, Lucas Matos de Oliveira e Sônia Maria Sousa Mendes, pela paciência, seriedade e dedicação. Este livro somente se tornou realidade graças ao estímulo do Fundo Municipal de Cultura e, naturalmente, de seus gestores. Aos grupos Corpo e Uakti, à banda Pato Fu, ao crítico de arte Marcelo Castilho Avellar, ao Teatro do Sesi do Rio Vermelho, à Rádio 98 FM, realizadora do Pop Rock Brasil, e ao Conselho Nacional do Redemoinho, pela cessão de documentos preciosos reproduzidos neste livro.

Sumário Prefácio

19

Apresentação

21

Capítulo I - O Contexto Cultural Brasileiro

24

Perspectivas para o setor cultural em âmbito mundial

26

O setor cultural brasileiro

28

OMinCde Gil

42

Capítulo II - O Produtor e o Gestor Cultural

48

Produtor e gestor: definindo os papéis

50

A administração no contexto cultural

55

O perfil do produtor e do gestor cultural

58

Créditos ao trabalho de produção

61

Can1pos de atuação dos produtores e gestores culturais

62

A imagem do produtor cultural

65

Perspectivas de profissionalização

68

Re1nuneração do trabalho de produção

79

Capítulo III - A Relação com os Artistas

84

~~~~~~~~~~~~~~~·~~~~~~

O nó da produção

Capítulo IV - A Relação com o Poder Público Políticas públicas para a cultura

91 94

96

Instrwnentos de financiamento à cultura

100

Representação setorial

108

Capítulo V - A Relação com as Empresas

116

Por que patrocinar projetos culturais?

118

Marketing cultural

122

Princípios do marketll1g cultural

123

A linguagem en1presarial

124

Canais para encaminhamento de projetos

125

Ganchos e n1oedas

126

Hierarquização de créditos

130

Cuidados na aplicação de logon1arcas

133

Negociação de patrocínios

134

Novas perspectivas para a relação das en1presas com a cultura

137

Elaboração de projetos

142

Montagem de documentos para captação de recursos

143

Capítulo VI - A Relação com o Público

152

Marketing de relacionamento

154

Fidelização de público na área cultural

155

Respeito ao público

164

A perspectiva do público

166

Capítulo VII - As Etapas de uma Produção: Pré-produção

172

Pré-produção: da idéia ao contrato

174

Planejainento da ação

175

Verificação dos direitos autorais

178

Montagen1 da equipe de trabalho

178

Montagem de checklists

180

Elaboração do plru10 de comunicação

199

Montagen1 do cronogran1a

201

Montage1n do orçan1ento

204

A busca de recursos financeiros

210

Editais de patrocínio

212

Capítulo VIII - As Etapas de uma Produção: Produção

218

~~~~~~~--~~-

Assinatura de contratos

220

A concretização do projeto

221

A busca de apoios e permutas

228

Controle do cronograma

228

Gestão orçamentá.Tia

229

Docu1nentação do processo

231

Divulgação

234

As vésperas de uma estréia

245

A estréia

247

Administração após a estréia

248

Distribuição

249

In'l.previstos

253

Capítulo IX - As Etapas de uma Produção: Pós-produção

262

Organização e guarda do 1naterial

265

Avaliação de resultados

270

Relatórios

273

Capítulo X - Produção de-Turnês ------

276

Montagem do roteiro

278

Produtor local ou produtor de frente?

278

Análise de viabilidade técnica

279

JVlontagen1 e des1nontage1n

286

Transporte da carga e da equipe

288

Hospedagem e a}in1entação da equipe

290

Guia de produção

293

Roteiro de produção

299

Capítulo XI -Produção de Eventos Culturais_ _ _ _ __

304

Análise de ünpactos do evento

308

Tipos de eventos culturais

311

1v1ontagen1 da progran1ação

313

Definição dos locais para realização do evento

317

Lnyout da área do evento

317

Projeto de segtrrança

321

iviontagen1 do evento

326

Co1nunicação interna

331

Trabalho receptivo dos convidados

333

Hospedagein dos convidados

336

Alin1cntação dos convidados

337

Trasladas dos convidados

338

Administração da bilheteria

339

Ad1ninistração de cortesias e convites

346

Adn1inistração da portaria

349

Recepção aos convidados especiais

353

Venda de produtos e oferta de serviços durante o evento

353

Capítulo XII - Aspectos Legais - - - -

356

Constituição de pessoas jurídicas de nattueza cultt1ral

358

Elaboração de contratos

362

Contratos con1 patrocinadores e apoiadores

364

Conh·atos con1 fornecedores

366

Contratos para apresentação de espetáculos

367

Contratos con1 artistas para participação e1n espetáculos

369

Contratos co1n artistas estrangeiros

376

Contratos de locação de espaços cultt1rais

378

Realização de eventos e1n espaços públicos e locais sen1 alvará pern1anente

379

Responsabilidade civil

380

Segt1ros

382

Estatuto da criança e do adolescente

383

i\rleia-entrada para estt1dantes

387

Nleia-entrada para idosos

390

Direitos autorais

391

Leis de incentivo à cultura

401

Lei Federal de Incentivo à Cultma: aspectos básicos

403

Capítulo XIII - Gestão de Grupos e Instituições Culturais

410

Plano de negócios

412

Estrutura organizacional

414

Planejamento estratégico

421

Logística

426

Qualidade

430

Programação de um centro cultmal

448

Manutenção de grupos e instituições culturais

452

Soluções criativas para a viabilização do trabalho na área cultural

457

Referências

473

Grupos, artistas, empresas, entidades e iniciativas citados

481

~

Rrefácio

'

,

Profissão Cultura Felizes os novos produtores e agentes culhtrais que, hoje, no Brasil, podem desfrutar de uma bibliografia, cada vez mais extensa, sobre o fazer cultural. Melhor dizendo, sobre as nuances da produção cultural nas suas mais variadas dir11ensões. Território ainda n1arcado pela extrema iI11provisação e ausência de forn1ação, toda e qualquer contribuição ao delineamento e consolidação da profissão do gestor cultural é ben1-vinda e necessária ao an1adurecin1ento do setor. E11tender a natureza e os processos q11e caracterizam o mercado ctlltural i1ão é tarefa banal, para irtlciantes. Introduzir~ açambarcar e balizar os temas que e11volvem o dia-a-dia da produção é risco e desafio para aqueles que querem se debruçar sobre os ten1as e as relações, nen1 sempre tranqlillas, que predon1inan1 nesse segmento ainda refratário à organização e sisten1atização de instrun1entos e técnicas de administração. Curiosamente, a Ctilhu·a ainda é vista como 1m1 apêndice i10 ca1npo das políticas públicas e dos investimentos privados, estes então quase sempre tributários de incentivos fiscais, quer municipais, estaduais e/ ou federais, ei15ejadores, para o ben1 ou para o mal, de vícios e benefícios. A con1preensão do ce11ário cultural brasileiro, sobretudo no que tange aos meai1dros da gestão pública, de1nru1da k11ozv-hoiv e co1npetência analítica e prospectiva, requisitos encontrados desde o início 11a presente publicação. Título mais do que acertado, O Avesso da Cena apresenta ao leitor o denso e multifacetado universo dos bastidores culturais, pela perspectiva de Romulo Avelai; um dos mais preparados profissionais do setor. Acompaimo o seu trabalho há muito e mais recentemente - quai1do de minha posse como secretária de Estado de Culhrra de Minas Gerais, em fevereiro de 2005 - tive a honra e o prazer de contar com a sua participação en1 nossa equipe, à frente de uma das principais nlissões de nosso governo, qual seja: a de reesh·uturar todo o processo relacionado à Lei Estadual de Ir1centivo à C1tlhrra. Incm11bê11cia con1plexa, dese11volvida com total discernin1ento, dedicação e rigor técnico. O êxito de s11a atuação é reconhecido por iI1ím1eros artistas, produtores, gestores e co1npanheiros de labuta. Romulo é um incansável batalhador das lides culturais, maduro e preparado pela ativa participação nas esferas pública e privada, com a responsabilidade inerente àqueles que têm clara noção da importância de compartilhar o conhecimento adquirido e de ensinar o ofício. Consciente da noção pública do exercício de sua profissão, faz dela um convite à superação dos limites e dificuldades impostos pela ausência de critérios, de políticas co11solidadas de fu1ancian1e11to, de concentração brutal da parca húra-estrutura da área, e do an1adorismo ai11da renitente de vários segmentos do fazer cultural em nosso Estado.

19

Livro denso, que exige fôlego e atenção do leit01~ o sumário indica bem o rol de assuntos e dicas de produção, projetos, planejamento, planilhas, estrutura de eve11tos, de11tre outros, acompanl1ado de exemplos práticos e e11trevistas co1n gente de relevância do mêtier cultural que sabe o que diz porque sabe o que faz. Aliás, isso resume tudo, um livro feito por quem sabe os caminhos e os percalços de se viabilizar iniciativas culturais de diversos formatos e padrões, do lado de cá ou de lá do balcão, e que não esconde o jogo. Pelo contrário, generosamente e delicadamente mostra con10 vencer os obstáculos e os temores, com u1na boa dose de sabedoria, imaginação e persistência.

Eleonora Santa Rosa Gestora Cultural e ex-Secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais

20

'Nnresentação

.

-

Acredito no poder transformador da arte e da cultura. Tenho a convicção de que nós - artistas, produtores e gestores culttu·ais - trazemos nas mãos uma ferramenta ca-

paz de alavancar grandes mudanças. Em muitas oportunidades tive o privilégio de observar saltos espetaculares na vida de pessoas, commúdades e mesmo de cidades inteiras, a partir de ações culturais bem articuladas. Hoje, em minhas divagações, pergunto-me todo o tempo: por que não de um país? Essa idéia pode soar tun tanto anacrônica, nrun tempo em que a ordem é viver o imediato. Pode parecer sem lugal" em meio a tantas diretrizes econômicas áridas e excludentes. Mas ainda teimo em acreditar que é possível pensar o Brasil numa perspectiva 1nais hwnana. Quero crer que,. na condução dos nossos destinos, as políticas meramente tecnicistas muito em breve cederão 111gar a olhares mais abertos a um

dos nossos maiores diferenciais estratégicos: a riqueza cultural. Nesse sentido, é claro que ainda temos muito a avançar. Embora a expansão do setor cultural seja notável e ocorra em velocidade acelerada, o sinal permanece vermelho para muitos que escolheram esse caminho. Exemplos de ações bem-sucedidas na área multiplicam-se de norte a sul, promovendo pequenas revoluções pontuais, mas persistem entraves na esfera pública, além de certo despreparo entre produtores e gestores culturais. A capacitação de pessoal para atuação nesse contexto, que se mostra cada vez mais dinâmico e seletivo, é um grande desafio. Várias foram as gerações de empreendedores culturais que se formaram intuitivamente" aprendendo com erros e acertos. Até bem pouco tempo, a prática era a única

via de aprendizado para aqueles que pretendiam abraçar a profissão. O conhecimento acumulado era transmitido aos iniciantes no calor da realização dos projetos, o que equivale a qualquer coisa como aprender a pilotar com o avião em pleno vôo. Nos últimos tempos, entretanto, o improviso vem cedendo espaço para práticas menos empíricas. Percebe-se, no meio c11ltural, que é imprescindível dominar 011tras linguagens e buscar informações complementares àquelas assimiladas no dia-a-dia. Por outro lado, o aumento do volume de recursos aplicados na cultura passou a atrair tun número crescente de profissionais de outros segmentos e estudantes ávidos por oportunidades de realização pessoal. Ocorre, porém, que grande parte daqueles que se aproximam não estão suficientemente preparados para o trabalho nos bastidores da cultura. Tais fatores, somados, levaram ao crescimento da procura por capacitação, estimu-

lando o surgimento de iníuneros cursos de produção e gestão cultural, em diversos níveis. Hoje é possível encontrar oficinas de curta duração em vários estados e mesmo irtstituições que oferecem graduação e pós-graduação na área. Decorrência natural da multiplicação de cursos de produção e gestão é o aumento da demanda por bibliografia especializada. A carência de registros de experiências nesse campo é um fato para o qual sempre estive atento, desde os tempos de aluno da Ecoar, a primeira escola de produção cultural

21

*nota Atual Universidade Cândido Mendes

criada no país, em 1990, resultado de parceria das Faculdades Cândido Mendes* com a Fundição Progresso, no Rio de Janeiro. Àquela época, já era evidente a necessidade de preenchimento dessa lacuna. Desde então, muitos foram os títulos publicados sobre temas como política cultural, leis de incentivo à cultura, economia da cultura, marketing e patrocínio cultural. Entretanto, foram poucas as publicações sobre as práticas da produção e da gestão cultural. Daí o impulso de registrar a soma de minhas pesqtúsas e vivências profissionais. Na produção deste livro, não foi outra a preocupação que não a de colocar no papel um conhecimento presente na cabeça de produtores e gestores culturais, mas sobre o qual o ordenamento ainda é incipiente. Tive como norte os questionamentos e dúvidas de alunos dos vários cursos que tenho ministrado pelo país. São eles - estudantes e pessoas que desejam compreender a dinâmica dos empreendimentos culturais - meu alvo principal. A opção por falar diretamente a esse público foi determinante para a definição do escopo desta publicação. Tenho como meta proporcionar a essas pessoas alguma familiaridade com o contexto da cultura, numa perspectiva diferenciada daquela que tem o espectador comum. Falo sobre o avesso da cena, no intuito de oferecer a um leigo os pontos de vista daqueles que concebem e realizam projetos culturais. Com esse público em mente, optei por apresentar uma visão panorâmica e abrangente do campo de trabalho dos produtores e gestores culturais e das inúmeras atividades envolvidas em seu cotidiano, mesmo que, em diversos tópicos, a abordagem possa se mostrar superficial. É fato que cada um dos capítulos deste livro poderia, perfeitamente, ser objeto de várias outras publicações, e que muito ainda deve ser discutido e registrado sobre a matéria. No esforço pela sistematização desse conteúdo, o primeiro desafio foi o de dar forma a muitas idéias que venho amadurecendo ao longo do tempo, a partir da observação do trabalho de terceiros e das minhas próprias experiências como produtor, colaborador de empresas privadas e gestor em instituições públicas. Cedo, percebi o óbvio: as informações disponíveis eram absolutamente insuficientes e frágeis para a cobertura do espectro temático que julgava necessário a um livro dessa natureza. Seria preciso aprofundar-me em pesquisas, principalmente naqueles terrenos nos quais nunca havia transitado, mas que considerava imprescindível abordar. Foi assim que decidi adotar uma metodologia de trabalho que incluiu o estudo da bibliografia disponível, a análise de incontáveis matérias e artigos publicados na imprensa sobre o tema, a coleta de casos dignos de registro, dias inteiros de navegação pela Internet e o principal: entrevistas presenciais com 53 profissionais da área, que tiveram o desprendimento de co1npartilliar seus conhecimentos e relatar, com franqueza, suas práticas e impressões sobre o assunto. O leitor irá perceber que esses depoimentos ocupam espaço de destaque na estrutura do livro. São relatos e opiniões de pessoas de diferentes perfis, trajetórias e origens geográficas, reunidos com o intuito de oferecer uma visão plural e multidisciplinar do universo da cultura. O tom coloquial da fala dos entrevistados foi mantido, como medida de preservação da essência e das sutilezas dos depoimentos.

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Outro aspecto relevante nesta publicação é a referência constante ao Grupo Galpão. Nada mais namral, face à minha condição de colaborador do Grnpo desde 1999. Entretanto, os motivos para essa presença ostensiva vão bem além do vinculo profissional e afetivo: são muitas as soluções encontradas pelo Galpão para a gestão de seu dia-a-ilia que merecem ser compartilhadas, por sua inventividade e eficácia. Na intenção de conferir a esta publicação o caráter de ferramenta de trabalho e de facilitar a consulta a tópicos específicos, foram inseridas, ao longo do texto, chamadas - identificadas pelo ícone leie + - que funcionam como links para hipertextos, remetendo o leitor a informações complementares dentro da própria obra. Foram disponibilizados também, ao final do livro, os endereços eletrônicos de todos os artistas, grupos, entidades e iniciativas culmrais citados. A partir da visão de que o segmento culmral precisa se apropriar de conceitos e técnicas de outras disciplinas.r como a administração, a comunicação, o marketing e o direi-

to, busquei tomar emprestadas algumas ferramentas de trabalho usuais nessas áreas, explicitando sua aplicação às rotinas e à realidade dos grupos, empresas e instihlições culmrais e promovendo, naturalmente, as necessárias adaptações à sua realidade. É importante notar que várias dessas ferramentas, como o planejamento, a logística, a gestão da qualidade e o marketing de relacionamento vêm sendo usualmente empregadas no setor, muitas vezes de maneira intuitiva e nem sempre eficaz.

É necessário também esclarecer que este livro é focado prioritariamente na produção de música e de artes cênicas, e 11a gestão de instituições culturais, ambientes nos quais tenho amado com maior freqüência. Embora parte das idéias aqui expostas seja aplicável a outros domínios, é preciso registrar que não pretendi abordar realidades distantes da minha, como as do audiovisual, da televisão, do rádio e da produção editorial. Àqueles que chegam para amar como empreendedores culmrais, dou- as boas-vindas. Espero que este livro atenda ao propósito de revelar um pouco do mundo que encontrarão pela frente. Aos que nele já transitam, desejo um caminho com menos percalços e que estes apontamentos, somados às reflexões dos entrevistados, ajudem a torná-lo mais seguro. A todos, convido à construção de um mercado de trabalho solidário, no desejo de que sejamos cada vez mais capazes de compartilhar conhecimentos e de modificar para melhor a realidade à nossa volta. Temos nas mãos a arte e a cultura como instrumentos, mas é necessário manejá-las com responsabilidade e ética. A transformação do país passa, certamente, pelo acréscimo ao nosso cotidiano de boas doses de compromisso com o coletivo.

23

-

Persnectivas nara o setor cultural em âmfüto munâial Segundo o Global E11tertai11111e11t a11d Media Outlook, a indústria global de mídia e entretenimento, partindo do patamar de US$ 1,3 trilhões em 2005, alcançará US$ 1,8 trilhões em 2010, o que significa uma taxa de crescimento de 5,5% ao ano. O estudo, publicado anualmente pela Price Waterhouse Coopers, fornece projeções com visibilidade de cinco anos para diversos seginentos da indústria do e11tretenin1e11to, tais como o cine1na, a televisão, a n1úsica, os vídeo ga111es, a área editorial, os parques temáticos e os jogos, incluindo seus relacionamentos com as novas mídias.

Indústrias criativas e economia criativa Outro indicador do vigor desse universo está presente 11as conclusões da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, que, em junho de 2004, revelaram que 7% do PIB mundial são gerados pelas chamadas indústrias criativas. O valor da movimentação financeira mundial de produtos culturais saltou de US$ 95 bilhões para US$ 380 bilhões, somente no período de 1980 a 1998. Esse tipo de indústria cresce em rihno superior ao de outros setores da econo11lia mw1dial, e a expectativa para as próximas décadas é de uma expansão média de cerca de 10% ao ano. AlgwIB especialistas, entretanto, alertam para a necessidade de se ultrapassar o conceito de indústria criativa e de se levar em conta uma idéia mais abrangente: a economia criativa. Edna dos Santos, chefe do Departamento de Economia Criativa da UNCTAD -Organização das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, explica o conceito de econon1ia criativa em uma entrevista concedida ao jornal Folha de S.Pnu/o: Economia criativa pode ser definida como o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos. (... ) a economia criativa é uma área vasta e heterogênea que abrange desde os produtos artesanais até as artes cênicas, artes visuais, os serviços audiovisuais, multimídia, indústrias de software etc. Seus principais subgrupos são: música e indústria fonográfica; cinema, rádio e televisão; teatro e dança; pintura e

escultura; edição e publicidade; indústria digital e jogos de computador; e desenho em geral, que vai desde a arquitetura ao desenho industrial e à moda. (Disponível em . Acesso em 5 de março de 2007)

A empreendedora cultural Laia Deheinzelin, de São Paulo, especialista em economia criativa e desenvolvime11to, explica a existê11cia de dois conceitos ben1 distintos: Eu tenho trabalhado com um conceito que é de economia criativa para o desenvolvimento. E o que nós estamos tentando com a South-South Coope-

ration Unit, com a qual eu trabalho e que faz parte do sistema ONU, é deixar claro que indústria criativa é uma coisa e economia criativa é outra. A indústria cultural é uma parte da indústria criativa que vem das artes. Há uma confusão aí na origem da palavra: em inglês, industry quer dizer setor. Então, quando eles falam dos creative industries, estão se referindo ao setor criativo, mas

26

OAvesso da Cena

quando se traduz para o português fica indústria criativa. Indústria criativa existe e é tudo aquilo que é replicado em massa, tem direitos de propriedade intelectual etc. Televisão, cinema, design, todas essas coisas são indústrias criativas. Para o hemisfério sul, no entanto, essas coisas não são as chaves de desenvolvimento, porque, para nós, a chave do desenvolvimento está no micro, está no local. Você não vai ter desenvolvimento se tiver uma indústria fonográfica forte com cinco grandes selos. Você vai ter desenvolvimento se tiver cem pequenos selos, que vão ser produzidos de uma outra forma, que provavelmente terão interface com uma gestão de economia solidária.



Segundo Deheinzefu1, a opção pelo conceito de economia criativa se mostra mais favorável à diversidade cultural, pois a ênfase é dada ao pequeno, àquilo que é origll1ário de características locais e à eco11omia informal, e 11ão à prod11ção em larga escala. O modelo, portanto, se mostra mais adequado aos propósitos dos países do Terceiro Mundo, que não detêm os meios de produção de massa. A empreendedora estabelece outros pontos de diferenciação entre os dois conceitos: A indústria criativa tem os direitos de propriedade intelectual como moeda. A economia criativa não. A economia criativa trabalha para gerar mercado, e não para competir por mercado como a indústria criativa. O que quer dizer isso? Ouando você trabalha com a inclusão produtiva e social de um grupo, ele passa não apenas a ter cidadania, como também a ser consumidor. Se você olhar a pirâmide de consumo mundial, vê que trinta a quarenta por cento da população são considerados "mercado': Sessenta a setenta por cento estão fora. Mas se você melhora a vida desses sessenta a setenta por cento, você inclusive resolve o seu problema de mercado, isso sem falar no resultado social, simbólico etc. Então a economia criativa para o desenvolvimento trabalha para criar políticas e mecanismos que tenham horizontalidade no lugar da verticalidade; para trabalhar com distribuição, e não com concentração; para incluir os saberes e fazeres tradicionais e as características locais; para que tudo seja baseado no pequeno e seja inovador do ponto de vista de gestão e distribuição; e para que essa inovação acabe tendo uma interface grande com a economia solidária. Na economia criativa você tem o fator econômico, mas também tem igual ênfase nas outras três dimensões: ambiental, social e simbólica. Na indústria criativa, o econômico é preponderante.

As perspectivas de crescin1ento não apenas das indústrias criativas, mas ta1nbém do 1nosaico de pequenos empreendimentos identificados, de forma menos excludente1 como econo1nia criativa, são bastante promissoras. Em te1npos de globalização e queda de fronteiras entre países, a necessidade de afirmação das identidades locais tornou-se imperiosa. S11a revalorização surgiu como reação natural ao ava11ço da cultura de massa, que padroniza e dilui as peculiaridades de cada sociedade. A atitude colonialista dos norte-americanos se impôs a todo o inundo, favorecida exatan1ente pelo poder de suas indústrias criativas e pela capilaridade da distribuição de seus produtos culturais. Não há como perrna11ecer indiferente aos efeitos dessa iI1vasão. A toda ação corresponde uma reação. No Brasil, a resistência se faz presente 110 n1ovhnento de revalorização das raízes culturais, que ganhou fôlego a partir da segunda metade da década de 1990. O samba, por exemplo, que andava swnido dos salões e da programação do rádio e da TV, voltou a ser apreciado pela parcela mais jovem da população. O mesmo ocorre con1 inúrneras outras manifestações regionais e tradições que têm sido resgatadas.

O Contexto Cultural Brasileiro

27

.. '..

É crescente a percepção da necessidade de se preservar o patrimônio material e imaterial. Cresce também a co11sciência de que é preciso fortalecer a infra-estrutura de produção e difusão, diante da força hegemônica da cnltura de massa. Laia Deheinzelin afirma que o Brasil tem um papel estratégico no contexto da economia criativa: O Brasil tem sido um contraponto interessante nessa discussão, porque o que vinha sendo assumido de um modo muito forte era a posição do Reino Unido, que tem uma visão de indústria criativa. Para eles isso resolve, porque eles não têm os problemas de desenvolvimento que nós temos. Eles têm a economia

formalizada, têm grandes cadeias da indústria criativa, não têm os saberes e os fazeres tradicionais, a extensão territorial. .. Nós temos coisas a aprender

com eles, mas não podemos adotar esse modelo. Nosso papel estratégico é exatamente de sustentar outra visão, de propor o foco em desenvolvimento, e não em crescimento econômico. O Brasil é um modem por natureza. É muito curioso: nós temos essa função no cenário internacional e vamos ter, provavelmente, cada vez mais. Onde existem dinâmicas de relacionamento entre países, há um brasileiro no meio, que acaba fazendo a diferença. Eu acho que a nossa maior riqueza é o que eu tenho chamado de cult tech, um contraponto à high tech, ou seja, são as tecnologias culturais, tecnologias do intangível e tecnologias relacionais. Todos os grandes problemas do mundo são de relacionamento, e nós te· mos a "manha" de trabalhar com isso, porque sabemos como transformar diferença em solução e não em problema. O brasileiro tem essa habilidade de criar a partir das diferenças, e não de gerar animosidade a partir delas. O Brasil vai ter um grande papel aí.

A perspectiva apontada por Deheinzelin permite a constatação não apenas da multiplicidade e da inventividade cultural do país, mas também da importância do olhar brasileiro sobre as questões inter11acionais. É exatame11te a co11vivência permanente com múltiplas realidades e visões de mundo aquilo que credencia o Brasil a cumprir com eficiência o papel de modem ao qual a empreendedora se refere. Essa força mediadora vem de sua poderosa diversidade, que deve ser preservada a todo custo. Sob essa ótica, investh· na economia criativa brasileira é proporcionar não apenas desenvolvimento e sustentabilidade para grupos e comunidades, como também maior inserção do país 11as esferas internacionais. () setor cultural brasileiro As duas últimas décadas foram de grandes transformações no cenário cultural brasileiro. Até meados dos anos 1980, a produção e a gestão em níveis profissionais se concentravam, de forma acentuada, i10 Rio de Janeiro e en1 São Paulo. Os outros estados assistiam a tudo pela mídia ou eram receptores passivos daquilo que circulava pelo país. O quadro de indigência cultural das demais regiões fazia crer que as cores locais serian1 reduzidas a um padrão global único, pasteurizado e homogeneizado. Aos artistas, produtores e gestores locais com maiores aspirações, restava a alternativa de rrúgrar para 11m dos dois grandes centros, salvo raras, honrosas e corajosas exceções.

28

OAvesso da Cena



De lá para cá, entretai1to, n1uita coisa 111udo1t. Por todo o país, con1eçaram a florescer i11iciativas de valorização dos traços locais e de n1obilização das comunidades pela

preservação de seus saberes e fazeres. A cultura passou a gerar postos de trabalho ntrm rit1no cada vez n1ais acelerado. E1nbora ainda não se possa falai· da existência de 1nercados consolidados, grai1des foram os avanços nesse sentido. O êxodo compulsório de intelectuais e profissionais da culhrra dilninuiu consideravehnente en1 cidades co1no Fortaleza, Recife, Sal,rador, Belo Horizonte, Brasília, Belén1,

Curitiba e Porto Alegre. Mesmo outras capitais de menor porte e cidades do interior experin1entan1 11ovos tempos, ein que se tor11a possível a un1 artista, produtor 011 gestor desenvolver seu trabalho sein a necessidade de afu·mação prévia ein 1m1

grande centro. O setor culh1ral gaiU1a vigor eco11ô1nico, i111ma tendência asce11dente demonstrada

por algnmas pesquisas relevantes. O Diagnóstico dos Investi111entos e111 Cultura no Brasil, estudo publicado em 1998 pela Fw1dação João Pinheiro, por encomenda do Ministério da Cultura, trotLxe à luz ilúormações il11portai1tes sobre a eco11omia da

cultura no país. Segnndo a pesquisa, em 1994 existi= no Brasil 510 mil pessoas cuja ocupação principal estava em atividades culturais. Esse número era 53% superior ao de empregados 110 setor de material de transportes, inclull1do-se aí a il1dústria automobilística, 90% superior às ocupações no setor de 1naterial elétrico e eletrônico

e representava algo em torno de 0,8% do PIB nacional. A participação dos salários no segmento era de 1,7% do total pago pela economia, indicando um salário médio acima do conjunto dos demais setores. Para cada milhão produzido em 1994 na área, eram gerados 91,5 postos de trabalho, enquanto o conjtmto das demais atividades eco11ôn1icas gerava 69 postos.

No final de 2006, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE e o Mirtistério da Cultura tornaram públicos os resultados de mais um estudo de grande relevância: o Sistema de Infor111ações e Indicadores Culturais, realizado com o intuito de traduzir e1n i1íuneros e cifras a dimensão eco11ôn1ica da culhlra no Brasil. Elaborado a pai'tir

de estatísticas do ano de 2003 sobre a produção de bens e serviços, os gastos das fanlilias e do governo e as características da mão-de-obra ocupada i10 setor, o Siste111a revelou informações importai1tes: • a cultura corresponde ao quai·to item de co115u1no das fanúlias brasileiras, superai1-

do os gastos com educação e abaixo apenas da habitação, alimentação e transporte; • a cultura ten1 1u11 custo de traball10 n1u.ito abaixo da média e i11ovitne11ta empre-

gos qualificados, com alto grau de especialização. (Disponível em . Acesso em 12 de janeiro de 2008) Na edição de 2007 da mesma pesquisa, novos dados sobre a economia da cultma for= revelados, tendo como referência estatísticas do período de 2003 a 2005: • a receita líquida movimentada pelo setor passou de R$ 165,3 bilhões, em 2003, para R$ 221,9 bilhões, em 2005; • forai11 criadas 52.321 en1presas, órgãos da ad1ninistração pública e ei1tidades sen1 fi11s lucrativos no setor culttrral, que representaran1 tm1 au1ne11to de 19,4%, passan-

do de 269.074 para 321.395, nesse período;

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..

• houve crescimento de 203.845 pessoas ocupadas, com salário médio de R$ 1.565,74 (47,64% superior à média nacional de R$ 1.060,48 reais), totalizando em 2005 1,6 milhões de ocupados;

.

• a despesa per capita total com cultura no Brasil passou de R$ 12,90, em 2003, para R$ 17,00, em 2005; • os gastos públicos alocados no setor cultural aumentaram de aproximadamente R$ 2,4 bilhões, em 2003, para R$ 3,1 bilhões, em 2005, em valores correntes. (Disponível em . Acesso em 12 de janeiro de 2008) Outros dados interessantes foram apontados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, em 2006: • de 2005 para 2006, a população ocupada no Brasil cresceu 2,4%, enquanto nas ocupações ou atividades relacionadas à cttlhtra verificou-se um crescimento de 5,4%;

• em 2004, do total de pessoas ocupadas no Brasil, 4,5% exerciam ocupações relacionadas às atividades culturais. Em 2006, esse percentual subiu para 4,8%. (Disponível em . Acesso em 12 de janeiro de 2008)

Boom cultural Em 2001, a Fundação João Pinheiro publicou outra pesquisa interessante sobre a economia da cultura, dessa vez tendo como referência a cidade de Belo Horizonte. Um dado que se destaca nesse estudo é o número de pessoas que tinham nas atividades culturais sua principal ocupação no ano de 2000: nada menos que 62 mil trabalhadores, contra 122 mil na construção civil, 86 mil na indústria metalmecânica e 37 n1il na indí1stria têxtil e de vestuário. No universo levm1tado, estão incluídos não só o músico, o ator, o pintor ou o jornalista, mas também a faxineira e

o executivo que trabalham na área. (Santana; Souza, 2001, p. 17) O mercado cultural de Belo Horizonte, a exemplo de outras capitais brasileiras, explodiu na última década. A partir dos anos 1990, multiplicaram-se os equipamentos culturais co1no casas de espetáculos, salas de cinen1a, estúdios de gravação e galerias de exposições. A produção da cidade também acompanhou o movimento de expansão da ilúra-estrutura. Nessa época, surgiram e se consolidaram grandes eventos culturais, como o Festival Inter11acional de Teatro, o Fórum Internacional

de Dança, o Festival Internacional de Teatro de Bonecos, o Festival Mundial de Circo do Brasil, o Encontro Mundial de Artes Cênicas, o Festival Internacional de Quadrinhos, o Salão do Livro, o Festival Eletronika e o Festival Internacional de Curtas Metragens. Nos últimos tempos, a tradicional Campanha de Popularização do Teatro e da Dança vem se firmando junto ao público da cidade e lotando os

*nota

teatros, sempre nos n1eses de ja11eiro e fevereiro. Segundo o Sit1dicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais, en1 sua edição de 2007, o evento reuni11, apenas e1n Belo Horizonte, cerca de 235 mil espectadores, 11um período de oito sen1a11as*.

Dados enviados por e-mail pelo Sindicato.

A expansão também se faz presente no número expressivo de grupos artísticos que firmaran1 s11a carreira na cidade e ganharan1projeção11acional ou n1esn10 internacio11al

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li

nos últin1os ru1os. É o caso de con1paiiliias de dança como Corpo, Prin1eiro Ato e Mimulus, de grupos teatrais con10 Galpão e Giran1m1do, e musicais como Uakti, Skank, Pato Fu e jota Quest, que se tornaram referências de qualidade no mercado brasileiro. Na esteira de seu sucesso, diversos outros grupos têm se profissionalizado, conquistando paulatinamente o público e ganhando espaço na mídia. Em pesquisa mais recente, publicada em agosto de 2004, a antropóloga Clarisse de Assis Libânio, da ONG Favela é Isso Aí, identificou 6.911 pessoas envolvidas com atividades culturais apenas nas vilas e favelas de Belo Horizonte. Embora boa parte desse contingente não atue profissionalmente, trata-se de um bom indicador de demanda latente pelo consumo ou mesmo pela produção de bens culturais.

Mercado Cultural: uma experiência reveladora na Bahia Salvador é outro grande exemplo de afirmação ocorrida a partir dos anos 1990. Impulsionada pela explosão da axé 11111sic e pela espetacular expansão da indústria do carnavat a cidade conseguiu ro1nper definitivamente com a polarização do eixo Rio-São Paulo e ganhar dinânúca própria. Seu movimento cultural - que vai muito além da música destinada ao consumo de massa - ganhou peso a partir da valorização das cores locais e da associação con1 o h1risn10. Com infra-estruhu·a de produção invejável, a cidade se abre, de inodo arrojado, à discussão e à reflexão sobre caminhos e alternativas para a cultura brasileira. O Mercado Cultural é um dos principais eventos regulares de Salvador. Anualmente, reúne na cidade ru·tistas, produtores, gestores e agentes culh1rais, com o intuito de discutir e pron1over a distribuição da cultura brasileira en1 11íveis nacional e internacio11al. A programação inclui espetáculos, mostras, conferências, "lVorkshops e feira de negócios. Após sua sétima edição, o Mercado se firmou con10 espaço privilegiado para exposição da produção oculta de diversas regiões e como plataforma de exportação. O gestor cultural Ruy César, da Casa Via Magia, responsável pela realização do evento, discorre sobre o processo de expansão do setor: Eu acho que demos um salto e, hoje, as regiões têm uma produção extremamente rica, com uma autonomia de criação que não existia antes. No entanto, ainda temos problemas de distribuição. Se pegamos, por exemplo, o caso de Minas, vamos encontrar uma produção espantosa. Fora os grupos de teatro e de dança e os artistas mais consagrados, existem, pelo menos, quarenta a cinqüenta novos músicos, artistas de alta qualidade, que poderiam estar em qualquer palco do mundo, mas que não são conhecidos. Ninguém sabe, no Brasil, quem são esses artistas. Como organizar, como tornar isso visível? Como sistematizar a oferta dessa produção, para que ela se torne acessível? Nós citamos Minas, mas esse pode ser o caso de qualquer outro estado brasileiro. Você vai encontrar a mesma situação, com algumas variações e diferenças, mas sempre com muita criatividade. Como colocar essa produção em movimento e como distribuir out e ín? Se você organizar tudo numa mostra da produção mineira contemporânea, com a releitura das raízes, com as congadas, os tambores e os reisados, mostrando de onde vem a base da cultura do estado, e também as experimentações que vêm sendo feitas em torno disso, você, fatalmente, atrairá o olhar de diretores de festivais, de formadores

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de opinião, de jornalistas especializados da mídia do mundo inteiro. Uma mídia sofisticada e antenada, que vai saber e vai querer vir.

1

leia+ --------

distribuição p. 249

Ruy César afirma que talvez seja mais fácil distribuir a produção brasileira para fora do país do que para o mercado interno, e que a grande questão que se coloca nos dias de hoje é a da circulação entre os estados. Esse foi um desafio que tomamos pelas mãos, com a criação do Mercado

Cultural. Tentamos cuidar de três aspectos: organizar a oferta; promover e dar visibilidade; e mover, colocar em movimento e distribuir. Essas são questõeschave que temos hoje para o desenvolvimento da produção cultural brasileira. Todo mundo perde com o problema do estrangulamento em determinadas regiões. Se todos querem se apresentar no Sudeste, há uma sobrecarga na região. Mesmo os artistas e produtores de lá saem perdendo. Há uma produção maravilhosa no Rio e em São Paulo que tem que ser distribuída no Brasil. Se não há mecanismos, se não há teatros e produtores competentes, trabalhando em rede, como você vai conseguir isso?

"Barulho" no Brasil Central O fortalecimento da área cultural é percebido com clareza por todo o país. Fabrício Nobre e Leo Bigode, sócios da Monstro Discos, empresa que realiza os festivais Goiâ11.ia Noise e Bai1anada, confir1nam a te11dê11da. Para Bigode, esse crescimento é iútido.

leia+

Abrafln p. 111

Nos últimos dez anos, nós avançamos bastante. Se olharmos para trás, vamos ver uma diferença grande. É só ver os festivais que existiam há cinco anos e os que existem hoje. E mais, os que teremos daqui a dois anos. A própria Abrafin -Associação Brasileira de Festivais Independentes - é um sinal de organização e de profissionalização da área. Há dez anos não sabíamos como é que mandávamos um cartaz para a gráfica, não sabíamos qual era o melhoramplificador. Ninguém sabia. Não tínhamos acesso a nada em Goiânia. A cidade é super nova, e somos da primeira geração de goianienses urbanos. Hoje nós sabemos mais das coisas e conhecemos todas as dimensões do negócio.

Para Fabrício, a expansão do mercado alternativo é urna grande novidade nesse contexto. Essa lógica que existia anteriormente na área da música, em que a gravadora bancava tudo e enriquecia alguns artistas, está quase no fim. O que está surgindo agora, e que é uma coisa da qual fazemos parte, é uma realidade independente e alternativa a esse mercado. Nós estamos crescendo.

Tal observação enseja algumas reflexões particulares sobre o mercado da música, que vive, ao co11trário de outras áreas artísticas e culturais, um mon1e11to de turbulência, que mescla crescimento co1n 1nudanças radicais.

Turbulência no mercado musical A multiplicação do número de músicos é evidente e pode ser confirmada pelo salto verificado na indústria brasileira de instrume11tos n1usicais. O jornalista Carlos

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Eduardo Cherem, em matéria publicada no jornal Estado de Minas, revela alguns indicadores de creschnento do setor: Entre 1992 e o ano passado [2001], segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o faturamento do segmento de instrumentos musicais no Brasil triplicou de tamanho, pulando de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões. (. .. ) Na última década, o segmento ampliou em 30% o número de empregados, passando de 3 mil empregos diretos para 4 mil. (Estado de Minas, Caderno Economia, p. 8, 09/06/02)

E11tretanto, se o número de 1núsicos ven1 se ampliando consideravelmente, o 1nesmo não se aplica às vendas de 1ní1sica pelas vias h·adicio11ais, que seguem te11dê11cia inver-

sa. Na verdade, o volume de CDs comercializados legalmente no país acompanha o movimento de queda do mercado fonográfico mundial. Segundo a pesquisa Mercado Brasileiro de Música 2005, realizada pela Associação Brasileira de Produtores de Discos~ ABPD, essa retração se deve aos seguintes fatores: • pirataria física;

• estagnação do co11Stu110; e • crescente competição com outras mídias e formas de lazer. A pesquisa tan1bém revela que o rnercado musical brasileh·o ven1 sofrendo w11 ataque

crescente da pirataria on-line, principalmente pelo compartilhamento de arquivos digitais via Internet. Ainda não existem levantamentos estatísticos sobre as vendas on-line no país, apesar de ter sido registrada a abertura de novas lojas virtuais. Um dos efeitos negativos apurados no mercado fonográfico brasileiro, em 2005, foi a queda de 20% no número de CDs, DVDs e VHSs musicais vendidos, em comparação com o ano anterior. A pesquisa aponta também a perda, no período de 1997 a 2005, de 50% nos postos de trabalho do setor (gravadoras, fabricantes, comércio varejista etc.) e de 50% no número de artistas contratados. Assinala ainda o fechamento de 3.500 pontos de venda, em todo o país. Por outro lado, um aspecto digno de registro, identificado pelo estudo da ABPD, foi o fato de que 76% do total das vendas de 2005 foram de produtos de artistas brasileiros. Esse percentual, que se n1antén1 no mesn10 patan1ar de anos anteriores, é uin dos mais altos do mundo. Na realidade, o que se encontra em queda é o modelo tradicional de produção e distribuição, imposto pelas gravadoras ao mercado musical por várias décadas. Os novos ten1pos exige1n novos arranjos e novas formas de levar a música ao consumidor final, que passam, necessaria1nente, pelo emprego eficiente de ferrame11tas digitais e de instrumentos de licenciamento. Inúmeras são as possibilidades que se revelam com a utilização de recursos tecnológicos para a distribuição de música e para aproximação dos artistas com seus nichos de público, seja por intermédio da Web ou da telefo1tla celular. O momento aparenteme11te caótico é, para m1litos, n10tivo de apreensão e pânico. Para outros, enh·etanto, é prenúncio de novas oportunidades. Com o barateamento da produção musical possibilitado pela oferta em grande escala de novas tecnologias e com a multiplicação de canais para compartilhamento

O Contexto Cultural Brasileiro

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de arquivos, ab1iram-se, para os artistas, possibilidades concretas de interação direta con1 seu público, sen1 a i11tern1ediação das grandes gravadoras. Boa parte dos produtores culturais brasileiros talvez ainda não tenha se dado conta desse fato, ou pordesconl1ecimento dos cru1ais existentes ou, simplesn1ente, por n1ero co11Senradorisn10. O gerente de design do C.E.S.A.R. - Centro de Sistemas Avançados do Recife, H. D. Mabuse, reforça o coro daqueles que pensam que as grandes gravadoras estão com seus dias contados. Em palestra proferida durante a Feira Música Brasil 2007, em Recife, defendeu a posição de que acontece hoje um fenômeno de pulverização das grandes estruturas en1 microindúsh·ias de culhrra e entreteni1nento. Cita con10 exemplos a microindústria da venda de ringtones para telefones celulares e a microindústria da comercialização de CDs em peque11as carroci11.has sonorizadas, que se alastrou, nos últimos anos, pelo Nordeste. Mabuse afirma também que, a partir do surgimento da Web 2.0, con10 as pessoas não n1ais precisam dominar tecnologias con1plexas para colocaT conteúdo i10 ar, ficou mais fácil para nn1 artista interagir com seu púbJico, n1es1no qtte isso se dê i1un1 círculo mais restrito. Menciona casos de trabalhos artísticos que vêm obtendo sucesso a partir da utilização adequada de instrwnentos como blogs, podcasts ou socia/nefs e lança no ar wna pergunta: Por que o cara tem que se tornar necessariamente um nome nacional?

O fato é que o próprio conceito de sucesso ven1 sofrendo n1udanças co11Sideráveis nos últimos tempos. A velha indústria de ídolos impostos pela núdia de forma massificada vai gradativamente cedendo espaço para o surgin1ento de estrelas locais.

A Cauda Longa

*nota A leitura do livro A Cauda Longa é bastante recomendável a todos aqueles que atuam na distribuição de produtos culturais.

Chris Andersen, editor chefe da revista Wired, publicou, em 2006, o livro A Cauda Longa*, no qual lança luzes sobre o novo e vasto mercado da diversidade, que e1nerge de forn1a vigorosa, en1 contraposição à era dos grandes sucessos e das grandes audiências. (... )embora ainda estejamos obcecados pelo sucesso do momento, esses hits já não são mais a força econômica de outrora. Mas para onde estão debandando aqueles consumidores volúveis, que corriam atrás do efêmero? Em vez de avançarem como manada numa única direção, eles agora se dispersam ao sabor dos ventos, à medida que o mercado se fragmenta em inúmeros nichos.

(Andersen, 2006, p. 2) Andersen cita a queda drástica das vendas de álbW1S musicais e a perda de público pelas grandes redes de televisão como indicadores de que algo realmente está mudando em ritmo acelerado. O broadcast, com sua capacidade de levar um programa a milhões de pessoas, é confrontado pela Inter11et, que faz exatamente o co11trário: leva um milhão de programas para cada pessoa. Embora ainda exista demanda para a culhtra de n1assa, os inún1eros mercados de nicho, somados, ganham volu1ne suficiente para fazer frente aos grandes hits. O público exige cada vez mais opções e abraça a diversidade, abrindo espaço para o surgimento de um grande mosaico de "minimercados e microestrelas".

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O Avesso da Cena

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A expressão que dá titulo ao livro foi tomada emprestada da área de estatística pelo autor e designa um tipo de curva de demanda denominado distribuição de cauda longa, pois se11 prolongamento húerior é in11ito comprido en1 relação à cabeça, conforme pode ser observado na Figura 1.1.

Cabeça

~-Cauda Longa

------Figura 1.1-A cauda longa

Produtos

O gráfico de ca11da longa represe11ta o que, de fato, ocorre 11os mercados convencionais. Grande parte das vendas está concentrada na pritneira seção, a cabeça da curva, situada próxima ao eixo vertical. Ali se encontram os grandes hits, que respondem, boa parte das vezes, pela quase totalidade do faturamento. Em nossa cultura movida a sucessos, as pessoas se concentram obsessivamente no lado esquerdo da curva, na tentativa de adivinhar o que se aglomerará nesse pequeno espaço. (Anderson, 2006, p. 19)

Esse modelo, válido pai·a o con1ércio con\rencional, não se aplica com a n1esma intensidade quando se trata do varejo on-line. Em uma loja virtual, o catálogo de prod11tos não se lin1ita aos grandes sucessos tuna vez que os custos de estoque não mais existen1. Pelo contrário, avança sobre a cauda, onde se enco11tram prod11tos obscuros e etiquetas desconhecidas, outrora inacessíveis ao gra11de público pela impossibilidade de concorrer por espaço nas prateleiras com os grandes hits. Para o comércio eletrônico, o que importa é o fatura111ento final, q11e pode ser con1posto, em parte, pelas vendas elevadas de determinados produtos populares, mas também pela soma de pequenos pedidos de uma infinidade de outras mercadorias alternativas. En1 suas pesquisas, surpreendentemente Andersen descobriu q11e cerca de 98% dos títulos disponíveis nas lojas virtuais registram pelo menos uma ve11da a cada trimestre. Esse fato as estimula a expandir indefinida1ne11te seu catálogo, 11ma vez que os custos de comercialização são os mesmos e não existe o risco de encalhe de estoque. 1

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Quando se é capaz de reduzir drasticamente os custos de interligar a oferta e a demanda, mudam-se não só os números, mas toda a natureza do mercado. E não se trata apenas de mudança quantitativa, mas, sobretudo, de transformação qualitativa. O novo acesso aos nichos revela demanda latente por conteúdo não-comercial. Então, à medida que a demanda se desloca para os

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nichos, a economia do fornecimento melhora ainda mais, e assim por diante, criando um loop de feedback positivo, que metamorfoseará setores inteiros -

e a cultura - nas próximas décadas. (Anderson, 2006, p. 24) O show business brasileiro Naturalmente, em função de toda essa turbulência, o show business brasileiro segue a tendência mw1dial de queda dos grandes hils e vive um momento de redefinição de caminhos. Já não são tantos os grandes nomes da cultura nacional que sustentam turnês bem-sucedidas pelo país. A impressão de algw1S profissionais que atuam na área é a de que, 11oje, o contexto não é n1ais favorável aos giros realizados nos moldes convencionais. Maurício Pessoa, da MP Produções e Eventos Culturais, de Salvador, que trabalha com artistas de grande projeção nacio11al, tem uma visão cautelosa em relação a esse campo de trabalho: Esse momento histórico é de mudança total. É um momento confuso e difícil e, apesar das instituições estarem mais fortes e organizadas, o mercado anda numa baixa considerável. Eu, que trabalho com turnês, posso notar que a crise no patrocínio se impôs de uma forma cruel. Ao mesmo tempo, não dá para esperar receita direta com um espetáculo. Hoje, é muito mais difícil levar grandes nomes a vários pontos do Brasil, principalmente nessa área onde eu atuo, que é o Nordeste. Você não consegue ter platéia e não consegue ter profissionais qualificados na área de produção, em função da própria crise, que fez com que vários bons produtores "quebrassem': Há quinze anos, as coisas aconteciam de uma forma quase mambembe. Hoje, para levar um artista, há toda uma estrutura muito pesada. No entanto, eu vejo que os patrocínios estão muito direcionados para os grandes centros. Então, eu acho que o momento é de crise, sim. Eu até acredito que isso, naturalmente, em algum momento vai se acomodar e vamos encontrar novos formatos. É necessário investir na formação de platéias. Acho que o público não cresceu. As pessoas que assistiam aos espetáculos há dez anos são as mesmas que assistem hoje.

O promotor cultural Alessandro Queiroga, da AQB, de Belo Horizonte, que realiza hrr11ês nacionais de grandes nomes, discorre sobre as expectativas do público 11esses novos tempos: O show businessteve aquilo que eu chamo de "ciclo do ídolo'; em que as pessoas pagavam para ver um determinado artista. Você trazia uma grande atriz e vendia ingresso antecipado porque as pessoas queriam vê-la, sem saber sequer qual era o conteúdo da peça que ela estava apresentando. Hoje, se o conteúdo não interessar, elas não vão mais ao teatro. O que se percebe é que as pessoas chegam ao espetáculo num estado de espírito e querem sair com outro. Querem alguma coisa que gere impacto sobre elas. Só que, de uns tempos para cá, isso começou a não existir. A relação entre o público e o ídolo também começou a perder força, porque o distanciamento acabou. Você hoje tem o DVD, que aproxima o artista do público. A pessoa tem a possibilidade de ver o show mais de uma vez e começa a se perguntar por que assistir a um show do artista X, se ela tem o disco ou o DVD do cara em casa. Daí a necessidade de haver conteúdo nos espetáculos, shows e demais obras artísticas.

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O que aconteceu com um grande número de artistas foi que seus shows perderam conteúdo. Nós assistimos ao fim da cultura do ídolo, mas até hoje tem gente pensando que o nosso problema é econômico e que as pessoas estão é sem dinheiro. Eu acho que, pelo contrário, quando você está sem dinheiro procura o Jazer porque quer espairecer. Aí você vai tomar sua cerveja ou vai a um espetáculo.

Segundo Queiroga, os shows individuais foram sendo substih1ídos, gradativamente, por eventos de grande porte, com participação de várias bandas. O público passou a ir ao evento pelo eve11to, e i1ão n1ais apenas para ver os artistas. As bandas não estavam nem confirmadas ainda e os ingressos já estavam sendo vendidos. Só que os eventos começaram também a se repetir e a ficar sem conteúdo para as pessoas. Eu entrevistei a meninada e percebi que nada

estava mexendo com ela. Em 2003, o Pop Rock Brasil, o Ceará Musice o Festival de Verão de Salvador tiveram queda de público. Os produtores tiveram que começar a repensar tudo. Na Bahia, eles bolaram um conteúdo diferente

para o festival e partiram para usar os Objetivos do Milênio da ONU. Só que eu me lembro que o único artista que estava envolvido com o contexto do

festival era o Marcelo D2, que na hora leu os oito objetivos para o público. Hoje eu entendo que os projetos de grandes eventos precisam ter algo mais de conteúdo. É preciso incorporar sutilezas que possam gerar impactos na visão de mundo das pessoas. É fundamental que a ação seja realmente transformadora.

O produtor Lúcio Oliveira, da Artbhz, de Belo Horizonte, também fala sobre esse momento de mudanças e defende a necessidade de se trabalhar de forma criativa: Eu não acho que tenha havido uma queda no show business brasileiro. Existe, sim, uma fórmula que está decadente. Eu me lembro que, alguns anos atrás, fechávamos uma turnê de vinte shows com um artista e partíamos para o interior. Fazia-se um pacote, que ficava viável para as duas partes. Essa fórmula está definitivamente aposentada. O produtor tem que ser criativo, no sentido de pensar em novas possibilidades. Quando se faz a coisa com criatividade, ela tem sucesso. A simples possibilidade de ver um espetáculo com um artista já não atrai tanto as pessoas como antigamente. Eu não posso mais pegar o show do artista, colocar um cartaz na rua, colocar na televisão e esperar pela venda de ingressos. Eu tenho que fazer um evento, uma festa, que tenha como atração esse artista. Aí vai funcionar. As expectativas do público hoje são outras. Você tem que ter o show e o pós-show unidos no mesmo evento. A pessoa assiste ao show, mas tem uma pista de dança, uma área de alimentação bacana ou outra atividade atrelada. Isso é o que tem dado certo hoje. É por isso que você não vê mais turnês nacionais como antigamente.

Crescimento e má distribuição O setor culh1ral vive ta1nbén1 sob os efeitos das grai1des discussões que se lançam sobre o problema da desigualdade social brasileira. Uma questão cada vez mais re1eva11te entre as organizações é a da responsabilidade social. A iniciativa privada ven1 sendo chamada a participar das grandes questões nacionais e a tratar com

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fi''I· ~~.

transparência e ética todos os seus públicos, que vão desde os acionistas e en1pregados até os fornecedores, consunúdores e a sociedade como un1 todo. Cada vez mais empresas são levadas a i11vestir en1 ações que beneficiem as comunidades nas quais estão inseridas, e11tre elas as iniciativas de cunho culh1ral, como forn1a de co11struíre1n 11ma ünagem sólida perante o público e garantirem sua permru1ê11cia no mercado. No co11texto globalizado, encontra111-se permanentemente sob a mira dos investidores internacionais, que, entre os pré-requisitos para a concessão de fu1a11ciamentos ou pa.Ta a negociação de ações, exigen1 posttu·as de cidadania e atuação positiva nas co1nunidades onde operam. O patrocínio à cultura, con10 conseqiiência, vem sendo cada vez mais utilizado con10 ferramenta de aproximação das organizações co1n seus públicos, num n1ovimento que se potencializa ainda mais pela aplicação das leis de incentivo que se multiplicara1n pelo país. Tais n1ecanismos de renúncia fiscal, en1bora passíveis de inúmeras críticas, apresentam-se con10 um atrativo a n1ais pai·a as e1npresas injetarem recursos significativos na área cultural. Entretru1to, apesar da existência de perspectivas promissoras de crescimento, all1da hoje o Brasil é obrigado a conviver com incômodas estatísticas. De acordo com o Pe1fil dos Municípios Brasileiros Cultura 2006, elaborado pelo IBGE, 78,1% das cidades brasileiras não possuem museus, 91,3% não possuen1 salas de cinema, 78,8% 11ão possuen1 teatros, 75,2% 11ão possuen1 ce11tros cultt1rais, 40,2% i1ão possue1n uma loja de CDs e 70% não contan1 com un1a única livraria. Mesmo na Região Metropolitana de São Pa11lo, os nú1neros trad11zem um desequilíbrio bastante grave. De acordo com uma pesquisa realizada em 2005 pelo CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento: Na Região Metropolitana de São Paulo, 97,6% da classe C e 99% das classes D/E nunca assistiram a uma apresentação de música erudita ou não tiveram acesso a nenhuma delas nos últimos 12 meses. A mesma pesquisa mostra que o acesso a shows de música popular também é pequeno: 80,6% do total de entrevistados (todas as classes sociais} nunca foi ou ao menos não foi a nenhum show nos últimos 12 meses. (Disponível em . Acesso em 30 de maio de 2007)

Tais nún1eros podem ser e11carados, por n1uitos, con10 i11otivo de desencanto. Por outro lado, podem ser tomados como um grande desafio para os produtores e gestores culturais brasileiros, pois denotam a existência de un1a enorme faixa de público a ser sensibilizada e conquistada. Sucesso no interior do Ceará

*nota ----·---

O caso da pequena G11aran1irai1ga, cidade do interior do Ceará - que possui esh·utura smpreendente de produção cultmal, mantém intenso calendário anual de eventos e aplica 16% de seu orçan1ento em cultma* -, figma como tuna grande lição para todo o país.

Fonte: AGUA-Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga.

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A lição de Guaramiranga Romulo Avelar Toda noite, as longas filas às portas dos teatros de Guaramiranga denunciam que algo diferente acontece por aqui. Há no ar um misto de inquietação, alegria, prazer e curiosidade. Um pouco mais de observação e de conversa e a constatação de que se trata de um público absolutamente heterogêneo. São jovens vindos de Fortaleza, atores de grupos do interior do Ceará e de vários estados do Nordeste e, claro, moradores da própria Guaramiranga e das cidades vizinhas. Mas o grande momento vem a seguir: lá dentro dos teatros acontece uma programação que, a despeito dessa heterogeneidade, não faz concessões e não se rende ao caminho do fácil. Ao final de

cada espetáculo, a comprovação de que a direção é correta vem na forma de aplausos calorosos de um público que realmente viveu uma experiência reveladora. Assim, Guaramiranga vai dando uma grande lição ao Brasil. Uma cidade de cinco mil habitantes e dois teatros, num país onde 84,5% dos municípios não dispõem de nenhuma sala de espetáculos. Um grande exemplo a ser multiplicado neste país doente, que concentra 70% dos recursos de seu Ministério da Cultura em uma única região, sem levar em conta suas dimensões continentais. Eque, pior, faz muito pouco para mudar esse quadro perverso. Guaramiranga avança, pois, na contramão da pobreza cultural que marcha sobre o Brasil. Mas qual será a receita para tamanha vitalidade? Mesmo na condição de estrangeiro recém-chegado, deixo de lado a tradicional prudência de meus conterrâneos para arriscar algumas prováveis respostas. Em primeiro lugar, há que se destacar a regularidade na realização do Festival Nordestino de Teatro, que há muito se transformou num programa permanente e deixou de lado a simples condição de evento. A regularidade é um aspecto fundamental a qualquer ação que se pretenda duradoura no campo da cultura. Qualquer política cultural conseqüente deve levar em conta esse princípio fundamental. Outro grande acerto foi a opção por dar ao Festival um caráter de fórum de discussões, com a realização de oficinas e debates em torno das artes cênicas, paralelamente às apresentações de espetáculos. Essa iniciativa vem deixando na cidade um residual de informações, questionamentos e provocações que já resultou na criação de cinco grupos de teatro locais, que seguem em plena atividade. Na esteira do sucesso do Festival, que parte para a realização de sua décima edição em 2003, surgiram os festivais de jazz e de gastronomia, que consolidaram na cidade um invejável calendário de eventos. Guaramiranga repete, desse modo, a fórmula de inúmeras cidades européias, que fazem da cultura sua grande ferramenta de estímulo ao turismo. Um caminho que grande parte dos políticos brasileiros ainda teima em ignorar, a despeito da imensa riqueza cultural deste país. Há que se destacar ainda a ação da Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga -Agua, que vem se empenhando, nos últimos dez anos, na sensibilização e formação artística e na manutenção de grupos na própria cidade e nas comunidades vizinhas, valendo-se da cultura como veículo de promoção social, desenvolvimento do espírito crítico e crescimento econômico. Guaramiranga é hoje uma cidade que projeta seu futuro com um grau de consciência raro no Brasil. Por tudo isso, para quem acredita no poder transformador da cultura, estar aqui, parado em frente ao Teatro Rachel de Queiroz, é puro deleite. É poder constatar, ao vivo, numa simples fila diante de uma casa de espetáculos, que é possível mudar a face deste país pelo investimento na arte e na promoção social. Artigo publicado no jornal OPovo, de Fortaleza/CE, em 19 de setembro de 2002

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Teatro Municipal Rachel de Queiroz - Guaramiranga, CE

Fotografia: Chico Gadelha

O que teria acontecido em Guaramiranga para que o grande salto se tornasse possível? O que a diferencia das milhares de outras cidades brasileiras - algumas bem maiores - onde não existe qualquer tipo de ação estruturada nesse campo? Alguns vão dizer que se trata de uma cidadezinha charmosa e bonita, reduto da burguesia cearense nos finais de semana e que, portanto, é tnn local onde circula dinheiro. Isso pode ser uma verdade, mas que enseja outra pergunta: quantas são as cidades charmosas, bem cuidadas e ricas do país que não têm sequer uma pequena porção do movimento cultural de Guaranúranga? Outros podem creditar o êxito da programação da cidade ao apoio do Governo do Estado às suas iniciativas. Naturalmente, tan1bém este pode ser un1 fator, assim co1no vários outros não tão explícitos. Entretanto, existe um ponto que certamente foi decisivo nesse processo: a própria mobilização da comunidade. A trajetória de expansão do movimento local tem como origem a criação da AGUA-Associação dos Amigos da Arte de Guararniranga, em 1992. Naquele momento, tratava-se apenas de um grupo de pessoas interessadas no desenvolvime11to de atividades artesanais, artísticas e educacionais no município, co1no tantos outros existentes pelo país. Entretanto, sua visão aberta para o mundo logo se colocou como um grande diferencial. Guara1niranga não tentou "reinventar a roda". Pelo contrário, foi buscar o conl1ecimento actm1ulado por inúmeros artistas, produtores e gestores culturais convidados para as diversas edições do Festival Nordestino de Teatro. A partir das técnicas e informações absorvidas nas várias oficinas, debates e cursos realizados na cidade seus n1oradores souberam construir trma estr11tura cultural in1pressionante que incltli três teatros cinco grupos teatrais, u1n grupo de dai1ça, uma escola de 1núsica, un1a escola de comunicação, corais, grupos musicais e un1 calendário de eventos de tirar o fôlego, no qual figura ainda um Festival Internacional de Jazz, que acontece durante o Carnaval. Souberam também atrair recursos do 1

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Governo do Estado do Ceará e de várias outras fontes, que dinamizaram a economia da cidade. A vida em Guaramrranga tem na produção cultural um grande lastro, o que caracteriza m11 caso único i10 Brasil. A cidade figura, desse n1odo, co1no un1a grande provocação a tantas 011tras, que permanecen1 acon1odadas, esperando que as soluções venham de fora. Profissionalização do setor cultural No contexto cultural brasileiro, é necessário considerar a significativa movin1entação de artistas, produtores e gestores que se preparam para os novos te1npos e buscam a profissionalização do setor. Cresce, a cada dia, a de1nanda por cursos, oficinas e seminários para a discussão dos vários aspectos que envolvem a produção. A sistematização dos processos de gestão da c1ilh1ra torna possível a transmissão do conhecimento acumulado, decretando o fim do improviso e do excesso de infor1nalidade que se1npre caracterizaram a área. Trabalhar con1 ctlltura no Brasil, dessa forma, deixa gradativamente de ser uma aposta diletante para ganhar contornos profissionais. No entanto, é hnportante observar que todo esse movimento pela profissionalização da produção brasileira tem sido resultado muito mais de iniciativas dispersas dos artistas, produtores, gestores, instituições privadas e organizações do terceiro setor do que de ações coordenadas dos órgãos governamentais. Ao longo da história brasileira, o Poder Público, nos seus três níveis, foi quase sempre ontlsso em relação às questões da cultura. Mais recentemente, a criação de leis de incentivo passou a ser, para muitos governos, tuna forma de 1nascarar a falta de dotações orçan1e11tárias para a área. No início de 2007, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, fez o seguinte comentário sobre a incômoda posição ocupada por sua pasta na divisão do orçamento brasileiro: Desde a sua criação, há 20 anos, o MinC tem ocupado os últimos lugares no ranking do orçamento do país, cambaleando com cerca de 0,6°/o dos recursos do Governo Federal, como ocorreu no ano de 2006. (Disponível em o:::http:// www.cultura.gov.br/noticias/discursos/index.php7p=21211&more=1&c=1&pb=1>. Acesso em 3 de novembro de 2007)

Naturalmente, a crítica do ministro se aplica à quase totalidade dos estados e municípios brasileiros. Nas casas legislativas e nos gabinetes do Poder Executivo, arte e cultura ainda são vistas, freqüentemente, corno elementos n1erame11te decorativos e restritos à dimensão do evento, do espetáculo. O debate em torno do papel transversal da cultura e de seu caráter estratégico para o país vem ganhando corpo nos íiltitnos tempos e se traduz na criação de novos mecanismos de financiamento ao setor, mas precisa chegar com 1nais clareza à Cân1ara Federat às assembléias estaduais e às câmaras municipais. O grande desafio que se impõe diante dos profissionais da área, no n1omento, é exatamente a conquista de espaço político. A velha imagen1 da cultura de pires na 1não", vivendo das migalhas da filantropia, não faz mais sentido en1 nossos tempos. /1

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. ©Min@êlecm

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Os cinco primeiros anos de gestão de Gilberto Gil (2003-2007) à frente do Ministério da Cttltura foran1111arcados pela criação de uma série de programas inovadores, algw1s dos quais se enconh·am em processo de implantação. Nesse período, a visibilidade conquistada pela pasta foi notória, tanto no plano nacional quanto nas esferas internacionais. A in1agem e o carisma do ministro se to111aram, sen1 sombra de dúvida, fatores decisivos para a a1npliação do debate en1 torno das questões ctdturais no país. Em um balanço sobre a atuação do Governo Lula na área, publicado no livro-relatório 1" Co11ferê11cia Nacional de Cultura 2005/2006, Frederico Barbosa, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea/Disoc, destaca os esforços do Ministério pela "construção de políticas públicas culturais amplas e sistêmicas, em especial pela transformação dos seus marcos legais hmdantes". Segundo Barbosa (2007, p. 57), (... )inovações e ajustes de rota não foram pequenos, sobretudo da metade do mandato em diante, embora, é certo, todas elas ainda aguardem consolida-

ção. No entanto, muitos dos espaços para reorientar e repor ênfases, na condução das Políticas Culturais, foram bem aproveitados na Gestão de Gilberto Gil, embora muitas das dificuldades encontradas em governos anteriores per-

maneçam e se reproduzam.

Entre as ações impleme11tadas no período, merecem referência o Progran1a Cultura Viva, a reestruturação da Funarte, o direcioname11to dos recursos das estatais para a cultura por meio de seleções públicas, o Programa de Intercãmbio e Difosão Cultural e o debate em torno da estruhtração do Plano Nacional de Cultura, que envolveu go,rernos estad11ais e municipais.

O Programa Cultura Viva O Progra111a Cultura Viva é un1a das iniciativas de n1aior consistência desenvolvida na gestão do ministro Gilberto Gil. Estabelecido a partir de cinco vertentes, os Pontos de

Cultura, o Agente Cultura Viva, a Cultura Digital, a Escola Viva e os Griôs -Mestres dos Saberes, tem como principais trunfos seu caráter flexível e sua perspectiva horizontal. Trata-se de uma rede de criação e gestão cultural mediada pelos Pontos de Cultura, núcleos de irradiação que podem assumir perfis diversificados e ter como base espaços de múltiplas naturezas, que vão desde um centro cultural já estruhtrado a, até n1esmo, uma pequena casa 011 barracão. Ao invés de atuar de n1ru1eira convencio11al, construindo centros ctilhli-ais pelo país, o Mit1istério inverte a lógica e parte para o investimento em propostas emergentes das próprias commúdades. Cada Ponto de Cultura nasce com uma identidade particular e é gerido pelos cidadãos diretamente beneficiados. O público-alvo é formado por populações de baixa renda, jovens em situação de vulnerabilidade social, estuda11tes, con1unidades indígenas, rurais e remanesce11tes de quilombos e nlilitai1tes sociais que dese11volvem ações de combate à exclusão social e cultural. Segundo o mitústro Gil, o Programa Cultura Viva pode ser traduzido como "uma espécie de 'do-in' antropológico, massageando po11tos vitais, mas mome11tanean1ente

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desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país" (Catálogo Cultura Viva, 2004, p. 21). A escolha dos projetos de criação e manutenção de Pontos de Cultura se dá por meio de editais publicados pelo Ministério da Cultura. Cada Ponto recebe até R$ 185 mil para investir em seu projeto, no prazo de dois anos e n1eio. Parte dos recursos deve ser investida na aquisição de equipamento multimídia com software livre, que possibilite ao público beneficiado o desenvolvimento de atividades como gravação e edição de som e de imagens, criação de páginas na Internet, produção de rádios virtuais etc. Todos os Pontos são interligados en1 rede. Até o inês de novembro de 2007, foram criados 640 Pontos de Cultura em todo o país (veja o site ). Pronac O Ministério da Cultura herdou de governos passados um modelo controvertido de financiamento, baseado no Programa Nacional de Apoio à Cultura, instih1ído pela Lei nº 8.313 de 1991. Embora sejam três os mecanismos que o compõem, apenas o Incentivo a Projetos Culhuais, conhecido como Mecenato e fundamentado em renúncia fiscal, alcançou resultados expressivos. Os outros dois, o Fundo Nacional de Culhua (FNC) e os Fundos de Investimento Culhu·al e Artístico (FICART) ainda não cumprem satisfatoriamente as finalidades para as quais foram criados.

leia+ legislação de incentivo à cultura p. 401

O Fundo Nacional de Culh1ra foi concebido para suprir as necessidades de financiamento de ações que estejam fora da lógica de mercado. No texto da Lei nº 8.313 figura1n, entre seus objetivos, o de "estin1ular a distribuição regional eqüitativa dos recursos a serem aplicados na execução de projetos culturais e artísticos" e o de "priorizar projetos em áreas artísticas e culturais com menos possibilidade de desenvolvimento con1 recursos próprios". Passados dezesseis a11os da criação do Pronac, pern1a11ece a impressão de que o FNC não conseguiu se tornar uma alternativa acessível aos empreendedores de projetos enquadrados nesses propósitos. Há que se reconhecer o esforço do Ministério de criar editais de fu1anciamento con1 recursos do Fundo. Entretanto, essa iniciativa all1da não foi suficie11te para dar ao mecanisn10 a clareza e o vigor necessários. Os Fundos de Investimento Cultural e Artístico, por sua vez, não saíram do papel. Tais instrume11tos poderian1 se colocar a serviço de iniciativas da indústria cultural brasileira, n1as permanecem sem regulan1entação. O resultado dessa atrofia em dois mecanismos trouxe desequilibrio ao programa, fazendo com que a vertente da renú11cia fiscal se transfor1nasse na fonte predonlinante para a irrigação do setor. Quase todos os projetos, de c1mho comercial ou 11ão, passaram a disputar recursos 11uma inesma raia, com 11ahtral prejuízo para aqueles de menor porte, proverúentes de localidades distantes dos grandes centros. Em abril de 2006, ainda como secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, Sérgio Sá Leitão assll1alou a existê11cia de distorções e li1nitações no modelo de financiame11to vigente, e1n e11trevista concedida à Revista Raiz:

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Há um aspecto sobre as leis de incentivo que precisamos considerar. O que nós tivemos ao longo dos anos 1990 e no início do milênio? Um processo em que o investimento em cultura, por meio da lei, foi crescendo progressivamente, enquanto o investimento orçamentário foi sendo reduzido. Mas são dois instrumentos complementares, com papéis diferentes. Então, o que aconteceu? Passou-se a exigir da lei que ela produzisse resultados que não poderia produzir. Pela sua própria natureza. O investimento por meio de renúncia fiscal não pode substituir o investimento orçamentário. Mais do que isso: essas não são as duas únicas formas possíveis de investir recursos públicos em cultura. Por isso, mais importante do que uma mudança na lei, é uma mudança no modelo de financiamento público da cultura, que incorpore outros elementos, novos instrumentos, para que se tenha uma definição mais precisa da finalidade de cada um desses instrumentos. (Revista Raiz, n. 4, p. 82, abr. 2006)

Co11Siderada por muitos 1m1 n1ecanisn10 co11ce11trador e injusto, a Lei Federal de Incentivo vem sendo bombardeada por parcela significativa da classe cultural, desde sua criação. Era grande a expectativa de que, no atual governo, tais distorções fossen1 corrigidas. Entretanto, o que se viu, na prática, foi uma atuação túnida do Ministério da Cultura em relação ao assunto. As mudanças esperadas acabaram sendo postergadas e permanecem em suspenso. Segundo Barbosa (2007, p. 77), "as reformas da legislação dos ince11tivos fora1n mínimas e não atacaram seus proble1nas ce11trais. No entanto, a mru111tenção dos mecanisn1os de financian1e11to foi oportuna e possibilitou tuna significativa alavancagem de recursosn. Em 1neio às discussões em torno da questão, en1ergen1 dados positivos sobre os valores efetivamente captados com o auxílio do Mecenato. A Lei Federal vem canalizando para a área um volru11e cresce11te de recru·sos, conforme de1nonstrado 11ao gráfico da Figura 1.2. 900~--~·----------------------~

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Figura 1.2 - Lei Federa! de Incentivo à Cultura Captação Nacional de Recursos/Ano {Em milhões de reais)

Fonte: Ministério da Cultura

Nos íiltin1os anos, até mesn10 o MinC foi surpreendido com a explosão do nú1nero de propostas apresentadas ao Mecenato por proponentes do país inteiro. O cresci111ento exponencial do volurne de processos acabou por dei-xar expostos os 1in1ites

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estruturais da pasta. Hoje, o quadro funcional do Ministério revela-se insuficiente para a tramitação dos milhares de projetos encaminhados anualmente à Lei de Ince11tivo. Tal situação acarreta dificuldades e aborrecimentos freqiientes para os seus usuários e se apresenta corno um desafio para o minish·o e toda a sua equipe. Perspectivas Em outubro de 2007, o Governo Federal, por intermédio do Ministério da Cultura, lançou o Mais Cultura, um programa ambicioso que pretende investir, até 2010, R$ 4,7 bilhões na cultura brasileira. A iniciativa anuncia novas perspectivas para o setor e tem corno objetivos: • promover a diversidade cultural e social,. a auto-estima, o sentimento de pertecirnento, a cidadania, a liberdade dos indivíduos, o protagonismo e a emancipação social; • garantir acesso aos bens culturais e meios necessários para a expressão silnbólica e artística;

• qualificar o ambiente social das cidades, ampliando a oferta de equipamentos e os espaços que permitem o acesso à produção e à expressão cultural; • gerar oportunidades de emprego e renda para trabalhadores das micro, pequenas e médias empresas, assin1 como empreendimentos de econo1nia solidária no 1nercado cultural brasileiro. No lançamento do programa, em 4 de outubro de 2007, o mll1istro observou em seu pronunciamento: A omissão do Estado, por tantos anos, gerou um cenário de poucos leitores, de acesso privilegiado ao teatro e ao cinema, de falta de equipamentos culturais. Os dados do IBGE são eloqüentes. Um cenário de municípios sem quaisquer meios de difundir a produção cultural e artística entre sua população e de garantir espaços de convivência com o patrimônio cultural local e universal. Este é um cenário de separação entre cultura e educação. Entre cultura e rede de proteção social. Um cenário de separação entre cultura e

cidadania que foi bem auferido nos últimos números da pesquisa do IBGE. Estamos aqui porque queremos que esse diagnóstico fique para trás. Porque acreditamos que, por meio destes programas e planos de longo prazo apresentados aqui, estamos aprofundando a responsabilidade social de um Estado democrático, e vamos moldar um país onde esse acesso não será exclusivo de uma minoria. Esse é o sonho que nos tem movido.

Entre as várias ações anunciadas corno parte do programa Mais Cultura, destacamse a ampliação da rede de Pontos de Cultura (dos atuais 640 para 20.000 unidades), eliminação do déficit de bibliotecas públicas no Brasil, apoio à edição de publicações e livros a preços populares, capacitação de mão-de-obra especializada, linhas de crédito para empresas culturais e criação do vale-cultura. Segundo o Ministério, os recursos a serem aplicados no programa serão provenie11tes do próprio orçamento da União e de parcerias, contrapartidas, financiamentos e patrocínios. Está prevista a participação de órgãos da Presidência da República, de

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outros nlli1istérios, i11stituições financeiras, empresas estatais, hmdações e organizações da sociedade civil.

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Sem dúvida, o Mais C11lt11ra é uma itúciativa ousada e de proporções inéditas. Sua implementação pode consolidar a posição do Ministério da Cultura como articulador de políticas de desenvolvimento social para o país, desde que os problemas estruturais e orçamentários da pasta sejan1 realmente superados.

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Produtor e gestor: definindo os nanéis ln.iciahnente, é in1portante buscar ei1tendin1ento claro sobre o perfil dos produtores e gestores culturais e sobre suas atribuições. Quen1 são esses profissio11ais? Qual é sua esfera de atuação? Qual é o seu papel? Obter respostas a essas perguntas é fundan1ental não son1ente para as pessoas que se dedicam a essas profissões ou pretendem abraçá-las, mas também para todos aqueles que se envolvem com o fazer cultural, seja1n eles artistas, pesqttisadores, administradores, e1npresários ou age11tes públicos. Até hoje as funções dos produtores e gestores são cercadas de dúvidas, mesn10 para aqueles que vivem o cotidiano da área. Os diagramas apresentados nas figuras 2.1 e 2.2 buscam lançar um pouco de luz sobre essas questões. Neles estão representados os diversos agentes envolvidos no processo: os artistas e demais profissionais da cultura, respo!1Báveis pela criação e pela execução de ações culturais; as enipresas patrocinadoras, que incentivam projetos; o Poder Público, a quem cabe a formulação e a implementação de políticas para o fomento e o financiamento do setor; a mídia, que promove a difusão das realizações; os espaços culturais, que abrigam o que é produzido; e o próprio público, beneficiário das ações empreendidas. Vale observar que são universos diferentes · entre si, com particularidades divergentes e realidades freqüentemente conflitantes. Cada u1n desses setores tem sua li11guagem própria, muitas \rezes incompree11sível para pessoas que pertençam ao outro universo. Como exen1plo, é possível citar as enormes dificuldades que os artistas têm para compreensão da lógica empresarial e vice-e-versa.

Figura 2.1

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"lugar" do produtor cultural

O produtor cultural é um agente que deve ocupar a posição central nesse processo, desempenhando o papel de interface entre os profissionais da cultura e os demais segmentos. Nessa perspectiva, precisa atuar como "tradutor" das diferentes linguagens, contribuindo pa.Ta que o siste1na funcione harmoniosan1e11te. Sua prhneira ft111ção é a de cuidar pai·a que a comunicação e a troca entre os agentes ocorran1 de modo eficiente.

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OAvesso da Cena

• Figura 2.2 - Os ulugares" do gestor cultural

Assin1 como ocorre com o produtor, ao gestor cultural também cabe, com freqüência,

o papel de interface. Isso acontece quando ele se propõe a desenvolver projetos de ctmho coletivo ou administrar grupos, instituições ou empresas culturais que tenhan1 que lidar, em seu dia-a-dia, com artistas, outros profissionais da cultura e

patrocinadores públicos ou privados. No entanto, o gestor cultural pode estar presente tan1bém en1 outros contextos, como contratado de u111a ernpresa para o trato das

questões relativas ao patrocínio à cultura, como agente vinculado a órgão público ou como administrador de um espaço culhrral privado, público ou pertencente a organização não-governamental. Se, por um lado, essa função de "tradução" de linguagens está bastante presente nas rotinas de trabalho dos produtores e gestores, por outro, també1n se destacan1 as atribuições cotidianas inerentes ao campo da administração. É preciso observar

que produção e gestão cultural são atividades essencialmente administrativas. A consciência desse fato é ponto prin10rdial para o sucesso de qualquer empreendimento na área. Infelizmente, ainda hoje existe certo pudor, notadamente entre os artistas, de reconhecer a importância de utilizar técnicas e princípios da administração em be11efício de seu trabalho. Persiste o preco11ceito de que a estruturação das atividades de prod11ção e gestão en1 bases profissionais provoca, necessarian1ente.r conflitos com o processo de criação. Na verdade, a experiência tem mostrado que, ao contrário, a correta utilização de tais técnicas abre 11ovas perspectivas para os criadores, tuna vez que os liberta de uma série de amarras de ordem operacional

e burocrática. A equipe de criação do Grupo Corpo, por exemplo, pode se dedicar integralmente às suas funções diretamente relacionadas com a dança, porque dispõe de uma sólida base administrativa. A profissionalização da produção e da gestão da Companhia, desde os seus primeiros tempos, na década de 1970, foi certamente um dos aspectos que tornaran1 possível o sucesso de sua trajetória.

Feitas essas considerações prelintinares sobre os papéis desempenhados pelos produtores e gestores, é possível buscar tuna síntese de suas funções com as definições

seguintes.

O Produtor e o Gestor Cultural

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Produtor cultural Profissional que cria e administra diretamente eventos e projetos culturais, intermediando as relações dos artistas e demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura.

Gestor cultural Profissional que administra grupos e instituições culturais, intermediando as relações dos artistas e dos demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura; ou que desenvolve e administra atividades voltadas para a cul-

tura em empresas privadas, órgãos públicos, organizações não-governamentais e espaços culturais.

Produtor ou gestor cultural? As fronteiras entre as atividades de produção e gestão são bastante tênues. Em diversas situações, um n1esmo profissional pode atuai· simultanean1ente como produtor e gestor, acumulando as duas funções. Assim, a divisão do campo de trabalho dos empreendedores culturais entre produtores e gestores é algo que acaba por suscitar muitas dúvidas e algt1mas discussões polêmicas. Seria esta separação apenas uma questão irrelevante de no1nenclatura, ou existem diferenças reais nos perfis e nas funções desses profissionais?

*nota Atual Universidade Cândido Mendes

O primeiro curso da área surgido no Brasil, iniciativa conjunta das Faculdades Cândido Mendes* e da Fundição Progresso do llio de Janeiro, formava produtores, numa perspectiva de capacitação bastante abrangente. Os cursos de graduação criados posteriorn1e11te na Bal1ia e também 110 Rio de Janeiro seguiram a n1esma nomenclatura, reforçando o uso do termo produtor para identificação do empreendedor cultural. O título de gestor, empregado habitualmente em países iberoamericanos, apenas recentemente passou a ser adotado no país.

Outras definições "Produtor: 1. Empresário que investe diretamente ou se encarrega da obtenção de recursos finan· ceiros e de outras formas de patrocínio, controla as despesas necessárias e arregimenta os meios técnicos e materiais indispensáveis à realização de obras cinematográficas, teatrais, operísticas, coreográficas ou de espetáculos musicais.( ... ) 2. Profissional responsável, em última instância, pela obtenção e coordenação de recursos técnicos e materiais exigidos na realização de programas radiofônicos ou televisivos." (Cunha, 2003, p. 517) "O produtor cultural cria e organiza projetos e produtos artísticos e culturais, como espetáculos de teatro, dança e música, produções cinematográficas e televisivas, festivais, mostras e eventos. Ele cuida de todas as etapas do processo, da captação de recursos à realização final. Pode trabalhar tanto com artistas quanto em organizações e empresas voltadas para a área cultural.

Como produtor executivo, faz o orçamento do projeto, define cronogramas e busca recursos para a montagem da obra. Em instituições e empresas, traça a política de investimentos no setor, analisa as propostas de patrocínio cultural que lhe são encaminhadas e verifica se são adequadas ao perfil da empresa. Atua aínda no gerenciamento de instituições e órgãos públicos culturais, elaborando políticas públicas para a arte e a cu/tura.n !Guia do Estudante. Disponível em . Acesso em 27 de dezembro de 2007).

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Segw1do Rubim (2007, p. 18), a predominância do termo produtor é sintoma das próprias singularidades da organização da cultura no Brasil. Apesar de ser possível falar em políticas culturais no Brasil, desde os anos 30, com base nos experimentos de Mário de Andrade e de Gustavo Capanema,



não se pode afirmar o desenvolvimento de uma tradição de atenção e mesmo de formação na área da gestão cultural. Esse descuido das políticas culturais inibiu a valorização da gestão, seu reconhecimento e a conseqüente circulação entre nós da noção de gestão cultural.

R11bin1 també1n atribui esse processo à forte presença das leis de incentivo i10 cenário cultural brasileiro, que determinou a prevalência do mercado sobre o Estado na orgarúzação do setor. Assim, não só a predominância da noção de produção cultural sobre a de gestão cultural pode começar a ser elucidada, como, simultaneamente, a discussão faz emergir os graves sintomas associados a tal dominância. Dentre eles, podem ser citados: a ausência, no país, de políticas culturais visando qualificar a organização da cultura, inclusive atenta à formação profissional na área; a omissão do Estado na conformação de políticas culturais; e a hegemonia do mercado como regulador da cultura no Brasil, em particular entre 1986 e 2002.

A grande dúvida que permeia a discussão do tema é se seria esh·atégico dividir en1 d11as vertentes un1 can1po profissional que seq11er obteve reconl1ecimento por parte da sociedade brasileira. Seria perda de poder ou de espaço político separar profissionais cuja atuação é tão intimal11ente ligada? Para o professor Gilberto Gouma, idealizador do Curso de Graduação em Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, trata-se apenas de uma questão de nomenclatt1ra. Vejamos o exemplo de um médico. No decorrer de seu processo de formação, ele pode até se especializar em alguma coisa. Ele pode ser desde um clínico até um cirurgião. Passa por todas as disciplinas e, por uma inclinação pessoal, se volta para uma delas. Mas ele é um médico. Pelo currículo do nosso curso, o aluno tanto pode ser um produtor executivo, que vai montar um espetáculo ou produzir um filme, como um gestor, que irá atuar num órgão público, pensando políticas, ou administrar um espaço cultural. "Produtor" foi o nome que ficou. Mas eu acho que, se você começa a seccionar, vai acabar chegando naquela frase interessante: "o especialista é aquele que sabe cada vez mais sobre cada vez menos, até saber tudo de nada': Então, eu acho que não se deve restringir. Pelo contrário, é importante ampliar a formação. Alguém que pretende trabalhar com cultura deve se preparar para toda essa amplitude de possibilidades: produtor, gestor ou administrador. Eu confesso que não sei se "produtor" seria a nomenclatura mais adequada. A crítica ao uso do termo é de que ele fica muito vinculado à produção industrial, à cultura de massa. Hoje, fazendo uma revisão crítica, a palavra "gestor" talvez seja mais ampla, mais abrangente. Seria uma questão até de rever isso, mas eu volto a dizer: não faz diferença.

Eduardo Barata, jornalista e produtor teatral do Rio de Janeiro, tem a seguinte opinião sobre o assU11to:

O Produtor e o Gestor Cultural

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..

É tudo rótulo, não é mesmo? Mas eu sinto que há uma diferença: produtor é quem realiza o espetáculo, e o gestor não é necessariamente um produtor. O gestor é o cara que pode administrar um teatro, mas que pode não entender nada do "fazer teatral': O cara pode entender de leis de incentivo, de prestação de contas, mas não entender da realização de uma peça, de um show, de uma exposição. São caminhos muito diferentes. No meu entender, o gestor cultural, no formato em que está estabelecido hoje, se coloca num processo mais burocrático e administrativo do que artístico.

Laia Deheinzelin, empreendedora cultural e especialista em economia criativa e desenvolvimento, de São Paulo, faz clara distinção entre as funções de produtor e gestor: Eu acho que o gestor se coloca uma oitava acima do produtor. Quando eu falo isso, não estou me referindo a uma questão de mérito, mas de função e de recorte. O produtor é, no meu entender, alguém que está preocupado com o produto, como diz o próprio nome, e o gestor é alguém que está mais ligado com processos. O produtor tem uma tarefa clara: há uma coisa que não existe e precisa passar a existir, e que precisa funcionar direito. O gestor tem esse desafio também, só que com um "antes" e um "depois': Ele tem que garantir a continuidade do trabalho. É ele quem pensa: O que fazer com o conhecimento que temos? Como vamos sistematizar esse conhecimento? Como vamos pensar o futuro? Que tipo de parcerias iremos articular? O produtor produz coisas em linha. Tem um trabalho mais linear, com começo, meio e fim. Já o gestor funciona em rede. Ele cria um tecido de sustentação para aquilo que está fazendo e, portanto, tem uma formação mais complicada. A formação do produtor, embora tenha muita coisa em comum com a do gestor, no meu entender, não é a mesma.

A produtora e gestora cultural Miriam Brum, do Rio de Janeiro, se interessa, cada vez mais, pela jw1ção dos dois papéis na sua atividade profissional. Um gestor cultural sem a vivência do cotidiano de uma produção acaba realizando um mero exercício teórico. Por outro lado, um produtor sem o conhecimento da máquina burocrática não tem a dimensão e o alcance de seu universo de trabalho. Para ser um produtor cultural, é preciso conhecer esse universo. No Brasil, onde os patrocínios para produção e circulação acontecem, via de regra, por meio das leis de incentivo ou de editais, onde grande parte dos teatros pertence à rede pública, o produtor tem que conhecer a lógica da máquina pública para conseguir eficácia. Uma produção se inicia com a concepção de uma idéia, passa por sua transformação em um produto cultural e se completa através de sua difusão e circulação. Já a gestão trabalha com os produtos culturais em uma dimensão maior, mais política e de maior alcance. Trabalha para fazer com que produtos culturais diferenciados atinjam públicos diferenciados, ganhando escala. O gestor tem um grande papel estratégico como integrador e coordenador, além de ser um grande difusor. Ele tem que gerar as condições, através da instituição em que trabalha, para que as cadeias produtivas das diversas áreas consigam funcionar. Isso tanto na área pública quanto na área privada. Para ser um bom gestor, é fundamental que você conheça a prática. A única coisa que eu gosto no Me Donald's - além das batatas fritas e do sorvete de baunilha - é da filosofia de trabalho. Para ser gerente ou ter cargo

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O Avesso da Cena

de chefia, o sujeito começa sua carreira nos restaurantes, necessariamente cortando batatas, lavando o chão, servindo no balcão, passando por cada uma

Ili

das funções, trabalhando de verdade. Ele faz um estágio em cada uma delas,

porque tem que entender toda a linha de produção e a influência de uma função sobre a outra. Assim, aprende como um negócio se desenvolve, pelo estreito contato que estabelece com todas as áreas inerentes à atividade da empresa. Isso vale também para a formação de um gestor na área cultural. Ele tem que passar pela prática. Por outro lado, o produtor cultural precisa ter a noção de como funcionam as coisas no sistema público e nas empresas.

No livro Gestão Cultural - Profissão em Formação, a gestora cultural Maria Helena Cunha analisa questões relativas à constituição desse campo profissional. Quanto à diferenciação entre produtores e gestores, tem a segt1i11te posição: A indefinição da diferença entre produtor ou gestor cultural não é só uma questão de nomenclatura, mas tem se tornado um tema relevante, pois passou a ser uma discussão (... ) de posicionamento no próprio mercado de trabalho. O que difere um produtor de um gestor cultural? Essa diferenciação é uma ação ou o reflexo da realidade vivida por esses profissionais que, diante da complexificação das relações de trabalho, se deparam com esse questionamento, no qual o produtor tem sido colocado como um profissional mais executivo e o gestor no âmbito das ações mais estratégicas. No entanto, apesar de serem identificadas como duas profissões diferentes, elas se confundem em relação à ocupação de espaços de atuação no mercado cultural e, principalmente, aos saberes desenvolvidos em cada profissão, coexistindo (... )no mercado de trabalho. (Cunha, 2007, p. 118)

Nessa discussão percebe-se con1 n.itidez que, a despeito de existir uma grande área de interseção entre os conhechnentos e habilidades necessários a produtores e gestores, a disfu1ção de suas funções e dos lugares que ocupam no mercado é fato irreversível, que resulta do próprio amadurecimento da área. Enquanto os produtores buscam a viabilização de prod11tos e eventos, os gestores se ocupan1 con1 o dese11volvimento de programas e atividades essenciais ao :ftmcionan1ento de gr11pos, empresas e instituições ligadas ao fazer cultural.

'A administração no contexto cultural Segundo o conceito clássico proposto por Fayol (1989, p. 26), adntlnistrador é o profissional a quem compete atingir determinados objetivos, a partil' do desempenho de cinco atividades: prever, orga11.izar, comandar, coordenar e controlar. Prever é perscrutar o futuro e traçar o programa de ação. Organizar é constituir o duplo organismo, material e social, da empresa. Comandar é dirigir o pessoal. Coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos e todos os esforços. Controlar é velar para que tudo corra de acordo com as regras estabelecidas e as ordens dadas.

Se for observado o dia-a-dia de um projeto ou de uma instihtição cultural, fica patente a necessidade de cada uma das funções clássicas apo11tadas por Fayol, n1esn10 que, em grande parte das vezes, os próprios prod11tores e gestores não se dêem co11ta

O Produtor e o Gestor Cultural

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·1'.'D ~.' .·

disso. As atividades típicas desses profissionais se e11caixam perfeitame11te nesse modelo, o que torna evidente a vinculação da produção e da gestão cultural ao wtlverso da adn1iilish·ação.

Em 1999, o Conselho Regional de Adminish·ação de São Paulo - CRA-SP lançou o Pe1fil do Administrador C11/111ral, um documento que estabelece os conhecimentos e as ferramentas que o profissional da área precisa dominar. Produzido por um grupo de vinte pessoas envolvidas diretamente com projetos culhrrais, esse Pe1fil representa o reconhecimento do produtor como administrador e indica caminhos a serem seguidos no sentido do aperfeiçoamento da categoria. O CRA-SP identifica o setor como um dos campos profissionais emergentes, fruto das profundas h·ansformações em curso no inundo e nas relações de trabalho, e enumera os conhecit11entos básicos q11e devem ser dominados pelos profissionais da área. Tais conhecimentos são listados no Quadro 2.1. Quadro 2.1 - Conhecimentos básicos do administrador cultural Planejamento estratégico

Veículos de comunicação e mídia em geral

Contabilidade

Recursos humanos

Administração financeira

Liderança

Negociação

Motivação

Legislação sobre incentivos fiscais para a

Técnicas de treinamento

cultura Legislação tributária

Gestão da qualidade

Constituição federal

Línguas

Legislação trabalhista

Informática

Tratados e acordos internacionais na área

Organização, sistemas e métodos

cultural Direitos autorais

Internet

Seguros

Ciência política

Pesquisa em cultura

Globalização

Política cultural

Empreendedorismo

Marketing

Ética

Administração de eventos Fonte: Conselho Regional de Administração de São Paulo

Além de todos esses conhecimentos, o CRA-SP destaca diversos outros que se colocam como complementares à formação do administrador cultural e que se apresentam como temas opcionais, em função da área específica com a qual ele esteja envolvido. Os conhecimentos complementares são apresentados no Quadro 2.2. Quadro 2.2 - Conhecimentos complementares do administrador cultural História da cultura

Arqueologia

Sociologia

Biblioteconomia

Psicologia

Museologia

Filosofia

Arquitetura

Folclore

Artes plásticas {continua ... )

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OAvesso da Cena

--------------------------·-~clusão)

Conhecimentos sobre regionalismo, sociologia urbana e rural

Música popular

Ili

Conhecimentos sobre mitologia, danças, música, Diferenças básicas sobre música popular para festas e manifestações regionais propaganda, filme, teatro, clipe e documentário

Conhecimentos básicos sobre a resultante da

Música erudita

fusão de influências exercidas pelas culturas

trazidas pelas imigrações com a cultura local de cada região brasileira Costumes e heranças indígenas e suas

Diferenças básicas entre música erudita e

situações de permanência e extinção na cultura brasileira

popular

Técnicas de lazer

Música erudita brasileira

Criação

Noção geral sobre condições normais de uma sala de concerto

Produção de arte

Noção sobre técnicas de pesquisa e restauração de partituras antigas

Editoração

Audiovisual

Técnicas gráficas

Fotografia

Técnicas de relações públicas

Televisão

Geografia física - ecossistema

Artes cênicas

Geografia política - antropologia e etnologia

Cinema

Turismo -------------

----------------

Fonte: Conselho Regional de Administração de São Paulo

A todas essas áreas complementares citadas pelo CRA-SP podem-se acrescentar diversas outras, tarnbén1 opcio11ais, em função do can1po específico de h·abalho escolhido pelo administrador cultural, conforme apresentado no Quadro 2.3. Quadro 2.3 - Outros conhecimentos úteis ao administrador cultural

Cenografia

Técnicas de divulgação

Modelos de espaços cênicos

Redação de projetos e documentos

Funcionamento de uma caixa cênica nomenclatura dos equipamentos e dos recursos técnicos de uma casa de espetáculos

Noções sobre o funcionamento de entidades do terceiro setor

Figurinos

legislação referente à meia-entrada em eventos culturais

Sonorização

legislações federais, estaduais e municipais referentes ao setor cultural

Iluminação

Estatuto da Criança e do Adolescente

Administração de bilheteria

Código de Defesa do Consumidor

Funcionamento das entidades arrecadadoras de

Obtenção de licenças, vistos e alvarás para a realização de eventos culturais

direitos autorais: ECAO, SBAT eABRAMUS*

Noções sobre o processo de liberação de direitos autorais para gravações Noções sobre o funcionamento dos estúdios de gravação

*nota ECAD: Escritório Central de Arrecadação e Distribuição SBAT: Sociedade Brasileira de Autores Teatrais ABRAMUS: Associação Brasileira de Música e Artes

Seguros Funcionamento da Ordem dos Músicos do Brasil -OMS

---,.-------------------- --------------

_________ __ ,,

(continua ... )

OProdutor e o Gestor Cultural

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(... conclusão)



Montagem de exposições

Funcionamento do SATEO - Sindicato dos

Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões

Design

Transporte de cargas (nacional e internacional)

© 11erfil do 11rodutor e do gestor cultural Em função do dinamismo do setor e da necessidade de relacionamento com públicos total1nente diversos, alguns atributos podem ser considerados essenciais a quem pretenda abraçar as profissões de produtor ou gestor cultural. Alguns deles são enumerados no Quadro 2.4. Quadro 2.4 - Atributos essenciais ao produtor e ao gestor cultural Perfil empreendedor Versatilidade

Iniciativa Agilidade

Habilidade para lidar com questões administrativas e financeiras Habilidade para solução de problemas Flexibilidade e "jogo de cintura" Capacidade de liderança

Habilidades interpessoais Bom humor

Senso crítico apurado Sensibilidade artística e apuro estético Conhecimentos gerais

A necessidade de lidar simultaneamente com públicos de naturezas distintas exige dos produtores e gestores o domínio de diferentes linguagens. Ahabilidade para o uso correto de tais linguagens é imprescindível para o sucesso de un1 profissio11al na área. A relação com os artistas se pauta por boas doses de subjetividade e informalidade. A interface com as empresas exige, por outro lado, posturas de grande objetividade, enquanto o contato com o setor público requer um grau elevado de formalidade. O grande desafio da profissão está exatamente no desenvolvimento da capacidade de alternar, de forma ágil e precisa, linguagens tão diversas. Ern11reendedorismo O trabalho no âmbito cultural envolve certos riscos, talvez pelo fato de lidar diretamente com as i11certezas inere11tes ao ato da criação. Some-se a isso o fato de se tratar de um novo campo de trabalho, que exige dos produtores e gestores determinação e capacidade de abrir caminhos. Assim, dentre os vários traços de personalidade e11runerados no Quadro 2.4, faz-se i1ecessário destacar o perfil empreendedor.

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O Avesso da Cena

Segundo Dolabela, empreendedorismo é um neologismo derivado da livre h·adução da palavra e11treprene11rsldp e utilizado para designar os estudos relativos ao empreendedor. Pode ser definido como a capacidade de tomar iniciativas e buscar soluções inovadoras 11a cond11ção de projetos, pesquisas e negócios.

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1

A palavra empreendedor, de emprego amplo, é utilizada (... ) para designar principalmente as atividades de quem se dedica à geração de riquezas, seja na transformação de conhecimentos em produtos ou serviço$, na geração do próprio conhecimento ou na inovação em áreas como marketing, produção,

organização etc. (Dolabela, 1999, p. 43) Ser empreendedor não é somente uma questão de acúmulo de conhecimento, mas a introjeção de valores, atitudes, comportamentos, formas de percepção do mundo e de si mesmo voltados para atividades em que o risco, a capacidade de inovar, perseverar e de conviver com a incerteza são elemen-

tos indispensáveis. (Dolabela, 1999, p. 44) Empreendedor é, pois, alguém que identifica oportunidades, propõe inovações, atua como agente de mudanças e se abre para o risco. Alguém que não se imobiliza pelo n1edo do fracasso. O en1preendedorismo é, dessa forma, um atributo recon1endável para um profissional que pretenda atuar na esfera da produção e da gestão cultural.

Os principais atributos na opinião de alguns profissionais da área Aluízer Malab, gestor cultural e empresário da banda Pato Fu, de Belo Horizonte, acredita que o atributo mais importante no perfil de um produtor é a visão do todo. A atividade de coordenação exige essa visão, que só pode ser obtida com o domínio de conhecimentos gerais e com experiências práticas diversificadas que vão se acumulando ao longo do tempo. Outra característica essencial nesse profissional é o empreendedorismo. O produtor é aquele que "monta o circo" para que o espetáculo aconteça. Além disso, ele deve ter algo de psicólogo, para estabelecer uma relação saudável com os membros da equipe. Isso é fundamental para que as coisas fluam de maneira harmônica. O papel do líder está muito ligado à capacidade de organizar, mas também à habilidade de extrair das pessoas aquilo que elas têm de melhor. É preciso "cuidar da galinha, para que ela continue botando ovos': Um produtor tem

que gostar de gente. Para Rosa Villas-Boas, gestora culhrral e diretora do Teatro do Sesi do Rio Vermelho, em Salvador, o profissio11al da área tem que dominar ferramentas de gestão, mas precisa ter também "o outro lado", que é a sensibilidade para o trabalho con1 culh1ra. A grande questão é unir esses dois lados. O mercado cultural é diferente, não é como produzir e vender qualquer produto. Não basta ser um gestor com formação administrativa apenas. É preciso também conhecer a área cultural. Isso é que é complicado na questão da produção da cultura.

Tina Vasconcelos, produtora executiva da banda Skank e sócia da Retina Marketing e Eve11tos, de Belo Horizonte, define un1a con1petência esse11cial do produtor: ser detalhista.

O Produtor e o Gestor Cultural

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Um bom profissional deve estar sempre atento aos detalhes e atinado para as coisas nas quais ninguém presta atenção. Deve ter um olhar especial para aquilo que todos consideram óbvio. Isso porque, na produção, nada é óbvio. O grande diferencial de um bom produtor é o cuidado com detalhes. Isso tudo, naturalmente, sem perder a visão do todo. Outra característica importante para atuação na área é a capacidade de solução de problemas. O produtor precisa tomar decisões e, para isso, uma boa dose de bom senso é fundamental.

Cláudio Costa, produtor do grupo Uakti, também de Belo Horizonte, afirma que um atributo essencial é a confiabilidade. É fundamental que o profissional tenha crédito, tanto entre os artistas quanto entre os fornecedores. Qualquer deslize pode ser motivo para ele se "queimar" no próprio meio. Outra característica importante é a disponibilidade para trabalhar muito. Produtor não tem horário. Tem que estar ligado 24 horas por dia.

Ma11rício Pessoa, da MP Produções e Eventos Culturais, de Salvado1~ da mesn1a forn1a, defende a posição de que é essencial a n1anutenção de t1ma conduta séria. Os produtores têm má fama no mercado. Hoje, quando você chega a algum lugar para fazer um negócio e diz que é de uma empresa de produção, encontra restrições. O profissional deve ter, portanto, um compromisso com a palavra, pois nós precisamos reverter esse quadro. Deve ter sensibilidade para as relações humanas e para lidar com arte. A profissão exige também "jogo de cintura'; mobilidade e muito otimismo. Isso tudo é fundamental, porque arte é sonho. Ser produtor cultural é sonhar e realizar. Se a pessoa não tem essa capacidade, não tem jeito.

Também para Paulo André, produtor independente e sócio da Astronave Iniciativas Culturais, de Recife, a flexibilidade é uma característica que define a própria sobrevivê11cia do profissio11al i10 Brasil. Se um produtor quiser fazer tudo do seu jeito, vai encontrar muita dificuldade e talvez não sobreviva. Tem muita gente que não consegue ter "jogo de cintura': Não tem o perfil que a profissão exige, em minha opinião.

Para Ana Luísa Lima, da Sarau Agência de Cultura Brasileira, do Rio de janeiro, são múltiplos os ah'ibutos parn ser um produtor culhual. Em função do refinamento do setor, que está cada vez se especializando mais, são muitos os perfis possíveis. Se a pessoa for boa em matemática, boa em cálculo, boa em planilha ... pode ser uma ótima produtora cultural. A pessoa que tem muita iniciativa, tem muita atitude, faz e acontece ... também pode ser. Antigamente, havia o biótipo do produtor cultural: "o descolado': Mas isso é coisa do passado. Hoje existe o profissional que planeja, que gosta de pesquisar e fundamenta bem os projetos. Há gente que lida bem com papéis, contratos, documentação. Essa divisão do trabalho é uma coisa muito boa.

Para Ruy César, gestor cultural e diretor da Casa Via Magia, de Salvador, responsável pela realização do evento Mercado Culhtral, os atributos necessários ao trabalho na área n1udaram n1uito.

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O Avesso da Cena

Alguns anos atrás, todo mundo queria ter acesso à carteira de contatos dos produtores que faziam as grandes turnês. O produtor era algo misterioso e tinha os contatos só para ele. Atualmente, esse tipo de informação está disponível para qualquer um. Você acha tudo na Internet e também os sistemas de acesso às empresas e às fundações estão mais transparentes.



Hoje, esse profissional precisa ter um nível de abertura e de entendimento para interlocução com diversas áreas da sociedade. Precisa conhecer um pouco de outras disciplinas, como administração, marketing, história. Ele não pode ser só um técnico.Tem que conhecer de cultura e trabalhar a partir de um conceito. Não se vende qualquer coisa porque é grande, porque é maravilhosa. Hoje, você vende pela idéia. O que cria diferencial, o que promove e dá visibilidade é o conceito. Você pode articular o seu local com uma coisa extremamente global. Pode, a partir de uma cidadezinha como Xique-xique, no interior da Bahia, se comunicar com o mundo inteiro, com uma boa idéia. Além disso, o produtor também tem que ser muito antenado e trabalhar em rede. Não no sentido apenas de pertencer a um organismo físico, mas de receber, distribuir e retroalimentar. Ao contrário daquele produtor antigo que fechava, ele tem que abrir. Quanto mais ele abre, mais recebe de volta. Por exemplo, se eu recebo informações de diversas organizações, de agências da Europa e dos Estados Unidos, de fundações que dão prêmios, de produtores que distribuem, de editais, eu tenho uma série de informações que são úteis. Elas me chegam e, se eu não as distribuo de volta, na minha comunidade, elas ficam bloqueadas e a rede pára ali. Se eu as distribuo, retroalimento e catalogo o que recebo, eu começo a juntar um patrimônio, seja na minha rua, seja no meu bairro, seja na minha comunidade. Eu posso trabalhar construindo um capital coletivo. Eu acho que o gestor e o produtor, hoje, precisam ter essa visão mais ampla. A não ser que ele seja apenas um produtor executivo, com uma função bem específica. Mas se ele vai levantar um projeto, precisa ter a visão do local, da rua, do bairro, da cidade, e não pode perder de vista o país e o planeta, porque tudo, hoje, se articula em escala global.

A agenda do produtor Um dos aspectos cruciais para o trabalho de produção é a montagem de uma boa agenda que reúna contatos de artistas, grnpos, entidades, autoridades, patrocinadores, espaços culturais, fornecedores, prestadores de serviços etc. Trata-se de um instrumento sin1ples, n1as que agiliza co11Sideravelme11te a produção e pode, en1 casos de emergência, "salvar a pátria". Um bom profissional deve ter sempre à mão sua agenda e fazer con1 que ela seja trma ferran1enta co1tliável para o exercício de suas atividades. Para tanto, é preciso não somente cadastrar sistematican1ente todos os contatos, como também mantê-los atualizados. É recomendável também que o produtor adote como procedimento de rotina o

arquivamento de catálogos, mostruários e folders, que facilitarão a cotação de preços e a especificação de produtos e serviços, poupando tempo em produções futuras.

Créditos ao traballio de produção O trabalho de produção pode receber diversos tipos de créditos. Vários termos são empregados para designar aqueles que criam e administram eventos e projetos culturais. Os inais freqüentes são os seguil1tes:

OProdutor e o Gestor Cultural

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1..• .

• Produtor: É o grande responsável pela obtenção dos recmsos e pelo andamento do trabalho. Assume os riscos do empreendi.J11ento, inclusive sob o ponto de vista financeiro. Pode ser tanto o mentor do projeto quanto um profissional convidado pelo artista ou grupo para desenvolvê·lo. Uma alternativa bastante usual para o crédito de produtor é diretor de produção. Nesse caso, o termo diretor visa conferir status equivalente ao do dh·etor artístico. • Produtor executivo: Embora possa parecer o contrário, o produtor executivo é subordinado ao produtor ou diretamente ao artista. É o profissional que executa a produção de terceiros, sem o peso da responsabilidade pela obtenção dos recursos e sem o risco financeiro. • Assistente de produção: Trata-se de um profissional que dá suporte ao trabalho de um produtor ou produtor executivo. Esta função geralmente é desenvolvida por pessoas que ainda não estão suficienten1ente preparadas para enfrentar, sozinl1as, a complexidade de tuna produção. • Estagiário de produção: É um aprendiz na área, que oferece sua força de trabalho em troca de conl1ecin1entos práticos. • Empresário: Trata-se de um profissio11al que administra a carreira do artista.r planejai1do e direcionando s11as atividades. Esse profissio11al assume, gerahnente, a posição de linha de frente daquele que o contrata, protegendo seus interesses, filtrando as demandas do público, da imprensa e dos contratantes, cuidando de sua agenda de co1npromissos e dos detalhes adnlinistrativos, jurídicos e comerciais de seu trabalho. • Secretário de produção: Esse crédito é encontrado principalmente na área teatral, para designar o profissio11al que cuida dos aspectos operacionais de uma te1nporada, após a estréia.

E o produtor musical? É importante observar que, na área da n1úsica, os termos refere11tes à produção têm

significado diverso dos apresentados acima. A figura do produtor musical não deve ser confundida com o produtor executivo ou o produtor fonográfico, que têm função de administração da produção. A definição do perfil desse profissional é apresentada no site Overmundo pelo produtor musical vCruz, do Ícone Studio, de Natal: Na música, é o Produtor Musical - nos moldes do diretor da peça teatral quem direciona o andar dos trabalhos no estúdio. É ele quem cuida do proces~ so que precisa captar a essência e os conceitos do trabalho da banda, cuida para que cada músico faça a sua parte da melhor maneira possível, diz se o taketá bom ou não, opina em timbres etc. (Disponível em . Acesso em 03 de fevereiro de 2007.)

@amROS de atuação dos Rrodutores e gestores culturais Nos últin1os tempos, como resultado do crescin1e11to do setor cultural brasileiro, surgira1n iI1ú111eros novos postos de trabalho cujos pré-reqtúsitos se adeq11a1n perfeitamente aos perfis do produtor e do gestor cultural. No Poder Público, na

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OAvesso da Cena

iniciativa privada e no tercei.To setor, as oportlmidades se 1nultiplicain rapidame11te, atraindo muitos interessados. A seguir, algtms dos can1pos de atuação para esses profissio11ais são enumerados. É preciso observar q11e as áreas de audiovisual, TV, rádio e produção editorial não foram abordadas porque não fazem parte do foco temático desta publicação.

Ili

• Produção de espetáculos: Este é talvez o campo onde a presença dos produtores culturais seja mais visível para o público. Compõem esse grupo aqueles profissionais que se dedicam à montagem de espetáculos e shows, desde a sua concepção, ou que são co11tratados no meio do processo, con10 executores das idéias de terceiros. • Produção de turnês: Tão in1portantes qua11to aqueles que co11ceben1 e 1no11tan1 os espetáculos são os profissionais que pron1ovem a sua circ1ilação. Nessa categoria inseren1-se ainda os produtores locais, que cuidam da infra-estrutura para a recepção de produções de outras cidades, estados e países, e os produtores de frente, que fazen1 viagens prévias ao 1011go de todo o roteiro de u1na t11rnê, cuidando dos procedimentos 11ecessários à concretização das apresentações.

leia+

produtores locais e produtores de frente p. 278

• Empresariamento: São n1uitos os produtores q11e se dedicam excl11sivan1ente à carreira de ttm artista ou grupo, trabalhai1do como empresái·ios. Tais profissionais têm como função planejar as atividades e administrar o dia-a-dia dos artistas, defender seus interesses e ahtar con10 se11s representai1tes junto a eventuais contratantes e fornecedores e ao público em geral. • Produção fonográfica: Embora seja nítido o movimento de queda das grandes gravadoras, a produção de registros musicais em selos independentes é outro segmento que se expande rapidamente, à medida que a tecnologia toma mais acessível ao artista a realização e a distribuição de sua criação. O trabalho dos produtores fonográficos engloba ações de levantamento de recursos para as gravações e coordenação dos procedimentos operacionais e ad1ninistrativos, não devendo ser confundido com a atividade dos produtores musicais. • Produção de eventos culturais: Freqüentemente, os produtores se e11volvem con1 a criação e produção de eventos. Tais aco11tecin1entos são concebidos para marcar alguma data ou fato específico e têm, portanto, caráter efêmero. • Criação e gestão de iniciativas culturais: É grande o número de profissionais que se dedicam à criação e ao gerenciamento de iniciativas de continuidade na área. Cabe aqtú fazer a diferenciação entre esse trabalho e a promoção de eventos culturais. Enquanto estes se esgotam co1n sua própria realização, tais iniciativas tende111 a se este11der por períodos mais longos, tendo como aspectos relevantes a regularidade e a permanência. • Gestão de espaços culturais: Cada novo centro cultura}, teatro, 1nuseu, galeria, cinema ou casa de shows que se abre ao público resulta na criação de postos de trabalho para gestores culturais. • Gestão cultural em órgãos públicos: O gestor pode atuar em instituições públicas, adrnirústrando o dia-a-dia, planejando e conduzindo projetos e participando do processo de formulação de políticas para o setor. Nesse caso, além dos conhecin1entos específicos sobre o fazer ctiltural, deve dominar aspectos burocráticos inerentes à administração pública.

O Produtor e o Gestor Cultural

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• Gestão cultural em en1presas: À medida que cresce o i1ún1ero de empresas patrocinadoras, amplia-se também a demanda por profissionais habilitados para o desenvolvimento e a gestão de projetos próprios e programas de patrocínio, e para o trato das relações com artistas, produtores e gestores públicos. • Gestão cultural em organizações não-governamentais: Um campo de trabalho que se expande rapidamente é o do terceiro setor. As oportunidades de atuação de gestores em Ongs que se valem das atividades culturais para a promoção social multiplicam-se em todo o país, abrindo perspectivas profissionais bastante promissoras. 0

Animação cultural: O desenvolvimento de atividades culh1rais voltadas para o público interno das empresas ou mesmo para as comunidades por elas atendidas é outro segmento bastante próspero para os produtores e gestores culhmlis. No universo en1presarial, é cresce11te a percepção da conveniência de se utilizar atividades artísticas como ferrame11tas para a integração dos colaboradores e para a abordagem de ternas específicos de seus an1bientes iI1ter11os, como seglll·m1ça, qualidade, saúde, limpeza, redução de desperdícios etc.

• Consultoria: É crescente tan1bé1n o núrnero de empresas que descobrem i1as atividades culturais um canal eficiente de comunicação com se11 público-ai''º· Muitas delas têm recorrido ao trabalho de consultores especializados em produção e gestão cultural para o desenvolvimento de seus projetos. Esse tipo de demanda tai11bém é crescente entre Íl1stihtições pítblicas e do terceiro setor que promovem atividades artísticas e culhtrais. Nahtralmente, como e1n qualquer outra área, o trabalho de consultoria pressupõe vasta experiência do profissional contratado no trato das questões específicas do setor.

• Pesquisa: Com a expansão da á.Tea cultural, tor11a-se cada vez n1ais necessário o suporte de pesquisas, co1no ocorre e1n qualquer outro setor. Estudos sobre a econonlia da culhua e sobre a diI1âmica da área tendem a se tornar cada vez mais freqüentes, exigindo, en1 sua aplicação e a11álise, profissionais con1 conhecin1entos específicos em gestão culhual. • Ensino: Co1n o surgin1ento de cursos de produção e gestão cultural en1 várias cidades brasileiras e a crescente demanda por formação de agentes culhuais em cidades do interior, abre-se u1n 11ovo e pronlissor campo de trabalho para os profissionais da área. A cada dia são recrutados, para essa atividade, produtores e gestores capazes de sistematizar e transnlith· seu conhecimento. Com a ampliação da cadeia da produção cultural, o setor vem ganhando contornos cada ''ez n1ais complexos e agregando diversas novas hu1ções. É notável a te11dência de especialização do trabalho no campo da cultma, fato que vem atraindo, para o desenvolvin1ento de atividades específicas, pessoas de diversas áreas e co1n perfis antes inin1agiI1áveis i1esse universo. Este é o caso de profissionais especializados, por exemplo, em gestão finai1ceira e orçan1e11tária, gestão de recursos humanos, planejame11to estratégico, contabilidade, co111u1licação, 1narketing, direito cultural, incentivos fiscais, produção de textos e captação de recursos. Hoje, por n1ais abrangente que seja a formação de um produtor ou gestor cultural, o trabalho em grupo se impõe como necessidade premente. A própria complexificação da área e tan1bén1 a dinamização das relações na sociedade contemporânea passam a exigir

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OAvesso da Cena

a montagem de equipes com conhecimentos multidisciplinares e habilidades complementares. O tempo do "bloco do eu sozinho" vai chegando ao fim.

'A imagem do l)rodutor cultural



A distribuição adequada de funções no universo cultural contribui sensivelmente para a elevação do padrão de qualidade dos projetos desenvolvidos. Entretanto, na realidade brasileira, ainda se traball1a, muitas vezes com baixo grau de especialização. É con1u1n encontrar artistas que, por falta de rec1usos fu1anceiros para a contratação de profissionais, ou por ingemúdade, partem para a execução de suas produções sem preparo adequado para o desempenho das funções próprias desse tipo de trabalho. Desconsideram seus limites pessoais e não se dão conta de como é difícil conciliar atividades tão discrepantes como a criação e a produção. De um lado, estão procedimentos que lidan1 com questões subjetivas e, de outro, ações que dependem fundamentalmente da objetividade. 1

Esse problema acaba por se tornar crítico às vésperas das estréias, lançamentos ou apresentações dos produtos finais ao público. Essas ocasiões são exatamente aquelas que exigem maior concentração e dedicação dos artistas ao seu trabalho e também que obrigam os produtores a se dividirem entre incontáveis demandas da eqtúpe envolvida, dos patrocinadores, dos convidados e do público em geral. Quase sempre, o artista-produtor se vê em reais dific1tldades para cond11zir atividades tão diversas e em volume tão grande. Na verdade, o acúmulo de funções sempre esteve presente em boa parte da produção culhtral brasileira, contribuindo para que a imagem dos produtores sofresse, ao longo dos anos, uma série de desgastes. Dois estudos importantes sobre o mercado cultural apontaram problemas no conceito da categoria. Embora realizados i1a década passada, permanecen1 como referências dignas de registro. Um deles é a 1" Pesquisa Qualitativa sobre o Mercado Brasileiro de Patmcínio Cultural, realizada em 1994 pelo Sesc-SP e pelo Sebrae-SP e coordenada pela Articultura, do produtor Yacoff Sarkovas. A partir de uma amostra de 48 entrevistas co1n executivos num tmiverso formado por centenas de grupos en1presariais i1acionais, o estudo revelou dados relevantes sobre a imagem dos produtores culturais àquela época: 1

Os dirigentes das áreas de marketing atribuem pouca credibilidade aos produtores culturais, considerando-os amadores. Essa visão, em alguns casos, nasce de experiências anteriores que a empresa tomou conhecimento ou vivenciou com algum evento específico e se generaliza para todos os eventos artístíco-culturaís, gerando uma imagem estereotipada desses profissionais, decorrente de sua postura ou de questões de custo e controle dos eventos. Na medida em que os produtores culturais não conseguem aprovar seus projetos, diminuem seus orçamentos originais, transmitindo a imagem de custos distorcidos e falta de consistência das propostas.

O Produtor e o Gestor Cultural

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As áreas de marketing acreditam que os eventos artístico-culturais não podem ser controlados e que seus produtores não permitem qualquer forma de ingerência. Citam, ainda, casos de eventos patrocinados e não realizados (pela falta do artista ou de infra-estrutura), episódios atentatórios à moral ou polêmicos e até eventos simultaneamente patrocinados por empresas concorrentes. Muitos dirigentes de marketing consideram, ainda, os produtores culturais pedantes e prepotentes, por oferecerem seus eventos de forma impositiva, considerando apenas o conteúdo artístico, como se a empresa tivesse a obrigação de patrociná-los, sem levar em conta a adequação do evento à sua estratégia de comunicação e seus objetivos negociais. { 1ª Pesquisa Qualitativa ... , p. 34-35)

O problema de imagem da categoria dos produtores se revelou também no 1" Diagnóstico da Área Cultural de Belo Horizonte, realizado em 1996 pela antiga Secretaria Murúcipal de Cultura de Belo Horizonte (ahial Fundação Municipal de Culh1ra) e executado pela Vox Mercado Pesquisa e Projetos. O universo pesquisado foi composto por públicos diversos con10 consumidores, patrocinadores, agências de propaganda, assessorias de imprensa e os próprios produtores culturais. O conceito da categoria jwüo às agências de propaganda e às assessorias de con1unicação, tidas con10 poderosas formadoras de ophiião sobre o n1ercado cultural, também não era animador naquele tempo. Os produtores foran1 avaliados por esses profissionais co1n muitas ressalvas, tendo sido ta1nbé1n destacados alguns aspectos negativos sobre sua imagem: •Falta de profissionalismo. •Falta de preparo para a elaboração de projetos convincentes e sua negociação, para transformar idéias em projetos organizados. •Falta de preocupação com a adequação e pertinência dos projetos apresentados ao negócio da agência/assessoria e aos seus clientes. •Falta de uma visão mercadológica a respeito do próprio negócio: evento cultural tem que representar uma oportunidade para o patrocinador, uma oportunidade de divulgar marca. •Falta de percepção do mercado de forma segmentada, que contribua para apresentação de projetos mais adequados.Ausência de percepção de que os eventos devem destinar-se a públicos específicos. •A abordagem excessiva e difusa transforma produtores numa categoria indesejável: "produtor cultural é igual a vendedor de seguros': •Demandas muito imediatas. Os projetos oferecidos são vendidos com pouco prazo, em cima da hora. Não há planejamento por parte dos produtores. •Inexistência de projetos regulares. São eventos isolados, sem continuidade. ( 7º Diagnóstico ... , p.115)

Ainda nesse n1esn10 diagnóstico, vale tan1bén1 apo11tar algt111s problemas levantados pelos próprios produtores: Uma idéia na cabeça parece ser suficiente para que esses produtores decidam bater na porta de empresários, esperando que profissionais atarefados

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OAvesso da Cena

tenham tempo e paciência para ouvir as suas "viagens': Normalmente, não fazem um projeto bem montado, em que explicam os objetivos daquele evento, o que as partes envolvidas ganham com o patrocínio, que público visa a atingir, cronograma, enfim, detalhes fundamentais para o convencimento do potencial patrocinador.

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Afirmam que a atuação desorganizada e amadora da grande maioria dos produtores (... )contribui para que as portas das empresas se fechem para o mercado cultural (... ).

...

( )

Outro fator que contribui para a dificuldade de viabilização de projetos culturais é a falta de união dos segmentos, dentro dos próprios e entre si. Não há intercâmbio de informações e experiências e os produtores sequer se conhecem bem. Existe um clima de disputa, e não de concorrência saudável. Diante das dificuldades comuns, ao invés de se unirem para tentar encontrar soluções que beneficiem a todos, os produtores tendem a se isolar nos seus próprios projetos. Essa classe tem, assim, pouca representatividade, tem pouco poder de mobilização. ( 1° Diagnóstico... , p. 97-98)

Ressalte-se, entretanto, que tais pesquisas não espelham as grandes transformações ocorridas no campo da produção e da gestão cultural nos últimos anos, por terem sido realizadas em meados da década de 1990. De lá para cá, ampliaram-se os debates em torno do tema e multiplicaram-se as oportunidades de formação e aperfeiçoamento dos empreendedores culhtrais, em vários estados brasileiros. O próprio amadurecimento do setor permite intuir que a imagem dos profissionais da área esteja se depurando com o tempo. Esta é trma questão que demanda novos estudos similares, para qtte tal impressão, baseada u1tlcamente na observação do mercado, ganhe bases científicas e confiáveis. Despreparo Se a classe dos produtores ainda enfrenta restrições em ftmção de seu próprio despreparo, o problema se estende também aos gestores de boa parte dos espaços cultw-ais públicos do país. Mesmo grandes instihtições, muitas vezes, são admirush·adas de maneira an1adora, por pessoas qtte possue1n apenas o gosto pela arte, ou 11e1n n1esmo isso. É comu1n enco11trar diretores de cenh·os culturais e até secretários de cultura sem nenhrnna vivência no setor e sem conhecimentos de adminish·ação. Isso talvez explique boa parte dos fracassos dessas instituições, tanto para a captação e a gestão de recursos quanto para o próprio desempenho de suas atividades. Naturaln1e11te, esse despreparo não é um traço exclusivo dos artistas, produtores e gestores públicos de cultura. Também no âmbito das empresas existe amadorismo no trato de questões relativas ao pah·ocínio. Na verdade, pot1cos são os patrocinadores de cultura no Brasil que se encontram suficiente1nente estruturados e inforn1ados para lidar com o assunto adequadamente. Com freqüência, os empreendedores culturais se deparam con1 profissio11ais de n1arketii1g que co11dt1zem suas ações de patrocínio de modo superficial e descuidado. Alguns, inclusive, não se constrangem em mtttilar projetos, en1 tratar artistas e produtores de forma desrespeitosa ou e1n te11tar subn1etê-los ao cumpriI11ento de conh·atos leoninos.

O Produtor e o Gestor Cultural

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Reconhecimento

Ili

Talvez pelo fato de configurarem campos de trabalho em processo de formação e siste1natização, e também por todos os proble111as apontados anteriorrnente, as profissões de produtor e gestor culturais ainda não são percebidas com clareza pela sociedade brasileira. As atividades desses profissionais são cercadas de dúvidas e empanadas por relatos quase folclóricos que, vez por outra, circulam de boca em boca e afetam s11a in1agem. Fabrício Nobre, sócio da Monstro Discos/ de Goifu1ia, afirma que o trabalho de produção ainda é visto de forma distorcida. As pessoas não conseguem entender que produção não é brincadeira. Imagina como foi falar para o meu sogro qual é a minha profissão. Hoje, ele é o

cara que mais me incentiva, mas foi difícil. As pessoas acham que produzir um show é só conseguir um lugar e levar a banda. Que você bebe com eles

a tarde inteira, depois liga o amplificador e eles tocam. Que é a maior festa, muita alegria e que ainda sobra uma grana para você. E mais: que você só trabalha sábado. Só que eles não sabem que nós escrevemos projeto de lei de incentivo, negociamos com fornecedores de discos, de bebidas, de som, de equipamentos, negociamos com hotel, com companhia aérea, temos que refazer um f/yerda noite para o dia, porque chegou mal finalizado, contratar o cara para distribuir... A maioria das pessoas não consegue perceber isso. Acha que nós somos um bando de doidos, doentes, maconheiros e todos aqueles estereótipos que conhecemos. O que devemos fazer é lutar para que a profissão seja reconhecida.

Segundo Rubi.ln (2005, p. 13), a atividade de produção cultural parece agora se tornar visível para a sociedade brasileira. A telenovela Celebridade (2004), veiculada em horário nobre da grade de programação da televisão brasileira, colocou em cena como profissão das suas duas principais personagens, Maria Clara e Laura, que simbolizam o bem e o mal na narrativa, a figura do produtor cultural. Profissão recente, pouco reconhecida e ainda em processo de constituição, a produção e o produtor culturais foram tornados visíveis através deste ícone da comunicação de massa brasileira para a grande maioria da população. A celebridade desta nova prática social, que se conforma em profissão, vem como que consagrar socialmente o trabalho e, mesmo indiretamente, legitimar a formação nesta área profissional.

De fato, embora de maneira fugaz, o "efeito Maria Clara" trouxe certa visibilidade para os produtores cultmais. Oportunidades como esta são bem-vindas, pois valorizam uma atividade restrita aos bastidores e quase nunca percebida pelo público. Os avanços no sentido da profissionalização da categoria são muitos e se fazem notar a partir de lan1pejos de reconhecin1ento con10 o descrito por Rubin1.

O prin1eiro passo para se n1udar u1na realidade incô1noda é reconhecê-la. Entre produtores e gestores culturais brasileiros é crescente o gra11 de consciência do quanto é preciso avançar em relação à capacitação na área. A percepção de que há limites

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O Avesso da Cena

claros a serem vencidos, do ponto de vista da formação, estimula o surgimento de inúmeros cursos, debates, e11contros, se1llii1ários e palestras sobre o ten1a.



Para a produtora cultural Ana Luisa Lima, da Sarau Agência de Cultura Brasileira, não é mais suficiente, para a formação de um produt01; o aprendizado na prática. Ele tem que dominar determinadas técnicas. Gosto da comparação com um aluno de odontologia. Ele tem as matérias teóricas e os princípios, mas tem também as disciplinas nas quais aprende a lidar com os equipamentos, usar as massinhas, o laser... Se ele não tiver a técnica, não pode ser dentista. Com o produtor cultural não é diferente. Ele precisa ter o domínio da técnica. Tem que saber formatar um projeto, entender as etapas de produção, montar um

cronograma de trabalho e um orçamento, conduzir a produção de material gráfico. Tudo isso é técnica. Não é prática. Nós já deixamos para trás a fase do "a prática vai me ensinar':..

Andréa Alves, também da Sarau, chama a atenção para outro aspecto interessante relacionado à formação dos profissionais da área cultural: Nós sempre sofremos nos departamentos de marketing das empresas, lidando com pessoas sem nenhum conhecimento na área. Até mesmo em secretarias de cultura isso ainda é um problema. Só que, de uns tempos para cá, pelo menos as empresas que têm uma política cultural apontada e que patrocinam regularmente já começaram a recrutar profissionais com formação na área cultural. Nós, da Sarau, temos tido essa preocupação. Agora só contratamos aqueles que queiram realmente ser produtores. Não é mais aquele ator que está desempregado ou o filho do amigo que é "muito esperto': Levamos em conta a formação, o currículo e o perfil do candidato.

Miriam Brum, produtora e gestora cultural, vê com bons olhos o surgimento de escolas na área, n1as faz uma ressalva: As escolas já perceberam que é necessano profissionalizar a base desse mercado. Mas é preciso descentralizar também. Caso contrário, as capitais logo estarão saturadas de gente desempregada. É preciso estender essa capacitação para o resto do país. O Brasil é um mundo. São muitos "Brasis" de diferentes perfis e realidades completamente diversas. É preciso trabalhar a diversidade. A formação tem que apontar para essa visão. Cada vez fica mais claro que essas escolas têm que formar profissionais não para a capital, mas para o Brasil.

Alguns cursos de produção e gestão cultural oferecidos com regularidade no país são apresentados no Quadro 2.5. Quadro 2.5 - Cursos de produção e gestão cultural

Curs.os .lilfre.s e c:le extensão Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos (Extensão) Universidade de São Paulo - Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação

São Paulo -SP Duração: 1 ano

www.eca.usp.br (continua ... )

O Produtor e o Gestor Cultural

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Produção e Marketing Cultural Sônia Kavantan

.

São Paulo - SP Duração: 20 horas-aula

www.kavantan.com.br

Captação de Recursos Articultura São Paulo - SP Duração: 18 aulas de 3horas154 horas-aula)

www.articultura.com.br

Produção de Eventos Artísticos e Culturais (Cursos Livres/ Comunicação e Arte/ Arte e Cultura) Senac São Paulo São Paulo - SP Duração: 24 horas-aula

www.sp.senac.br

Oficina de Elaboração de Projetos Culturais GAIA Cultura e Meio Ambiente São Paulo - SP Duração: 24 horas-aula

www.gaiabrasil.com.br

Cursos de Marketing Cultural, Produção Executiva, Oficinas de Lei Rouanet, Captação de Recursos Manufatura da Cultura São Paulo- SP e Rio de Janeiro-RJ Duração: 4 a 8 horas-aula cada

www.manufaturadacultura.art.br

Marketing Cultural Teoria e Prática (Faculdade de Comunicação Social - Extensão) Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro- RJ Duração: 75 horas-aula

www.uerj.br/modulos/kernel/index.php?pagina=448

Gestão e Marketing na Cultura (Faculdade de Comunicação Social - Extensão) Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro - RJ Duração: 180 horas-aula

www.uerj.br/modulos/kernel/index.php?pagina=448

Seminário Avançado de Marketing Cultural (Reciclagem) Centro de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro- RJ www.cepuerj.uerj.br/cursos_ext.htm

Duração: 6 horas·aula

Programa de Formação Cultural Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais

Cidades de Minas Gerais Duração: Variável

www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=2&cat=50

Curso de Produção e Gestão Cultural Galpão Cine Horto (continua ... )

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O Avesso da Cena

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Belo Horizonte -MG www.galpaocinehorto.com.br

Duração: 36 horas

Cursos.técnicos e de especialização MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão

Fundação Getúlio Vargas São Paulo- SP Duração: 441 horas-aula

www.cpdoc.fgv.br

Eventos: Planejamento e Produção

Universidade Anhembi Morumbi São Pau/o-SP Duração: 3 semestres (360 horas-aula de disciplinas e 24 horas monografia)

www.anhembi.br

Gestão em Artes (Latu Sensu) SENAC - São Paulo São Paulo - SP www.sp.senac.br

Duração: 21 meses

Gestão e Políticas de Cultura Universidade Metodista de São Paulo São Bernardo do Campo - SP Duração: 18 meses (360 horas-aula)

www.metodista.br//ato/gestao-e-po/iticas-de-cu/tura

MBA em Gestão e Produção Cultural Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro - RJ Duração: 432 horas-aula

www.cpdoc.fgv.br

Gestão Cultural Universidade Cândido Mendes Rio de Janeiro - RJ www.ucam.edu.br

Duração: 429 horas-aula Gestão e Produção Cultural Universidade Está cio de Sá Rio de Janeiro - RJ Duração: 360 horas-aula

www.estacio.br/posgraduacao/cursos/cultura/ges_cul.asp

Produção Cênica · Graduação Tecnológica Universidade Castelo Branco

Rio de Janeiro - RJ Duração: 2 anos

www. castelob ra neo.b r/s ite/ind ex. ph p? ct rl=g ra dua eao&are a=36

Produção Coreográfica - Dança e Folclore - Graduação Tecnológica Universidade Castelo Branco

Rio de Janeiro -RJ Duraça:o: 2 anos

www.caste/obranco.br/site/index.php ?ctrl=gradua cao&area=36 (continua ... )

O Produtor e o Gestor Cultural

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Técnico em Produção Cultural e Eventos Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro- RJ Duração: 1.480 horas

www.laetec.rj.gov.br/index.php?pg=detalhe_curso.php&id_curso=247

Especialização em Produção Cultural com Ênfase em Literatura Infanta-juvenil Cefet Química Nilópolis - RJ Duração: 1 ano e meio

www.cefeteq.br/superior/pos_graduacao

Gestão Cultural UNA- Centro Universitário/ Fundação Clóvis Salgado Belo Horizonte - MG Duração: 360 horas-aula

www.una.br/Cmi/Pagina.aspx?968

Produção e Crítica Cultural Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Belo Horizonte - MG Duração: 390 horas-aula

www.pucminas.br

Produção Cultural e de Eventos (Curso Tecnológico) Centro Universitário Campos de Andrade - Uniandrade Curitiba - PR Duração: 4 semestres

www.uniandrade.br/portal/cursos/visualizar.asp?id=801&tp=4&1c=CWBe

Economia da Cultura Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Ciências Econômicas Porto Alegre - RS Duração: 12 meses e (465 horas-aula)

www.ppge.ufrgs.br/cultura

Economia da Cultura Fundação Joaquim Nabuco Recife- PE Duração: 12 meses e (465 horas-aula)

www.lundaj.gov.br

Produção Cultural e Mídia Faculdades Jorge Amado Salvador- BA Duração: 15 meses (392 horas-aula)

www.fja.edu.br/Detault.html

Gestão de Produtos e Serviços Culturais Universidade Estadual do Ceará Fortaleza - CE Duração: 1 ano (360 horas-aula)

www.uece.br/php/view.php?setor=7&id=127

Curso de Pós-graduação em Planejamento e Gestão Cultural Universidade de Cuiabá /Associação dos Produtores Culturais de Cuiabá /Transversal Consultoria Cuiabá-MT Duração: 15 meses (400 horas)

www.transversalconsultoria.com.br (continua ... )

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O Avesso da Cena



Cursos de graduação Produção Cultural Universidade Federal Fluminense - UFF Niterói -RJ Duração: 7 a 12 meses

www.coseac.uff.br

Tecnologia em Produção Cultural Ceie! Química Nilópolis - RJ www.cefeteq.br/superior/prod_cult

Duração: 3 anos

Produção e Política Cultural Universidade Cândido Mendes Rio de Janeiro - RJ Duração: 3 a 6 anos (2400 horas-aula)

www.ucam.edu.br

Curso de Comunicação Social - Habilitação em Produção em Comunicação e Cultura Universidade Federal da Bahia - UFBA Salvador- BA www.facom.ufba.br

Duração: 8a14 semestres

Curso Superior de Formação Específica em Gestão e Produção de Eventos Culturais

Universidade da Amazônia

Belém-PA Duração: 2 anos (1.620 horas) http1/www.unama.br/formacaoEspecifica/cursos/gestProdEventCulturais/ Curso de Produção Cultural de Caratinga Centro Universitário de Caratinga - UNEC Caratinga - MG Duração: 3 anos

www.unec.edu.br

Cursos de m_estrado Geralmente a duração de curso_s de mestrado é de 2 anos.

Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade- Cultura e Sociedade Universidade Federal da Bahia -UFBA Salvador- BA

www.facom.ufba.br

Bens Culturais e Projetos Sociais

Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro - RJ

www.cpdoc.fgv.br

História, Política e Bens Culturais Fundação Getúlio Vergas Rio de Janeiro - RJ

www.cpdoc.fgv.br (continua ... )

O Produtor e o Gestor Cultural

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(... conclusão)

Cursos de doutora