Cartas Paulinas

CARTAS PAULINAS CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA Disciplinas: Cartas Paulinas — Prof. Ms. Mauro Negro Meu nome é Maur

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CARTAS PAULINAS

CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA Disciplinas: Cartas Paulinas — Prof. Ms. Mauro Negro

Meu nome é Mauro Negro. Sou padre da Congregação dos Oblatos de São José. Fiz o Mestrado em Teologia Bíblica na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. Estudei em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana e no Pontifício Instituto Bíblico. Fui assessor de Ensino Religioso e Professor no Colégio Padre João Bagozzi, em Curitiba, PR (1989–1990). Depois fui, novamente, assessor de Ensino Religioso, Coordenador Pedagógico e Vice-Diretor no Colégio São José em Apucarana, PR (1991–1993). Fui Pároco na Paróquia São José em Apucarana (1994–1998); Vigário Paroquial na Paróquia Santuário Santa Edwiges, São Paulo-SP (1999– 2000) e Vigário Paroquial na Paróquia San Giseppe Aurellio, em Roma, Itália (2001–2003). Atualmente, sou formador dos estudantes de Teologia de minha Congregação Religiosa, Vigário Paroquial da Paróquia Santuário Santa Edwiges e da Paróquia Nossa Senhora de Loreto, em São Paulo-SP. Sou professor de Teologia Bíblica, Antigo e Novo Testamento, na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (PUC–SP). Leciono, também, na Escola Bíblica da Região Episcopal Ipiranga (Arquidiocese de São Paulo) e em diversas Escolas Bíblias paroquiais em cidades dos estados de São Paulo e Paraná. Sou, ainda, assessor em Escolas Catequéticas dos regionais Sul I e Sul II (CNBB).

Prof. Ms. Mauro Negro

CARTAS PAULINAS

Guia de Disciplina Caderno de Referência de Conteúdo

© Ação Educacional Claretiana, 2009 – Batatais (SP) Trabalho realizado pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP) Curso: Bacharelado em Teologia Disciplina: Cartas Paulinas Versão: jul./2010 Reitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor Piva Vice-Reitor: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula Pró-Reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir Botteon Pró-Reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Ms. Pe. Ronaldo Mazula Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Ms. Luís Cláudio de Almeida Coordenador Geral de EAD: Prof. Artieres Estevão Romeiro Coordenador do curso de Bacharelado em Teologia: Prof. Ms. Vitor Pedro Calixto dos Santos Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Aletéia Patrícia de Figueiredo Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina Nascimento Raymundini Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Elaine Cristina de Sousa Goulart Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A. Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Luiz Fernando Trentin Patrícia Alves Veronez Montera Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira

Revisão Felipe Aleixo Isadora de Castro Penholato Maiara Andréa Alves Rodrigo Ferreira Daverni Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico, diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Renato de Oliveira Violin Tamires Botta Murakami Wagner Segato dos Santos

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Centro Universitário Claretiano Rua Dom Bosco, 466 - Bairro: Castelo Batatais SP – CEP 14.300-000 [email protected] Fone: (16) 3660-1777 – Fax: (16) 3660-1780 – 0800 941 0006 www.claretiano.edu.br

SUMÁRIO

GUIA DE DISCIPLINA 1 2 3 4 5

APRESENTAÇÃO ...............................................................................................VII DADOS GERAIS DA DISCIPLINA .........................................................................VII CONSIDERAÇÕES GERAIS..................................................................................VIII BIBLIOGRAFIA BÁSICA ......................................................................................IX BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ..........................................................................IX

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO APRESENTAÇÃO............................................................................................. 1

INTRODUÇÃO À DISCIPLINA AULA PRESENCIAL ......................................................................................... 2

UNIDADE 1 – PAULO: APRESENTAÇÃO - 1 E 2 TESSALONICENSES 1 2 3 4 5 6 7 8 9

INTRODUÇÃO ..................................................................................................4 PAULO: PERSONAGEM E APÓSTOLO ...................................................................4 PAULO: DE PERSEGUIDOR A APÓSTOLO ..............................................................6 AS CARTAS PAULINAS .......................................................................................9 TESSALONICENSES ..........................................................................................15 TESSALONICENSES...........................................................................................18 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................21 E – REFERÊNCIAS .............................................................................................21 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................21

UNIDADE 2 – PAULO: APRESENTAÇÃO - 1 E 2 CORÍNTIOS 1 2 3 4 5 6 7

INTRODUÇÃO ...................................................................................................24 PAULO: PERSONAGEM E APÓSTOLO ...................................................................24 AS CARTAS AOS CORÍNTIOS: 1 CORÍNTIOS .........................................................26 AS CARTAS AOS CORÍNTIOS: 2 CORÍNTIOS .........................................................39 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................45 E – REFERÊNCIAS .............................................................................................45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................46

UNIDADE 3 – PAULO MISSIONÁRIO: AS VIAGENS - CARTAS AOS FILIPENSES E AOS GÁLATAS 1 2 3 4 5 6 7

INTRODUÇÃO ...................................................................................................48 PAULO MISSIONÁRIO: AS VIAGENS ...................................................................48 CARTA DE PAULO AOS FILIPENSES......................................................................55 CARTA DE PAULO AOS GÁLATAS .........................................................................60 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................69 E-REFERÊNCIA .................................................................................................69 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................70

UNIDADE 4 – CARTA AOS ROMANOS 1 2 3 4 5 6 7

INTRODUÇÃO ...................................................................................................72 CARTA AOS ROMANOS .....................................................................................72 IGREJA DE ROMA..............................................................................................73 COMENTÁRIO À CARTA AOS ROMANOS ...............................................................77 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................86 E-REFERÊNCIAS ...............................................................................................87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................87

UNIDADE 5 – CARTAS AOS COLOSSENSES E AOS EFÉSIOS - O BILHETE A FILÊMON 1 2 3 4 5 6 7

INTRODUÇÃO ...................................................................................................90 CARTA AOS COLOSSENSES ................................................................................90 CARTA AOS EFÉSIOS ........................................................................................94 CARTA (BILHETE) A FILÊMON .............................................................................99 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................102 E-REFERÊNCIAS ...............................................................................................102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................102

UNIDADE 6 – PAULO E O EVANGELHO NA SOCIEDADE DE SEU TEMPO - AS CARTAS PASTORAIS 1 2 3 4 5 6 7

INTRODUÇÃO ...................................................................................................106 O EVANGELHO SEGUNDO PAULO ........................................................................106 PAULO E O CRISTIANISMO: UMA PROPOSTA DE LIBERDADE EM CRISTO ..................107 AS CARTAS PASTORAIS: 1 E 2 TIMÓTEO E TITO....................................................113 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................121 E-REFERÊNCIAS ...............................................................................................121 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS .........................................................................122

APRESENTAÇÃO

Seja muito bem vindo! Você está no início do estudo da disciplina que enfoca as Cartas Paulinas, também chamado “corpus paulinum”. Esta disciplina compõe o curso de Bacharelado em Teologia oferecidos na modalidade EAD do Claretiano. Paulo é uma figura decisiva no cristianismo das origens. Ele traz consigo grande cultura, capacidade de comunicação e exposição, ideias claras, argumentos, experiência no mundo judeu e paixão pelo que apresenta e vive. Ele é um apaixonado por Jesus Cristo e pelo Evangelho. O conhecimento de sua vida e obras, até onde for possível, é uma fonte de impressões e realidades relativas às Igrejas das primeiras décadas do cristianismo, no início de sua expansão pelo mundo greco-romano. Paulo percebeu que o Evangelho, as notícias e os ensinamentos sobre Jesus não podiam ficar limitados ao mundo judaico. Se é certo que Jesus veio para cumprir as profecias e promessas feitas aos judeus, é mais do que certo também que o conjunto de sua mensagem e especialmente a ação de sua Pessoa, que Paulo chamará de graça, são abertos para todos os povos e culturas. O judaísmo foi o passo inicial, mas a plenitude está em Cristo Jesus. E é para todos. Paulo dedicou-se ao mundo gentio, vendo nele o futuro do cristianismo. Por isso, viajou e fundou comunidades. Paulo anuncia o Evangelho, forma e estimula as comunidades, especialmente aquelas por ele fundadas. Sofre por elas e com elas. Visita, busca, retorna, enfrenta e insiste no seguimento de Jesus como caminho de salvação. As Cartas são expressões de seu esforço em apresentar o Evangelho e se fazer presente próximo às pessoas. O “corpus paulinum” é o conjunto das Cartas de Paulo, chamado “Apóstolo dos gentios”. Elas compõem grande parte do Novo Testamento, parte da Bíblia cristã. São na realidade os escritos mais antigos do Novo Testamento. Assim, apresentam as mais originais expectativas, novidades, impressões, propostas e esperanças que os primeiros cristãos portavam consigo. As Cartas paulinas são, além de documentos de doutrina, um conjunto precioso de fé e de história, ao menos indireta, do período apostólico imediatamente posterior ao Evento Cristo. Estas Cartas não foram compostas de modo acadêmico, como uma exposição sistemática de ideias e princípios. Elas são frutos da necessidade da pregação de Paulo, da oportunidade de comunicação e do intenso interesse do Apóstolo em se comunicar com as Igrejas. Especialmente seu interesse em comunicar Cristo Jesus.

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DADOS GERAIS DA DISCIPLINA

Ementa Introdução à vida e à obra de Paulo. Contextualiza a pregação e os escritos do apostolo Paulo no ambiente da Comunidade Cristã. Introdução às Cartas autênticas de Paulo. Nesse contexto aborda o ministério de Paulo como grande responsável pela propagação e aprofundamento da mensagem cristã, quer por sua pregação oral, quer por seus escritos. Objetivo geral Os alunos da disciplina Cartas Paulinas, na modalidade EAD do Claretiano, dado o Sistema Gerenciador de Aprendizagem e suas ferramentas, terão condições de compreender a importância da pessoa de Paulo, apóstolo decisivo no primeiro século do

GUIA DE DISCIPLINA

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GUIA DE DISCIPLINA

Bacharelado em Teologia

cristianismo. Compreenderão também o alcance da expressão e os elementos fundamentais de sua mensagem, que ele chama de Evangelho. Irão conhecer as Cartas que a tradição bíblica apresenta com seu nome, bem como as principais e importantes questões relativas a cada uma delas. De posse desses conhecimentos, os alunos estarão capacitados a ler e identificar os pontos teológicos relevantes nos textos das Cartas. Compreenderão a partir destas os argumentos próprios do início do cristianismo, em meados do primeiro século, logo depois do Evento Pascal (Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus) e antes da redação dos Evangelhos canônicos. Os alunos verão que o Apóstolo Paulo soube corresponder, conforme sua personalidade apaixonada, intensa, exigente, extremamente lúcida e inteligente, às necessidades do anúncio do Evangelho e a não limitá-lo a uma realidade restrita como era o judaísmo daqueles tempos. Pelo contrário, soube levar este Evangelho ao mundo grego-romano e apresentá-lo como sinal de vida e de esperança em uma sociedade marcada pela violência e morte. Competências, habilidades e atitudes

ATENÇÃO! O segredo do sucesso em um curso na modalidade Educação a Distância é PARTICIPAR, ou seja, INTERAGIR, procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.

Ao final deste estudo, os alunos do curso de Teologia contarão com uma sólida base teórica para fundamentar criticamente sua prática educacional/profissional. Além disso, adquirirão não somente as habilidades para cumprir seu papel de docente/ profissional nesta área do saber, mas também para agir com ética e com responsabilidade social, contribuindo, assim, para a formação integral do ser humano, especialmente dos alunos. Modalidade ( ) Presencial

( X ) A distância

Duração e carga horária A carga horária da disciplina Cartas Paulinas é de 60 horas. O conteúdo programático para o estudo das seis unidades que a compõe está desenvolvido no Caderno de referência de conteúdo, anexo a este Guia de disciplina, e os exercícios propostos constam do Caderno de atividades e interatividades (CAI).

ATENÇÃO! É importante que você releia no Guia acadêmico do seu curso as informações referentes à Metodologia e à Forma de Avaliação da disciplina Cartas Paulinas. A síntese dessas informações consta do cronograma na Sala de Aula Virtual – SAV.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS

Paulo de Tarso ou São Paulo é uma figura importante no cristianismo. No Novo Testamento, composto por 27 livros, ele é o autor de 13 deles. São as Cartas escritas por ele diretamente ou a ele atribuídas. Elas dão a conhecer, ainda que de modo não sistemático ou orgânico, seu pensamento e doutrina, nascidos da proximidade com os textos que hoje se chamam de Antigo Testamento. As fontes para a vida de Paulo são o livro dos Atos dos Apóstolos e as Cartas. Nem sempre eles estão em acordo com os fatos e situações. Mas demonstram uma das linhas desenvolvidas na Igreja nascente, seguramente a mais intensa e corajosa. Paulo

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GUIA DE DISCIPLINA Bacharelado em Teologia

teve uma importância tão acentuada para os primeiros séculos do cristianismo, a partir de suas Cartas e dos Atos dos Apóstolos, que chega a ser mais valorizado que os outros representantes desta época. As Cartas paulinas apresentam muitas dificuldades de interpretação. Aliás, há também dificuldades em vê-las todas como autenticamente escritas pelo Apóstolo. Neste ponto, não há consenso entre os estudiosos. Contudo, a importância de cada uma e de sua mensagem é fundamental para a compreensão da evolução do cristianismo. Pela influência de Paulo e da leitura de suas Cartas nas comunidades da Ásia Menor, Grécia e Roma, o cristianismo deixou de ser uma parte do judaísmo e tornou-se uma experiência humana e religiosa independente, com perspectivas impensáveis no mundo judeu. Foi Paulo quem soube superar os limites, ampliar os horizontes e dar respostas à sociedade de seu tempo. Compreender a vida e a importância de Paulo é entrever a importância de Jesus Cristo e de sua mensagem. Perceber que suas Cartas refletem a grande evolução que se operou nas igrejas é entender o progresso do Evangelho e da proposta teológica da Igreja frente às contradições de seu tempo. E rever tudo isto à luz da história e da atualidade é reconhecer que o corpo do Evangelho (boa nova, boa notícia) está mais atual do nunca. Para isso, o estudante deve, fundamentalmente, tomar duas atitudes: a primeira é ler as Cartas de Paulo antes de cada estudo particular sobre elas. A segunda é aplicar-se na leitura dessas unidades e, especialmente, no estudo de toda ou parte da bibliografia. Bom trabalho a todos!

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BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1989, 507 p. (Coleção Bíblica Loyola: 4) ______. As cartas de Paulo (II). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1991, 430 p. (Coleção Bíblica Loyola: 5) CARREZ, M. DORNIER, P. DUMAIS, M. TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1987, 341 páginas (Biblioteca de estudos bíblicos) FABRIS, Rinaldo. As cartas de Paulo (II). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1992, 543 páginas. (Coleção bíblica Loyola: 6) MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo de Tarso: história de um apóstolo. Tradução de Valdir Marques. São Paulo: Paulus, Loyola, 2007, 278 p.

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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, 1014 p. Bíblia de Jerusalém. 4. ed. As epístolas de São Paulo. Introdução. São Paulo: Paulus, 2006, 1954–1964 p. Bíblia do Peregrino. São Paulo: Paulus, 2002. (Cada uma das cartas é precedida por uma introdução)

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GUIA DE DISCIPLINA

Bacharelado em Teologia

Bíblia. Tradução ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994. (Cada uma das cartas é precedida por uma introdução) CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de São Paulo. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1976, 559 p. (Coleção Estudos Bíblicos) CROSSAN, John Dominic. REED, Jonathan. Em busca de Paulo. Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. Tradução de Jaci Maraschin. São Paulo: Paulinas, 2007, 423 p. (Coleção Bíblia e Arqueologia) BRUCE, F. F. Paulo, o apóstolo da graça. Sua vida, cartas e teologia. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Shedd, 2004, 464 p. FABRIS, Rinaldo. Para ler Paulo. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Loyola, 1996, 159 p. HAWTHORNE, Gerald F. MARTIN, Ralph P. REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, 1285 p. HEYER, C. J. den. Paulo: um homem de dois mundos. Tradução de Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2009, 218 p. (Coleção Bíblia e Sociologia) KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. Tradução de João Paixão e Isabel Fontes Leal Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1986, 789 p. (Nova Coleção Bíblica) LÉON–DUFOUR, Xavier (Org.). Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972, 1117 páginas. MANSON, Tomas W. Cristo por Paulo. Tradução de Daniel da Costa. São Paulo: Fonte Editorial, 2009, 126 p. MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo, biografia crítica. 2. ed. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2000, 404 p. _____. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: 1994, 228 p. (Coleção Temas Bíblicos) PATTE, Daniel. Paulo, sua fé e a força do Evangelho. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1987, 506 p. (Nova Coleção Bíblica) QUESNEL, Michel. Paulo e as origens do cristianismo. Tradução de Paulo Ferreira Valério. São Paulo: Paulinas, 2004, 143 p. (Coleção Bíblia e História) SAMPLEY, J. Paul (Org.). Paulo no mundo greco–romano. Um compêndio. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2008, 606 p. SANDERS, E. P. Paulo, a lei e o povo judeu. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Academia cristã, 2009, 279 páginas. VAN DEN BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Tradução de Frederico Stein. Petrópolis: Vozes, 1971, 1588 colunas.

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Olá! Seja bem-vindo ao estudo da disciplina Cartas paulinas, disponibilizada para você em ambiente virtual (Educação a Distância). O Novo Testamento é a referência para o cristianismo, seja ele católico romano, oriental ou das igrejas da Reforma. Ele é composto por textos de gêneros literários, de índole e de apresentação diversas. Os quatro Evangelhos são narrações teológicas sobre a pessoa e missão de Jesus e datam dos últimos vinte anos do primeiro século. O livro de Atos dos Apóstolos é o testemunho escrito da difusão do Evangelho empreendida pelos primeiros cristãos. Ele apresenta, também, em forma de história teológica, o desenvolvimento da Igreja nascente e as pessoas que foram fazendo a história da Evangelização. Dentre elas está, de modo destacado, Paulo de Tarso, chamado Apóstolo dos Gentios. Outra parte do Novo Testamento, além do livro do Apocalipse, é composta pelas cartas ou epístolas que totalizam vinte e uma. Dentre essas cartas, treze são atribuídas ao Apóstolo Paulo. Fazendo as contas teremos: vinte e sete livros do Novo Testamento; vinte e uma cartas e, dentre elas, 13 são paulinas. A despeito do tamanho muito variável dessas cartas, o número de escritos paulinos é notável em relação ao conjunto do Novo Testamento. Isso indica a importância que Paulo tem no conjunto da segunda parte da Bíblia cristã. Paulo, fiel judeu exemplar, perseguia a comunidade cristã, pois via nela uma inimiga do judaísmo e de seus princípios. Quando se encontrou com Jesus Cristo Ressuscitado, como podemos ler em Atos 9,1ss; 22,6ss; 26,2ss e Gálatas 1,15ss, Paulo mudou radicalmente sua perspectiva: de perseguidor passou a pregador; de inimigo quase fanático ele se tornou apaixonadamente arrebatado pelo Cristo e seu Evangelho. Perspicaz e inteligente, depois de iniciar sua vida de cristão e pregador do Evangelho, Paulo logo percebe que a fé cristã é mais marcante e decisiva que os costumes e a Lei dos judeus. Aqui começam seus problemas. Em Atos dos Apóstolos e no “corpus paulinum” frequentemente veremos os desencontro entre Paulo e os judeus e entre Paulo e os cristãos de origem judaica. Os judeus negam o que o Apóstolo apresenta a respeito de Jesus e os judaizantes negam que o judaísmo esteja ultrapassado. Enquanto isso, Paulo dirige-se aos gentios para anunciar-lhes que a vida e o futuro têm sentido em Jesus Cristo. As Cartas surgem da vida apostólica de Paulo. Na medida em que andava pelas cidades e fundava igrejas que se reuniam em torno da memória de Jesus, ele vai percebendo que os esquemas judaicos estão ultrapassados em relação às necessidades dos fiéis e às realidades do mundo. Ele, então, pensa o cristianismo em termos de vida, compromissos e realidades. Quando não pode dirigir-se a fiéis e amigos das diversas comunidades que conhece, Paulo escreve as Cartas. Elas são os primeiros textos escritos do Novo Testamento, anteriores aos Evangelhos. Refletem a realidade das primitivas comunidades e suas necessidades, pensamentos, circunstâncias etc. Aos poucos, especialmente no século 2º de nossa era, as obras de Paulo, suas cartas, vão sendo reunidas e usadas não apenas pelas igrejas que as receberam originalmente, mas também por ouras igrejas. Este intercâmbio gera o “corpus paulinum”, o conjunto de escritos de Paulo, ainda que nem todos sejam considerados unanimemente escritos por Paulo. O que estudaremos nesta disciplina são, fundamentalmente, três pontos importantes. Primeiro, veremos a vida de Paulo, suas atividades e consequências; depois, introduziremos cada uma de suas cartas; por fim, estudaremos alguns pontos de sua mensagem ou Evangelho. Paulo é, sob todos os aspectos, de uma importância decisiva no cristianismo das origens e, podemos dizer sem receio, o primeiro teólogo cristão. Espero que todos estejam entusiasmados e curiosos em conhecer Paulo e as Cartas paulinas. Bom estudo.

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO À DISCIPLINA

AULA PRESENCIAL

Objetivos • Estabelecer interação com os participantes do curso e com o tutor, tendo em vista o necessário fortalecimento do vínculo inicial para a construção do processo de aprendizagem na modalidade EAD. • Analisar e discutir os temas explicitados na disciplina Cartas Paulinas.

Conteúdo • Programa para o desenvolvimento da disciplina.

Objetivos • Conhecer o personagem Paulo, figura de notável importância no Novo Testamento, autor de diversas Cartas e primeiro teólogo cristão. • Conhecer seu pensamento e as circunstâncias que o levaram a articulálo. • Identificar o tema das Cartas paulinas dentro do Novo Testamento. • Conhecer a Igreja de Tessalônica e suas circunstancias. • Entender e comentar 1Tessalonicensenses.

Conteúdos • Paulo: Personagem e Apóstolo. • As Cartas paulinas. • A Igreja de Tessalônica. • 1 e a 2 Tessalonicenses.

ATENÇÃO! Por opção pessoal, faço as citações bíblicas com o nome do livro por extenso, sem abreviação. Temos o modo tradicional de fazer as citações que você poderá seguir.

UNIDADE 1

PAULO: APRESENTAÇÃO 1 E 2 TESSALONICENSES

UNIDADE 1

Bacharelado em Teologia

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INTRODUÇÃO

Talvez o personagem mais comentado e estudado do Novo Testamento, depois de Jesus, seja Paulo. E isso por justas razões: • atribui-se a ele a autoria de 13 dentre 27 livros do Novo Testamento; • seus escritos são os mais antigos do Novo Testamento e, portanto, são os mais originais textos “oficiais” sobre Jesus Cristo e a ressurreição; • ocupa papel de notável destaque na expansão do cristianismo primitivo e isso pode ser notado com a leitura de Atos dos apóstolos; • enfrenta a questão que será determinante para o cristianismo: a pertença e continuidade ao Povo da Antiga Aliança, isto é, Israel; • faz teologia quando escreve, elaborando os primeiros raciocínios a respeito de Jesus, de sua identidade, das consequências de sua história e de seu evento; • é, fundamentalmente, um apaixonado pelo que vive e faz. Especialmente ele é apaixonado pela pessoa e missão de Jesus Cristo. Por isso ele não pode deixar de expressar-se de modo arrebatador quando fala e escreve. Temos outros motivos para entender que Paulo, sua pessoa e obra, são muito importantes para o cristianismo primitivo. Alguns princípios teológicos, algumas informações a respeito da Igreja das origens e mesmo a respeito de Jesus nos são apresentadas por Paulo.

INFORMAÇÃO: “corpus paulinum”: é o conjunto das cartas atribuídas a Paulo. Mais à frente veremos que existem as cartas “protopaulinas” e as “deuteropaulinas”. Todo o conjunto chama-se, então, “corpus paulinum”.

INFORMAÇÃO: Existem muitos livros que apresentam Paulo, alguns dos quais são marcados por certo devocionismo que não deixa claro aspectos importantes de sua mensagem. O Ano Paulino, declarado pelo Papa Bento XVI, foi um tempo especial que despertou o interesse pela mensagem e pela figura do Apóstolo. A este respeito sugiro que você consulte algumas obras da bibliografia. De modo especial, para uma visão mais completa da vida do Apóstolo, sugiro: MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo de Tarso. História de um Apóstolo. São Paulo: Paulus, Loyola, 2007.

A principal fonte de conhecimento de sua mensagem está no chamado “corpus paulinum”. Esta expressão, recorrente nestas páginas, refere-se ao conjunto das Cartas de Paulo ou atribuídas a ele. Outra fonte importante para compreendê-lo é o livro de Atos dos apóstolos. Embora este livro não esteja em perfeito acordo com o “corpus paulinum”, quando se trata de diversas informações sobre a vida e as atividades de Paulo, é de notável importância o que lá se encontra sobre o Apóstolo. Paulo é uma figura central na origem do cristianismo. Não há dúvida que seu pensamento, expresso o “corpus paulinum”, determinou muito do que foi formando a fé cristã. Ele é a mente preparada e lúcida que soube estruturar, ainda que de modo não sistemático, o pensamento cristão sobre os pontos fundamentais da revelação. Ele também representa o ímpeto missionário de propor o Evangelho de Jesus Cristo como caminho para o ser humano, não apenas para o judeu, mas para o judeu e o grego. Não podemos pensar que ele tenha sido o único missionário ou que tenha vivido isolado na função de apóstolo itinerante. Havia, nos primeiros decênios do cristianismo, muitos que se empenhavam em anunciar a Palavra, em fazer com que a mensagem de Jesus e sua identidade fossem testemunhadas. Mas, ao que parece Paulo, mesmo dentro dos limites de suas possibilidades físicas e logísticas, foi o que mais marcou todo o processo.

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PAULO: PERSONAGEM E APÓSTOLO

Figura 1 (divulgação) São Paulo Apóstolo.

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UNIDADE 1 Bacharelado em Teologia

Não é possível traçar uma biografia completa de Paulo a partir de suas cartas ou dos Atos dos Apóstolos. Existem muitas lacunas e até alguns conflitos entre o “corpus paulinum” e os Atos que impõem algumas interpretações históricas. Contudo, as poucas notícias que temos a seu respeito formam um conjunto muito interessante de dados. São Jerônimo, grande estudioso e tradutor das Escrituras do século 6º é o único a afirmar que Paulo era natural da Galiléia. Tal informação encontra-se no seu Comentário à epistola a Filêmon e em outra obra intitulada Vida dos homens ilustres. É sem dúvida uma afirmação interessante, pois relaciona Paulo com a origem cultural de Jesus, a Galiléia, ao menos indiretamente. Embora sendo uma informação de São Jerônimo é difícil dar-lhe muito crédito por ser ele o único que a faz. Assim, anotamos esta indicação, mas não a consideramos para posterior desenvolvimento. Podemos ler em Filipenses 3,4b–7 uma “apresentação” do Apóstolo Paulo: Se há quem julgue ter motivos humanos para se gloriar, maiores os possuo eu: circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu e filho de hebreus. Quanto à Lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à justiça legal, declaradamente irrepreensível. Mas tudo isso, que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo (Filipenses 3,4b–7).

Vejamos os elementos elencados nessa passagem: • Circunciso no oitavo dia. • Da raça de Israel. • Da tribo de Benjamin. • Hebreu, filho de hebreus. • Quanto à Lei, fariseu. • Quanto ao zelo, perseguidor da Igreja. • Quanto à justiça que se encontra na Lei, tornado irrepreensível. • Arrebatado por Cristo para ser apóstolo. Estes oito elementos dão uma noção mais que satisfatória para a compreensão da teologia e prática apostólica do Apóstolo. PASSAGEM

COMENTÁRIO

Circunciso oitavo dia

ao

Indica que ele não é alheio ao povo de Israel. Ele faz parte deste povo desde o nascimento e em função disto ele também espera a vinda do Messias. A circuncisão era o ato físico que determinava a entrada da criança na Aliança feita entre Deus e seu povo Israel.

Da raça Israel

de

É quase que uma redundância da afirmação anterior. Se Paulo foi circuncidado ao terceiro dia, é muito claro que ele era israelita, do povo de Israel. Talvez ele afirme ser da raça de Israel para compor o quadro de plena imersão na Aliança do Antigo Testamento. De fato as afirmações seguintes dão a entender uma identificação perfeita com tudo isso.

Da tribo Benjamin

de

Israel era tido como formado, originalmente, por doze tribos. Cada uma delas era atribuída a um patriarca filho de Jacó, filho de Isaac e filho de Abraão. Em Josué 13—19, encontra-se a descrição da divisão das tribos de Israel na recém-conquistada terra prometida. Em especial, temos em 18,11–20 algumas informações a respeito da tribo de Benjamim. O personagem que dá nome à tribo ou ao qual é atribuída sua origem era o filho de Raquel, esposa amada de Jacó, como pode ser lido em Gênesis 36,16–20. Em 36,22b–26 encontramos toda a família atribuída a Jacó e Benjamin, e José aparecem juntos.

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UNIDADE 1

Bacharelado em Teologia

INFORMAÇÃO: Sugerimos que você faça uma pesquisa sobre os temas “circuncisão”, “hebreu”, “fariseu”, “justiça” e “apóstolo”. Pode usar para tanto um dicionário bíblico ou um vocabulário bíblico. As Bíblias apresentam, geralmente, no final do texto, um vocabulário simplificado que pode ser útil para uma pesquisa. Como dicionário indicamos: VAN DEN BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 1971, 1588 colunas. INFORMAÇÃO: A realidade da Igreja daquele tempo, ainda nos seus inícios, não era clara, como se pode imaginar. Tudo era dirigido ao mundo judeu: as promessas do Messias, as estruturas de santidade e pureza, a ordem social etc. Estava muito obvio: os judeus receberam “seu” Messias em Jesus. Mas, daí para considerar que ele seria o messias dos pagãos… não era um passo fácil e muito menos lógico.

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Hebreu, filho de hebreus

Esta expressão é rica de significado. Não se trata apenas de uma consideração quanto à origem do personagem, mas de sua identidade e de sua posição dentro da História. Ele é hebreu, portanto parte do povo da Aliança, marcado pela intervenção de Deus; e é filho de Hebreus, isto é, carrega consigo uma identidade que é mais do que uma opção de vida: é uma realidade existencial. É quase como dizer que ele não pode deixar de ser o que é, mesmo que viesse a rejeitar.

Quanto à Lei, fariseu

O partido fariseu era um dos mais atuantes na Palestina no tempo de Jesus. Eles eram ligados à prática e à interpretação da Lei de um modo intenso, radical. Os fariseus tiveram muitos encontros e desencontros com Jesus, tendo sido questionados severamente por ele, como em Mateus 15,1–9. Em outra ocasião Jesus os apresenta como modelos de conhecimento e ensinamento, mas não de vivência: Mateus 23,2–7. Quando Paulo se identifica do partido dos fariseus não está se acusando de hipócrita, mas sim declarando que tem a índole dos fariseus quanto ao conhecimento e à observância.

Quanto ao zelo, perseguidor da Igreja

Significa que ele, motivado pela sua adesão ao projeto religioso judaico, estava fiel às tradições e aos preceitos que ele impunha. Ora, em muitos casos, a igreja, comunidade de discípulos de Jesus, estava em contradição com tudo isso. De fato, se a Igreja afirma que é Jesus que conduz a Deus e o seu seguimento dá ao fiel a condição de estar na amizade com Deus, então a Lei do Antigo Testamento não tem mais a importância que antes de Jesus tinha. Para alguém que crê na absoluta necessidade da Lei e na sua observância radical, esta ideia causa problemas. Paulo tornou-se para a Igreja nascente um problema: ele a perseguia, pois não podia admitir este tipo de pensamento.

Quanto à justiça que se encontra na Lei, tornado irrepreensível

Aqui existe um elemento interessante: a justiça que vem da observância da Lei. No pensamento do Paulo cristão, a justiça vem da adesão a Jesus Cristo, não da observância da Lei. Se considerarmos os elementos elencados acima, circuncidado, portanto parte do povo Judeu, da raça de Israel, hebreu, fariseu, zeloso (empenhado, cuidadoso, meticuloso) na observância da Lei da qual ele tirava a sua justiça… Se considerarmos esta sequência de “virtudes” apresentadas por ele, podemos entender que sua posição perante o cristianismo nascente só poderia ser de crítica e até perseguição. Mas vem a última ideia da perícope de Filipenses 3,4b–7: “Mas tudo isso, que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo” (v. 7). Jesus Cristo passou a ser para Paulo o ideal da vida, o centro de sua atenção e o motivo de sua existência.

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PAULO: DE PERSEGUIDOR A APÓSTOLO

Devemos considerar um elemento que seguramente é de fundamental importância: a entrada de Paulo em cena foi uma mudança enorme na rota que a Igreja primitiva estava traçando. Paulo percebeu que o judaísmo seria uma espécie de “camisa de força” para o cristianismo. Este não podia estar limitado a conceitos e costumes judaicos, pois devia ser apresentado ao mundo. E tinha um potencial enorme para isso. Contudo, devia estar separado dos costumes e situações judaicas que o limitavam. Não sabemos quando Paulo nasceu. Podemos considerar que ele se julgue de certo modo idoso quando escreve para Filêmon. Dirigindo-se a este tal Filêmon, Paulo pede pelo escravo Onésimo. Introduzindo este pedido diz: “Eu, Paulo, idoso como estou,

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e agora preso por Jesus Cristo…” (Filêmon 9). É difícil entender este “idoso” que ele aplica a si mesmo. Se a Carta a Filêmon data de meados dos anos 50, não é de se esperar um Apóstolo muito avançado em anos. Contudo, considerando-se as dificuldades do ministério apostólico e especialmente os esforços das viagens, podemos supor um homem bastante provado pela vida. Seu nascimento pode ser suposto entre os anos cinco e dez da era cristã. É comum considerar o ano oitavo da era cristã como o ano de seu nascimento. Paulo é judeu e do grupo dos fariseus. Já vimos isso no texto de Filipenses anteriormente analisado e podemos ler em 2 Coríntios 11,22 um argumento de uma sua defesa: “São hebreus? Também eu. São israelitas? Também eu.” Ele nasceu em Tarso, cidade da Cilícia, famosa região produtora de lã negra. Nasceu e viveu em um ambiente marcado pela abertura a culturas e ideias de outros povos. Tarso e a região de nascimento do Apóstolo eram locais de passagem e, consequentemente, de contatos e informações. Isso certamente cria no jovem Paulo a capacidade de acolher o diferente e estabelecer contatos, o que será de grande valia para sua atividade missionária posterior. Ele também apresenta ideias inspiradas no estoicismo, uma corrente filosófica grega que valoriza o empenho, o sofrimento e a decisão. Paulo, cujo nome hebraico era Saul ou Shaul, conhecia também o grego, espécie de língua franca daquela época. Isso também facilitou a evangelização e fez com que o Evangelho se difundisse. Seria mais difícil a mensagem evangélica ser apresentada em hebraico, língua limitada ao uso na Palestina, especialmente no culto e na leitura da Palavra. Paulo é um cidadão de dois mundos: o mundo hebraico, com suas tradições e especialmente com a esperança messiânica acentuada e o mundo grego, com sua cultura e as possibilidades de comunicação. Contudo o que mais se sobressai é a raciocínio sobre as escrituras e as tradições e sua aplicação em um mundo marcado pela cultura e vida grega. Paulo é o homem certo para a abertura ao mundo que vivia em busca de um sentido de vida e em cujas estruturas pesava o reino de Roma. Parece difícil conhecer algo sobre sua família e suas influências de infância e juventude. O que podemos extrair de suas Cartas e de Atos dos apóstolos é que ele teve formação rabínica. Em Atos 22,3 encontramos um versículo curioso. Paulo está se apresentando às autoridades judaicas de Jerusalém depois de um momento de crise, motivada pela sua ida ao Templo. Ele declara: “…Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, instruíme aos pés de Gamaliel, em toda a observância da lei de nossos pais, partidário entusiasta da causa de Deus como todos vós também o sois no dia de hoje.”

Paulo apresenta duas informações interessantes. A primeira é que ele é de Tarso, na Cilícia. Isso já nos é conhecido e não representa dificuldades. O que parece estranho é a informação seguinte: “… criei-me nesta cidade, instruí-me aos pés de Gamaliel…”. Gamaliel parece ser aquele que aparece em Atos dos Apóstolos 5,34ss. Nesta passagem de Atos, o citado Gamaliel é apresentado como fariseu, doutor da Lei e respeitado por todo o povo. Ele fora discípulo de Hilel e representava a tendência mais amena na interpretação da Lei, com mais humanidade e menos rigorismo. Em Atos, ele aparece em meio à crise criada pela prisão dos apóstolos. O Sinédrio deseja condená-los, mas Gamaliel pede a palavra e pondera se é o caso de combater o grupo de discípulos de Jesus. Ele recorda fatos do passado e sugere que, se a obra que fazem e o anúncio que apresentam vêm de Deus, não é correto lutar contra; e se não vier de Deus, desaparecerá. A palavra do sábio fariseu é ouvida e os apóstolos são castigados, mas não presos ou mortos.

INFORMAÇÃO Era muito comum que judeus, que tinham nomes de origem hebraica ou semítica, admitissem um nome de origem grega ou romana. Era uma espécie de inculturação. Você conhece outros personagens que, tendo nome hebraicos, admitiram também um nome grego ou romano?

ATENÇÃO Uma obra de notável interesse sobre este tema, as perspectivas de Paulo enquanto hebreu e romano, encontramos em: HEYER, C. J. den. Paulo: um homem de dois mundos. São Paulo: Paulus, 2009, 218 p. (Coleção Bíblia e Sociologia)

INFORMAÇÃO: Quando falamos Atos dos apóstolos ou simplesmente Atos estamos falando de um livro. Trata-se do livro (singular) dos Atos dos apóstolos. Assim, é comum que se fale “de (singular) Atos dos Apóstolos” ou “em (singular) Atos dos Apóstolos e não “dos (plural) Atos dos Apóstolos” ou “nos (plural) Atos dos Apóstolos”. Note bem: o livro é um sintagma plural, “Atos dos Apóstolos”, mas a indicação dele, sendo ele um livro, isto é, singular, é também no singular! Claro que encontramos também a outra formulação “nos Atos dos Apóstolos”, “dos Atos dos Apóstolos”. Mas aqui nós optamos pelo primeiro formato.

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Se Paulo esteve com Gamaliel durante sua juventude, em Jerusalém, ele foi contemporâneo de Jesus durante algum tempo. Se considerarmos a narrativa de João, na qual Jesus vai à Jerusalém mais de uma vez durante o seu ministério público, então Paulo e Jesus estiveram na mesma cidade ao mesmo tempo!… Mas, não há qualquer informação a respeito disso. Consideremos também que Paulo, em Atos dos apóstolos 26,4ss, declara que esteve em Jerusalém; em Atos 26,10ss, ele declara que estava em Jerusalém e que combatia a Igreja nascente com intensidade, sob o olhar e a autoridade dos judeus. Isso parece estar de acordo com as notícias anteriores à sua conversão, que encontramos em Atos 8,1 e 9,1–19. Porém, há alguns problemas na consideração dessas informações. Em Gálatas encontramos não um relato de conversão, mas um comentário do caminho de mudança interior do Apóstolo. Ele diz que, depois de uma revelação interior, compreendeu sua missão. Não foi para Jerusalém, mas buscou uma espécie de retiro em Damasco. Depois de três anos é que ele teria ido a Jerusalém e permanecido algum tempo por lá. Ele declara que: …era ainda pessoalmente desconhecido das comunidades cristãs da Judéia; tinham elas apenas ouvido dizer: Aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que outrora combatia.

Há uma série de contradições aqui. Podemos resumi-las nos seguintes pontos, mostrado no quando a seguir: CONTRADIÇÕES Atos dos Apóstolos e Gálatas apresentam argumentos diferentes e são vozes diversas.

INFORMAÇÃO: O estudante pode encontrar uma tábua comparativa e da vida de Paulo e um interessante comentário sobre os tipos de vida de São Paulo em CARREZ, Maurice; DORNIER, Pierre; DUMAIS, Marcel; TRIMAILLE, Michel. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 23–28, em especial as páginas 23–24.

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ATOS DOS APÓSTOLOS

CARTA AOS GÁLATAS

Paulo parece frequentar Jerusalém. Se olharmos o texto do início do capítulo 8º e quase metade do capítulo 9o, leremos que Paulo tinha algum tipo de poder em Jerusalém; depois, no capítulo que narra o encontro de Paulo com o Sinédrio, o que parece é que ele habitou um tempo relativamente longo naquela cidade.

Esta ideia não está presente em Gálatas. Paulo admite duas idas à Jerusalém: uma logo após a conversão e outra quatorze anos mais tarde, sem dúvida para a assembleia apostólica. Não apresenta a terceira, pois ainda não é seu tempo.

Paulo tem um notável poder sobre os judeus simpatizantes ou seguidores de Jesus.

Em Gálatas, lemos que Paulo “devastava” (1,13) a Igreja de Deus e progredia no judaísmo. Este “devastar a Igreja” seria algo relativo ao poder de polícia?

A conversão de Paulo é apresentada como um drama de impacto, com a queda ao chão, a voz, a luz etc.

Em Gálatas a ideia que aparece é do processo de conversão, sem a menção a um fato prodigioso.

Estamos perante duas tradições apostólicas distintas, mas de alguma forma complementares. Consideremos que Atos dos Apóstolos apresenta uma história teológica da Igreja das origens, com intervenções que vão apresentando a ação do Espírito junto aos fiéis. Tudo é obra do Espírito que vai formando a Igreja. O que aparece são teofanias: momentos de intervenção de Deus na história. Assim, a conversão de Paulo ocorre em uma teofania, bem como a libertação dos Apóstolos e outros tantos fatos. Já em Gálatas quem fala é o próprio Paulo. Ele não usa o argumento da teofania, mas se fixa na ação de Deus nele, como um vaso eleito que vai aos poucos deixando-se moldar.

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Figura 2 (divulgação) – Conversão de São Paulo. Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni, 1542-45 - Afresco, 625 x 661 cm Capela Paulina, Palazzi Pontifici, Vatican.

O que é importante assinalar neste ponto é que Paulo não se torna um convertido subitamente, vindo do nada e no aspecto moral. Não se trata de uma conversão ética, mas sim de uma conversão de opções: antes, o homem era um fariseu apaixonado, que “… progredia no judaísmo mais do que muitos compatriotas…” (Gálatas 1,14) e, sinceramente seguia os princípios judaicos; depois, o fariseu muda seus conceitos fundamentais e Deus o chama pela sua graça para revelar nele seu Filho, para o evangelizar entre os gentios (cf. Gálatas 1,16).

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AS CARTAS PAULINAS

Cartas ou epístolas?

INFORMAÇÃO: Sugerimos que você consulta ao menos duas obras interessantes e bem atuais sobre Paulo. A primeira é CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan L. Em busca de Paulo. Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007. A segunda é: HEYER, C. J. den. Paulo, um homem de dois mundos. São Paulo: Paulus, 2008. Estas duas obras não são contraditórias entre si, mas apresentam enfoques particulares a respeito da personalidade e anúncio de Paulo no mundo pagão.

Figura 3 (divulgação) – Fragmento da Carta de São Paulo aos Romanos, c. AD 180200 – Texto grego escrito conservado em papiro.

Esta é uma questão clássica nos estudos dos escritos de Paulo. Estes escritos devem ser chamados de “cartas” ou de “epístolas”? Não é tão fácil enquadrar o “corpus paulinum” em uma destas categorias sem deixar de considerar a outra.

ATENÇÃO! Sugerimos que você acesse o site http://bne.catholic.net.au/ asp/index.asp?pgid=11747 que além de informações importantes contém rico acervo de imagens sobre Paulo Apóstolo.

Conforme a concepção literária da antiguidade, entende-se por “epistola” um texto de índole filosófica, com ensinamentos, exortações e um desenvolvimento de pensamentos que vão formando um corpo de doutrina. Por “carta” entende-se um escrito

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menos interessado em desenvolver um ensinamento, e sim dirigir-se a uma pessoa ou grupo de pessoas, declarando fatos importantes, dando notícias e marcando a caminhada. Sob este prisma pode-se compreender que os escritos de Paulo podem ser considerados ora epístolas ora cartas. Embora sejam escritos dirigidos a grupos ou pessoas (portanto “cartas”) apresentam importantes considerações teológicas (então: epístolas). Mas se fossem consideradas epístolas teriam elementos estranhos a este tipo de literatura, como palavras apaixonadas do autor, quando trata da conduta de alguns, bem como notícias particulares e saudações. Um dos escritos que, não obstante os elementos próprios do “estilo carta”, pode ser considerado epistola é a Carta aos romanos. Igualmente no escrito aos Filipenses, não obstante os problemas identificados na crítica interna da carta, encontramos um escrito “quase epístola”. Isso posto nossa posição é a seguinte: chamaremos todos os escritos do “corpus paulinum” de “cartas”, reconhecendo que alguns poderiam ser considerados “epistolas”. Vasto material de referência Nestas cartas encontra-se um material vastíssimo, testemunha da Igreja das origens, anterior à redação dos Evangelhos canônicos. Este material pode ser identificado como: a) Confissões de fé, sejam inteiras ou fragmentos. • Trata-se de fórmulas breves que expressam verdades fundamentais da fé. Veja-se, por exemplo: 1 Tessalonicenses 1,10; Gálatas 1,3–5; 1 Coríntios 15,3–4; Romanos 1,2–5. …a vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e da parte do Senhor Jesus Cristo, que se entregou por nossos pecados, para nos libertar da perversidade do mundo presente, segundo a vontade de Deus, nosso Pai, a quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos. Amém (Gálatas 1,3–4).

b) Fórmulas litúrgicas, certamente usadas nas comunidades primitivas. Paulo as menciona propositalmente ou subliminarmente, tamanha era a sua imersão no mistério da fé em Jesus Cristo e sua expressão na Igreja. Podem ser fórmulas: • Eucarísticas: 1 Coríntios 10,16; 11,23–24. • Preces: 1 Coríntios 16,22: Marana tha! • Ação de graças: 1 Tessalonicenses 1,2–4; 1 Coríntios 1,4–9; 2 Coríntios 1,3–7; Filipenses 1,3–11; Romanos 1,8; Filêmon 4–7. • Confissão de fé: 1 Coríntios 8,6. • Bênção: Gálatas 6,16; Filipenses 4,23; 2 Coríntios 13,13, Filêmon 25. • Doxologias: 2 Coríntios 1,3; 11,36; Romanos 1,25; 9,5; Gálatas 1,5; Filipenses 4,20; Romanos 11,36; 16,25. c) Hinos: adaptados ou compostos por ele: 1 Coríntios 12,31—14,1 (hino à caridade); Filipenses 2,6,11 e Colossenses 1,1–20 (hino cristológico). d) Retórica, com argumentação própria, de índole missionária e apostólica. e) Citações da Escritura: Paulo usa muitas citações do Antigo Testamento em suas cartas. O texto que ele segue é a tradução grega chamada dos LXX (Septuaginta). f) Exortações morais, como Gálatas 4,21–31; 1 Coríntios 10,1–11; 2 Coríntios 3,4–8. A moral é dinâmica e parte da intervenção do Senhor na vida do fiel

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e da comunidade, como se vê em 2 Tessalonicenses 2,13–14; 1 Coríntios 10,14–22; 1 Coríntios 10,23—11,1; Romanos 14,1—15,7. g) Homilética e parênese: 2 Coríntios 8,1–24 e 9,1–15. h) Passagens autobiográficas, onde Paulo indica fatos e situações de sua vida e de seu ministério. i) Indicações cronológicas e geográficas. Por exemplo, em 1 Tessalonicenses 2,2 encontramos a indicação de que a Carta foi escrita depois dos incidentes de Filipos; em 3,1 temos a menção de Atenas; 1 Coríntios 16,8 indica que a Carta foi escrita em Éfeso e, provavelmente, antes de Pentecostes; 2 Coríntios 11,7–9 recorda os socorros das Igrejas da Macedônia para com a Igreja Mãe de Jerusalém. j) Recordações da origem de Paulo e de sua história. Em Filipenses 3,5ss temos uma espécie de cartão de visitas biográfico do Apóstolo. Em 1 Tessalonicenses 2,9; 2 Tessalonicenses 3,8; 1 Coríntios 4,12 e 9,13–15 sabemos que ele fabricava tendas. k) As melhores recordações da própria vida e indicações biográficas são encontradas em 2 Coríntios 11,22–33 e Gálatas 1,6—2,14. Paulo: grande parte do Novo Testamento A Paulo atribui-se uma grande parte do Novo Testamento. Os Evangelhos são quatro; depois temos o livro dos Atos dos Apóstolos; temos as Cartas “católicas”, que são: Tiago, 1 e 2 Pedro, 1,2 e 3 João e Judas; depois temos o Apocalipse. Isso soma 13 livros. Ao todo, 27 os livros do Novo Testamento; deles, os 13 atribuídos a Paulo são quase a metade! As Cartas de Paulo não surgiram de modo programado. Ele não pensou em escrevê-las e, assim fazendo, deixar nelas o seu pensamento estabelecido. Ele simplesmente as escreveu quando houve necessidade. Por isso é que, normalmente, as Cartas não têm uma estrutura bem elaborada, parecendo às vezes que Paulo lança ideias conforme lhes vêm à cabeça. Mas não é isso! É que ele escreve conforme as situações específicas de cada comunidade. Nas Cartas ele exorta, educa, corrige, elogia, explica, justifica, demonstra e usa de argumentos para três pontos ou interesses: anunciar Jesus Cristo e seu Evangelho; • deixar claro o fundamento do novo caminho que foi inaugurado com a morte e ressurreição de Jesus; • apresentar argumentos de esclarecimento de ideias, atitudes e doutrinas que ele, Paulo, ou outros, vivem e propõem. Índole das Cartas de Paulo Assim as Cartas paulinas são pragmáticas, isto é, estão ligadas ao elemento prático. Elas têm a característica de responder a necessidades do momento em que foram escritas e dão atenção às situações que existiam nas Igrejas (comunidades) concretas, que existiam no tempo de Paulo, sendo que muitas foram fundadas por ele mesmo. É na Carta aos romanos que encontramos uma elaboração mais refinada, mais coerente. Ele desejou deixar naquele texto o seu pensamento sobre pontos importantes e decisivos do cristianismo. Alguns biblistas já chamaram a Carta aos romanos de primeiro livro de teologia do cristianismo.

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É muito presente nas Cartas de Paulo a perseguição dos cristãos de origem judaica sobre ele. São os chamados “judaizantes”. Eles fazem parte de um conjunto de fieis que podem ser simplificados assim: a) Os judaizantes “radicais”: para eles a circuncisão é fundamental para a aceitação da mensagem cristã. O cristianismo como tal não existe, mas sim o judaísmo que recebe o seu Cristo em Jesus. Os gentios podem aceitá-lo, mas devem aceitar entrar no judaísmo. Esta é a tendência que parece estar criando os embaraços em Atos dos Apóstolos 15,5. b) Os judaizantes “tolerantes”: são judeus, aceitaram Jesus como o Messias e acham que é possível os gentios aceitá-lo também. Conservam o respeito para com as tradições judaicas e as aceitam como parte da nova experiência cristã. De fato, o Cristo veio como cumprimento das promessas feitas a Israel. Mas o rito da circuncisão não deve ser imposto aos cristãos oriundos do paganismo, pois seria forçar uma situação e escolha que não existe. c) Quando o gentio aceita Jesus Cristo ele não está aceitando o judaísmo. Faz-se necessário manter a comunhão com a matriz original da fé cristã. Tudo indica que entre estes judaizantes “tolerantes” está Tiago. Ainda é necessário observar, contudo, certos ritos, pois quem é judeu não deixará de sê-lo; quem vem do paganismo deve entender e compreender a situação e ficar em seu lugar. Ou aderir aos costumes judaicos! d) Os “liberais”. Paulo está entre eles. Ele percebe que o Evangelho é para todo homem, de todos os tempos. O judaísmo foi a segurança até a vinda de Jesus. Quando ele veio deixou de ter importância aquilo que fazia o judeu ser parte do povo de Deus. Agora, todo homem que aceite Jesus Cristo está no povo de Deus. Não há mais necessidade dos costumes legais judaicos, pois Jesus Cristo liberta de tudo, supera a tudo, resgata a tudo.

Protopaulinas e deuteropaulinas No início do século 19, começou-se a duvidar da autoria paulina de algumas Cartas. Em primeiro lugar foram as pastorais, 1 e 2 Timóteo e Tito, que tiveram sua autenticidade paulina questionada. Em seguida foram as duas Cartas aos Tessalonicenses, a Carta aos Efésios, aos Filipenses e aos Colossenses. Os critérios para esta posição e outras que excluíam até as chamadas “grandes epistolas” (Romanos, 1 e 2 Coríntios e Gálatas) são relativos e, às vezes, até muito estreitos. São, por exemplo, questões de divergência entre o pensamento de fundo de cada Carta e as tendências judaizantes que podiam existir na época. Se há esta divergência, então a Carta pode ser autêntica; não havendo, então foge da autenticidade. Este modo de avaliar o “corpus paulinum” tem seu lugar dentro de limites criteriosos, pois pode estar muito influenciado por conceitos filosóficos modernos.

INFORMAÇÃO: A datação apresentada acima é uma opção relativa. Pode ser considerada satisfatória como um resultado da crítica histórica, mas não é a única datação possível e são passíveis de questionamentos, especialmente as “deuteropaulinas”.

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Dessa forma, o que se debate a respeito das Cartas protopaulinas e as deuteropaulinas é relativo. Hoje não podemos estar amarrados aos limites dessa compreensão sob pena de não compreender o alcance do Evangelho pregado por Paulo e assimilado pelas comunidades primitivas que encontravam no “corpus paulinum” um estímulo para a vida cristã e fonte de informação e experiência de fé. Mesmo assim, por ser um critério ainda debatido, embora hoje não intensamente, dentro da teologia paulina, apresentamos aqui o formato atual da compreensão do quadro das Cartas dentro desse modo de ver e propor a origem e identidade das Cartas, juntamente com a datação provável de cada uma:

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CARTAS PROTOPAULINAS

CARTAS DEUTOROPAULINAS

Romanos

Entre os anos 57 ou 58

2 Tessalonicenses

Década de 80

1 Coríntios

No final de 55

Colossenses

Anos 60 ou 70. Alguns indicam até os anos 90!

2 Coríntios

No ano 57 ou 58

Efésios

Anos 90 ou 100

Gálatas

No final do ano 52

1 Timóteo

Final do séc. I ou início do séc. II

Filipenses

No final do ano 56

2 Timóteo

Final do séc. I ou início do séc. II

1 Tessalonicenses

Entre os anos 50 e 51

Tito

Final do séc. I ou início do séc. II

Filêmon

Pelo ano de 54

Sobre a identificação de Cartas protopaulinas e deuteropaulinas podemos dizer, resumidamente: alguns autores identificam as Cartas como sendo “autênticas” ou “atribuídas” a Paulo. As chamadas autênticas são: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses e Filêmon. Elas figuram como os mais antigos escritos do cristianismo, anteriores inclusive aos Evangelhos canônicos (os que temos na Bíblia), e pela originalidade de atribuição a Paulo são chamadas de “protopaulinas”, isto é, “primeiramente (em relação às outras, posteriores) atribuídas a Paulo. As Cartas de Paulo consideradas não originais ou a ele atribuídas são: Efésios, 2 Tessalonicenses, Colossenses, 1 e 2 Timóteo e Tito. Elas foram escritas ou finalizadas (concluídas) depois da morte do Apóstolo, em geral depois do ano 80, nas duas últimas décadas do século 1º. ou mesmo no século 2º e são chamadas de deuteropaulinas, isto é, atribuídas depois, em um segundo (deutero: segundo) momento. Assim podemos sintetizar: CARTAS AUTÊNTICAS OU ATRIBUÍDAS A PAULO

CARTAS NÃO ORIGINAIS E ATRIBUÍDAS A PAULO

Romanos

Efésios

1 e 2 Coríntios

2 Tessalonicenses

Gálatas,

Colossenses

Filipenses

1 e 2 Timóteo

1 Tessalonicenses

Tito

Filêmon

Conforme esta consideração, pode-se perguntar: por que as Cartas deutoropaulinas levam o nome de Paulo? Uma possível resposta seja porque seus autores desejavam ensinar como Paulo, no mesmo sentido dele, com o ímpeto que ele demonstrava. Estes autores, que não sabemos quem são, fizeram textos “pseudoepígrafos”, isto é, colocaram o nome de outro em um escrito seu. Fizeram isso para dar mais crédito ao que escreveram ou para completar o que poderia estar faltando ao que já fora escrito. Esta é uma possibilidade: completar ou mesmo corrigir o que não pareceu bem claro em outros escritos. Este modo de interpretar o “corpus paulinum” às vezes não é muito destacado entre os estudiosos e nem é de consenso. Alguns indicam a 2 Tessalonicenses como sendo anterior à 1 Tessalonicenses e, consequentemente, original de Paulo. Nem todos os estudiosos identificam as Cartas chamadas pastorais como deuteropaulinas. Assim, não daremos destaque a este critério de identificação de Paulo senão como chave interpretativa. Identidades diversas para as Cartas paulinas

ATENÇÃO: Insisto na questão de menor importância deste critério de identificação do “corpus paulinum”. Você poderá consultar as introduções de cada Carta em edições da Bíblia para alguma informação mais pertinentes.

Há mais de um modo de classificar as Cartas de Paulo. Nem sempre os estudiosos estão em consenso a este respeito. Vejamos: Chamam-se de Cartas do cativeiro as Cartas

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ditas deuteropaulinas aos Efésios e aos Colossenses. Elas refletem um tempo de prisão, em que o Apóstolo estaria aguardando algum julgamento. Digo “estaria” pois, se são Cartas deuteropaulinas, então são posteriores ao Apóstolo. Outra visão podemos ter das “Cartas do cativeiro”, considerando como tais as Cartas deuteropaulinas aos Efésios, aos Colossenses, e as protopaulinas aos Filipenses e a Filêmon. Excetuando esta última, as três primeiras também são chamadas de “Cartas cristológicas”, pois apresentam argumentos significativos quanto à identidade e missão de Jesus Cristo. Assim há duas as maneiras de considerar as Cartas do cativeiro. Uma mais ampla e outra mais restrita. Onde seria este cativeiro ou prisão? Uma visão mais tradicional indicava como sendo Roma, durante a permanência de dois anos, entre 61 e 62. Outros estudiosos indicam Cesaréia, entre os anos 58 e 60. Uma terceira opinião é a cidade de Éfeso, entre os anos 54 e 57, o que seria bem provável se não fosse o fato de Atos dos Apóstolos não indicar nada a respeito de uma prisão de Paulo naquela cidade. As Cartas pastorais são as dirigidas a Timóteo e aquela a Tito. São chamadas assim pois têm um forte acento de indicações práticas sobre como conduzir a Igreja. Assim, temos: CARTAS DO CATIVEIRO

CARTAS DO CATIVEIRO

CARTAS PASTORAIS

Carta aos Efésios

Carta aos Efésios

1 Timóteo

Carta aos Colossenses

Carta aos Colossenses

2 Timóteo

Carta aos Filipenses

Tito

Carta a Filêmon

Período da escrita As Cartas paulinas autênticas, as chamadas protopaulinas, têm uma datação mais precisa do que as atribuídas a Paulo. Um elemento curioso é que os biblistas indicam como data para cada uma destas Cartas, geralmente, o período de tempo entre o final de um ano e o início do ano seguinte. O motivo é que, no hemisfério norte, este é o período de inverno. Em alguns lugares por onde Paulo peregrinava as viagens nos períodos de inverno eram praticamente impossíveis. Este era, então, o tempo para compor as Cartas, pois havia mais serenidade e condições para a escrita. Lembremos que escrever, naqueles tempos, não era algo tão fácil e imediato como hoje. Era necessário grande dose de decisão, pois implicava em adquirir os matérias necessários, ter conhecimento da língua ou pagar algum escribas, pensar no que escrever e calmamente compor letras e frases, sem desperdiçar espaços do pergaminho ou papiro ou outro material usado como base da escrita. Um esquema fundamental Cada Carta de Paulo tem conteúdo e sentido específicos. Constam também de argumentos diferentes conforme os destinatários dos escrito. Mas é possível descobrir um esquema fundamental que sobressai em todas elas, que pode ser apresentado dessa forma: ESQUEMA FUNDAMENTAL DAS CARTAS PAULINAS

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A. Uma introdução

Autoria e destinatários Algumas palavras de exortação e gratidão

B. Corpo do texto

Argumentos que se sucedem Cada carta tem um ou vários focos

C. Conclusão

Saudações individuais e comunitárias Alguma ação de graças Despedida

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É claro que o corpo do texto é a parte maior e é onde aparecem os elementos mais relevantes da teologia paulina. Mas as introduções e conclusões também têm sua importância, pois demonstram a intensidade de interesse e empenho que o Apóstolo dedicava às suas comunidades.

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TESSALONICENSES

Temas, contexto e circunstâncias A 1 Tessalonicenses é o mais antigo escrito cristão de que se tem notícia. É também o mais antigo texto neotestamentário. É possível que a data de sua redação tenha sido entre os anos 50 e 51, em Corinto. Aliás, esta datação é a chave para a cronologia de Paulo. A questão está na permanência em Corinto. Paulo, conforme a afirmação de Atos 18,11, residiu em Corinto um ano e seis meses, portanto 18 meses. No final desse tempo, foi conduzido até o procônsul Galião que deveria julgá-lo. Este Galião não deu importância às questões levantadas pelos que apresentavam o Apóstolo ao tribunal (18,14–16). Ele reduziu as questões a argumentos de palavras, nomes e assuntos da Lei dos judeus. Despediu o grupo que, não satisfeito com o inesperado desfecho da situação, tomou Sóstenes - que Atos indica ser o chefe da sinagoga local -- e o espancou. Paulo, contudo, pôde continuar na cidade ainda algum tempo.

ATENÇÃO! É importante que você leia agora as duas Cartas aos Tessalonicenses. Use uma boa tradução bíblica e sirva-se das notas explicativas. Uma leitura atenta do texto é mais de meio caminho andado para a compreensão da mensagem!

Ocorre que Galião, procônsul da Acaia, região onde estava Corinto, ficou um ano na função. Como sabemos por uma inscrição encontrada em Delfos, este Galião esteve na Acaia entre os anos de 51–52. Calcula-se que Paulo deve ter comparecido perante ele no final do verão de 51. Se 1 Tessalonicenses foi escrita de Corinto, então deve ter sido antes desta data. Calculam-se os anos 50–51, provavelmente no inverno, que era o tempo de escrever cartas, pois as viagens eram impossíveis. 1 Tessalonicenses estabelece o padrão de motivos para as Cartas de Paulo: circunstâncias concretas, situações localizadas e bem delimitadas. As Cartas de Paulo, como já vimos na introdução, não eram programadas, à exceção daquela dirigida aos Romanos. A autenticidade de 1 Tessalonicenses é indiscutível. A antiguidade já transmitia informações sobre a autoria de Paulo. O cânon de Marcião, datado de 144, já possuía 1 Tessalonicenses em sua lista de livros do Novo Testamento; o Cânon de Muratori, famoso documento datado de meados do século 2º apresenta a Carta em sua lista. Tem-se também os testemunhos de Ireneu († 200 aproximadamente), na região da Gália (atual França); Clemente de Alexandria († antes de 215), no Egito; Tertuliano († 220 aproximadamente), na África. Todos confirmam a autoria paulina da Carta. Segundo Atos dos Apóstolos 17,1ss, Paulo e Silas chegaram a Tessalônica e lá iniciaram a pregação na sinagoga. Alguns aceitaram a mensagem apresentada pelo Apóstolo e formaram um núcleo cristão. Contudo, como podemos ler ainda em Atos 17, alguns judeus invejosos decidiram combater esta situação e acusaram os pregadores de propor outro “rei” além de César (cf. Atos 17,7), o que é interessante, pois a pregação cristã não era feita com esta imagem de “rei” aplicada a Jesus. A situação tornou-se muito tensa e envolveu a Jasão, o hospedeiro de Paulo naquela cidade. Por causa disso, Paulo e Silas foram retirados às pressas da cidade, de noite, indo para Beréia. Lá também foram perseguidos por outros de Tessalônica, enviados pelos judaizantes da cidade. Desta forma, Paulo teve de partir de Beréia e, conforme Atos 17,16ss, rumou para Atenas. Ficaram em Beréia Timóteo, que aparece no momento

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na história, e Silas. Posteriormente, eles também seguem a Paulo. Este manda Timóteo novamente a Tessalônica para confirmar a fé dos convertidos. Timóteo retorna trazendo notícias e é neste contexto que Paulo escreve a 1 Tessaloniceses. 1 Tessalonicenses nasceu da necessidade de contatar os cristãos daquela cidade, despertados em sua adesão a Jesus Cristo em meio a situações muito complexas. Paulo afirma em 1 Tessalonicenses 2,18 que deseja visitar a cidade, mas que Satanás o impede. 1 TESSALONICENSES – ESTRUTURA

ATENÇÃO! É imprescindível que você leia 1 Tessalonicenses neste momento. Sua leitura é condição necessária para o seu estudo e comentário. Assim, um contato prévio é mais do que necessário. De modo especial veja como Paulo, mais do que apresentar argumentos, apresenta a si próprio e a sua experiência. Observe e destaque os principais focos de atenção do Apóstolo, para depois confrontar com as considerações aqui apresentadas.

1,1

Endereço

Temas introdutórios

1,2–10 2,1–12 2,13–16 2,17–19 3,1–5 3,6–13

Ação de graças Lembranças da estadia em Tessalônica A reputação dos tessalonicenses A solicitude do Apóstolo Motivo do envio de Timóteo Ação de graças do Apóstolo

Escatologia e Parusia

4,1–12 4,13–18 5,1–11

Prática de vida cristã Imagem escatológica A vinda do Senhor

Conclusões

5,12–22 5,23–27 5,28

Recomendações comunitárias Oração final Despedida

Estrutura de 1 Tessalonicenses O endereço é simples e objetivo: apresenta os remetentes, tendo Paulo à cabeça, seguido de Silvano e Timóteo, e os destinatários: a Igreja de Tessalônica. Em seguida temos cinco quadros, estruturados no argumento da recordação de fatos e situações em que aparece uma relação de “nós” e “vós”, entendendo-se o “nós” como Paulo e seus companheiros e “vós” os tessalonicenses. Esta primeira parte, que chamamos de “temas introdutórios”, são um conjunto de palavras, impressões e sentimentos intensos de interesse do Apóstolo para com uma Igreja nascida na adversidade, mas que produz frutos e progride. Vejamos o conteúdo destes seis quadros acima citados: Primeiro quadro (1,2–10) Trata da vocação dos tessalonicenses e as consequências da adesão ao mistério de Jesus Cristo. Os pontos marcantes desta adesão são a conversão da idolatria e a fé na ressurreição de Jesus. Os tessalonicenses, embora nas tribulações da vida, encontram alegria do Espírito. Segundo quadro (2,1–12) Trata-se das atividades do Apóstolo e de sua natureza. Em primeiro lugar, Paulo cita os percalços da sua missão em Filipos. Ele não desiste, contudo, de sua missão, pois ela veio de Deus. Por isso declara-se livres dos condicionamentos próprios de pregadores itinerantes, muito comuns na época, que tinham e tiravam vantagens das situações que criavam. Paulo insiste em seu interesse intenso pelos tessalonicenses. Terceiro quadro (2,13–16) Aqui Paulo recorda a conversão dos tessalonicenses que entenderam seu interesse em levar a todos à salvação. Paulo louva a Igreja de Tessalônica e a conduta

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de seus membros que chegaram a ser semelhantes aos das Igrejas da Judéia, sofrendo perseguições. Como Jesus foi perseguido, agora o são também seus discípulos. Quarto quadro (2,17–20) Seguindo a ideia da perseguição por causa do seguimento de Jesus, Paulo recorda que ele foi impedido de ir a Tessalônica por Satanás. É difícil determinar o que ele deseja dizer com isso: quem é Satanás? Os judaizantes, circunstâncias adversas ou situações físicas, climáticas? Mais uma vez Paulo dá graças a Deus pela Igreja de Tessalônica. Quinto quadro (3,1–13) Paulo lembra que Timóteo foi desenvolver uma atividade em Tessalônica, a fim de confirmar a fé e instruí-los, preparando-os para as tribulações. Depois de ter enviado Timóteo até lá, agora ele retorna com notícias que fazem Paulo sentir-se muito bem, pois o Evangelho surtiu efeito na comunidade. Depois destes “temas introdutórios” temos a segunda parte da Carta, composta sobretudo com temas pastorais e teológicos. Pode-se dividir essa parte em exortações e instruções. Exortação (4,1–12), a prática de vida cristã A vida cristã exige fuga da impureza, pois é um chamado à santificação. O Apóstolo elenca o que deseja dizer com isso: abstenção da fornicação, guarda do próprio corpo, não ceder aos desejos da paixão nem explorar o próximo. Segundo ele, nada escapa aos olhos de Deus. Por isso é necessário o amor fraterno que supera as tendências contrárias à santificação. Instruções sobre a parusia ou imagem escatológica (4,13–18 e 5,1–11) O fim dos tempos aqui está muito próximo do fim da vida. Trata-se de um conjunto de considerações em que estas duas situações são consideradas conjuntamente. Talvez alguns tessalonicenses estivessem em luto por alguma morte ou quem sabe as inseguranças da vida impusessem alguma tristeza. Paulo identifica isso como falta de esperança (v. 13). Segue-se uma série de imagens onde o tempo e o lugar não são específicos, mas em que sobressaem as ideias da certeza do fato, incerteza da hora e subitaneidade do acontecimento. O que se exige do fiel aqui é a vigilância, a sobriedade e a atenção. Sem dúvida as informações de Paulo a respeito da parusia eram ainda muito ligadas ao pensamento judaico. A Igreja nascente ainda não tivera tempo para pensar na situação e nas suas relações com a vida concreta dos fiéis. Enfim: não parecia que o mundo fosse terminar, pois o que havia era a segurança das organizações romanas. Por que pensar nisso, então? Paulo, que podemos dizer ainda está no início de sua atividade, não tem uma visão clara do que tudo isso significa. Sabe que nunca a Igreja, os fiéis, os mortos e os vivos, serão deixados à margem da vida e da salvação. Assim, mais do que descrever o final dos tempos ou o destino pessoal e comunitário dos fieis, ele deseja declarar a constância do Senhor na história. Sem dúvida que o Apóstolo é lúcido ao não indicar um tempo ou um lugar para o fim, usando imagens muito evidentes, como a do ladrão que chega à noite e do sono que impede a reação perante um fato inesperado. É significativo que as instruções, a primeira sobre a morte e o morrer (4,13–18) e a segunda sobre a vinda do Senhor (5,1–11) concluem com a mesma ideia do consolo que nasce da pertença a Cristo (4,18 e 5,11).

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Conclusões de 1 Tessalonicenses São instruções da vida em comunidade, com um destaque para o respeito aos chefes da comunidade. Deve haver harmonia e paz. Segue-se uma série de recomendações que são concatenadas, seguramente com a intenção de criar também chaves de memória.

INFORMAÇÃO: Para uma melhor compreensão da 1 Tessalonicenses sugiro um pequeno e oportuno livro: TRIMAILLE, Michel. A primeira epístola aos Tessalonicenses. São Paulo: Paulinas, 1986. Temos também um interessante estudo em CARREZ, Maurice, DORNIER, Pierre, DUMAIS, Marcel e TRIMAILLE, Michel. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 35–54.

No final, o Apóstolo pede que a comunidade não extinga o Espírito, o que pode significar que alguma formalidade fosse mais marcante do que a experiência da vida. E, por fim, uma recomendação que passou a ser um axioma cristão: “Discerni tudo e ficai com o que é bom” (5,21). Em seguida, uma complementação: “Guardai-vos de toda espécie de mal” (5,22). Paulo faz uma prece de agradecimento pela Igreja e roga sobre ela o que antes lhe ensinou como motivo de vida, isto é, a santidade: espírito, alma e corpo devem ser guardados para a vinda do Senhor.

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TESSALONICENSES

Características: Protopaulina ou Deuteropaulina? A índole de 2 Tessalonicenses é fundamentalmente apocalíptica. Nos poucos capítulos (apenas três) o autor insiste em temas já desenvolvidos em 1 Tessalonicenses. A segunda Carta de Paulo aos Tessalonicenses é considerada deuteropaulina. Alguns motivos dessa consideração: a) O ensinamento de 2 Tessalonicenses 1,1–12 é oposto a 1 Tessalonicenses 5,1–6. Trata-se do problema da parusia, o retorno de Jesus no final dos tempos. Enquanto em 1 Tessalonicenses, Paulo fala de uma chegada súbita e inesperada de Jesus, em 2 Tessalonicenses encontramos a afirmação de sinais que precedem a chegada. É também notável que Paulo nunca mais usa os argumentos de 2 Tessalonicenses ligados às ideias de apostasia e vinda do anticristo. b) O vocabulário, o estilo e a própria estrutura das duas cartas têm muita semelhança. Tudo indica que 2 Tessalonicenses foi escrita sobre 1 Tessalonicenses, com pequenas mudanças. Veja-se, por exemplo, a abertura das Cartas. c) 2 Tessalonicenses deve ter sido escrita vários anos depois de 1 Tessalonicenses por um escritor que a conhecia e desejava “completar” alguns aspectos que lhe pareciam abertos ou não seguros, especialmente no que diz respeito à parusia. No entanto, alguns estudiosos (não muitos) sustentam a autoria paulina para 2 Tessalonicenses e a datam de pouco tempo depois de 1 Tessalonicenses. As semelhanças seriam devido justamente ao pouco espaço de tempo entre uma e outra, tendo ainda por base os mesmos problemas. A estrutura é muito simples (Veja Quadro de texto a seguir). 2 TESSALONICENSES – ESTRUTURA

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Saudação

1,1–2

Ação de graças

1,3–12

A vinda do Senhor

2,1–12

A necessidade da perseverança

2,13–17

UNIDADE 1 Bacharelado em Teologia

2 TESSALONICENSES – ESTRUTURA Exortação à confiança

3,1–5

Desordens e maus exemplos

3,6–12

Exortação ao bem e à boa conduta

3,13–15

Oração. Saudações finais

3,16–18

2 Tessalonicenses Agora apresentamos um pequeno comentário sobre cada uma das partes em que se estrutura esta Carta. Observe: Saudação (1,1–2) O autor dirige-se aos tessalonicenses junto a Silvano e Timóteo. Deseja a esta comunidade graça e paz, o que é muito próprio das expressões paulinas.

INFORMAÇÃO: Celebrou-se no decorrer de 2008-2009 o Ano Paulino. Sugerimos que você faça uma busca na internet sobre este asunto. Certamente você ficará surpreso com riqueza de assuntos e imagens em torno da figura de Paulo /apóstolo. A título de sugestão, acesse o site: http://www.saopauloapostolo.net/ cartas.htm, em comemoração ao Ano Jubilar Paulino (2008-2009), onde você encontrará farto material sobre Paulo Apóstolo, especialmente sobre suas Cartas.

Ação de graças (1,3–12) O autor louva os tessalonicenses pela conduta marcada pela caridade e diz-se orgulhoso de ter sido o fundador daquela Igreja. Dá um sentido para o sofrimento de alguns: o estabelecimento do reino de Deus. Em seguida, são tecidos comentários a respeito de sofrimentos que devem existir naquela Igreja. Como você pode observar a seguir, o texto é marcado pelo tom apocalíptico, com ameaças, castigos e palavras duras de ser ouvidas, pelo tom ameaçador ou pelos símbolos que evocam. No final, versículos 11 e 12, faz-se uma ação de graças pela Igreja de Tessalônica, chamada a ter fé. O texto afirma que assim Jesus Cristo é glorificado nas pessoas que o seguem e vivem. O final é também doxológico: “Assim, será glorificado em vós o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, e vós nele, pela graça de nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo” (1,12). Tom ou estilo apocalíptico: trata-se de um modo de escrever que é derivado do profetismo, mas está em um sentido muito diverso dele. Apocalipse é uma palavra grega que significa “revelação”. Enquanto o profetismo, mesmo com suas imagens e símbolos, aponta para verdades, alertas e realidades anteriores, atuais ou posteriores, o apocalipcismo é cheio de imagens e símbolos que, propositalmente, confundem os que não estão iniciados. Falase muito de fim, de consumação, de decisão final. É bem mais “colorido” do que o profetismo. O exemplar mais evidente de livro apocalíptico é o escrito neotestamentário chamado, justamente, Apocalipse. Ele se chama assim por ser em estilo apocalíptico.

A vinda do Senhor (2,1–12) A vinda do Senhor, no final dos tempos, de modo a pôr às claras a história, é o momento decisivo. O fiel não deve temer nem subestimar este momento, ainda que alguns assim proponham. Deve-se evitar a sedução do caminho fácil, motivada pelo adversário que é contra Deus. Aqui mais uma vez aparece o tom apocalíptico (versículos 3–5). O autor recorda dos argumentos de Paulo quando estava com a comunidade de Tessalônica. O texto cita a vinda do ímpio e de Satanás. Anuncia momentos de injustiça e provação. No final, a verdade e a fidelidade devem prevalecer (versículo 12).

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Necessidade da perseverança (2,13–17) O que é necessário é a perseverança para a resistência ao mal. O autor louva a escolha dos tessalonicenses para a salvação, para a santificação. O texto usa a expressão “nosso Evangelho”, muito própria de Paulo. Exortação à confiança (3,1–5) Iniciando um tom conclusivo, o autor insiste na presença da força e proteção de Deus para com os tessalonicenses. O versículo 5 transformou-se em um axioma: “Que o Senhor dirija os vossos corações para o amor de Deus e a paciência de Cristo.” Desordens e maus exemplos (3,6–12) Tem-se a impressão de que o versículo 5 fosse o final, mas o texto continua com admoestações a respeito da conduta. Se há alguém com vida desordenada, deve retomar ao bom caminho. O modelo é o autor da Carta, auto-atribuída a Paulo. Assim, o modelo é o Apóstolo. Em seguida, uma regra básica. Nos versículos 10 e 11 aparece a ordem ao trabalho e a ironia sobre quem não tem o que fazer: Aliás, quando estávamos convosco, nós vos dizíamos: Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer. Entretanto, soubemos que entre vós há alguns desordeiros, vadios, que só se preocupam em intrometer-se em assuntos alheios.

Exortação ao bem e à boa conduta (3,13–15) Finalmente, retomando o tom de conclusão, o texto exorta ao bem e à perseverança no que o Apóstolo havia anunciado. Como que abrandando as observações anteriores o texto afirma que os que estão fora as normas apresentadas pelo Apóstolo devem ser alertados, tolerados mas não rejeitados. Oração. Saudações finais (3,16–18) A saudação final é uma bênção. O texto apresenta a afirmação da assinatura paulina. É curiosa a afirmação final: “E assim que eu escrevo” (3,17), como que insistindo na idéia de ser um texto daquele autor. O último versículo é uma oração: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós!” (versículo 18). Considerações sobre a autoria de 2 Tessalonicenses A língua e o estilo têm muito a ver com Paulo. O pensamento é, fundamentalmente, paulino, excetuando alguns pontos, como a ideia do anticristo, de Satanás e certo colorido nas imagens que parecem apresentadas para impressionar. A ideia que se tem em uma leitura corrida das Cartas é que 2 Tessalonicenses deseja reforçar os princípios antes expostos em 1 Tessalonicenses e, ao mesmo tempo, suscitar uma adesão mais intensa. Isso em vista do futuro e da realidade da Igreja em meio ao mundo, com suas inseguranças e dificuldades.

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CONSIDERAÇÕES

Apresentamos aqui uma descrição de Paulo enquanto personagem e de sua mensagem. Vimos que Paulo aparece no cenário do cristianismo nascente como alguém muito bem preparado e disposto à obra evangelizadora. Na sua atuação, ele serviu-se de Cartas, sendo que estas, mesmo sem um projeto claro, correspondiam ao seu primeiro interesse: difundir sua palavra, solucionar situações e aproximar-se das Igrejas que ele havia fundado ou visitado. As Cartas paulinas não debatem todos os assuntos próprios do cristianismo, mas os que parecem ser mais imediatos para o Apóstolo e para as igrejas. Contudo, ainda que não sejam exaustivas, elas representam uma interessante fonte de informação e de teologia.

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E – REFERÊNCIAS

Lista de Figuras Figura 1- São Paulo Apóstolo: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 2 - Conversão de São Paulo: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 3 - Fragmento da Carta de São Paulo aos Romanos: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1989, p. 15–131. (Coleção bíblica Loyola: 4) FABRIS, Rinaldo. Para ler Paulo. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 21–46. HAWTHORNE, Gerald F. MARTIN, Ralph P. REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 1190–1199. HEYER, C. J. den. Paulo: um homem de dois mundos. Trad. Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2009, páginas 1–33. (Coleção Bíblia e sociologia) MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo de Tarso: história de um apóstolo. Tradução de Valdir Marques. São Paulo: Paulus, Loyola, 2007, p. 23–57. VAN DEN BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Tradução de Frederico Stein. Petrópolis: Vozes, 1971, 1588 col.

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Anotações

Objetivos • Conhecer Paulo enquanto personagem e Apóstolo de grande importância no cristianismo mais antigo. • Conhecer os traços marcantes de sua personalidade: exigente, intensa, dedicada, mas também sensível marcada pela ação da graça. • Compreender o período histórico de sua vida e atividades e as situações da Igreja nascente. • Conhecer as circunstâncias da Igreja de Corinto. • Formar uma ideia geral de 1 e a 2 Coríntios.

Conteúdos • Paulo: Personagem e Apóstolo [2] • A Igreja de Corinto • As duas cartas aos coríntios

UNIDADE 2

PAULO: APRESENTAÇÃO 1 E 2 CORÍNTIOS

UNIDADE 2

Bacharelado em Teologia

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INTRODUÇÃO

Na Unidade anterior, mostramos a importante de Paulo para o Novo Testamento, tanto pelos seus escritos quanto por ter sido o primeiro teólogo cristão. Procuramos também conhecer um pouco de seu pensamento expresso em seus escritos, que formam o corpus paulinum. De modo especial, vimos como se estruturam duas de suas Cartas, a 1 e 2 Tessalonicenses. Nesta Unidade 2, vamos aprofundar um pouco mais a figura de Paulo, mostrando como ele foi importante para o cristianismo primitivo. Veremos os traços marcantes de sua personalidade, bem como o período histórico em que viveu. É um momento oportuno para você conhecer um pouco mais sobre a Igreja nascente, especialmente a respeito da comunidade de Corinto.

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PAULO: PERSONAGEM E APÓSTOLO

Paulo: personalidade complexa e apaixonada Paulo não era alguém que se destacava por dotes físicos. Ele próprio escreve como comentam a seu respeito: Suas cartas, dizem, são imperativas e fortes, mas, quando está presente, a sua pessoa é fraca e a palavra desprezível (2 Coríntios 10,10). INFORMAÇÃO: Os conteúdos aqui apresentados não têm pretensão de esgotar assunto tão complexo. Serve apenas de uma referência. É importante, pois, que você amplie este conteúdo com a leitura das obras indicadas na Bibliografia básica ou complementar (ver Guia de disciplina).

Muito já se falou a respeito de uma suposta doença que ele descreve como um “espinho na carne”, “bofetadas de Satanás” (2 Coríntios 12,7–9). Seria uma doença física? Ou seriam os judeus e os judaizantes? É difícil saber hoje. Pela leitura e análise do “corpus paulinum”, Paulo é dotado de um temperamento inquebrantável de um líder; é alguém que sabe o que deseja e luta intensamente por isso, até às últimas consequências. Tem espírito de iniciativa, grande capacidade de trabalho e resistência. É tenaz e empreendedor. Um apaixonado pelas suas ideias, ideais e planos. Toda esta paixão e todos estes tons de sua personalidade ele os aplica no anúncio do Evangelho. Pela leitura de suas Cartas, nota-se que ele tinha grande sensibilidade e, por isso, o amor e a rejeição nele se manifestam intensamente. Possui um coração terno, como o de um pai amoroso, mas é também zeloso, ciumento do que lhe pertence. Quando os judaizantes se infiltram nas comunidades por ele fundadas, ele se revolta, acusa, alerta, lamenta, ameaça. Paulo não escreve de modo brilhante. Suas cartas não detêm grande pendor literário. À exceção de Romanos, as Cartas paulinas, como já vimos na unidade anterior, não têm um projeto redacional. São escritos esporádicos. Assim seus argumentos podem parecer, em alguns momentos, um tanto confusos. Contudo, são os mais antigos testemunhos da experiência cristã a partir de Jesus Cristo, o que de per si já é algo notavelmente importante. Embora não tenham grandes elaborações literárias, as Cartas de Paulo expressam uma notável capacidade dialética. Ele tem talento, é inegável. Escreve com expressão e envolve seus ouvintes nos argumentos. Não é um expositor frio, sem ligação com o que apresenta, mas é, como dissemos, apaixonado pela mensagem que oferece.

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UNIDADE 2 Bacharelado em Teologia

Paulo é um intuitivo, capta as situações e as elabora, expondo a situação de modo a evidenciar as contradições, os problemas e sugerir as soluções que de antemão ele já conhece e expôs. É um apostolo decididamente cativado pela mensagem do Evangelho e profundo conhecedor da alma humana. Não admira que tenha sido o primeiro a sistematizar o pensamento cristão. Ele o fez em suas cartas que, em todos os tempos e ainda hoje, continuam a ser a base da teologia e da catequese. Paulo: o convertido Vimos na unidade anterior alguns aspectos da pessoa de Paulo, em especial sua origem e sua postura perante o judaísmo do seu tempo. Paulo é um convertido não do ponto de vista ético e moral, mas sim nos seus conceitos e consequências. É difícil entender a postura de convertido de Paulo. Ele mesmo não evidencia muito esta situação, senão quando apresenta.

ATENÇÃO! Sugiro que, neste ponto, você leia o livro Atos dos Apóstolos, capítulos 21 a 28. Trata-se dos últimos períodos de Paulo livre e o início do cativeiro e, posteriormente, da viagem para Roma. Vemos ali como Paulo se apresenta defendendo suas ideias, embora esteja praticamente abandonado.

ATENÇÃO! Além das leituras indicadas, sugerimos a você que pesquise e compartilhe com seus colegas de turma suas descobertas. Sugerimos como pesquisa o site: http:// www.cnbb.org.br/ns/modules/ mastop_publish/?tac=819. Não deixe de consultar os temas que mais relacionam com o tema estudado. Boa sorte.

Figura 1 (divulgação) - Conversão de Paulo.

A conversão de Paulo inaugura um tempo especial para a Igreja nascente. Ocorre uma mudança de perspectiva que ainda demorará para ser compreendida. Tudo indica que esta mudança ainda não estava clara no final do primeiro século, com a redação dos últimos escritos do Novo Testamento. Provavelmente ela fosse, contudo, intuída. O judaísmo rejeitou Jesus como sendo Messias, o Cristo. Ele viera para anunciar o Evangelho aos judeus, descendentes dos Profetas e Patriarcas. Era a eles que sua mensagem se dirigia, mas não somente. Não aconteceu a aceitação maciça que se poderia esperar, mas sim duas posturas fundamentais: uma aceitação no sentido de complementação, o que se concretizava no cristianismo judaizante. Outra no sentido de aceitar um caminho novo, independente do judaísmo e seus limites, mas sem negar a matriz judaica. Este é um ponto importante em toda a compreensão do fenômeno religioso e social que tem Paulo no centro: em nenhum momento ele rejeitou a matriz judaica do Evangelho. Entretanto, soube superá-la, indo além do que um judaizante poderia pensar. Paulo deslocou a ideia da autoridade: da Lei ou Torah com sua expressão na escrita para o Senhor Jesus, morto e ressuscitado. O caminho para Deus deixou de ser a Torah escrita e os comportamentos que ela impunha e passou a ser o seguimento de Jesus Cristo e o modelo que ele propunha.

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Porém, não era fácil esta mudança para um judeu, acostumado aos seus preceitos e normas que davam segurança e identidade. Um dos momentos mais importantes para o judeu fiel é o encontro para as refeições. Não se trata de simples almoço ou lanche, mas sim de um momento de expressar juntos a gratidão ao Senhor. Aqui reside um grande problema: como sentar-se à mesa com um cristão que, não vindo do judaísmo, não tem as práticas judaicas de pureza e purificação? O judeu deveria romper com sua identidade para aceitar os limites de quem não tinha esta perspectiva judaica? Mas, Jesus não viera para os judeus? Então por que deixar de ser judeu em função de outro, estranho, que entrou no grupo dos discípulos? A convivência não era uma realidade fácil. Era necessário, seguramente como alguns já tinham compreendido, uma separação. O que ocorreu foi, sob este ponto de vista, algo natural: a separação entre cristãos oriundos do paganismo, com as liberdades rituais, foi uma necessidade. Paulo, no entanto, reservou para o mundo judaico a prerrogativa de trazer à terra o Messias. Isso nunca poderia ser tirado de Israel. Por isso é que o vemos, quando chega em uma cidade nova, sempre anunciar entre os judeus em sua comunidade local. Depois que estes, normalmente, rejeitam o Evangelho, ele se dirige aos pagãos. Paulo compreende esta situação complexa que se vai delineando. Na sua Carta aos Romanos ele aborda este tema com muita propriedade e nós estudaremos esse texto oportunamente. Aqui é necessário compreender um pouco mais da personalidade do Apóstolo. A conversão de Paulo assinala, enfim, uma etapa importante na história da salvação. Não é um elemento insignificante, mero acidente. É, sem dúvida, um passo em sequência à ressurreição e ao evento de Pentecostes. A conversão de Paulo não é um fato privado, antes é um elemento teológico, um evento, um acontecimento eficaz que transforma os rumos da história da salvação. De uma possível experiência tímida, restrita aos ambientes judaicos e ao Povo da Promessa, passa para uma rica e especialmente plural realidade de assimilação e amplitude. O Messias não era mais uma realidade ou solução apenas para o judeu fiel: era uma proposta para todo homem, independente de sua raça.

INFORMAÇÃO: Você consegue reconhecer na conversão de Paulo algum outro exemplo? Note que a conversão de Paulo não é moral, do pecado para a graça, mas sim é de conceito, de fundamento: do judaísmo baseado na Lei para o cristianismo oriundo da graça. Há mais exemplos de conversões deste tipo? E de outro tipo, do pecado para a graça?

No evento pascal, lemos nos Evangelhos que o Ressuscitado aparece a Pedro e aos Doze. Paulo afirma que depois disso Jesus ressuscitado foi visto ainda por mais de quinhentos irmãos ao mesmo tempo (cf. 1 Coríntios 15,6). E finalmente apareceu a ele, o antes perseguidor que agora devia ser apóstolo. E Paulo percebe, por raciocínio ou por dom interior, que o Evangelho não poderia ser restrito. Então ele sai, vai ao encontro de quem está fora do âmbito restrito do judaísmo. Ele busca os pagãos, sem nunca deixar (insiste sempre nisso) de anunciar aos judeus. É neste contexto, praticamente como consequência desta situação que Paulo passa a ser missionário.

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AS CARTAS AOS CORÍNTIOS: 1 CORÍNTIOS

A Cidade de Corinto Corinto era a capital da região grega da Acaia, uma cidade senatorial, isto é, com um cônsul que tinha poderes oriundos do senado romano. Fundada centenas de anos antes da era cristã, Corinto teve percalços e destruições em sua história, mas com Júlio César, em 44 aC., pôde iniciar um notável desenvolvimento. Nesse período, ela renasceu como que das cinzas e, com o sucessor de Júlio César, Otaviano Augusto, em 27 aC., recebeu a identidade de capital da província, governada por um cônsul e com um afluxo incessante de migrantes vindos de todos os lados do Império.

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Figura 2 (divulgação) - Ruínas de Corinto, que por volta de 750 a.C. era a mais rica cidade da Grécia Antiga.

Em Corinto havia dois portos que, de lados opostos do istmo que formava a geografia portuária favorável ao comércio, ligava a Ásia à Europa. Era, portanto, uma cidade de passagem, com todas as características de cosmopolitismo. Havia ali os mais diversos costumes e línguas, as mais conflitantes posições filosóficas e religiosas. Certamente os judeus constituíam um, se não importante grupo, pelo menos um grupo que se fazia notar pelos seus costumes e trabalhos na cidade. Mas os cultos pagãos eram a expressão forte da cidade. Lá existiam os cultos egípcios a Serápis e a Isis, o culto à grande mão Cibele, da Frigia, o culto aos deuses romanos como Vênus, chamada entre os gregos de Afrodite. Além disso, havia os cultos locais, dos deuses Possêidon, Esculápio, Melicerte e Palêmon. Cada um deles com templos, festas, devoções, expressões cultuais e costumes os mais variados. A quantia de escravos era enorme, superando a de homens livres. Isso terá um notável reflexo na comunidade cristã de Corinto. Em 1,26–31, temos uma noção do grupo que formava aquela Igreja. O comércio e os transportes exigidos por ele eram o forte da cidade e a oferta de diversão, especialmente de cunho sexual, era um subproduto de grande impacto. Corinto era uma cidade licenciosa, cheia de luxúria e prazeres. Ali Paulo estabelece uma posto avançado em direção ao Ocidente. Ali foi fundada uma Igreja que g dará à grande Igreja dois dos mais preciosos escritos do Novo Testamento. Paulo chega a Corinto na sua segunda viagem missionária, em meados do ano 49, fazendo de lá a última etapa da caminhada. Em Atos 15,36—18,22, encontramos os relatos dessa viagem. Paulo vem de uma experiência muito negativa em Atenas. Lemos em Atos 17,22–31 que Paulo buscou, no areópago da grande cidade de Atenas, apresentar seus argumentos com elaborados conceitos filosóficos e técnicas retóricas. Mas foi infeliz nos resultados quando mencionou a ressurreição como principal elemento do anúncio (Atos 17,32). A maioria o desprezou e não deu atenção ao Evangelho. Alguns poucos aceitaram receber a Boa Nova (Atos 17,34). Talvez encontremos um eco dessa rejeição da parte dos atenienses a respeito do Evangelho apresentado por Paulo em 1 Coríntios 1,21: “Já que o mundo, com a sua sabedoria, não reconheceu a Deus na sabedoria divina, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura de sua mensagem.”

INFORMAÇÃO: Aonde existe uma supervalorização do lucro e para tanto se cria um movimento frenético de mercadorias e pessoas, existe também uma resposta de vazio e uma consequente busca de prazeres. Corinto apresenta esta realidade. Para lá Paulo se dirige sabendo que está escolhendo um posto avançado e central, de onde poderá dirigir-se para muitos outros lugares.

Contudo, Paulo também percebeu que devia ter uma postura diferente no confronto com o cosmopolitismo de Corinto. Talvez seja este estado de espírito que podemos ler em 1 Coríntios 2,1–5: Também eu, quando fui ter convosco, irmãos, não fui com o prestigio da eloquência, nem da sabedoria anunciar-vos o testemunho de Deus. Julguei

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não dever saber coisa alguma entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Eu me apresentei em vosso meio num estado de fraqueza, de desassossego e de temor. A minha palavra e a minha pregação estavam longe da eloquência persuasiva da sabedoria; eram, antes, uma demonstração do Espírito e do poder divino, para que vossa fé não se baseasse na sabedoria dos homens mas no poder de Deus (1 Coríntios 2,1–5).

Paulo associa-se com Áquila e Priscila, casal vindo de Roma, já cristãos. Provavelmente Paulo exercia a mesma profissão de ambos, fabricante de tendas. Então foi morar com eles (Atos 18,3). Assim consegue um ambiente mais seguro para a evangelização de Corinto, onde permanece por um ano e meio. Logo chegam, vindos da Macedônia, Silas e Timóteo (Atos 18,5)

Figura 3 (divulgação) - São Paulo com Aquila e Priscila.

Como sempre, a pregação de Paulo foi dirigida primeiro aos judeus. Mas eles o rejeita e o Apóstolo deixa a sinagoga declarando que fizera o possível para tornar o Evangelho conhecido. Alguns, porém, aceitam a mensagem, entre os quais Tício Justo, prosélito que habitava próximo da sinagoga e o chefe desta, Crespo. Vendo isso, como lemos em Atos 18,7–8, muitos se converteram também à fé em Jesus Cristo.

Figura 4 (divulgação) - Paulo prega aos judeus de Corinto.

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Depois de ser abertamente rejeitado pelos judeus moradores de Corinto, Paulo dirige-se aos pagãos. Mas era tudo muito difícil para Paulo. Corinto era marcada pelo vício, pela luxúria, pela idolatria. Como apresentar as virtudes cristãs em uma sociedade assim tão corrompida? Como transformar mentes e corações? Paulo pode ter-se sentido impotente diante desse estado de coisas. Paulo, então, teve um sonho e, nele, uma revelação e estímulo: Numa noite, o Senhor disse a Paulo em visão: Não temas! Fala e não te cales. Porque eu estou contigo. Ninguém se aproximará de ti para te fazer mal, pois tenho um numeroso povo nesta cidade (Atos dos Apóstolos 18,9–11).

A pregação, a instrução, a insistência de Paulo não só produziu notáveis frutos, mas também exasperou os ânimos dos judeus da cidade. Conduzido por eles perante a autoridade romana, o procônsul Galião, é apresentado como um agitador interno do judaísmo. Isso não agrada a autoridade romana que despreza os acusadores e não castiga Paulo. Ao contrário, em Atos 18,17 lemos que o procônsul mandou espancar Sóstenes, chefe da sinagoga, certamente um dos instigadores contra o Apóstolo. Este permanece ainda alguns dias na cidade e depois, com Priscila e Áquila, vai para as costas da Síria. Primeira Carta aos Coríntios Agora que você já fez uma leitura atenta de 1 Coríntios, passemos ao estudo desta Carta, sua estrutura e o contexto em que foi escrita. Circunstâncias

INFORMAÇÃO: É imprescindível que agora você leia as Cartas aos coríntios. Esta leitura deve ser feita com atenção primeiramente ao texto e depois às notas explicativas das diversas perícopes. Além das leituras indicadas nas bibliografias básica e complementar, você pode pesquisar na internet sobre o tema.

Durante a terceira viagem missionária (entre os anos 53 e 57), enquanto se encontrava em Éfeso, Paulo preocupou-se com a Igreja de Corinto. Ele tinha para com ela sentimentos de pai, como lemos em 1 Coríntios 4,15 e soube que haviam muitos problemas por lá, certamente de ordem moral. Manda então para lá uma Carta que, lamentavelmente, não chegou até nós. Em 5,9ss, lemos algo a respeito. Na minha carta vos escrevi que não tivésseis familiaridade com os impudicos. Porém, não me referia de um modo absoluto a todos os impudicos deste mundo, os avarentos, os ladrões ou os idólatras, pois neste caso deveríeis sair deste mundo. Mas eu simplesmente quis dizer-vos que não tenhais comunicação com aquele que, chamando-se irmão, é impuro, avarento, idólatra, difamador, beberrão, ladrão. Com tais indivíduos nem sequer deveis comer” (5,9–11).

Esta primeira carta aos coríntios, agora perdida, não obteve êxito. Então Paulo escreve a que chamamos de 1 Coríntios, que deveria ser a segunda se aquela não fosse perdida. O Apóstolo recebeu notícias alarmantes, vindas de cristãos conhecidos: por intermédio de representantes da casa de Cloé (1 Coríntios 1,11) e de Apolo (Atos 18,27 e 1 Coríntios 16,12). Estas notícias traziam o retrato de divisões, partidos que se armavam uns contra os outros usando o nome de Paulo, de Apolo e de Cefas (Pedro). Havia um caso de incesto publico (1 Coríntios 5,1–13); um frequente uso dos tribunais pagãos para solucionar problemas entre membros da comunidade (1 Coríntios 6,1–11). Alguns até criavam raciocínios ambíguos a respeito da liberdade em Cristo (1 Coríntios 6,12–20; 10,23). Além disso chegam alguns representantes de Corinto: Estéfanas, Fortunato e Acaico (1 Coríntios 16,17) que apresentam a Paulo situações diversas que esperam soluções. São como perguntas ou questões relativas à vida que alguns filhos apresentam ao pai. Este é o contexto em que nasce a 1 Coríntios: a necessidade de responder a problemas concretos, sem muita ordem lógica.

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1 Coríntios deve ter sido escrita por volta do ano 55 ou 56; alguns insistem até em 57, mas esta é uma data muito tardia. Parece que foi escrita próxima da Páscoa, pois utiliza imagens pascais, como em 5,7s e 16,5–9. Não é uma carta sistemática, como acabamos de dizer, com exposições claras sobre pontos importantes da doutrina cristã. Antes, é um escrito do momento, motivado por situações concretas. 1 Coríntios, junto à segunda, podem ser identificadas como ótimas representantes do gênero de cartas e do pensamento mais original de Paulo. Estrutura e comentário de 1 Coríntios

Figura 5 (divulgação) - Fragmentos da 1 Coríntios.

A primeira e a segunda cartas de São Paulo aos Coríntios não contêm um esquema lógico, uma estrutura bem pensada ou articulada. Como já dissemos, são frutos de ocasião, escritas a partir de situações concretas e de perguntas não acadêmicas, mas sim experimentadas. Assim, um esquema teórico pode apresentar limites e imperfeições. Mas é possível montar uma visão geral. Pode-se dividir 1 Coríntios em duas grandes partes, além de uma introdução e uma conclusão. Vejamos sua estrutura: PRIMEIRA CARTA DE PAULO AOS CORÍNTIOS 1,1–9 1,10—6,20 1,10–16 1,17–31 2,1–5 2,6–16 3,1–8 3,9–17 3,18–23 4,1–21 5,1–13 6,1–11 6,12–20

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Endereço e introdução Primeira parte: Desordens e sua condenação Divisão interna A cruz: loucura, escândalo e sabedoria Apresentação da pregação de Paulo: sua fragilidade Sabedoria de Paulo As divisões e suas causas O fundamento de tudo: Cristo Sabedoria e loucura Os apóstolos e o mundo O caso do incesto Os tribunais pagãos A impureza

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PRIMEIRA CARTA DE PAULO AOS CORÍNTIOS 7,1—15,58 7,1–9 7,10–16 7,17–24 7,25–40 8,1–13 9,1–14 9,15–27 10,1–13 10,14—11 11,2–16 11,17–34 12,1–11 12,12–30 14,1–25 14,26–40 15,1–11 15,12–20 15,21–58 16,1–9 16,10–18 16,16–25

Segunda parte: questões e situações Celibato e virgindade Os cônjuges e seus direitos e deveres O chamado de Deus Celibato A idolatria e as carnes aos ídolos Os missionários As renúncias do Apóstolo Exemplos de Israel O escândalo O traje das mulheres A celebração da ceia Os carismas Analogia entre o corpo e os membros da Igreja Esboço de uma hierarquia de dons Os dons na assembléia A ressurreição: o anúncio fundamental do Ressuscitado Jesus Cristo ressuscitado: esperança e vida A ressurreição do fiel Conclusão. Coleta Notícias diversas Saudação final

Endereço e introdução (1,1–9) Paulo faz a introdução costumeira, identificando-se e associando o “irmão Sóstenes” a si. Dirige-se à Igreja de Corinto, afirmando que eles são santificados em Jesus Cristo e chamados à santidade. Este chamado não é limitado a eles, mas é dirigido a todos o que invocam o nome de Jesus. Aqui está contido o motivo fundamental da Carta: a santidade como participação na vida divina. Paulo dirige-se aos coríntios lembrando-lhes esta vocação. Eles vivem em meio a uma sociedade absurdamente corrompida pelos vícios. No início de sua carta, ele propõe este princípio e o desenvolve amplamente. Primeira parte: desordens e condenação (1,10—6,20)

ATENÇÃO! É importante que você faça uma leitura de cada uma das introduções das cartas de Paulo. A percepção de cada argumento e o modo de se apresentar são sinais do estado de espírito do Apóstolo.

Nesta primeira parte da 1 Coríntios Paulo apresenta argumentos, exortações e até ameaças a partir do que ele ouviu nos relatórios de seus colaboradores. São situações que pedem uma palavra, geralmente uma palavra firme para conduzir à mudança de comportamento. O que chama a atenção nisso é que, mesmo em meio às palavras duras e ameaças, Paulo apresenta sua fé, declara-se fiel em Cristo, insiste na necessidade do seguimento de Jesus e exorta à fidelidade. Divisão interna (1,10–16) Paulo abomina esta divisão, pois ela não expressa a harmonia nem a vontade de Deus. A cruz: loucura, escândalo e sabedoria (1,17–31) Em poucos versículos, Paulo apresenta um dos textos mais conhecidos que identifica o cristianismo. Partindo da busca de si e da sabedoria, ele apresenta a cruz, loucura e escândalo, mas, sobretudo salvação. Aqui ele chega ao ponto alto dessa reflexão com este longo axioma: Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; mas, para os eleitos — quer judeus quer gregos —, força de Deus e sabedoria de

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Deus. Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens (1,22–25).

INFORMAÇÃO: Sugerimos que você compare a situação da comunidade cristã de Corinto com aquela das comunidades cristãs de hoje. Em que elas são semelhantes. Compartilhe seus comentários com os seus colegas.

A verdadeira pregação cristã nada tem a ver com a sabedoria humana, mas vem da adesão ao Cristo crucificado. Aos coríntios Paulo recorda que eles não são sábios ou poderosos, mas simples, humildes e por isso devem dar graças a Deus pelo chamado que receberam. Apresentação da pregação de Paulo: sua fragilidade (2,1–5) Paulo declara que veio aos coríntios com toda a fragilidade que lhe é própria, sem as seguranças que seriam de se esperar de um pregador destemido. Certamente está aqui, de modo subliminar, a experiência de Tessalônica, quando ele precisou fugir de lá pela perseguição dos judeus. Sabedoria de Paulo (2,6–16) Paulo declara que tem uma sabedoria que não é marcada pelas vaidades humanas. A sabedoria de Deus, pregada por Paulo, é misteriosa e secreta, mas dada a conhecer para quem a aceitar pela ação do Espírito Santo. Temos neste passo outro axioma importante: Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois para ele são loucuras. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que se devem ponderar. O homem espiritual, ao contrário, julga todas as coisas e não é julgado por ninguém (2,14–15).

As divisões e suas causas (3,1–8) Paulo põe em evidência o motivo das divisões em Corinto. Ele inicia com uma palavra dura, lembrando que os coríntios são homens carnais, incapazes de ouvir a verdade e aceitá-la. Paulo acusa-os de ciúmes tolos, nascidos dessa situação. Uns declaram-se de Apolo, outros de Paulo… Mas estes dois são apenas servos de Deus, que faz tudo crescer. É a ele que os coríntios devem voltar-se. O fundamento de tudo: Cristo (3,9–17) Em uma série de argumentos incisivos, Paulo afirma o que fundamento de tudo é Cristo, não um pregador cristão. Ele usa da imagem da construção, usa do argumento do julgamento e conclui com uma frase que pode ser também considerada um axioma cristão: “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (3,17). Sabedoria e loucura (3,18–23)

ATENÇÃO! Depois de ler o texto bíblico em questão e acompanhar estes comentários, você pode dizer do ponto de vista teológico, quais as ideias fundamentais relacionadas ao apostolado e que Paulo expressa aqui?

Concluindo esta série de argumentos, Paulo praticamente se exalta e declara que somente fazendo-se louco, aos olhos do mundo, poderá ser realmente sábio. Declara que os valores são invertidos: a sabedoria do mundo é loucura para Deus; e o que pode ser loucura, neste mundo, é a sabedoria de Deus. Portanto, os pregadores, Paulo, Apolo, Cefas e tudo o que existe é de Cristo e Cristo é de Deus. Os apóstolos e o mundo (4,1–21) Em uma longa sequência, Paulo apresenta a identidade apostólica e a realidade da missão do apóstolo. Ele recorda que o Senhor coloca tudo às claras, até o que está escondido por medo ou pela maldade. Depois, ele inicia uma diatribe: um debate com um interlocutor fictício. Nesse debate, ele defende a fraqueza dos apóstolos como sinal da presença de Deus. O tom sugere uma exaltação, e uma severa acusação aos coríntios

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e aos que se declaram também apóstolos. Ele não mede palavras para demonstrar suas ideias. No final, retoma a calma e declara que ele próprio é o que gerou a fé dos coríntios e é o seu pai. Eles não devem ceder aos falsos líderes que desejam o controle para obter o poder. Sugere depois que irá a Corinto para encontrar-se com a Igreja e continuar a ensinar-lhe. É curiosa a última palavra deste capítulo; expressa toda a intensidade dos argumentos do Apóstolo e de seu amor por aquela Igreja. Ele diz, em uma pergunta retórica: “Que preferis? Que eu vá visitar-vos com a vara, ou com caridade e espírito de mansidão?” (4,21). Não podemos deixar de assinalar outro versículo que pode ser também um axioma cristã: “Porque o Reino de Deus não consiste em palavras, mas em atos” (4,20). O caso do incesto (5,1–13) Paulo segue argumentando sobre o problema do incesto que existe dentro da Igreja de Corinto e que é um escândalo. Aqui temos uma situação concreta e a ação de Paulo sobre os que a realizam. Partindo do problema concreto, que ele sugere ser até motivo de orgulho da parte dos coríntios, ele lembra que o fermento leveda a massa, em uma alusão metafórica aos maus exemplos que podem corromper o conjunto. Lembra que, na sua outra carta, que infelizmente não chegou até nós, ele ordenou que os fiéis coríntios não tivessem familiaridade com os impudicos. E faz uma lista de indivíduos que não merecem a amizade, nem sequer a companhia das refeições. Os versículos 10 e 11 apresentam esta lista. Aqui também ele é direto: Deus julgará quem está fora da Igreja, mas quem está dentro dela deve comportar-se de modo diverso. Os tribunais pagãos (6,1–11) Trata-se de uma situação igualmente escandalosa para Paulo e que por nada poderia contribuir para o Evangelho. Os cristãos, quando tinham suas diferenças, apresentavam-se para ser julgados em tribunais pagãos. Para o Apóstolo isso é um absurdo! Paulo entende que os coríntios foram lavados, purificados, justificados pelo Senhor (versículo 11). Ele faz outra relação de indivíduos que não possuirão o Reino de Deus: impuros, idólatras, adúlteros, efeminados, devassos, ladrões, avarentos, bêbados, difamadores, assaltantes (versículo 10). A impureza (6,12–20) Neste passo, Paulo aborda a questão da sexualidade e inicia com um versículo que será, também ele, um axioma: Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma (6,12).

A sociedade coríntia era marcada pelo sexualismo e pela licenciosidade. Paulo sabe disso e lembra aos seus filhos coríntios esta situação e a nova vida em Cristo Jesus. Ele declara: “Não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo?” (6,15). Então eles devem estar em Cristo, fugindo da fornicação. O corpo é templo do Espírito Santo (versículo 19) e por isso deve ser mantido da pureza de sua natureza. Segunda parte: questões e situações (7,1—15,58) Nesta segunda parte, Paulo responde às questões que lhe chegaram como perguntas. Os coríntios desejam saber como se comportar em determinadas questões. Então Paulo lhes responde com aplicação e até mesmo usando de sua experiência pessoal.

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Celibato e virgindade (7,1–9) Em uma sociedade marcada pelo sexo, os coríntios se perguntam qual deve ser a conduta a ser seguida: o casamento ou a virgindade. Paulo preza a virgindade como um modo de estar livre para o serviço ao Senhor. Contudo, nem todos são chamados para a obra missionária e, assim, é melhor o matrimônio. O que Paulo propõe pode ser entendido em um ambiente onde o sexo faz parte do todo, não é o todo. Isto é, ele compoe com tantos outros elementos a expressão da vida cristã. Quando o sexo toma o lugar de tudo, então já não se fala mais de comunidade cristã! Aqui Paulo desce a considerações bem práticas, para os casais e para os solteiros. Os cônjuges e seus direitos e deveres (7,10–16) Paulo lembra a necessidade da fidelidade. Havia em Corinto a situação de casamentos entre cristãos e pagãos. Era uma questão a ser analisada pelo Apóstolo que a soluciona mandando que o casamento seja mantido se for do desejo dos dois. O argumento é que a parte cristã santifica a outra e os filhos são também santos. Mas se houver uma separação, então que ela se dê e a parte cristã está livre. O chamado de Deus (7,17–24) Paulo inicia falando da realidade da circuncisão: alguns cristãos são circuncisos, pois estavam anteriormente no judaísmo ou foram influenciados por ele. Paulo simplesmente diz que os circuncisos fiquem como estão; os que não são circuncisos não se façam circuncidar, pois nada disso vale em função de Jesus Cristo. Depois fala para aqueles de seu tempo, abordando a situação da servidão (os escravos). Para o Apóstolo, o chamado do Senhor é a superação de toda escravidão. Celibato (7,25–40) Inicialmente, Paulo lembra que não tem um mandamento do Senhor a respeito do celibato, mas que usa o bom senso e a sua própria experiência. Então ele discorre sobre a situação dos que entram a fazer parte da Igreja: os que estão casados fiquem assim; os que não estão, fiquem também como estão. O casamento não é um mal ou um pecado, mas impõe muitas preocupações. Aqui é difícil compreender os argumentos, visto que a compreensão do matrimônio no tempo de Paulo é uma e a moderna, outra. Não há, para os contemporâneos de Paulo, a possibilidade de escolha de um marido ou uma esposa. Esta escolha na época era feita pelos pais dos jovens. Já parte daí a grande diferença! Paulo não insiste na necessidade do celibato, mas sim na aceitação dos limites da escolha, o que se traduz por fidelidade e atenção. A idolatria e as carnes aos ídolos (8,1–13) Esta é uma questão prática bem distante de nosso tempo. Como que prevendo alguma reação posterior, Paulo inicia dizendo que a ciência (os argumentos insistentes e racionais) incham, mas a caridade (o amor cristão) constrói. Em seguida, ele aborda a questão: os animais que, em sacrifícios públicos, eram oferecidos aos ídolos. As carnes daí resultantes eram levadas para o consumo da população. Alguns podem se escandalizar com isso: cristãos comendo carnes oferecidas aos ídolos! Paulo indica que é livre, o que sugere que isso pode muito bem acontecer, mas que não convém. Para os fiéis, há um único Deus e isto basta. Mas quem não entende isso pode se escandalizar. Recorda, então, que não é a carne que cria o problema, mas o modo de pensar de quem a come e de quem vê o fato. Ele recorda que é melhor deixar o que pode causar escândalo em benefício de quem é mais fraco na fé.

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Os missionários (9,1–14) Paulo inicia esta passagem com uma defesa, ao que parece nascida de alguma dúvida a respeito de sua identidade de apóstolo. Alguns o acusavam de não ter visto a Jesus — este deveria ser o critério para a identidade apostólica: ver o Senhor. Paulo, então, declara que viu o Senhor e sabemos como: ressuscitado. Em seguida, lembra de direitos, naturais e adquiridos pela própria identidade apostólica. Mas ele renuncia a muitos desses direitos para estar livre na sua palavra e para não ser peso a ninguém. As renúncias do Apóstolo (9,15–27) Paulo declara que sua glória é o anúncio do Evangelho (versículo 16). Ele renunciou a muitos direitos em função do direito maior que ele declara ser o próprio anúncio do Evangelho. Declara-se disposto a deixar-se de lado para ganhar todos para Cristo. Para os judeus fiz-me judeu, a fim de ganhar os judeus. Para os que estão debaixo da lei, fiz-me como se eu estivesse debaixo da lei, embora o não esteja, a fim de ganhar aqueles que estão debaixo da lei. Para os que não têm lei, fiz-me como se eu não tivesse lei, ainda que eu não esteja isento da lei de Deus — porquanto estou sob a lei de Cristo —, a fim de ganhar os que não têm lei. Fiz-me fraco com os fracos, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de salvar a todos. E tudo isso faço por causa do Evangelho, para dele me fazer participante.

Exemplos de Israel (10,1–13) Paulo faz uma digressão olhando para a história de Israel. Cita momentos da história em que, mesmo sabendo cometer erros, os israelitas foram em frente. Segundo ele isso pode ser de ajuda e estímulo para não pecar, não errar. O escândalo (10,14—11,1) Temos aqui um longo passo em que Paulo faz considerações sérias a respeito da conduta da Igreja. No fundo o que está em evidência é a coerência com a vocação, o chamado à fé cristã. Ele insiste que “…não podeis beber ao mesmo tempo o cálice do Senhor e o cálice dos demônios” (10,21). Em 10,23, encontramos mais um versículo que se tornou axioma: “Tudo é permitido, mas nem tudo é oportuno. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica.” E em 10,31–33, declara suas motivações: Portanto, quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus. Não vos torneis causa de escândalo, nem para os judeus, nem para os gentios, nem para a Igreja de Deus. Fazei como eu: em todas as circunstâncias procuro agradar a todos. Não busco os meus interesses próprios, mas os interesses dos outros, para que todos sejam salvos (10,31–33).

O traje das mulheres (11,2–16) Aqui temos uma passagem curiosa e que levanta muitas dúvidas. Ela parece ser uma inserção dentro do texto de 1 Coríntios. Em 11,1 encontramos: “Tornai-vos os meus imitadores, como eu o sou de Cristo”. Paulo faz esta afirmação depois de uma série de advertências e explicações a partir dos desvios e das dúvidas dos coríntios. Subitamente, em 11,2, ele declara: “Eu vos felicito porque em tudo vos lembrais de mim e guardais as minhas instruções…”, o que soa contraditório! Em contrapartida, em 11,7, o texto afirma: “Fazendo-vos essas advertências, não vos posso louvar a respeito de vossas assembléias que causam mais prejuízo que proveito.” Uma afirmação contraditória?! Este texto de 11,2–16, eminentemente comportamental, parece ser uma interpolação em 1 Coríntios. Ele foge subitamente do

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tom dominante até o momento. Contudo, não se podem descartar as afirmações aqui apresentadas sem uma análise de seu conteúdo e do seu contexto. Em primeiro lugar é necessário lembrar a licenciosidade sexual que existia em Corinto e os costumes derivados dessa situação. Além disso, os cultos orgiásticos, onde estavam presentes as hieródulas, eram muito marcantes na cidade. Assim, os coríntios vivem em um mundo imerso na luxuria programada, cultivada religiosamente. Ora, o que Paulo propoe é uma atitude de resistência, quando impoe à mulher uma situação de resguardo. É verdade que afirmações, que imprimem à mulher uma situação de submissão, soam antipáticas em nossos dias. INFORMAÇÃO: A questão do lugar que a mulher ocupa no conjunto do pensamento paulino pode ser mal interpretada. Sugiro, para uma visão muito bem colocada da questão, o interessante estudo “Mulheres em Cristo”, da obra: MURPHY–O’CONNOR, Jerome. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. São Paulo: 1994, p. 198ss.

Não se trata de avaliar a palavra do Apóstolo nem de negá-la ou aprová-lo conforme nosso sistema de valores e conceitos. Trata-se de compreendê-la devidamente inserida em seu contexto social e cultural. Na realidade, uma leitura mais atenta de toda a passagem deixa claro que os limites impostos às mulheres não são o tema geral da perícope. Em 11,11–12 encontramos uma bela reflexão sobre a relação de gênero a partir da experiência cristã. Com tudo isso, aos olhos do Senhor, nem o homem existe sem a mulher, nem a mulher sem o homem. Pois a mulher foi tirada do homem, porém o homem nasce da mulher, e ambos vêm de Deus (1 Coríntios 11,11–12).

A celebração da ceia (11,17–34)

INFORMAÇÃO: O texto de 1 Coríntios 11,23–26 é o fundamento para a narrativa da instituição no rito da celebração da Eucaristia. É base para o que identifica os cristãos como discípulos e é uma das raízes bíblicas para toda a teologia eucarística. Sugiro que você consulte o livro já citado: MURPHY–O’CONNOR, Jerome. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. São Paulo: 1994, p. 192ss. O tema é “Isto é meu corpo”.

INFORMAÇÃO: A palavra “carisma”, que aparece neste texto, tem a ver com “karis”, que em grego significa “graça”, “dom”, “oferta”. Assim, carisma significa dom, graça.

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O tema da ceia é fundamental na teologia da 1 Coríntios. Ele surge, como todos os temas de 1 Coríntios, de uma situação concreta que pede uma solução. O texto de 11,17ss apresentam a questão como um abuso do comer e beber. A ceia eucarística, ainda não desenvolvida como o será em breve, realizava-se durante uma refeição fraterna. Contudo, esta fraternidade está sendo rompida: os partidos estão impedindo a comunhão fraterna (versículos 18 e 19), e a ceia deixou de ser fraterna para ser de exageros (versículo 20). Para demonstrar o quanto isso é condenável, o Apóstolo relata sua experiência da ceia do Senhor: Eu recebi do Senhor o que vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim. Assim, todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor, até que venha (11,23–26).

Paulo segue afirmando que a ceia pode ser um motivo de condenação se não for expressão da vivência do Evangelho. Segundo ele, esta é a razão que em Corinto muitos não se sentem fracos em sua vida cristã: não estão em comunhão com Cristo. Em seguida Paulo indica que dará outras orientações quando for visitar os coríntios. Os carismas (12,1–11) Paulo inicia a resposta à questão dos dons espirituais ou carismas. É provável que houvesse em Corinto algumas tendências ao misticismo pagão. Assim, o Apóstolo insiste na realidade nova dos coríntios: eles são agora iluminados pelo Espírito Santo. Por isso, no versículo 4, argumenta que embora os dons sejam diversos, o Espírito que os concede é o mesmo. Os dons são dados de vários modos e intensidades, mas é o mesmo Espírito que realiza a unidade entre todos.

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Analogia entre o corpo e os membros da Igreja (12,12–30) Paulo faz uma comparação que se tornou célebre: a do corpo e seus membros com a graça que os indivíduos recebem na comunidade de fé. “Há muitos membros, mas um só corpo” (12,20), ele afirma. É nestes membros que o Senhor encontra a possibilidade de tornar o Evangelho conhecido. É necessário, contudo, colocar os dons, ou conforme a analogia, os membros do corpo, a serviço de todo o corpo e em comunhão com ele. A teologia dos carismas ou dons encontra aqui um ponto alto. A caridade (12,31—13,13) - A questão da caridade ou do amor é bem difícil de ser abordada. O caso é que esta virtude nem sempre é bem encarada. Pode-se usar esta perícope de Paulo para exaltar o erotismo ou a paixão individualista. Pode-se ler o termo caridade no sentido de amor erótico ou amor “platônico”. Contudo, caridade significa o amor dado a Deus em primeiro lugar. A capacidade de amar a Deus determina a possibilidade de amar aos outros. Então, o foco de atenção está em Deus e a partir daí ela, a caridade, gera a possibilidade de superar os limites e as situações humanas mais complexas. No final, Paulo expõe em três versículos alguns pontos e raciocínios que serão outros axiomas que acompanharão o cristianismo como chave interpretativa. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança. Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido. Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade (13,11–13).

Na cultura grega estabeleceu-se a existência de três tipos de amor: Ágape, Filia e Eros. • Amor “Ágape”: é o amor “caridade” ou entrega, doação total, sem limites ou condições. • Amor “Filia”: é o amor de amizade, de entrega a alguém e busca de alguém para a fidelidade. • Amor “Eros”: é a busca de outro para a complementação, para a satisfação de si e do outro.

Esboço de uma hierarquia de dons (14,1–25) Voltando ao assunto dos carismas ou dons, Paulo estabelece uma comparação entre a profecia e a glossolalia. Há indícios de que os coríntios estavam bem ligados a este tipo de prática carismática. Paulo orienta-os a preferir a profecia à glossolalia. Em um modo comparativo, o Apóstolo vai citando situações de quem “fala em línguas” e as de quem profetiza, declarando que esta situação é melhor em relação àquela. A situação se apresenta bem complexa na Igreja de Corinto, pois o Apóstolo usa 25 versículos para o assunto, demonstrando, ensinando, exortando a respeito da situação. E sobressai sempre a ideia da profecia que é, por sua vez, a comunicação de Deus.

INFORMAÇÃO: Para mais informações a respeito da ideia de amor, sugiro que você consulte: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 38–50. Consulte também: VAN DER BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis. Vozes, 1985, colunas 59–64. E ainda: LÉON–DUFOUR, Xavier (Org.). Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972, colunas 44–52.

Os dons na assembléia (14,26–40) Se é importante zelar pela realidade da glossolalia ou dom das línguas é igualmente necessário estar atento para o da profecia. A profecia dita em benefício próprio ou de modo misterioso, sem edificação da comunidade, não produz efeito nem é sinal de Deus. O desejo de Paulo é que haja um saudável equilíbrio entre esses dois dons, que são do agrado dos coríntios.

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A ressurreição: o anúncio fundamental do Ressuscitado (15,1–11) Depois de responder às questões levantadas pelos coríntios, Paulo aborda o fundamento da experiência cristã, fazendo um querigma, um anúncio solene. Estabelece a idéia da tradição, da transmissão que gera a vida com Cristo: “Eu vos lembro, irmãos, o Evangelho que vos preguei, e que tendes acolhido, no qual estais firmes.” (15,1) Ele declara que Jesus Cristo ressuscitou, cumprindo as Escrituras. Foi visto por muitos e, finalmente, por ele próprio, Paulo. Certamente podem ter aparecidos os que declaravam que Paulo não era do grupo histórico dos Doze e que por isso não tinha autoridade de transmitir e ensinar. Entretanto, ele declara que transmite porque recebeu. E o recebeu do próprio Senhor ressuscitado, do qual ele é testemunha. Por fim, reconhece sua humildade e declara que nela Deus fez muita coisa, até mais do que em outros. Eu vos transmiti primeiramente o que eu mesmo havia recebido: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado, e ressurgiu ao terceiro dia, segundo as Escrituras;

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apareceu a Cefas, e em seguida aos

Doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, dos quais a maior parte ainda vive (e alguns já são mortos); depois apareceu a Tiago, em seguida a todos os apóstolos. E, por último de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo (15,3–8).

Jesus Cristo ressuscitado: esperança e vida (15,12–20) Paulo eleva seu espírito e declara a necessidade absoluta da fé na ressurreição. Podemos entender isso em relação, como já falamos em outra passagem, à sociedade da época, marcada pela morte e pelos limites da vida. Paulo então insiste nessa afirmação da ressurreição de Jesus como condição absoluta para a felicidade. Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé. Além disso, seríamos convencidos de ser falsas testemunhas de Deus, por termos dado testemunho contra Deus, afirmando que ele ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou (se os mortos não ressuscitam). Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados. Também estão perdidos os que morreram em Cristo. Se é só para esta vida que temos colocado a nossa esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de lástima. Mas não! Cristo ressuscitou dentre os mortos, como primícias dos que morreram! (15,14–20)

A ressurreição do fiel (15,21–58) Paulo liga a verdade da ressurreição do Senhor à necessidade da ressurreição do fiel. Ele usa de imagens bíblicas como a de Adão, contrapondo-o ao Cristo. Se aquele morreu, este vive e vivendo ele resgata a todos. Então, falando do final de tudo, o Apóstolo serve-se de imagens apocalípticas. Paulo também cita um combate “com as feras em Éfeso” (versículo 32), recordando algum debate ocorrido naquela cidade do qual, infelizmente, não se tem qualquer notícia senão esta palavra. Com este passo encerra-se a série de respostas de Paulo à Igreja de Corinto. Conclusão. Coleta (16,1–9) Paulo cita a coleta que está fazendo em benefício dos santos. Ele refere-se aos cristão de Jerusalém que passam penúria. Indica aos coríntios a mesma regra que indicou aos gálatas. Informa depois que irá visitar Corinto e ficar na comunidade algum tempo. Nos versículos 8 e 9 ele declara que ficará em Éfeso, aonde se abriu uma “porta”, seguramente possibilidades novas de evangelização. Não sem dificuldades!

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Notícias diversas (16,10–18) Em poucos versículos, ele faz referência a diversas situações e pessoas. Destaca Timóteo e uma possível visita dele aos coríntios. Ele deve ser atendido e ouvido, pois está em plena comunhão com o Apóstolo. Exorta também a Igreja: “Vigiai! Sede firmes na fé! Sede homens! Sede fortes! Tudo o que fazeis, fazei-o na caridade” (16,13–14). No final indica a família de Estéfanas como as primícias da Acaia, isto é, os primeiros convertidos a Cristo na região de Corinto. Eles merecem consideração e respeito. Estéfanas, juntamente com Fortunato e Acaico foram os representantes coríntios que vieram até Paulo dar-lhe notícias da Igreja, que agora devem retornar. Saudação final (16,19–25) Paulo transmite saudações dos cristão da Ásia. Lembra de Prisca (Priscila) e Áquila, seus colaboradores fieis. Indica que está escrevendo, neste ponto, a saudação. E, no final, como que encontrando dificuldades para despedir-se e deixar de argumentar e ensinar, indica o amor ao Senhor como sina de bênção, pois sua ausência é maldição. Usa a expressão aramaica “Maran athá”, que significa “vem, Senhor!”. E ainda declara seu amor por todos em Cristo Jesus.

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AS CARTAS AOS CORÍNTIOS: 2 CORÍNTIOS

Unidade e circunstâncias A 2 Coríntios nasce de circunstâncias históricas que nos fogem ao controle. Óbvias para os coríntios, sem dúvida, mas obscuras para nós. Por isso é necessário adentrar no momento em que esta Carta foi redigida e tentar entrever suas motivações. No fim da permanência de Paulo em Éfeso, ele enviou Tito a Corinto para resolver situações lá existentes. Este deveria encontrar o Apóstolo em Trôade, mas Paulo, em função da revolta dos ourives, lembrada em Atos 19,23ss, teve de deixar Éfeso antes do tempo. Ao chegar a Trôade, não encontrou a Tito que ainda não chegara. Foi então em direção à Macedônia, pois estava intensamente angustiado com tudo o que ocorria em Corinto. A Igreja havia sido fundada pelo Apóstolo, mas as relações entre eles sofrera tremenda perturbação. O livro de Atos dos Apóstolos não informa o que pôde ter acontecido em Corinto. Paulo encontra-se finalmente com Tito na Macedônia, provavelmente em Filipos, e recebe notícias favoráveis a respeito de fundação coríntia. Escreve então esta carta, intensa de emoções, de polêmicas, ironias e defesas pelo ano 57 ou início de 58. A última visita de Paulo a Corinto foi algo doloroso, como se pode intuir de algumas passagens, como 2 Coríntios 12,14; 13,1–2: Eis que estou pronto a ir ter convosco pela terceira vez. Não vos serei oneroso, porque não busco os vossos bens, mas sim a vós mesmos. Com efeito, não são os filhos que devem entesourar para os pais, mas os pais para os filhos (2 Coríntios 2,14). É esta a terceira vez que vou visitar-vos. Pelo depoimento de duas ou três testemunhas se resolve toda a questão. Quando de minha segunda visita, já adverti àqueles que pecaram, e hoje, que estou ausente, torno a repeti-lo a eles e aos demais: se eu for outra vez, não usarei de perdão! (2 Coríntios 13,1–2).

Paulo cita em 2,4 certa Carta de lágrimas, anterior a esta 2 Coríntios, mas que não podemos identificar com a 1 Coríntios. Foi numa grande aflição, com o coração despedaçado e lágrimas nos olhos, que vos escrevi, não com o propósito de vos contristar, mas para vos fazer conhecer o amor todo particular que vos tenho (2 Coríntios 2,4).

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Da leitura de 2,5–8 e de 7,12 há indício de que houve uma ofensa feita a Paulo que muito o machucou. Se alguém causou tristeza, não me contristou a mim, mas de certo modo — para não exagerar — a todos vós. Basta a esse homem o castigo que a maioria dentre vós lhe infligiu. Assim deveis agora perdoar-lhe e consolá-lo para que não sucumba por demasiada tristeza. Peço-vos que tenhais caridade para com ele… (2 Coríntios 2,5–8). Portanto, se vos escrevi, não o fiz por causa daquele que cometeu a ofensa, nem por causa do ofendido; foi para que se manifestasse a vossa dedicação por mim diante de Deus (2 Coríntios 7,12).

Houve, pois, uma visita do Apóstolo a Corinto entre a primeira e a segunda carta. Uma visita dramática, que deixou marcas e sofrimentos. Houve também uma Carta, a das “lagrimas”, que não nos é conhecida. Contudo, em Atos dos Apóstolos não temos alusão a problemas desta grandeza em Corinto! Isso dificulta ainda mais uma avaliação do problema. Nesse desencontro de informações, temos o pano de fundo para os argumentos de 2 Coríntios. O que houve foi certamente o seguinte: A 1 Coríntios e o envio de Timóteo a Corinto não obtiveram sucesso. Paulo então deve ter decidido ir a Corinto para solucionar a situação. Entretanto, esta visita foi um desastre, com alguma ofensa pública sobre o Apóstolo. Ele retornou a Éfeso e escreveu outra Carta, a dita das “lagrimas”, em que exigia a punição de quem lhe havia ofendido (2 Coríntios 7,8–13), confiando-a a Tito. Combinou com este o encontro em Trôade em determinado tempo. Veio a revolta dos ourives em Éfeso e Paulo precisou deixar esta cidade antes do tempo e foi à Trôade, mas não encontrou a Tito. Partiu de lá para a Macedônia onde foi, finalmente, alcançado por Tito, que lhe traz boas notícias de Corinto. Paulo então escreve, finalmente, a Carta que temos como 2 Coríntios. Estrutura e comentários à Carta 2 Coríntios ESTRUTURA E COMENTÁRIO DE 2 CORÍNTIOS 1,1–11 1,12—7,16 1,12—2,17 3,1—4,6 4,7—5,13 5,14—7,16

Endereço e saudação Primeira parte: apologia de Paulo Defesa de acusações Ministros do Evangelho A vida do Apóstolo Ministério da reconciliação

8,1—9,15 8,1–14 9,1–15

Segunda parte: exortação Exortação Generosidade

10,1—13,10 10,1–18 11,1—12,10 12,11—13,10 13,11–13

Terceira parte: polêmicas Ameaças e ironias Censuras aos coríntios A conduta de um pai Conclusão

Endereço e saudação (1,1–11) Paulo inicia com a saudação costumeira. Associa Timóteo a si, indicando-o como irmão. E dirige-se à Igreja de Corinto e todos os que se encontram na Acaia.

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Passa a fazer uma ação de graças pelas consolações. Certamente tem em mente as notícias satisfatórias que lhe foram trazidas por Tito, depois da visita deste em Corinto. Declara sua esperança a respeito da Igreja daquela cidade: o mesmo afeto deve uni-los. Em seguida cita a tribulação passada na Ásia. Trata-se certamente do problema com os ourives em Éfeso. Contudo, sabemos que Paulo sempre encontra dificuldades e oposições, especialmente da parte dos judeus e dos judaizantes. O Apóstolo confia na presença do Senhor que ele tem como o ressuscitado que realiza a liberdade. Primeira parte: apologia de Paulo (1,12—7,16) Nesta primeira parte, Paulo inicia com sua defesa, passa para sua identidade de apóstolo, e o que isso implica e afirma a reconciliação como fruto da experiência do Espírito. Isso tudo ocorre em Corinto e ele, Paulo, junto a Tito, pode sentir a alegria da comunhão e da paz com eles. Defesa de acusações (1,12—2,17) Paulo está consciente da importância que tem para os coríntios. Declara que sua orientação, sua força está no alto, na graça de Deus. Em seguida, traça em poucas linhas seus planos de viagem. Estes planos foram abalados pelas novas situações que haviam surgido. Nesse ponto, faz uma inflexão, questionando em forma de discurso retórico, sua situação. Ele não está na dúvida ou movido pelas situações. Seu modelo é Cristo, que é ou sim ou não. Em função das situações, Paulo não foi a Corinto. Declara que foi para poupar os coríntios. Mandou para a Igreja uma Carta, escrita “em meio a muitas lágrimas”, não para entristecer os coríntios, mas para deixar-lhes a par de seus sentimentos. Se tal carta causou tristeza a alguém da comunidade, ele compreende, pois foi também uma censura feita em favor da graça de Cristo. Paulo passa em seguida a recordar sua passagem por Trôade, o encontro com Tito e as notícias dele recebidas. Dá graças a Deus pela ação que Ele realiza. Paulo tem em mente, certamente, a situação de arrependimento que deve dominar a Igreja de Corinto. Ministros do Evangelho (3,1—4,6) Aqui começa a argumentação mais intensa. Para Paulo, não há necessidade de “cartas de apresentação” de uma ou outra Igreja. Provavelmente alguns pregadores cristãos portavam cartas do gênero para poder entrar nas comunidades que iam surgindo e nelas realizar seu ministério. Paulo declara que a carta de sua apresentação é a própria Igreja de Corinto. É o Espírito de Deus que escreveu tal Carta e é esta a certeza do Apóstolo. Este Espírito tornou a Paulo um homem apto para a realização da obra que lhe foi confiada. Paulo não prega a si mesmo, mas ao Senhor. Se alguém não entende a pregação, o Evangelho de Paulo é porque não está na perdição. Sente-se servo dos coríntios por causa de Jesus Cristo. No final desta longa passagem, declara: Porque Deus que disse: “Das trevas brilhe a luz”, é também aquele que fez brilhar a sua luz em nossos corações, para que irradiássemos o conhecimento do esplendor de Deus, que se reflete na face de Cristo (2 Coríntios 4,6)

A vida do Apóstolo (4,7—5,13) Paulo inicia uma descrição, poética, emocional e, sobretudo, teológica de sua ação como apóstolo. Não tem ilusões a respeito de sua realidade: “…temos este tesouro

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em vasos de barro, para que transpareça claramente que este poder extraordinário provém de Deus e não de nós” (2 Coríntios 2,7). Continua com uma lista impressionante de “qualidades” que muitas vezes são “anti-qualidades” que os apóstolos apresentam. Na verdade, ele está se referindo especialmente a si mesmo. O retrato parece, em alguns momentos, muito amargo. Mas a idéia é esta: transmitir a realidade do apóstolo frente aos valores do mundo e às seguranças que ele impõe. Já o verdadeiro apóstolo sofre tudo para poder conduzir para Cristo. Não busca nunca vantagens, mas sabe que todas as tribulações terão sentido ou serão a certeza da glória em Cristo Jesus. Paulo indica que a vida é passageira, a “tenda” ou “morada terrestre” (5,1). Aguarda a morada celeste e tem desejo dela. Mas sabe que deve estar dignamente preparado. Exorta, pois, para a atenção, como dom do Espírito. Contudo, enquanto o homem fiel está neste mundo deverá caminhar pela fé. Ele ainda não vê, mas sabe que há mais do que a vista alcança. Todos irão comparecer perante o tribunal de Cristo e receber a retribuição. Ministério da reconciliação (5,14—7,16) “A caridade de Cristo nos compele” (2 Coríntios 5,14). Assim Paulo inicia este período onde aborda o serviço da reconciliação que se opera em sua pessoa, no seu ministério. Ele não tem interesses humanos, mas apenas os interesses de levar todos para Cristo. “Todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!” (2 Coríntios 5,17). A intensidade da argumentação de Paulo dá a entender uma intensa unidade com o Senhor. Ele se sente realmente um dos seus “colaboradores”. É o tempo favorável para a conversão, para a salvação. Por isso todos devem ter um espírito tocado pela graça de Cristo. Paulo elenca uma série de situações próprias dos que estão em Cristo. Em 5,4–10, ele apresenta, por contrastes, virtudes e situações que julga fundamental ao discípulo. Subitamente Paulo declara seu amor, seu carinho e atenção para com os coríntios. Pede que sejam diferentes, sejam tomados pela comunhão com Deus em Cristo, pois afinal, a luz brilha para eles (6,16–18). Ele pede que todos os seus ouvintes, os membros da Igreja de Corinto, tenham a atenção voltada para o Espírito e aceitem esta chamada de atenção. Chega a ponto de declarar: Não vos digo isto por vos condenar, pois já vos declaramos que estais em nosso coração, conosco unidos na morte e unidos na vida. Tenho grande confiança em vós. Grande é o motivo de me gloriar de vós. Estou cheio de consolação, transbordo de gozo em todas as nossas tribulações. De fato, à nossa chegada em Macedônia, nenhum repouso teve o nosso corpo. Eram aflições de todos os lados, combates por fora, temores por dentro. Deus, porém, que consola os humildes, confortou-nos com a chegada de Tito; e não somente com a sua chegada, mas também com a consolação que ele recebeu de vós. Ele nos contou o vosso ardor, as vossas lágrimas, a vossa solicitude por mim, de modo que ainda mais me regozijei (2 Coríntios 7,3–7).

Em outros lugares, Paulo também se exalta e declara toda a sua ligação com esta Igreja que o fez sofrer, mas que ele tem como sua obra em Cristo Jesus no Espírito Santo. E o faz para deixar claro a importância que esta comunidade tem para o próprio Cristo Jesus. Por isso, nas notícias felizes de Tito, Paulo pode exultar no Senhor.

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Segunda parte: exortação (8,1—9,15) Esta segunda parte centra-se na ideia da coleta para a Igreja-Mãe de Jerusalém. Paulo elogia a generosidade dos coríntios e os exorta à doação, tendo como base o exemplo do próprio Jesus. No final, ele dá a entender que esta ação é para que a Igreja de Jerusalém entenda e conheça a generosidade que existe da parte das igrejas formadas por pagãos. Exortação (8,1–24) Aqui está o tema da coleta em favor dos irmãos da Judéia. Paulo não descuida dessa situação, pois sabe que eles precisam. A Igreja-Mãe de Jerusalém espera, da abundância da Igreja de Corinto, uma oferta generosa. Para motivar os coríntios, ele usa o exemplo de próprio Jesus: “Vós conheceis a bondade de nosso Senhor Jesus Cristo. Sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer por sua pobreza” (2 Coríntios 8,9). Paulo indica a Tito como representante para a coleta, junto a outro que ele não cita o nome, mas que é conhecido deles. Ele o faz para estar seguro de que a ação que realiza é segura e tem a confiança das igrejas. Generosidade (9,1–15) Paulo declara os coríntios como generosos. Ele teme, contudo, que eles não estejam preparados. Por isso lhe envia quem pode exortá-los à preparação. É o apóstolo experiente que está falando, atento às suas palavras, mas sincero no que expressa. A coleta para os irmãos da Judéia será de maior benefício para os próprios coríntios, pois será causa de graça da parte de Deus. Afinal, a referida coleta não tem apenas uma função prática, de socorro dos que têm necessidade. Ela é para testemunhar a comunhão entre as igrejas da gentilidade e a Igreja-Mãe de Jerusalém. Terceira parte: polêmicas (10,1—13,10) A terceira parte é um misto de ironias bem elaboradas, baseadas nos argumentos de seus adversários, e de observações acerca da missão apostólica, da identidade de evangelizador que Paulo carrega e de sua postura pessoal frente às situações da Igreja de Corinto. Ameaças e ironias (10,1–18) Paulo inicia um discurso difícil e exigente, bem como irônico. A primeira afirmação já se apresenta de modo a fazer eco sobre o que dizem a seu respeito. Afirmam que ele é humilde na presença dos seus ouvintes e arrogante por Carta dirigida a eles. Então, ele assume esta postura declarando-se manso e ousado (10,1). Afirma que não age por interesse carnal (humano). Alguns agem e causam confusão. Ele está disposto e preparado a intervir na comunidade se for o caso, para que retornem ao bom caminho da obediência a Cristo. O Apóstolo insiste na observância de suas palavras, pois será também enérgico em pessoa, se os coríntios não se convencerem disso. Paulo não se gloria de feitos humanos, mas sim de agir pelo Senhor. Não se apóia em trabalhos alheios, mas na sua própria atividade, feita em comunhão com o Senhor. Censuras aos coríntios (11,1—12,10) Em seguida, Paulo apresenta suas realizações e disposições. Em primeiro lugar, apresenta sua relação com a Igreja de Corinto nos moldes de um noivo com uma

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noiva. Teme que sua noiva seja seduzida pela serpente, como o foi Eva no episódio do Gênesis. Quem prega um Jesus diferente do que ele prega, é possível que seja aceito pela comunidade! Isto o assombra! Tratam-se dos “eminentes apóstolos” (11,6), seguramente judaizantes que desviam a mensagem original de Paulo, o Evangelho que ele apresenta de modo gratuito. Ele se sacrificou pelos coríntios e não nega o fato. E foi por amor. Continuará a fazê-lo. Essa é sua glória. O Apóstolo acusa seus detratores, certamente os “eminentes apóstolos” já citados, de disfarce e sedução sobre os coríntios. Nesse ponto, inicia uma série de versículos interessantes, em que apresenta qualidades de tais apóstolos e as suas (11,22–23). Depois traça um perfil de suas atividades e tribulações (11,24-29), muitas das quais não se têm conhecimento nem pelo “corpus paulinum” nem pelo livro de Atos. E brilhantemente coroa seu discurso declarando que sua glória está na fraqueza, não no poder. É magnífica esta passagem, pois apresenta o Apóstolo na força de sua eloquência e expressão de fé em Jesus Cristo. A ideia é que Paulo é forte quando assume a fraqueza, como Cristo na cruz. São hebreus? Também eu. São israelitas? Também eu. São ministros de Cristo? Falo como menos sábio: eu, ainda mais. Muito mais pelos trabalhos, muito mais pelos cárceres, pelos açoites sem medida. Muitas vezes vi a morte de perto. Cinco vezes recebi dos judeus os quarenta açoites menos um. Três vezes fui flagelado com varas. Uma vez apedrejado. Três vezes naufraguei, uma noite e um dia passei no abismo. Viagens sem conta, exposto a perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte de meus concidadãos, perigos da parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos entre falsos irmãos! Trabalhos e fadigas, repetidas vigílias, com fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! Além de outras coisas, a minha preocupação cotidiana, a solicitude por todas as igrejas! Quem é fraco, que eu não seja fraco? Quem sofre escândalo, que eu não me consuma de dor?

INFORMAÇÃO: Alguns estudiosos opinam que o homem que teve a experiência mística é o próprio Paulo. Ele não se declara, pois quer destacar não o dom interior, mas sim o empenho da pregação, a superação das contradições e as dificuldades na Evangelização, situações às quais ele chama de “fraqueza”.

Se for preciso que a gente se glorie, eu me gloriarei na minha fraqueza. Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que é bendito pelos séculos, sabe que não minto. Em Damasco, o governador do rei Aretas mandou guardar a cidade dos damascenos para me prender. Mas, dentro de um cesto, desceram-me por uma janela ao longo da muralha, e assim escapei das suas mãos (2 Coríntios 11,22–33).

Continua sua defesa apresentando experiências místicas. Cita um exemplo p de arrebatamento interior e, em seguida, declara mais uma vez sua glória na fraqueza. Para concluir esta argumentação, Paulo diz que, apesar de ter revelações, que propriamente não informa, ele tem um “aguilhão na carne” (12,7), identificado depois como “anjo de Satanás”, que impede que ele se encha de soberba. O que será este “aguilhão” e “anjo de Satanás”? A esse respeito muito já se escreveu e falou. Assim, alguns dizem ser uma doença crônica, algo como a epilepsia. Outros afirmam que é um problema de ordem comportamental. Há ainda a questão dos judeus revoltados e dos judaizantes que o perseguem insistentemente. O que pode ser é difícil de determinar. Mas é algo que incomoda tremendamente o Apóstolo, mas que ele aceita como caminho da graça. Segundo o texto, em 12,8-9, ele pediu em oração a libertação desse problema. Porém lhe foi revelado que basta a graça de Cristo para a vida. Ele aceita seus limites e conclui esse argumento afirmando que se compraz em tudo o que, para outros pode ser incômodo e humildade, mas para ele é vantagem. Em 12,10, declara uma frase que se tornou também axioma: “Quando sou fraco, então é que sou forte”. A conduta de um pai (12,11—13,10) Paulo afirma sua qualidade de apóstolo pela sua conduta. Recorda que é o pai que deve prover seus filhos, e ele o faz, em relação aos coríntios, como um pai faria. Ele lhes confia bens e força, não os rouba ou frauda. Declara sua retidão e comunhão de intenções.

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Intuímos que a situação que serviu de pano de fundo para essa Carta e as reações de Paulo devem ter sido realmente graves, pois os argumentos são constantes e enérgicos. Parece que os inimigos de Paulo, presentes na Igreja e detendo liderança, inventaram coisas sobre ele, lançando dúvidas sobre seu ministério e conduta. E ainda por cima obtém vantagens da Igreja. Paulo se revolta contra isso, pois, na realidade, quem está sendo enganado são os próprios coríntios. Começando a conclusão da Carta, Paulo anuncia que irá visitar a Igreja de Corinto em breve, pela terceira vez. A primeira foi na fundação da Igreja; a segunda foi marcada por divergências; a terceira será depois dessa Carta de comunhão. Ele afirma que haverá testemunhas para decidir a situação. Os que erraram serão repreendidos por ele que, conforme diz (3,2), não usará de meias medidas. Todos devem examinar-se a si mesmos e ver como está a própria consciência. Paulo mantém o tom aparentemente irônico, com a argumentação da fraqueza de sua parte. Mas é para pôr em evidência que é a força de Cristo que deve prevalecer. Conclusão (13,11–13) Finalmente, deseja a alegria a todos, a perfeição, o encorajamento. Os coríntios devem viver em paz. A saudação final é uma fórmula litúrgica.

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CONSIDERAÇÕES

As cartas aos Coríntios representam a intensidade e o ardor do Apóstolo. Ele não esconde o envolvimento emocional e deixa com isso a certeza, para seus leitores de todos os tempos, que a evangelização é também um processo que envolve a paixão, o desejo do outro ser feliz e estar na luz da verdade. A personalidade do Apóstolo é claramente destacada: Paulo acredita no que faz e vive a mensagem que apresenta. Para ele, o que hoje podemos chamar de teologia não é um conjunto de ideias abstratas, mas sim um mundo de certezas que envolvem a vida. Paulo é um homem prático que vive o que anuncia com a intensidade de uma descoberta recente. A teologia deve a Paulo categorias de pensamento e de distinção que são importantes para a convivência e o progresso humano.

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E – REFERÊNCIAS

Lista de Figuras Figura 1- Conversão de Paulo: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 2- Ruínas de Corinto: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 3 - São Paulo com Aquila e Priscila: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 4 - Paulo prega aos judeus de Corinto: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009.

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Figura 5 - Fragmentos da 1 Coríntios: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 38–50. BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (I). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1989, p. 133–507. HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 270–289. LÉON–DUFOUR, Xavier (Org.). Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972, colunas 44–52. MURPHY–O’CONNOR, Jerome. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: 1994, 198ss. VAN DER BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis, Vozes, 1985, colunas 59–64.

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Objetivos • Conhecer e compreender o aspecto de fundamental importância na identidade do Apóstolo: a missionariedade. • Identificar e conhecer os motivos e os acontecimentos das três viagens missionárias que geraram Igrejas e correspondência entre o Apóstolo, as comunidades fundadas por ele e outras por ele conhecidas ou em vias de ser visitadas. • Compreender os motivos para a viagem do cativeiro, última viagem conhecida do Apóstolo. • Analisar e compreender o período da expansão missionária e a difusão do cristianismo entre os gentios. • Conhecer e interpretar as circunstâncias das Igrejas de Filipos e da Galácia. • Formar uma ideia geral da Carta aos filipenses e da Carta aos gálatas.

Conteúdos • Paulo missionário. • As três viagens missionárias de Paulo. • A viagem do cativeiro. • As Igrejas de Filipos e da Galácia. • As cartas aos Filipenses e aos Gálatas.

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PAULO MISSIONÁRIO: AS VIAGENS - CARTAS AOS FILIPENSES E AOS GÁLATAS

UNIDADE 3

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INTRODUÇÃO

Na Unidade 2, você pôde conhecer um pouco mais a figura extraordinária de Paulo, e sua importância na fundação do cristianismo. Mediante as Cartas 1 e 2 Coríntios você conheceu alguns traços marcantes de sua personalidade e sua decisiva influência na comunidade eclesial de Corinto.

INFORMAÇÃO: É importante que você não se restrinja unicamente aos conteúdos instrucionais constantes das unidades do Caderno de referência de conteúdo. Você pode-se valer, além das obras indicadas, de conteúdos complementares. De modo especial, no que diz respeito às viagens missionárias de Paulo Apóstolo, sugerimos que acesse o site http://www.ebibleteacher.com/ imagehtml/batlas.html, onde você encontrará vasto material cartográfico ilustrativo tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Vale a pena conferir.

Agora nesta unidade, você vai conhecer outra faceta da personalidade de Paulo: sua missionaridade. Suas viagens missionárias tiveram grande impacto na difusão do Evangelho e na consolidação das comunidades cristãs por ele fundadas. Você terá oportunidade de conhecer os motivos de sua última viagem, chamada “viagem do cativeiro”, e, sobretudo, saber por que o cristianismo se difundiu entre os gentios. Por fim, mediante o estudo da Carta aos filipenses e da Carta aos gálatas, adentrar o contexto sociocultural das igrejas de Filipos e da Galácia.

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PAULO MISSIONÁRIO: AS VIAGENS

Três viagens O “corpus paulinum” não indica quantas viagens fez o Apóstolo, embora em alguns lugares ele admita que fez ou irá fazer uma viagem. É em Atos dos Apóstolos que ficamos sabendo que Paulo realizou três viagens missionárias e uma viagem que podemos chamar “do cativeiro”. Pergunta-se se ele teria feito outra, como a que pretende realizar até a Espanha, como lemos em Romanos 15,23s. Ele se dirigia aos romanos antes da viagem à Jerusalém, que lhe causou a prisão. Em Atos 28, ele se encontra em Roma e, conforme lemos em 28,30–31, esteve preso por lá dois anos, em regime semiaberto, como podemos depreender do contexto, uma vez que anunciava o Evangelho com liberdade. Se foi libertado depois do prazo regulamentar, então ele bem pôde ter chegado à Espanha, como eram seus planos. Contudo, lamentavelmente, não temos informações seguras a esse respeito. Também não consideramos aqui as viagens anteriores à sua primeira grande viagem missionária. Ele mesmo indica que foi a Damasco, depois Jerusalém e em seguida à Antioquia, como podemos ler em Gálatas 1,13–24. Esses “pequenos” deslocamentos não são considerados viagens. Assim, ficamos com o número de três viagens missionárias e uma viagem dita do “cativeiro”. Como dissemos, é em Atos dos Apóstolos que encontramos referências diretas a estas viagens, com algumas menções nas Cartas. As três viagens têm origem e término em Antioquia, não em Jerusalém. É notório que lá, na cidade onde os discípulos tiveram o nome de “cristãos” (Atos 11,26), Paulo tenha feito sua base e referência. A comunidade era de origem gentio-cristã, e ele sentia-se certamente comprometido com esta realidade, muito mais do que com os judaizantes de Jerusalém. Em todas as viagens missionárias, o Apóstolo dirige-se primeiramente às comunidades judaicas. Ele reconhece a prerrogativa do povo da aliança na espera do Messias e, assim, leva o anúncio desse Messias, que ele indica ser Jesus, até os judeus. Depois da costumeira rejeição da parte dos judeus, Paulo dirige-se, então, aos gentios para anunciar-lhes que há esperança em meio a um mundo tão marcado pela violência,

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pelo abuso, pela negação da vida, como é o mundo do Reino de Roma. E é neste ambiente que a novidade do Evangelho tem efeito e reúne novos fiéis. Primeira viagem missionária A primeira viagem missionária ocorreu entre os anos de 44 e 49. Encontram-se seus relatos em Atos dos Apóstolos 12,1—14,28. Atos indica que a viagem começou por uma moção interna do Espírito Santo, conforme podemos observar no texto a seguir: Havia então na Igreja de Antioquia profetas e doutores, entre eles Barnabé, Simão, apelidado o Negro, Lúcio de Cirene, Manaém, companheiro de infância do tetrarca Herodes, e Saulo. Enquanto celebravam o culto do Senhor, depois de terem jejuado, disse-lhes o Espírito Santo: Separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho destinado. Então, jejuando e orando, impuseramlhes as mãos e os despediram (Atos dos Apóstolos 13,1–3)

A viagem iniciou-se, então, com Barnabé na liderança, acompanhado de Paulo e João Marcos. Eles vão inicialmente às cidades onde já havia cristãos, como Chipre (cf. Atos 11,19). Isso não significa que a missão é mais fácil.

Figura 1 (divulgação) – Primeira viagem missionária de Paulo.

Eles vão a Salamis e chegam até Pafos, onde conquistam o procônsul Sérgio Paulo(I) em meio a um incidente. Ocorre que, desejoso de ouvir a mensagem dos missionários, o procônsul chamou-os. Mas estava com ele um mago chamado Bar Jesus. Ele dificultava o anúncio do Evangelho em função de ter ainda seu poderio sobre o procônsul. O Apóstolo, então, assumindo a liderança da missão, lança sobre o mago uma invectiva e ele fica cego (Atos 13,4–12). De Pafos, os missionários foram para Perge e Panfília, onde acontece uma deserção: João Marcos desiste da missão e retorna, indo para Jerusalém. Paulo e Barnabé rumam para Antioquia da Pisídia. Lá anunciam o Evangelho com relativo sucesso, dirigindose aos gentios (Atos 13,14. 43–52).

INFORMAÇÃO: É oportuna a leitura de uma obra relativamente recente de um biblista e historiador de renome mundial. Trata-se de John Dominic Crossan. Ele aborda a questão do modelo ideológico, político, religioso e antropológico imposto pelo Império Romano e a proposta cristã levada por Paulo. Consulte: CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan. Em busca de Paulo. Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas.

INFORMAÇÃO: São muitas as fontes cartográficas disponíveis para compreender as viagens missionárias de Paulo. Geralmente as edições da Bíblia apresentam mapas dessas viagens, normalmente no final do volume ou próximo do conjunto das cartas paulinas. É necessário observar com atenção estes mapas. Na Internet é também possível encontrar estes mapas. Sugiro, pela praticidade, a consulta destes sites: www. cpad.com.br/cpad/paginas/sub_ mapa_1.htm e www.cpad.com. br/cpad/paginas/sub_mapa_2. htm.

INFORMAÇÃO: Outrora se dizia com frequência que o motivo da mudança do nome de Saulo (Shaul) para Paulo seria uma homenagem pessoal do Apóstolo a este procônsul. Você poderá encontrar informações a respeito em alguns comentários antigos e até mesmo em edições de algumas bíblias. Mas esta argumentação não se sustenta hoje.

Figura 2 (divulgação) – São Barnabé, companheiro de Paulo na primeira viagem.

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Os missionários vão para Icônio, depois Listra, Derbe e arredores (14,1–7). Em Listra, ocorreu um fato curioso: a multidão, encantada com a palavra e a ação dos missionários, especialmente com a cura de um aleijado (Atos 14,8–10), julga-os deuses descidos do céu e se apressam a oferecer-lhes sacrifícios (Atos 14,11–14)! Paulo, com grande esforço, consegue dissuadi-los. Mas, alguns judeus vindos de Antioquia e de Icônio instiga o povo contra eles. O povo, antes admirador dos missionários, agora apedreja Paulo (Atos 14,19s). Ele supera este momento dramático e retoma a missão. Lemos alguma coisa sobre isso em 2 Coríntios 11,25, quando elenca suas vicissitudes: “Três vezes fui flagelado com varas. Uma vez apedrejado. Três vezes naufraguei, uma noite e um dia passei no abismo”. Novamente em Derbe, os missionários conquistam mais fiéis. Em seguida, iniciam o retorno: passam por Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia. Lá eles… “confirmavam as almas dos discípulos e exortavam-nos a perseverar na fé, dizendo que é necessário entrarmos no Reino de Deus por meio de muitas tribulações” (Atos 14,22).

INFORMAÇÃO: Para aprofundar sobre o tema sugerimos que consulte: http://www.all-creatures.org/ sermons98/map-08.html, onde você poderá ter mais informações sobre as viagens de Paulo.

Depois disso rumam para Antioquia da Síria. Lá chegando fazem relatório de seus feitos, como pode ser lido em Atos 14,21–28. Segunda viagem missionária

Figura 3 (divulgação) – Segunda viagem missionária.

A segunda viagem missionária aconteceu entre os anos 49 e 52. Depois de concluir a primeira e participar da assembléia apostólica de Jerusalém - se seguirmos o relato de Atos -, Paulo não se deteve muito tempo em Antioquia. Antes de iniciar essa nova viagem, houve um desencontro entre ele e Barnabé em função de João Marcos. Este desejava ir, mas Paulo não o aceitou, pois havia deixado o grupo em meio à primeira viagem. Nesse desentendimento, houve a separação de Paulo e Barnabé (Atos 15,39). Barnabé seguiu com Marcos, indo para Chipre e Paulo tomou consigo a Silas (Atos 15,34). Logo iniciou a segunda viagem. Fez o caminho de ida da primeira viagem: Cilícia, Derbe, Listra e Antioquia da Pisídia. Conheceu Timóteo em Listra. Este iria tornar-se para o Apóstolo um ponto de referência e maior colaborador no apostolado. Paulo seguiu para a Frígia, a terra dos gálatas. Lá adoeceu e foi assim que tomou conhecimento e contato com aquele povo. Retribuindo os favores na doença, anunciou-lhes o Evangelho. Depois disso, os missionários chegaram à Trôade (Atos 16,6–8). O livro de Atos relata que ele teve ali um sonho no qual um macedônio pedia para receber sua visita. Dirige-se, pois, para aquela cidade. Vai até Filipos e funda uma igreja florescente, que fará dele os maiores elogios e carinhos, como se pode ler na sua Carta aos Filipenses. Em Filipos, encontram dificuldades com os magistrados da cidade que os prendem. À noite, entretanto, algo extraordinário acontece: são libertados subitamente. O carcereiro teme pela própria vida, mas os missionários o acalmam e lhe anunciam o Evangelho. Acontecem conversões na sua família. Pela manhã, os magistrados dispõem-

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se a libertá-los, mas eles já estão livres… Buscados pelos magistrados que desejam verse livres deles, os missionários declaram que são cidadãos romanos. Isso é um grande problema para as autoridades que pedem que saiam da cidade. Paulo e Silas ainda retornam à comunidade recém-fundada e animam seus participantes (16,38ss). Depois disso, continuam a viagem até Tessalônica (Atos 17). Lá Paulo prega durante três semanas entre os judeus. Contudo, a grande presença é de gentios que aderem ao Evangelho. Tessalônica será a igreja que receberá a primeira carta de Paulo, também primeiro escrito do Novo Testamento. De Tessalônica, Paulo e Silas partem para Beréia. Devido a ameaças dos judaizantes, teve de sair da cidade, deixando lá, contudo, Silas e Timóteo. Prosseguiu até Atenas sozinho, sendo depois alcançado por Timóteo.

INFORMAÇÃO: Os escritos paulinos são os testemunhos mais antigos do Novo Testamento. São os textos escritos mais proximamente do evento histórico Jesus Cristo. Antes dos relatos teológicos dos Evangelhos, temos as Cartas paulinas que enfocam a novidade cristã como uma notícia de vida, de superação dos limites da morte. A 1 Tessalonicenses, como já vimos, é o testemunho mais original dos primeiros anos do cristianismo!

Figura 4 (divulgação) – Pregação de Paulo em Atenas.

Em Atenas, Paulo pregou na sinagoga e no mercado. Foi depois para a ágora, praça importante da cidade, onde os cidadãos se encontravam, discutiam, filosofavam e faziam política. Lá ele não teve grande êxito. Aliás, foi até ridicularizado, como podemos ler em Atos 17,22–34. O fracasso de Paulo, lembrado em Atos, mostrou que ele não devia confiar na sabedoria humana. Chegando em Corinto, lá ele agiu diferente, como recordará em 1 Coríntios 2,3. Paulo deve apresentar o Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gregos, como lemos em 1 Coríntios 1,23. Naquela cidade, permanece por 18 meses, junto ao casal Priscila e Áquila. Trabalhava para sustentar-se e, aos sábados, pregava na sinagoga. Em breve Silas e Timóteo trouxeram-lhe ajuda financeira de Filipos e ele pôde dedicar-se inteiramente ao Evangelho. Foi assim que alguns judeus e muitos gentios se converteram. Em Corinto, Paulo escreveu a 1 Tessalonicenses. E, como sempre, houve problemas com os judeus que o acusaram perante o procônsul Galião, em meados do ano 52. Essa é a data base para a cronologia de Paulo. Era acusado como propagador de uma religião ilícita. Galião, contudo, não deu ouvidos a essa situação e libertou Paulo que, com Áquila e Priscila, embarcou para Antioquia da Síria. Mas estes dois ficaram em Éfeso, enquanto Paulo foi para Cesaréia marítima e de lá para Antioquia, encerrando assim sua segunda e difícil viagem missionária. Terceira viagem missionária A terceira viagem deve ter acontecido entre os anos 53 e 58. Paulo deixa Antioquia e ruma para a Galácia. Atravessou a região da Frígia (Atos 18,23) e chegou em

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ATENÇÃO! Para se aprofundar sobre o tema estudado além das bibliografias, sugerimos que você acesse o site: http://eoc.dolf.org.hk/ livingev/stpaul_3mapeng.jpg.

Éfeso. Atos 18, 24 indica que Apolo, um judeu convertido, havia sido instruído na fé pelo casal Áquila e Priscila, e estava pronto para fazer sua obra missionária.

Figura 5 (divulgação) – Terceira Viagem de Paulo

Em Éfeso, Paulo conheceu antigos discípulos de João Batista, aos quais lhes anunciou o Evangelho, que eles aceitaram e assumiram (Atos 19,2–7). Contudo, a maior parte dos judeus da sinagoga continuava incrédula e assim Paulo partiu para o anúncio aos gentios. Em Éfeso, Paulo expulsa demônios, cura, exorta e luta contra a magia. Sua atuação gera dificuldades e, ainda que tenha ficado naquela cidade três anos, teve de partir em função de um levante dos ourives ali residentes. Podemos ler essa passagem em Atos 19,23ss. O Apóstolo, embora bem recebido e poder agir com liberdade, encontra grandes dificuldades como provações e perseguições. Em 2 Coríntios 1,8, ele cita uma tribulação tão acentuada que temeu pela própria vida. Em Romanos 16,3s ele fala de um grande perigo, no qual foi ajudado por Áquila e Priscila, que expuseram sua vida para salvar a dele.

INFORMAÇÃO: A Carta aos Gálatas apresenta dificuldades de datação. Alguns estudiosos supõem que ela tenha sido escrita por esse tempo, em meados dos anos 50. Outros defendem uma data anterior. Para uma análise da questão e para um conhecimento aprofundado da Carta aos Gálatas, sugerimos que você consulte: FERREIRA, Joel Antonio. Gálatas. A epístola da abertura de fronteiras. São Paulo: Loyola, 2005.

Paulo, contudo, adquiriu experiência nas viagens anteriores e nessa estadia em Éfeso. Seus colaboradores são muitos. Os mais destacados são Timóteo, Tito, Erasto, Gaio, Aristarco e Epafras (citados em Atos 19,22–29). Foram fundadas igrejas em Laodicéia, Hierápolis, Trôade e, provavelmente, em Esmirna, Tiatira, Sardes e Filadelfia. Deixando Éfeso, ele dirige-se para a Macedônia e visita suas comunidades. Andava preocupado com algumas comunidades que havia fundado. Os gálatas quase se deixavam desviar da fé verdadeira e da liberdade em Cristo por influência dos judaizantes, o que faz com que o Apóstolo escreva a Carta aos Gálatas. Em Corinto, havia abusos morais absurdos, e Paulo escreve uma primeira carta que, lamentavelmente, não chegou até nós. É mencionada em 1 Coríntios 5,9. Seus colaboradores Timóteo e Erasto são enviados a Corinto (Atos 19,22 e 1 Coríntios 4,17) para observar a situação. Enquanto isso, alguns daquela igreja vão a Paulo e lhe propõem algumas questões. Dessas idas e vindas nasce a Carta que conhecemos como 1 Coríntios, provavelmente pelo ano 55. Contudo, os ataques a Paulo não terminam. Chegam a Corinto judeus-cristãos que lançam dúvidas na comunidade. Ele então decide ir até Corinto, mas não conseguiu resolver a situação, tendo sido até ofendido por um membro da comunidade (2 Coríntios 2,1.5). Logo Paulo retorna a Éfeso e dirige, “com muitas lágrimas”, uma terceira Carta aos coríntios (2 Coríntios 2,4.9; 7,8.12), levada até lá por Tito, mas da qual não temos qualquer exemplar, infelizmente. Esperando uma resposta do discípulo Tito, Paulo teve de deixar Éfeso, voltando para Trôade, e lá embarcou para a Macedônia. Somente lá foi alcançado por Tito e ouviu,

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com alegria, que os coríntios se submetiam às suas observações. Isso o motivou a escrever outra Carta, a quarta, que para nós é a 2 Coríntios, pelo ano de 57. Paulo visitou a Macedônia e a Ilíria (Romanos 15,19). Cumpriu a promessa de visitar Corinto e lá escreveu a Carta aos Romanos, isso em fins de 57 ou início de 58, preparando uma visita que ele desejava a tempos (Atos 19,21). O Apóstolo desejava ir, por mar, até a Síria, acompanhado por alguns companheiros que o haviam ajudado na arrecadação de auxílios para os cristãos da Judéia. Contudo, por dificuldades da parte dos judeus, ele acaba indo por terra. Em Mileto, ele chama os representantes da igreja de Éfeso, os anciãos, e tem com eles um encontro muito intenso de despedida. Atos dos Apóstolos 19,17–38 deixa claro que Paulo tinha consciência de que algo iria lhe acontecer. Ele se despede dos efesinos com emoção. Chegando em Cesaréia, um grupo de cristãos insistiu com Paulo para que não fosse a Jerusalém (Atos 21,4). Em Cesaréia, ele esteve na casa de Filipe (Atos 21,8), um dos sete diáconos (Atos 6,5). Um cristão chamado Ágabo predisse que Paulo iria sofrer em Jerusalém, mas o Apóstolo não se deteve (Atos 21,1–16). O cativeiro em Jerusalém Em Jerusalém, Paulo foi recebido pela Igreja-Mãe, pelos anciãos e por Tiago. Este determinou que ele cumprisse certos ritos judaicos para desfazer equívocos a respeito de sua conduta. É a velha questão, nunca resolvida da parte dos judaizantes, de que era necessário aderir ao judaísmo antes do seguimento de Jesus Cristo. Os ritos judaicos praticados por Paulo em Jerusalém demonstrariam ser ele judeu. Podemos imaginar com quanto sofrimento interior Paulo aceita as determinações de Tiago e sobe ao Templo. E foi lá que tudo precipitou sobre o Apóstolo, provavelmente pela leitura de Atos dos Apóstolos, sem nenhuma intervenção ou defesa de Tiago e dos anciãos da cidade. Atos dos Apóstolos 21,27—23,23 apresenta, de modo bem detalhado, a situação daqueles dias. Paulo é atacado violentamente no Templo e cria-se um enorme tumulto. A guarda romana intervém e, no meio da situação, o Apóstolo invoca sua cidadania romana. Os soldados o protegem e ele é preso. No dia seguinte, deve apresentar-se ao Sinédrio. Os debates sobre sua conduta são conduzidos com o característico tom de preconceitos contra ele. Lembramos o que já dissemos e que deve nos chamar a atenção: não houve qualquer ajuda da parte da igreja de Jerusalém para solucionar o impasse perante o Sinédrio. Paulo se defende e apresenta o argumento da ressurreição de Jesus. O Sinédrio se divide e, conforme o livro de Atos, houve uma reação enorme (23,7–9). Uns contra Paulo, outros não vendo qualquer problema em sua palavra. Atos afirma, de modo perturbador: A discussão fazia-se sempre mais violenta. O tribuno temeu que Paulo fosse despedaçado por eles e mandou aos soldados que descessem, o tirassem do meio deles e o levassem para a cidadela (23,10).

Paulo está dando testemunho, cumprindo o projeto teológico do livro de Atos dos Apóstolos. A seguir, Paulo é levado para Cesaréia marítima, próximo do procurador Félix, pois é descoberta uma conspiração para matá-lo. Seu processo dura dois anos, de 58 até 60 e Atos dos Apóstolos relata a situação em 23,33—26,32. Acusado pelos judeus de

INFORMAÇÃO: O livro de Atos dos Apóstolos cumpre um projeto teológico fundamental: testemunhar. Em Atos 1,8, Jesus insiste que seus seguidores devem dar testemunho dele até os confins da terra. Paulo está cumprindo brilhantemente este mandamento. A narração de Atos que seguimos aqui evidencia de modo dramático tudo isso.

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violação do Templo e perturbação da ordem, Paulo defende-se brilhantemente e convence o procurador romano da falsidade das acusações. Félix esperava que Paulo lhe desse dinheiro, comprando a liberdade, mas ele não o faz e, por isso, a prisão dura os citados dois anos, até que chega o novo procurador, Pórcio Festo, perante quem Paulo se defende (24,27—25,1). O rei Agripa e sua esposa Berenice conhecem a Paulo e o ouvem. A situação fica nessa esfera: as autoridades devem decidir o que fazer com Paulo, que a esta época, depois de dois anos, já passa a ser um problema para a ordem política estabelecida. O novo procurador Pórcio Festo pergunta a Paulo se desejava ser julgado em Jerusalém, mas ele apela para o Imperador e, assim, deve ir até Roma. Na saída do tribunal, Atos 26,27–32 nos conta o diálogo de Paulo com o rei Agripa e a reação deste, bem como sua observação dirigida ao governador. É uma situação interessante e significativa: (Paulo disse:) Crês, ó rei, nos profetas? Bem sei que crês! Disse então Agripa a Paulo: Por pouco não me persuades a fazer-me cristão! Respondeu Paulo: Prouvera a Deus que, por pouco e por muito, não somente tu, senão também quantos me ouvem, se fizessem hoje tal qual eu sou... menos estas algemas! Então o rei, o governador, Berenice e os que estavam sentados com eles se levantaram. Retirando-se, comentavam uns com os outros: Esse homem não fez coisa que mereça a morte ou prisão. Agripa ainda disse a Festo: ele poderia ser solto, se não tivesse apelado para César (Atos 26,27–32).

A viagem do cativeiro Paulo faz a derradeira viagem, conforme nos informa Atos dos Apóstolos 27,1— 28,16. Em fins do ano 60, com outros presos e tendo a companhia de Aristarco e Lucas, e sob a guarda de um centurião romano e alguns soldados, inicia o caminho a Roma. O período não era favorável para uma viagem marítima; antes, era muito perigoso. Navegam pela costa de Creta e são vítimas de uma violenta tempestade. Ela os arrasta mar adentro a Malta, onde acontece o naufrágio. Lá eles passam o inverno.

Figura 6 (divulgação) – Viagem do cativeiro.

Tendo possibilidades de viagem, eles rumam, pela Sicília, até Puéoli, onde Paulo e seus companheiros foram hóspedes da comunidade cristã durante oito dias. E, depois de uma perigosa viagem, chegam a Roma (Atos 28,16). Lá Paulo mantém contato com os judeus e, enquanto espera seu julgamento, que não sabemos se houve ou não, inicia a pregação. Atos dos Apóstolos indica que Paulo esteve nesta situação durante dois anos (28,30).

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Figura 7 (divulgação) – Decapitação de São Paulo em Roma.

Não temos notícias seguras de outras viagens de Paulo nem da situação posterior à sua certeira libertação da prisão. Provavelmente, conforme alguns dados tradicionais, teria sido martirizado em Roma pelo ano 64 durante a perseguição de Nero, decapitado em um local chamado “ad Aquas Salvias”, hoje “Tre Fontane” e sepultado em uma propriedade particular à beira da Via Óstia, onde hoje se ergue a Basílica de São Paulo fora dos muros.

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CARTA DE PAULO AOS FILIPENSES

A cidade de Filipos Filipos era uma das principais cidades da Macedônia. Foi fundada no século 6º aC. pelos tasianos e conquistada por Filipe II da Macedônia, em 356 aC. Permaneceu como modesta aldeia até a campanha de Antonio e Otaviano contra Bruto e Cássio. Em 42 aC., recebeu colonos enviados por Antonio e, pouco depois, em 31, após a famosa batalha de Acio, foi Otaviano quem enviou mais habitantes. Filipos tinha uma população militar e civil que vivia em harmonia. Uma colônia militar mantida pelo trabalho agrícola, com população greco-romana e acentuada presença de trácios. Os cultos romanos eram florescentes, mas havia também as religiões orientais. Filipos era uma espécie de passagem entre a cultura romana e os elementos e influências orientais.

Figura 8 (divulgação) – Ruínas da cidade de Filipos, na Macedônia.

ATENÇÃO! Sugerimos que você visite o site acima indicado. Lá você encontrará conteúdos interessantes de contextualização do assunto estudado.

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INFORMAÇÃO: Da leitura de Atos dos Apóstolos e das Cartas paulinas depreende-se que Paulo não se permite ser de incômodo para seus possíveis hóspedes. Mas, em Filipos, ele teve de fazer alguma exceção a seu hábito, pois não havia qualquer referência anterior ou ponto de apoio na cidade para os missionários. Aliás, em 2 Coríntios 8,2s, ele lembra a generosidade dos irmãos da Macedônia, região onde se encontrava Filipos.

A igreja de Filipos foi fundada por Paulo entre os anos 50 e 52. Ele passou por lá durante sua segunda viagem missionária (Atos dos Apóstolos 15,36—18,22). Motivado por um sonho, em que aparecia um macedônio que lhe pedia ajuda, Paulo decidiu ir até a Macedônia e desembarcou em Filipos (Atos 16,12). Ali, juntamente aos seus companheiros de missão, esteve por alguns dias e, no sábado, conforme o relato de Atos 16,13, eles foram até um lugar próximo ao rio, onde souberam que havia orações. Lá encontraram algumas mulheres, seguramente judias e prosélitas, que acolheram o anúncio evangélico. Uma dessas mulheres, chamada Lídia, batizada com sua família, acolheu os missionários. A partir da constatação do lugar comum de oração, é provável que em Filipos não houvesse sinagoga. O lugar de pregação - que era o lugar da oração onde Paulo encontrou a Lídia e outras mulheres -, era um local aberto e de livre acesso a quem desejasse participar. Entre estas pessoas, Atos indica uma mulher tomada por um “espírito pitônico”, uma espécie de transe adivinhatório. Ela acompanhou os missionários durante alguns dias e os aclamava como enviados de Deus (Atos 16,17–18). Paulo ordenou, então, ao tal “espírito pitônico” que deixasse a mulher, da mesma forma que Jesus ordenou a expulsão de um espírito mal em Marcos 1,24s e 34. Este fato marcou o início das hostilidades contra o grupo missionário. Em Atos 16,19–24, vemos que os fatos se agravaram: Paulo e Silas são acusados; há uma revolta e os magistrados os agridem para depois jogá-los na prisão. Em 16,25, narra-se o prodígio da libertação dos dois missionários e o pavor do carcereiro que, acalmado por Paulo, acaba por ouvir a pregação evangélica e se converte.

INFORMAÇÃO: A fundação da comunidade cristã de Filipos é, portanto, anterior à de Tessalônica.

Ao amanhecer, os magistrados, talvez percebendo a situação, mandam que os presos sejam libertados. Entretanto, Paulo se recusa a sair da prisão e os acusa de abuso de poder contra cidadãos romanos. Os magistrados reconhecem o erro de conduta e pedem gentilmente que Paulo e Silas deixem a cidade. Depois disso, os missionários vão à casa de Lídia, mantêm contato com os recém-convertidos e depois partem, indo para Tessalônica. Assim teve começo a Igreja de Filipos. Paulo tem uma linguagem afetuosa para com os filipenses. O fato de ter aceito ajuda da comunidade já é um exemplo de simplicidade nas relações entre a igreja e o Apóstolo. Ele devia estar na prisão quando escreveu a Carta, pois o lembra em 1,13: “Em todo o pretório e por toda parte tornou-se conhecido que é por causa de Cristo que estou preso.” Alguns pensaram em uma “prisão” simbólica, algo como “ligado a Cristo”. O sentido do “…estou preso” seria uma ligação sólida a Cristo. Mas esta hipótese não é mais cabível. Provavelmente Paulo está em uma de suas prisões; não se sabe, contudo, qual seria esta prisão! Outro aspecto da carta aos Filipenses é a impressão que ela dá de ser composta de três cartas menores. Uma leitura atenta indica três partes relativamente distintas entre si.

INFORMAÇÃO: Lembramos a você que imprescindível a leitura do texto da Carta aos Filipenses. Não é suficiente seguir estes comentários. Eles são para contextualizar a leitura da Carta. Uma sugestão é primeiro ler a carta e, em seguida, estudar o comentário. Ou então fazer a leitura da Carta junto com os comentários a seguir.

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Estrutura e comentários à Carta aos filipenses A carta compõe-se de quatro capítulos que podem ser divididos em oito pequenas partes, como você pode observar a seguir:

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CARTA AOS FILIPENSES: DIVISÃO PROPOSTA Endereço: Ação graças Notícias do Apóstolo Apelo à unidade e perseverança e hino cristológico Comunicação de projetos 1ª Ruptura do texto

1,1–2 1,3–11 1,12–26 1,27—2,18 2,19—3,1 3,1 / 3,2 3,2—4,1

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CARTA AOS FILIPENSES: DIVISÃO PROPOSTA Ataque aos falsos doutores 2ª Ruptura do texto Alertas e recomendações 3ª Ruptura do texto Gratidão pelos dons Saudações

4,1 / 4,2 4,2–9 4,9 / 4,10 4,10–20 4,21–23

Endereço (1,1–2) Paulo dirige-se aos filipenses associando a si Timóteo, dizendo-se serem servos em Jesus Cristo. Não há insistência na ideia de “apóstolo”. Ele fala de santos de Filipos e cita os “bispos e diáconos”, concluindo com os votos de graça e paz. É notável a menção desses “bispos” e “diáconos”. A ideia, para bispos, é a de líderes da igreja, supervisores da comunidade. De fato a palavra grega para bispo é “epíscopos”, que significa aquele que “olha por cima” ou supervisiona. Diácono vem de “diakonos”, e quer dizer “servidor”, que não pode ser confundido com o “diácono” de nossos dias, ministro ordenado no primeiro grau da ordem. Hoje o termo “diácono” tem uma função voltada à liturgia e ao serviço pastoral; “diácono” no contexto da antiguidade voltava-se mais ao serviço, à organização da comunidade. Teria sido alguém como um coordenador de comunidade. Ação de graças (1,3–11) Nesses poucos versículos, já surgem alguns temas que serão recorrentes na Carta: a alegria (versículo 4), o anúncio da palavra do Evangelho e a parusia: ”o dia de Cristo” (versículo 10). Paulo agradece a Deus pelo passado, o presente e o futuro dos filipenses. No passado, eles deram uma colaboração clara para a evangelização, alusão feita nos versículos 3–6. No presente, eles se mostram próximos do Apóstolo, inclusive em sua prisão, como se lê em 7–8. Quanto ao futuro, Paulo lhes deseja caridade, versículos 8–11. Notícias pessoais (1,12–26) Paulo informa que está preso (versículo 13), mas percebe que, apenar disso, há um grande empenho em anunciar o Evangelho (versículo 14). Indica aos filipenses que deviam redobrar a audácia no anúncio (versículo 14). O fundamental é anunciar o Evangelho e Cristo ser conhecido (versículo 18). Aqui ele se expressa de modo quase apaixonado quando declara que “…Cristo será glorificado no meu corpo (tenho toda a certeza disto), quer pela minha vida quer pela minha morte” (versículo 20). Expressa depois um pensamento que se torna axioma cristão: “…para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (versículo 21). Em seguida, professa sua total adesão a Cristo, reconhecendo que nele encontra a sua felicidade. A vida física fica para segundo plano quando colocada em relação a Jesus Cristo. Sente-se dividido: deseja ir com Cristo, mas deseja continuar evangelizando (versículo 23). É o Paulo apaixonado por Jesus Cristo que fala e partilha esta paixão. Apelo à unidade (1,27—2,18) e hino cristológico (2,5–11) O testemunho até o sofrimento por Cristo é uma realidade (versículo 28). Paulo declara que os filipenses conhecem seu combate e que isso continua como sinal de esperança. Essa esperança que gera a luta, a perseverança, tem o fundamento em Jesus Cristo e, nesse ponto, ele insere o hino cristológico de 2,5–11. Os filipenses devem ser perseverantes no testemunho, inclusive no trato mútuo, “…a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo” (2,15). No final, Paulo convida à alegria, ao regozijo (2,18).

INFORMAÇÃO: O hino cristológico da Carta aos Filipenses é interessante e denso de conteúdo. Sugerimos que você dedique a ele um pouco mais no seu estudo. Para tal, recomendamos uma pesquisa em: MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo. Biografia crítica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 232–233.

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Projetos do Apóstolo (2,19—3,1) Paulo informa que mandará Timóteo até os filipenses para obter notícias da igreja. Elogia intensamente a este seu colaborador (2,20–22). No final do elogio a Timóteo, indica que também deseja ver a Igreja de Filipos depois do desfecho de sua causa, da solução de sua prisão. A seguir, ele cita outro colaborador, Epafrodito, um cristão de Filipos que lhe trouxera os auxílios da comunidade (2,25–26). Primeira ruptura: 3,1 / 3,2 Aqui o texto sofre uma ruptura. Paulo está exultando pela vida em Cristo que sente possuir. Exorta que todos estejam na alegria e propõe-se escrever outras admoestações. Sugere que já escreveu algo aos filipenses, o que faz pensar em outra carta. O Apóstolo continua a escrever, julgando ser conveniente o que faz. E inicia um argumento novo, radicalmente diferente do anterior. Ataque aos falsos doutores (3,2—4,1) Paulo critica seus adversários que são judeus e cristãos judaizantes. Insiste em uma ideia: os circuncisos são os fieis em Cristo, livres no Espírito Santo, independentes do grupo ético. O fato é que os judaizantes insistiam na necessidade de circuncisão para os que viessem fazer parte do grupo cristão. A circuncisão era um rito judaico que inseria o fiel na Aliança. Os judaizantes tinham em grande conta ser judeus de origem, o que lhes dava, pela prática anterior e espontânea da circuncisão, a possibilidade de estar no caminho da salvação. Essa proposta, contudo, não é serena. Pelo contrário, é persecutória: eles negam sistematicamente o ministério de Paulo que se sente livre perante a Lei e não propõe aos fieis vindo do paganismo a circuncisão. Muito menos é dependente da origem judaica. Para ilustrar seu pensamento, apresenta sua identidade em 4b–6, dizendo-se circuncidado, israelita, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus, fariseu, antigo perseguidor da Igreja, irrepreensível no cumprimento da Lei. Porém, tudo isso não tem valor em função de Jesus Cristo e o seu seguimento. Paulo vai abrindo seu pensamento e seu coração e chega a altas considerações de adesão a Cristo. Diz: “…eu fui conquistado por Cristo” (3,12). Em seguida, ele volta para sua realidade e especialmente para a situação dos filipenses, alertando-os a seguir o seu exemplo. Ele indica que existem os “inimigos da cruz de Cristo” (3,18), evidenciando suas características. E identifica os discípulos do Senhor de “cidadãos do céu” (3,20). No final, exorta à firmeza e à perseverança (4,1). Segunda ruptura: 4,1 / 4,2 Subitamente Paulo começa uma série de exortações que não têm conexão com a temática anterior. Aqui os estudiosos reconhecem a possibilidade de outra ruptura do texto. Alertas e recomendações (4,2–9) Em alguns versículos, o Apóstolo exorta de diversas maneiras a comunidade de Filipos. Primeiro alerta quanto ao trato mútuo; exorta que haja auxílio entre os indivíduos da comunidade. Fala do “livro da vida”, certamente uma metáfora para representar os que estão na graça de Deus. Mais uma vez ele convida à alegria (versículo 4), com insistência, pois todos são tocados pela graça do Senhor. Os filipenses devem apresentar suas necessidades a Deus e seguir o exemplo do Apóstolo. Os dois últimos versículos desta parte são muito eloquentes quanto à conduta proposta por Paulo.

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Terceira ruptura: 4,9 / 4,10 A um passo de concluir a Carta, surge mais uma ruptura. Paulo muda o argumento para referir-se a bens recebidos da parte do filipenses. Gratidão pelos dons (4,10–20) Paulo agradece aos filipenses pelos dons que lhe mandaram. Há uma espécie de cumplicidade entre eles e o Apóstolo que, reconhecendo seu estilo austero de viver, admite necessidades. E é grato pelo envio de ajuda a ele, não uma mas duas vezes. No versículo 20, faz uma doxologia. Quarta ruptura (4,20 / 4,21) Esta ruptura não é muito sentida no texto, pois ele prossegue com o estilo de saudação próprio de Paulo. Saudações (4,21–23) As saudações são bem simples, quase desprovidas de afetos. No final Paulo deseja a graça do Jesus Cristo. Questões a respeito da Carta aos Filipenses Autoria - Não paira dúvidas sobre a origem paulina autêntica da Carta aos Filipenses, a memória da passagem de Paulo por Filipos e a presença da igreja por ele fundada. Este escrito é o que mais se aproxima, no “corpus paulinum”, do estrito estilo carta, junto àquele dirigido a Filêmon. Local da escrita e data - A questão de datação de Filipenses liga-se diretamente ao seu provável local de escrita. São três as possibilidades, todas com um grau variável de segurança. Aliada a esta questão, está também a hipótese de três cartas em uma. Paulo dá a entender que se encontro preso e cita o Pretório: “Em todo o pretório e por toda parte tornouse conhecido que é por causa de Cristo que estou preso” (1,13). Se for em Roma, trata-se da guarda pretoriana, soldados diretamente locados a serviço do Imperador. Contudo, Filipenses sugere um intercâmbio de visitas de Paulo e de seus colaboradores, o que seria de difícil realização se ele estivesse escrevendo em Roma, entre os anos 60 e 63. Outra hipótese é a de Paulo escrever em Cesaréia, durante sua prisão, logo após o levante em Jerusalém (Atos 24,22ss). Nesse caso, o pretório seria o local de atendimento e julgamento do governador. Contudo, essa hipótese não é mais considerada pelos estudiosos em função da distância e maior dificuldade de comunicação entre Paulo e os filipenses. A terceira e mais considerada possibilidade de local de redação de Filipenses é Éfeso. Lá a comunicação com Filipos seria mais fácil e o intercâmbio de visitas mais provável. No caso de ser a cidade de Éfeso, então a data aceita para Filipenses, considerando uma redação única, isto é, não levando em conta a divisão da Carta, seria de possivelmente o ano 56. A favor dessa hipótese, tem-se a já citada menor distância entre as duas cidades e a menção do pretório do Imperador, que pode muito bem ser o ambiente destinado ao governador. Em Filipenses 2,19, sabemos que Paulo desejava mandar Timóteo a Filipos, indo em seguida (Filipenses 2,24). Sabe-se que, em Éfeso, Paulo decidiu ir para Macedônia e que enviou, antes, Timóteo (1 Coríntios 16,5–9; Atos 19,21s). Em favor de uma data mais tardia de Filipenses (ano 56), tem-se o vocabulário e as expressões teológicas bem como a polêmica do capítulo três, muito semelhante a 2 Coríntios 11.

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Contudo, dificultando a realidade dessa hipótese, não se encontra em Atos qualquer menção a uma prisão em Éfeso… Isso não invalida a hipótese, pois sabemos que os Atos não é um livro biográfico ou um relatório de viagem detalhado. Atos dos Apóstolos obedece a um projeto teológico baseado na ideia de testemunho e expansão do anúncio evangélico. Três cartas dentro de uma Não são todos os estudiosos que reconhecem três partes compondo o conjunto de Filipenses. As rupturas são estas: (1ª)

3,1 e 3,2,

(2ª)

4,1 e 4,2

(3ª)

4,9 e 4,10

(4ª)

4,20 e 4,21.

Elas formam blocos dentro da Carta. A questão é: estes blocos são originalmente independentes e depois foram reunidos? Os que propõem uma divisão e depois uma unificação dos blocos dentro da Carta identificam, além destas rupturas, o agrupamento do texto em três partes que são chamadas de “cartas”. Seriam: • “Carta A”: 4,10–20, dito “bilhete de agradecimento”; • “Carta B”: 1,1—3,1 junto a 4,2–9: “Carta de agradecimento à unidade e de notícias pessoais; • “Carta C”: 3,2—4,1: ataque aos falsos doutores. INFORMAÇÃO: Para maiores informações sobre o debate em torno das questões das partes ou bilhetes de Filipos e de sua datação, sugerimos os textos: CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M.; TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 194–198.

Se essas três partes ou bilhetes foram enviados de Éfeso a Filipos e depois reunidos, certamente o foram em datas diferentes. O conjunto da Carta poderia ser datado de 56 ou 57. Estabelecemos esta datação como referência.

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CARTA DE PAULO AOS GÁLATAS

A localização da Galácia Trata-se de uma Carta diferente das outras de Paulo. O tom, o modo de se expressar, até a introdução: o texto demonstra um estado de espírito muito específico do Apóstolo. A Galácia era uma ampla região, compreendendo grande parte do que hoje se identifica com a Turquia. Era dividida em Galácia do sul e Galácia do norte. Ao sul ficavam as regiões menores da Panfília, Lícia, Lídia, Frigia. Ao norte não há menção de grandes cidades. Paulo teria se dirigido ao conjunto das cidades gálatas do sul ou do norte? Hoje pensa-se que tenha sido às cidades gálatas do norte, pois do contrário, se fosse às conhecidas cidades citadas acima, ele seguramente as teria elencado.

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Figura 9 (divulgação) – Região da Galácia.

No entanto, em Atos encontramos pormenores da primeira viagem missionária de Paulo e sua passagem pelas cidades de Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe, entre os anos de 45 e 49. Não se fala de Galácia. Ela é mencionada apenas em Atos 16,6 e 18,23 no contexto da segunda e terceira viagem. Como interpretar, então, a origem da Carta aos Gálatas? Parece que ele se dirige às comunidades cristãs do norte da Galácia, sem uma especificação. Paulo apóstolo — não da parte de homens, nem por meio de algum homem, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai que o ressuscitou dos mortos — e todos os irmãos que estão comigo, às igrejas da Galácia: a vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e da parte do Senhor Jesus Cristo, …” (Gálatas 1,1–3).

Na própria Carta, encontramos algumas informações. Em 4,8–20, Paulo recorda que se deteve entre os gálatas por algum motivo de saúde. Foi muito bem tratado por eles e pregou-lhes o Evangelho. Ele indica que essa foi a primeira passagem dele por aquela região: “Estais lembrados de como eu estava doente quando, pela primeira vez, vos preguei o Evangelho…” (Gálatas 4,13). Sendo “primeira vez”, deve ter havido outra ou outras vezes. Contudo, esta visita não é mencionada em Atos. E surge outra questão, essa muito acentuada na Carta aos gálatas, como o será também na Carta aos romanos: a oposição praticamente radical entre os adversários de Paulo em relação à sua mensagem, à sua pregação evangélica e, antes mesmo, à sua identidade apostólica. É este certamente o pano de fundo que compõe o contexto da Carta: comunidades diversas, sem grande presença apostólica paulina, que sofrem agora com a ingerência de judaizantes que se opõem fortemente à liberdade cristã pregada por Paulo frente aos costumes judeus. Estas comunidades, provavelmente do norte da Galácia, precisam não apenas de uma palavra de apoio do Apóstolo, mas também de uma palavra de alerta e disposição para a verdade da adesão a Cristo Jesus mediante a mensagem do Apóstolo. A datação da Carta aos gálatas é um tema controverso dentro desse horizonte de viagens do Apóstolo e das referências em Atos dos Apóstolos. Se o episódio narrado em Gálatas 2 refere-se à assembléia apostólica de Jerusalém - apresentada em Atos 15 e datada do ano 49 -, então a Carta deve ser posterior a esse acontecimento, e a passagem pela Galácia e a estadia em Corinto, ocorridas na segunda viagem, é a lembrada em Atos 18,1–18. A Galácia deve ter sido visitada então nessa segunda viagem pela primeira vez,

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INFORMAÇÃO: Para um debate amplo da questão da datação da Carta aos gálatas, sugerimos: PATTE, Daniel. Paulo, sua fé e a força do Evangelho. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 63–83. Outro texto de notável profundidade (mas relativamente difícil de ser encontrado em bibliotecas!) é: BALLARINI, T. et al. Introdução à Bíblia. (v. V/1) Atos dos Apóstolos, São Paulo e as epístolas aos Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios, Gálatas e Romanos. Petrópolis: Vozes, 1974, p 403–408.

como podemos supor da leitura de 4,13: “…pela primeira vez, vos preguei o Evangelho”. Certamente Paulo deve ter visitado a Galácia no início de sua terceira viagem, entre os anos 53 a 58, como podemos ler em Atos 18,23, onde a Galácia é mencionada explicitamente. A Carta aos gálatas deve ser desse período, posterior à terceira viagem. Contudo, a datação da Carta aos gálatas é objeto de pesquisas e debates. Seguimos a opção da maioria dos comentaristas que indicam o ano de 56, como provável da composição da Carta. A carta aos Gálatas

Figura 10 (divulgação) – Fragmento da Carta aos gálatas.

Nenhuma outra Carta de Paulo fornece informações tão amplas sobre ele que a Carta aos gálatas. Nela Paulo não teme abrir seu coração, expressar-se com indignação, tristeza, angústia, censura e severidade. Além disso, a carta evidencia um momento importante para a Igreja: a questão de saber interpretar a sua natureza: ela é continuação do judaísmo ou inicia um caminho novo? Acrescentamos a isso: quem eram os inimigos do Paulo, seus acusadores e detratores? Estrutura e comentários à Carta aos gálatas Em Gálatas encontramos uma estrutura bem clara e com uma divisão bem obvia, conforma mostramos a seguir: DIVISÃO PROPOSTA DA CARTA AOS GÁLATAS

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1,1–5 1,6–10

Endereço e declaração de fé Exposição de motivo

1,11—2,21 1,11–24 2,1–10 2,11–14 2,15–21

Primeira parte: Apologia do Apóstolo Memória do Apóstolo Assembléia apostólica de Jerusalém Pedro e Paulo em Antioquia Defesa de Paulo

3,1—4,31 3,1–7 3,8–14 3,15–22 3,23–29 4,1–11 4,12–20 4,21–31 5,1–12

Segunda parte: argumentação doutrinal O fundamento A Escritura A Lei A Fé Filiação divina Memória de Paulo As duas alianças Consequência: a liberdade em Cristo

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DIVISÃO PROPOSTA DA CARTA AOS GÁLATAS 5,13—6,10 5,13–26 6,1–10 6,11–18

Terceira parte: exortação Vivencia da liberdade Caridade Conclusão e saudação

Endereço e declaração de fé (1,1–5) Paulo inicia a Carta sem as costumeiras saudações e indicações de um parceiro na redação; ele faz uma menção genérica a outros que estão com ele. É um tom diferente daquele das outras Cartas. Um elemento salta à vista: a insistente defesa da identidade apostólica. Essa identidade vem de Deus Pai e Jesus Cristo (versículo 1). Este endereço termina com uma doxologia final.

INFORMAÇÃO: É imprescindível que você leia a Carta aos gálatas. Para isso, sirva-se de uma boa tradução bíblica e siga a leitura com as indicações aqui encontradas para cada passo.

Exposição de motivos (1,6–10) Estes poucos versículos apresentam uma espécie de relação de motivos que o Apóstolo tem para argumentar na Carta. Aparece o tema “evangelho” como conjunto do anúncio de Jesus Cristo. Insiste na verdade do “seu” Evangelho, isto é, no anúncio da verdade que ele apresentou aos gálatas e que, ao que lhe parece, eles deixaram de lado. Seu paradigma é Cristo, a quem ele serve. Primeira parte: Apologia do Apóstolo (1,11—2,21) A primeira parte da Carta é uma sucessão de argumentos que fazem a memória do que levou Paulo até esse estado ou situação de Apóstolo e como é essa realidade. Ele inicia com a expressão Evangelho (versículo 11) e termina também com a defesa da verdade de “seu” Evangelho (2,15–21). Paulo aqui trata do assunto de sua conversão e da situação dos pagãos na Igreja.

Memória do Apóstolo (1,11–24) Paulo cita os fatos de sua conversão não com os detalhes dramáticos como encontrados em Atos 9, mas sim como uma situação de revelação (versículo 15). Seu chamado apostólico não é uma disposição humana, mas uma escolha de Deus em função dos gentios ou pagãos. Paulo elenca as situações que se sucederam: ida a Arábia, retorno a Damasco; após três anos ele vai à Jerusalém para encontrar-se com Cefas e fica quinze dias com ele; depois retorna à atividade missionária. Seu “treinamento” como apóstolo foi muito rápido, junto a Pedro apenas. Ele precisou conquistar o lugar de apóstolo, pois, se por um lado era legitimado pelo próprio Deus, era, por outro, desconhecido das igrejas. Assembléia apostólica de Jerusalém (2,1–10) A assembléia apostólica de Jerusalém, citada em Atos dos Apóstolos 15, é trazida à memória por Paulo aos seus ouvintes como um momento de decisão dos rumos da Igreja. Há algumas diferenças entre o relato aqui apresentado e aquele de Atos. Ocorre que a índole de ambos é diferente. Aquele de Atos tem mais uma identidade de relato, propriamente falando; este apresenta-se mais como um elenco de motivos e situações que determinam uma ação, uma espécie de programa de atividade apostólica. Depois de quatorze anos de atividades, Paulo afirma que foi até Jerusalém novamente, agora com Barnabé, e expõe aos notáveis o que pregou e anunciou a respeito

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de Jesus Cristo. Destaca especialmente a conduta apresentada aos pagãos como necessária e condizente com a fé cristã. Paulo insiste na menção dos “notáveis” e depois declara que esta qualificação não tem muito o que dizer quando vista na perspectiva da graça, da força e decisão que vem de Deus. Estes “notáveis” seguramente eram anciãos e outros atentos e apegados aos costumes judaicos, que alegavam uma adesão a Jesus ainda no início da Igreja e agora gozavam de prestígio na comunidade de Jerusalém. Mas para Paulo isto não é o mais importante. Paulo anuncia que existiam “intrusos” (2,4), que sabemos ser os judaizantes, proponentes de um cristianismo ligado e mesmo dependente das tradições e costumes judaicos. Segundo Paulo esse caminho não foi o traçado pela assembléia de Jerusalém, que decidiu ser necessário, para os convertidos vindos do paganismo, apenas a adesão a Jesus Cristo. Na narração de motivos, o texto afirma que se decidiu que ele, Paulo, junto a Barnabé, iriam evangelizar os pagãos; e os outros apóstolos iriam para os judeus. Isso não parece ser proporcional à realidade: havia muito mais pagãos do que judeus… Contudo, o que vemos aqui é uma decisão equivocada da parte das autoridades de Jerusalém, aqueles que Paulo chama de “notáveis”. Eles pensaram, certamente, que no lado do paganismo não haveria tanta conversão como poderia haver do lado judaico. Grande erro histórico esse! Podemos intuir que o próprio Pedro deve ter percebido a situação e, ele também, depois de muito pouco tempo, decidiu-se pelos gentios. Já sabemos que ele esteve muitos anos na liderança da Igreja de Roma, constituída especialmente de pagãos. Pedro e Paulo em Antioquia (2,11–14) Paulo cita o episódio no qual ocorre um dos embates entre ele e o grupo dos judaizantes. O fato de Pedro evitar sentar-se à mesa com os pagãos no momento da presença de judeu-cristãos da parte de Tiago, de Jerusalém, é indicado como fingimento, dissimulação.

INFORMAÇÃO: Sugerimos que você acesse o site indicado, no qual se encontra vasto material cartográfico. Vale a pena conferir. Fonte: http://www.padfield.com/ turkey/antioch-pisidia/

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Figura 11 (divulgação) – Ruinas da muralha da antiga cidade Antioquia da Psídia.

O sentido desse fingimento é a ignorância do fato da liberdade cristã perante os limites do judaísmo. Paulo acusa a Pedro de estar fingindo desconhecer essa liberdade e especialmente não levar em conta a nova ordem estabelecida pelo Evangelho. Ele fazia isso levado pelo receio dos judaizantes. Sua atitude contaminava os demais, inclusive Barnabé.

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O que é interessante nessa passagem é que Paulo, quando acusa a Pedro dessa situação, mostra que ele, Pedro, vivia como gentio (versículo 14). Isso deve indicar a realidade de Pedro relativa à pregação do Evangelho: ele também estava dedicando-se aos gentios ou já se encontrava inclinado a eles. Defesa de Paulo (2,15–21) Paulo faz uma defesa veemente da liberdade do Evangelho. Ele defende a “sua” liberdade perante os costumes judaicos, consignados e simbolizados na “Lei”. Para o Apóstolo esta Lei não justifica, não gera vida, esperança. Aqui encontramos argumentações que se tornaram axiomas cristãos: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (2,20). Segunda parte: Argumentação doutrinal (3,1—4,31) Este é o núcleo da Carta. A argumentação doutrinal está sob dois eixos: a realidade da Lei e a nova realidade da filiação divina. O fundamento (3,1–7) O fundamento ou ponto de partida é uma escolha. Da mesma forma que Israel fora escolhido livremente por Deus que com ele fez uma aliança, também os chamados pelo Evangelho fazem com este Deus uma aliança. Este chamado e esta aliança são feitos com a motivação e o movimento do Espírito. A “justiça” é a identificação com o projeto original e Abraão, primeiro a seguir este projeto, teve para com ele a adesão motivada pelo Espírito. A Escritura (3,8–14) Paulo insiste que as obras da Lei são cumpridas não pela fé, mas pela adesão de intenções. A fé é algo mais profundo que transforma a vida e liberta da Lei. O que está aqui subentendido é que a Lei exige, para ser reconhecida como elemento válido e presente na vida do fiel, muitos compromissos que são externos. A adesão da fé é interna, é transfigurante. Paulo vai profundo nas suas considerações, insistindo até na identidade de Jesus como cumpridor da Lei de modo absoluto a ponto de morrer por ela, ultrapassando-a pela sua morte. O Apóstolo cita a ideia de “Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro” (2,13). Esta situação de Jesus, o Crucificado, seguramente criava constrangimento a muitos, pois é uma apresentação brutal da salvação: o Salvador morto no pior instrumento de sofrimento romano… Contudo, assim é que a Lei foi superada, pela morte de quem a cumpriu totalmente. A Lei (3,15–22) Temos aqui uma perícope de difícil interpretação. O que Paulo deseja transmitir é que, fundamentalmente, a Abraão fora feita a promessa da terra, a terra prometida. A ele e à sua descendência. Esta promessa não pode ser limitada pela Lei e pelos costumes relacionados a ela. Seria como se Deus se contradissesse, prometendo terra, e descendência para esta mesma descendência; e depois oferecesse a Lei, exigindo sua observância. A promessa então seria uma e a realização, outra completamente diferente!…

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Figura 12 (divulgação) – Torah (a Lei).

Para Paulo, a herança da promessa não é a Lei, mas sim Jesus Cristo. Ele passou a ser o novo paradigma dos fiéis. A Lei teve sentido até Jesus Cristo, mas depois dele o que é importante e necessário é ouvi-lo e segui-lo. Então, qual foi o papel da Lei? Uma questão fundamental para a teologia paulina e para todo o cristianismo. A função ou papel da Lei é de ser pedagoga, de condutora até um fim almejado e indicado por Paulo: Jesus Cristo. Para o Apóstolo, Jesus Cristo não veio apenas para os judeus, mas para todos. Ora, não somente os que estão sob a Lei, e por ela foram conduzidos até Jesus Cristo, são agraciados pela sua presença e salvação, mas também todos os que o aceitam, mesmo que não tenham estado sob a Lei anteriormente. É a adesão da fé, não da Lei. A fé (3,23–29) A fé é a adesão consciente e consequente a Jesus Cristo. É aqui que Paulo identifica a Lei como pedagogo (versículo 24), isto é, condutor a um fim, a uma meta. A Lei é uma mediação, um caminho para chegar a um lugar ou a alguém. Agora, tendo chegado este Alguém, a Lei deixa de ter serventia e pode ser superada. Em função disso vem a frase lapidar de Paulo, que resume em grande parte sua compreensão da questão e sua proposta doutrinária a respeito da Lei, da Igreja, do chamado, da escolha de Deus e da resposta do homem. Ele declara: Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus (3,28).

E conclui, para não deixar dúvida: “Ora, se sois de Cristo, então sois verdadeiramente a descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa” (3,29). Filiação divina (4,1–11) Paulo faz uma analogia com a herança de um filho. Identifica os herdeiros ainda não capazes de assumir a totalidade da herança com os que precisavam da Lei, o já citado pedagogo, que conduzia e instruía. Entretanto, chegando o tempo previsto, veio o transmissor da herança, o que testemunha a eleição e cumpre as promessas. Ele nasce submetido à Lei para poder superar a própria Lei. Nele todos recebem a adoção de Deus, pois ele era o herdeiro genuíno. Por isso todos podem, com ele, clamar: “Abbá, Pai” (4,6).

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Esta perícope é magnífica e apresenta a mais antiga menção à natividade de Jesus: o nascimento de mulher, experiência pela qual o herdeiro, Jesus Cristo, deveria passar para estar sob a Lei e superá-la. Paulo não cita o nome de Maria, mas ele é suposto, tendo sido ela a mãe de Jesus. Ela o insere dentro da história humana, pois ela é “mulher”, o gênero que dá à luz a outro ser humano; e o insere na história de Israel e na esperança da promessa, pois está sob a Lei e o dá à luz sob a Lei.

Memória de Paulo (4,12–20) Paulo faz uma pausa em sua argumentação, recordando o primeiro contato com os gálatas. Um problema de saúde levou-o a parar por algum tempo na Galácia e receber auxílio dos habitantes. A isso Paulo é muito grato, reconhecendo o grande empenho deles em servi-lo (versículo 15). Ele aproveitou a ocasião para pregar-lhes o Evangelho. Contudo, agora eles se distanciaram da pregação do Apóstolo. Do que se depreende da leitura do texto, Paulo alertou-os acerca das novas ideias que os judaizantes impunham à Igreja. Eles ganhavam adeptos, em detrimento do Evangelho anunciado pelo Apóstolo, Evangelho este baseado na liberdade de Cristo Jesus. Podemos entrever Paulo muito preocupado, envolvido afetivamente com seus antigos ouvintes. Ele sente intensamente o distanciamento e as dificuldades que isso acarreta. E lamenta tudo isso. Teme até ser mal interpretado.

Provavelmente Paulo teme que seus sentimentos sejam mal interpretados pelos gálatas. Ele tem zelo, um zelo intenso sobre as igrejas que fundou. Não em função do título de fundador, mas da mensagem apresentada. Ele é livre pelo Evangelho de Jesus Cristo e apresenta esta liberdade como modelo de ser e viver cristão. Afastando-se de Paulo e do Evangelho pregado por ele, os gálatas arriscam-se a deixar de experimentar a mesma liberdade e alegria em Cristo Jesus que Paulo experimenta. Por isso, pela insegurança de ser interpretado diversamente em seus sentimentos, ele conclui esta memória de sua passagem pela Galácia e sua ligação com seus habitantes: “Filhinhos meus, por quem de novo sinto dores de parto, até que Cristo seja formado em vós, quem me dera estar agora convosco, para descobrir o tom que convém à minha linguagem, visto que eu me encontro extremamente perplexo a vosso respeito” (4,19–20).

As duas alianças (4,21–31) Para continuar a argumentação a respeito dos judaizantes que roubam a liberdade conquistada por Jesus Cristo e que agora os gálatas estão pondo a perder, Paulo discorre sobre as duas alianças, representadas pelas duas mulheres de Abraão, Agar e Sara. Paulo identifica a aliança do Monte Sinai com a imagem de Agar, a escrava. Faz a referência ao suposto local do Sinai, a Arábia, mas estende a região até Jerusalém, incluindo assim a ideia de que o judaísmo de seu tempo é a expressão desta aliança, imperfeita, não herdeira dos bens de Abraão. Então, subitamente ele irrompe em um hino que tem Jerusalém por motivo original, apresentando uma “Jerusalém do alto”, que é livre e mãe de quem crê (4,26). Essa Jerusalém, a celeste, é a expressão dos discípulos de Jesus. Paulo conclui, pois, que filhos da esposa verdadeira, a Consequência: a liberdade em Cristo (5,1–12) A liberdade que os discípulos têm em Jesus Cristo é fruto de sua aliança nova. Não há necessidade de circuncisão se Cristo já libertou o fiel. Esta é a aliança: viver em

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Cristo. Paulo fala nesses poucos versículos da graça, que é a comunhão com o Senhor: ela supera todos os costumes e práticas anteriores, a ponto de o Apóstolo afirmar: “Estar circuncidado ou incircunciso de nada vale em Cristo Jesus, mas sim a fé que opera pela caridade” (5,6). Paulo conclui sua série de argumentos com uma ironia: ele instiga, entre os gálatas, os judaizantes a não apenas se circuncidar, mas a se mutilar, se isso lhes faz bem (versículo 12). Terceira parte: exortação (5,13—6,10) A terceira parte é a consequência da exposição doutrinal feita pelo Apóstolo. Ele tira conclusões que determinam o estilo de vida da comunidade, conduzindo ao argumento da caridade. Vivencia da liberdade (5,13–26) A experiência da liberdade não é algo teórico e sem dificuldades. Antes, tem o seu preço. A vida dita “carnal” não pode substituir a vida da caridade. Por vida “carnal” entende-se aquilo que é causado ou causa de: …fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes (5,19–21).

Paulo declara: Porque os desejos da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne; pois são contrários uns aos outros. É por isso que não fazeis o que quereríeis (5,18).

Em seguida ele elenca as obras do Espírito: ...o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança. Contra estas coisas não há lei (5,22–23).

Paulo insiste em convidar os gálatas a viver conformes o Espírito. Caridade (6,1–10) Paulo inicia os argumentos finais com mais calma, falando como um pai que, depois de repreender o filho que errou e assinalar suas falta, agora o prepara para o futuro. Os gálatas devem viver na caridade, observando sua conduta para superar as tentações. Seguramente Paulo percebia que a vida cristã é difícil, pois é a herança do Crucificado. Então, lembra a todos a atitude da humildade em Cristo Jesus. E subitamente ele volta à ofensiva: “De Deus não se zomba” (versículo 7). Ele refere-se à ação dos judaizantes, os inimigos de toda a liberdade em Jesus Cristo. Pensando neles, o Apóstolo recorda que o que se planta, se colhe. Agora é o tempo de plantar o bem e praticá-lo. Conclusão e saudação (6,11–18) Também a saudação final é peculiar. Paulo declara que escreve com o próprio punho, o que nos leva a compreender que algumas cartas ele não escrevesse, mas deixava outro escrever o que antes ditava.

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O problema da circuncisão ainda está na cabeça do Apóstolo. Era, seguramente, uma questão séria entre os gálatas. Estar do lado da circuncisão é tirar proveito da aliança feita na carne. Assim, Paulo afirma, de modo brilhante: Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Porque a circuncisão e a incircuncisão de nada valem, mas sim a nova criatura (6,14–15).

Para Paulo, a cruz de Jesus Cristo é o sinal da aliança. Ele traz em si essa marca e esse testemunho. Por isso é que declara neste final: “que ninguém mais me moleste” (versículo 17), pois ele vivencia a aliança com Cristo. No final, deseja a graça de Jesus Cristo a todos (versículo 18).

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CONSIDERAÇÕES

Paulo Apóstolo tem importância decisiva nos primeiros decênios do cristianismo. Sem ele não seria possível a difusão da fé em Jesus Cristo na intensidade e amplitude que podemos hoje verificar. Sua atuação junto aos povos gentios ou pagãos foi no sentido de inseri-los na perspectiva da graça em Jesus Cristo. Diversamente, as práticas judaicas e especialmente o seguimento da Lei como fonte da experiência religiosa teriam tomado conta do cristianismo nascente e não haveria a liberdade em Cristo. As viagens missionárias de Paulo foram um esforço quase que sobre-humano em tornar conhecido o Evangelho e organizar as comunidades que se identificam com o mistério de Deus nele expresso. Foram, por quanto se sabe, três viagens que deixaram marcas profundas nas comunidades. Elas renderam ao cristianismo textos de cartas posteriormente escritas pelo Apóstolo. As Cartas são o testemunho antigo da fé em Jesus Cristo e do esforço de Paulo em tornar conhecido o Evangelho. Elas demonstram as dificuldades de aceitação da nova ordem estabelecida por Jesus Cristo — a graça que é fruto da adesão à sua Pessoa.

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E-REFERÊNCIA

CASA PUBLICADORA DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS: disponível em: Acesso em: 14 jul.2009. CASA PUBLICADORA DAS ASSEMBLÉIAS DE DEUS: disponível em: Acesso em: 14 jul.2009. Lista de Figuras Figura 1- Primeira viagem missionária de Paulo: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 2- São Barnabé, companheiro de Paulo na primeira viagem: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 3 - Segunda viagem missionária: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 4 - Pregação de Paulo em Atenas: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 5 - Terceira Viagem de Paulo: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009.

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Figura 6 - Viagem do cativeiro: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 7 - Decapitação de São Paulo em Roma: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 8 - Ruínas da cidade de Filipos, na Macedônia: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 9 - Região da Galácia: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 10 - Fragmento da Carta aos gálatas: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 11 - Ruinas da muralha da antiga cidade Antioquia da Psídia: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. ATENÇÃO! Os livros sugeridos nas referências bibliográficas ajudarão você a ampliar e a aprofundar a compreensão sobre os conceitos introdutórios relacionados ao ST. Entretanto, as fronteiras ficam abertas, para dialogar também com outros autores e outros textos. Para produzir conhecimento, a leitura é indispensável. Pense nisso...

Figura 12 - Torah (a Lei): disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALLARINI, T. et alii. Introdução à Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1974, páginas 403–408. Vol. V/1: Atos dos Apóstolos, São Paulo e as epístolas aos Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios, Gálatas e Romanos. BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (II). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1991, p. 11–114; 353–412. CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M.; TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 194–198. CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan. Em busca de Paulo. Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007. FERREIRA, João Antonio. Gálatas. A epístola da abertura de fronteiras. São Paulo: Loyola, 2005. HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 556–564; 578–593; 688–699. HEYER, C. J. den. Paulo, um homem de dois mundos. Tradução de Luis Alexandra Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2008. MURPHY–O’CONNOR, Jerome. A antropologia pastoral de Paulo. Tornar-se humanos juntos. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: 1994, 198ss. MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo. Biografia crítica. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2000, p. 195–237. PATTE, Daniel. Paulo, sua fé e a força do Evangelho. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 63–83. VAN DER BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis, Vozes, 1985, colunas 590–591; 616–617; 1139–1143.

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Objetivos • Conhecer e analisar a Carta aos Romanos, a carta mais elaborada do Apóstolo. • Compreender e conhecer a Igreja de Roma e sua realidade profundamente marcada pelo paganismo. • Interpretar e analisar os temas fundamentais da Carta aos Romanos, especialmente com a questão da justificação. • Analisar a Carta aos Romanos com critérios teológicos.

Conteúdos • A Igreja de Roma. • O contexto da Carta aos Romanos. • Temas fundamentais da Carta aos Romanos.

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INTRODUÇÃO

Na Unidade 3, você conheceu a faceta missionária de Paulo, especialmente o impacto que tiveram suas viagens missionárias na fundação do cristianismo. Graças ao seu ardor missionário a fé cristã na pessoa de Jesus, o Crucificado, espalhou pelo mundo inteiro então conhecido, atingindo os gentios. Neste contexto, surgiram as cartas aos Gálatas e aos Filipenses, que você a oportunidade de ler, estudar e conhecer. Agora nesta unidade, você conhecer a Carta aos Romanos, que constitui certamente o primeiro tratado teológico do cristianismo. Mediante o estudo dessa Carta você vai conhecer uma importante comunidade cristã dos primeiros tempos do cristianismo: a Igreja de Roma.

2

CARTA AOS ROMANOS

A Carta aos Romanos é um dos escritos mais interessantes do Novo Testamento. É como o primeiro tratado de teologia cristã. Por isso ocupa uma posição especial dentro do “corpus paulinum”, sendo seu primeiro escrito.

Figura 1 (divulgação) – Fragmento da Carta aos romanos.

Como sabemos as Cartas de Paulo têm caráter episódico. Sua escrita não obedece a um programa de composição ou exposição de ideias predeterminado, mas é fruto das exigências concretas de comunidades ou pessoas. Diversamente, a Carta aos romanos foi pensada, elaborada, apresentada como uma série de argumentos articulados. Não foi escrita somente pela necessidade do momento ou correspondendo às ocupação ou preocupações do Apóstolo ou mesmo da Igreja de Roma. É uma obra teológica, certamente a primeira em termos cronológicos, do cristianismo. É anterior aos Evangelhos canônicos e, claramente, anterior às obras dos escritores cristãos. É como o melhor fruto da mente teológica de Paulo. Quando afirmamos que a Carta aos romanos não é motivada por problemas concretos da comunidade romana, como foram motivados os outros escritos do Apóstolo, não se quer dizer que ela não correspondesse às necessidades da Igreja de Roma. Não é um conjunto de afirmações, raciocínios independentes da identidade ou

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circunstâncias daquela Igreja. Ela corresponde também às situações concretas, sem ser condicionada a elas. Muito provavelmente os argumentos da Carta aos romanos são compreensíveis no contexto da comunidade romana e são também comuns de outras Igrejas. Seguramente Paulo parte conceitualmente de situações e questões muito concretas e estabelece elementos válidos para a compreensão do fenômeno cristão. Apresenta tudo isso para a Igreja de Roma e com isso contribui de modo decisivo para a Teologia cristã. Pelo que conhecemos da história de Paulo, no ano 58 ele terminava sua terceira viagem missionária, que começara em 54. Em Éfeso Paulo esteve três anos (Atos 20,31). Foi para a Macedônia, Acaia e Corinto (Atos 20,3), onde ficou três meses. Lá foi hospede de um Gaio, provavelmente batizado pelo próprio Paulo (1 Coríntios 1,14), lembrado em Romanos 16,23: “Saúda-vos Gaio, meu hospedeiro, e de toda a Igreja”. Em Corinto, Paulo escreveu a Carta aos filipenses e decidiu também escrever uma carta aos cristãos de Roma, provavelmente levada até a capital do Império pela diaconisa Febe, como podemos intuir da recomendação dada a seu respeito por Paulo em Romanos 16,1. Nessa carta Paulo expõe as linhas fundamentais de sua pregação, que ele chama de seu Evangelho. Ele tem consciência de que seu trabalho de evangelização está encaminhado nas regiões da Ásia e da Grécia. É o que podemos intuir de Romanos 15,19–24: De maneira que tenho divulgado o Evangelho de Cristo desde Jerusalém e suas terras vizinhas até a Ilíria. E me empenhei por anunciar o Evangelho onde ainda não havia sido anunciado o nome de Cristo, pois não queria edificar sobre fundamento lançado por outro. Fiz bem assim como está escrito: Vê-loão aqueles aos quais ainda não tinha sido anunciado; conhecê-lo-ão aqueles que dele ainda não tinham ouvido falar. Foi isso o que muitas vezes me impediu de ir ter convosco. Mas, agora, já não tenho com que me ocupar nestas terras; e como há muitos anos tenho saudades de vós, espero ver-vos de passagem, quando eu for à Espanha. Espero também ser por vós conduzido até lá, depois que tiver satisfeito, ao menos em parte, o meu desejo de estar convosco.

Paulo então está decidido a ir até a Espanha. Uma etapa necessária dessa viagem é a passagem por Roma. Esta igreja tem expressão no nascente mundo cristão e Paulo deseja conhecê-la e propor seu Evangelho e as consequências por ele visualizadas. Ele não vai até Roma ou se comunica com esta igreja para fundá-la ou influenciá-la. Ele deseja conhecê-la e ser por ela conhecido. Talvez o desejo do Apóstolo, tanto na desejada visita quanto na Carta, seja mais o conhecimento e a partilha de princípios do que um debate e menos ainda uma atuação acentuada. Certamente sua permanência futura, conforme ele pensava no final de sua terceira viagem missionária, estando em Corinto e escrevendo para os romanos, era de ficar em Roma algumas semanas, não mais do que isso. A Carta aos romanos é, dessa forma, uma espécie de apresentação humana e teológica do Apóstolo para os romanos.

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IGREJA DE ROMA

Existência e fundação Não se sabe como foi fundada a Igreja em Roma. Não há menção de um fundador ou fundadores. Apenas uma suposição a partir do texto de Atos dos Apóstolos 2,10, no contexto da vinda do Espírito Santo, na manhã de Pentecostes. Lá encontramos uma relação de pessoas oriundas de diversos lugares que testemunham a epifania do Espírito Santo nos Apóstolos. Perguntam sobre o que estava acontecendo e são identificados conforme sua origem. Entre eles estavam os judeus vindos de Roma, como mostra esta passagem de Atos:

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Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Partos, medos, elamitas; os que habitam a Macedônia, a Judéia, a Capadócia, o Ponto, a Ásia, a Frígia, a Panfília, o Egito e as províncias da Líbia próximas a Cirene; peregrinos romanos, judeus ou prosélitos, cretenses e árabes; ouvimo-los publicar em nossas línguas as maravilhas de Deus! (Atos dos Apóstolos 2,8–11).

Figura 2 (divulgação) – Inscrição dos primeiros tempos do cristianismo, descoberta nas escavações nas imediações de uma antiga igreja e do cemitério de São Lourenço. Basílica de São Lourenço Fora dos Muros (Roma).

Teriam estes “peregrinos romanos”, que eram certamente judeus vindos de Roma para as celebrações pascais, sido os fundadores da Igreja de Roma? Não é possível uma afirmação nem uma negação. O caso é que a Igreja na capital do Império era uma realidade estabelecida e bem vivida no tempo da Carta aos romanos. Em 1,8 podemos ler: “Primeiramente, dou graças a meu Deus, por meio de Jesus Cristo, por todos vós, porque em todo o mundo é preconizada a vossa fé.” À parte um evidente exagero estilístico de Paulo, sabemos que a existência da Igreja em Roma era fato estabelecido e importante. A Tradição da Igreja de Roma indica os Apóstolos Pedro e Paulo como seus fundadores. Não podemos entender essa fundação como algo material, imediato. Eles são parte do processo da fundação e da legitimação, isto sim. Sabemos que, com certeza, Pedro, o Apóstolo, foi o líder dessa igreja por bem 25 anos, embora não de modo ininterrupto. Esta liderança é significativa de diversos modos. Primeiro, vemos que a evangelização dos judeus acabou por não ser o foco de atenção único do Apóstolo Pedro, visto que ele deixa de atuar, muito cedo ainda, pela leitura de Atos dos Apóstolos, na Judéia e parte para o Ocidente. Ele não poderia estar ligado apenas aos judeus neste tempo todo de liderança romana.

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Figura 3 (divulgação) – São Pedro e São Paulo, considerados os fundadores da Igreja em Roma.

Por outro lado, a permanência de Pedro em Roma apresenta dificuldade de compreensão das circunstâncias de Atos dos Apóstolos e das Cartas paulinas, em especial da Carta aos romanos. Se foram tantos anos que Pedro permaneceu em Roma, e se considerarmos os dados da mesma tradição que indica que ele foi martirizado pelo ano 64, então é mais do que certo que quando Paulo esteve em prisão domiciliar na capital do Império, como vemos em Atos 28,30–31, Pedro devia estar lá. Porém, não há quaisquer informações a respeito, mesmo levando em conta que esta prisão ou “cativeiro romano” é datado entre 61 e 62 e a Carta aos romanos é anterior. Este silêncio quanto às relações apostólicas e às lideranças da Igreja, especialmente romanas, é muito curioso e não tem uma solução, até o presente. Tradições da Igreja romana, aspectos e intenções literárias e consequências de interpretação cronológica de todo este estado de coisas formam um conjunto complexo que a distancia e as circunstâncias históricas escondem. O que podemos e devemos entender com isso é que a Igreja em Roma, capital do Império, é devedora da presença de muitas figuras ilustres da primeira geração cristã. Elas fazem parte do processo de sua fundação e estabelecimento, não sem percalços e dificuldades as mais diversas. As perseguições foram muito presentes desde os primeiros anos, e as riquezas de suas tradições deixam à mostra a intensidade de sua experiência histórica, concreta, transmitida desde os inícios tanto mais remotos quanto mais frutos da própria ação de Deus nos simples e generosos em aceitar a Palavra e vivê-la no Espírito. Tempo e escrita Em Atos dos Apóstolos 18,1–2, encontramos Paulo deixando Atenas, depois do aparente fracasso de sua pregação no Areópago. Ele se estabelece em Corinto e lá encontra o casal Áquila e Priscila. Atos dos Apóstolos sugere que eles teriam vindo de Roma em vista da ordem de Cláudio que todos os judeus se afastassem da cidade. Cláudio, Imperador pelo ano 49, assim o fez devido a situações que nos fogem ao controle. Mas uma inscrição de Suetônio em sua obra “Vita Claudii” (Vida [história] de [do Imperador] Cláudio) é reveladora a respeito. Ele escreve: “Cláudio expulsou os judeus de Roma porque, instigados por Cresto, não cessavam de fazer agitação”. É consenso entre os estudiosos que “Cresto” seja uma grafia errônea de “Cristo”. O que se pensa é que

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havia, no final dos anos 40 de nossa era, portanto menos de vinte anos depois do Mistério Pascal, a situação de entrada da experiência cristã na comunidade judaica romana.

Figura 4 (divulgação) – Imperador Claudius I (Tiberivs Clavdivs Drvsvs Germanicvs) (41 a 54 d.C.).

Seguindo a situação elaborada a partir desses poucos elementos históricos, o que parece ter acontecido foi assim: A Igreja de Roma é fruto do encontro do judaísmo com a mensagem cristã mais original e antiga. As dificuldades de aceitação de Jesus como Messias ou Cristo se fizeram notar muito cedo e tomaram contornos que foram interpretados pelas autoridades imperiais presentes na capital como agitação política dos judeus. Expulsos os judeus de Roma (claro que não todos), incluindo os que já estavam imersos no cristianismo, eles retornaram depois de alguns anos. Em 55, já os encontramos com a revogação do decreto de expulsão. Eles continuarão a manter a situação que existia em muitos lugares, em outras tantas igrejas que deviam conviver em um mundo hostil, tanto da parte do Império quanto da parte do judaísmo tradicional. Estas situações evocavam dificuldades de interpretação, de convivência e de perspectiva de futuro. A fé em Cristo e a vida que ela implica podiam ser compatíveis com os costumes judaicos? A entrada de gentios na comunidade estabeleceria um novo padrão de comportamento, distinto daquele esperado dos seguidores da Lei? Eles, os gentios, deveriam observar a Lei que os judeus observam? As promessas feitas aos antepassados judeus eram ainda válidas do ponto de vista prático? Os que vêm do paganismo deviam cumprir os compromissos judaicos para poder aceitar e se identificar com o Messias, o Cristo que eles esperavam e reconheciam em Jesus? A Carta aos Romanos nos apresenta de modo muito interessante estas questões e busca propor, para seus leitores originais, a capacidade de conviver com os problemas derivados do novo estado de ver e viver que o cristianismo propunha. Na prática a situação parece ser esta: a Igreja de Roma está em território marcado pelas mais diversas e diversificadas situações culturais e religiosas. Tudo o que há em matéria religiosa existe por lá. O judaísmo é uma das tantas propostas religiosas, mas tem a característica única, dentre todas as demais religiões de todo o Império, de professar a fé em um só Deus. A unicidade de Deus já redeu ao povo de Israel enormes dificuldades e dramas, mas ainda é mantida com grande heroísmo e esperança por parte dos fiéis. Chegou aos judeus o anúncio, o “Evangelho”, isto é, a boa notícia, que o Messias, a figura mais esperada do judaísmo, veio e apresentou como sua mensagem. As profecias, então, se cumpriram. Agora é necessário seguir esse Messias. Isso seria simples, obvio e imediato, se não fosse muito complexo na realidade.

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Para os judeus se convencerem de que Jesus é o Messias, o Cristo, era necessária a pregação, a insistência e a comprovação das Escrituras a seu respeito. Ocorre que Jesus ultrapassava em muito as expectativas do judaísmo de seu tempo. E, além disso, acontecia algo que talvez não fosse esperado, ou pelo menos não fosse esperado em tal intensidade: não apenas os judeus aceitavam a ideia do Messias, mas também e sobretudo os gentios! É o problema da situação deles, os gentios, na Igreja nascente. Já falamos dessa situação, mas é sempre oportuno reafirmar a questão, inclusive por ângulos diversos. Ela é complexa e nem sempre é clara ou está presente quando se considera esse momento histórico vivido pelo cristianismo das origens. Os judeus em Roma, pelo menos alguns, aceitaram, como tantos outros, Jesus como Messias. E aos poucos foram vendo gentios aceitarem, como eles, a identidade de Jesus. Eles estão no local mais complexo do mundo da época, com as mais diferentes culturas e religiões, e é dessas culturas e religiões que surgem os novos seguidores do Messias, o Cristo. Como conviver com os judeus que esperavam há tanto tempo o Messias? Como sentar-se à mesa juntos? Como ler as escrituras e dialogar? A questão é esta e, pela leitura da Carta aos Romanos, o que nos parece é que existem duas Igrejas em Roma. Uma que segue o judaísmo aceitando o Messias Jesus. Ela olha os que vêm da gentilidade e se pergunta: “como podem eles crer sem entrar na dinâmica da Lei, da história, das promessas, da circuncisão e da esperança de Israel?” E outra que é a Igreja composta pelos gentios que olha para os judeu-cristãos e se pergunta: “com podem eles manter-se fieis a princípios tão minuciosos quando a aceitação do Messias é superior a tudo isso?”

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COMENTÁRIO À CARTA AOS ROMANOS

Podemos também formular a questão dessa forma: em que Israel, o povo das promessas e da esperança do Messias deve ser ouvido? Como fica Israel com a vinda do Messias e sua aceitação por parte dos gentios? E como os gentios, agora cristãos, marcados pelo Messias–Cristo, devem agir em relação a Israel? Esse é o pano de fundo da Carta aos romanos. Nela, Paulo usa do menor de seus argumentos. Nela os temas são concatenados de modo expressivo e teológico. Não é sem motivo que a Carta aos romanos foi o texto mais abordado por Lutero no início da Reforma Protestante e por tantos outros reformadores. Não é também sem motivo que foi o primeiro texto a ser traduzido pela Bíblia - Tradução Ecumênica, da qual a comissão de tradutores afirmou algo assim: seja o texto da discórdia o primeiro a ser traduzido em vista da concórdia. É uma carta autêntica de Paulo como testemunha os escritos antigos. Temas fundamentais de Romanos Há muita semelhança entre a Carta aos gálatas e a Carta aos romanos. Este “parentesco” pode ser constatado quando os temas são isolados. Vejamos: a) natureza do Evangelho: Gálatas 1,6–10 e Romanos 1,16–17; b) justificação pela fé e não pelas obras da Lei: Gálatas 3,16 e Atos dos Apóstolos 3,20–28; c) exemplo de Abraão: Gálatas 3,16 e Romanos 3,20–28; d) situação entre a “carne” e o “espírito”: Gálatas 6,19–25 e Romanos 7,14–25; 8,2–9;

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e) redenção pela morte de Jesus: Gálatas 3,27; 3,13; 4,5 e Romanos 3,24; 5,8; 8,31–39; INFORMAÇÃO: Esta lista pode ser ampliada. Usamos como referencia: CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M.; TIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 170.

f) o batismo: Gálatas 3,27 e Romanos 6,3–5; g) vida cristã: Gálatas 2,19; 5,24; 6,15; Romanos 6,4–5. Os temas fundamentais da Carta aos romanos podem ser assim expressos: Justificação pela fé Justiça de Deus e em Deus significa o cumprimento de suas promessas e, sendo estas promessas gratuitas, então justiça é a gratuidade de Deus para com o homem. Deus quer o bem ao homem e lhe é fiel neste desejo. Se Deus é justo então concede ao ser humano a graça que é a sua amizade, a sua intimidade, independente de seus bens anteriores. Ele é justo não porque o homem merece o que recebe, mas porque Deus é fiel à sua Palavra e Promessa. A situação final do homem é a de estar justificado por Deus, isto é, ser objeto de sua amizade, de sua graça. Nessa situação, o homem vive do Espírito e produz frutos.

INFORMAÇÃO: Sugiro que você faça uma pesquisa a respeito dos temas que são apresentados a seguir. Aqui eles são introduzidos sob a perspectiva da Carta aos romanos, mas são todos importantes na compreensão teológica cristã. Para essa pesquisa recomendo: LÉONDUFOUR, Xavier (Org.). Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972. Também: MONLOUBOU, L.; DU BUIT, F. M. Dicionário bíblico universal. Aparecida: Santuário; Petrópolis: Vozes, 1997.

Aqui reside grande parte das diferenças teológicas entre as Igrejas da Reforma e a Igreja Católica. Enquanto esta considera a possibilidade e até a necessidade das obras, ações concretas em função do testemunho da adesão à vontade de Deus, aquelas consideram que a aceitação simples e imediata de Deus e a adesão a ele é suficiente para a justificação. Ambas as posições são possíveis e até conciliáveis, pois se a justificação é um fato a ser professado, então ele pode ser confirmado pelas ações ou obras. Essas não geram a justiça, mas a confirmam, a difundem. Originariamente é tudo decisão de Deus, não predeterminação cega, mas dom gratuito de Deus. O fiel presta seu assentimento, isto é, sua aceitação consciente à medida que não apenas declara, mas se deixa envolver pela graça, justificando-se. É um movimento duplo: de Deus para o fiel que causa a justificação nesse e do fiel para com Deus ou para com Deus na mediação de outro fiel ou homem que declara a aceitação daquela justificação e adesão ao mistério da salvação. Fé O que movimenta o fiel para a justificação é a fé. Esta é uma adesão não apenas afetiva, emotiva, passional a Deus ou a uma sua manifestação, mas também é uma adesão consciente, de vontade e intenção e, é claro, também afetiva à vontade de Deus. Esta é expressa na sua Palavra que é transmitida pela Escritura e especialmente pelo Filho de Deus que se comunica.

INFORMAÇÃO: Com relação à fé que é uma importante questão ligada a Paulo, sugiro que você consulte dois estudos, um mais antigo e outro mais recente que se complementam. O primeiro é: CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1976, p. 118–138. O mais recente é: SÖDING, Thomas. A tríade fé, esperança e amor em Paulo. São Paulo: Loyola, p. 147–158.

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Contudo, deve-se tomar cuidado de não dizer que é a fé que justifica, que torna justo o homem. A fé é a resposta da justiça, da vontade de Deus. Ele justifica o homem pela fé que lhe dá. E a fé testemunha a justiça de Deus. Em outras palavras, simplificando: não é o fiel que se salva, mas é Deus que salva. Não é a fé do homem que o salva, ela testemunha a salvação que ele sente e vivencia. Cristo e Adão Esta comparação e suas considerações importantes estão especialmente em Romanos 5. A imagem de Adão é tomada em dois sentidos: no sentido de primeiro homem, início da humanidade, fruto da decisão divina de criar um ser à sua imagem e semelhança; e, no sentido de toda a humanidade, todo homem e mulher que, no passado, presente ou

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futuro dividem a humanidade. O acento em Romanos está no primeiro sentido da imagem de Adão. O segundo é derivado do primeiro.

Figura 5 (divulgação) - Cristo Ressuscitado tira Adão do limbo dos justos para leválo ao céu. Fra Angelico.

Paulo se interessa pela imagem do primeiro Adão à medida que o segundo Adão, que é Cristo, o supera, o resgata, o transforma. O Apóstolo deseja falar de Jesus Cristo e para isso usa a imagem do primeiro homem. É uma questão teológica, certamente, mas de modo pragmático. A humanidade está incluída na realidade do primeiro Adão que vive na liberdade condicionada. Ela é condicionada pelos limites de suas escolhas e das escolhas de outros que o influenciam. Este Adão precisa ser transformado, precisa ser resgatado. Não são suas obras ou decisões que farão isso, mas o novo Adão, que vivifica o que antes estava aparentemente distante da graça. Batismo O batismo é uma realidade que se destaca em Romanos, onde temos sua teologia, sua mística e as exigências de sua realidade na vida do fiel. Nós o encontramos de modo especialmente marcante em Romanos 6. O homem que adere a Cristo é sepultado no batismo para as obras mortas. A morte recebe a morte! E nessa morte, nesse túmulo o fiel renasce, mas agora com Cristo. Então o batismo tem este sentido duplo: morte em Cristo e vida nele. O batismo não é simplesmente um gesto formal ou social. É um acontecimento salvador, transformador da pessoa. O batizado está transfigurado em Cristo e deve agora viver como é: um ressuscitado em Cristo. O fiel já morreu: o pecado não tem mais força nele, o que tem força agora é Cristo e isso pelo ato do batismo. Este contudo não é um rito mágico. É um rito que marca a graça, o dom que toma conta do fiel. Ele recebe o Espírito que o transforma decisivamente e agora espera a sua adesão e fidelidade. Lei Temos aqui um tema importante e marcante na Carta aos romanos. A questão é tanto mais fundamental e marcante quanto diz respeito à convivência entre fieis cristãos

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de origem gentílica e de origem judaica. A Lei e seu cumprimento é garantia da pertença ao povo da promessa, Israel. Ela é a segurança da ação de Deus na pessoa que a ela adere. Isso Paulo acreditava intensamente antes de sua conversão. É na medida da observância da Lei que o homem “se justifica”, isto é, se aproxima de Deus e, dessa forma, assemelhase a ele. Mas é necessário observá-la em seus detalhes, em suas propostas mínimas para tornar o homem santo. Com Cristo, o “novo Adão”, isso deixa de ser necessário. Ele realiza a santificação, e a adesão a seu mistério é que criará a justiça. Antes: a adesão a ele e não à Lei é que permitirá que o homem se torne santo. Não é a Lei que santifica. Pelo contrário, ela evidencia o pecado, pois estabelece comportamentos limitados. A adesão a Cristo é que justifica, pois é ele que santifica, com sua adesão à vontade de Deus. Em Romanos 7, Paulo discorre sobre essa questão com muita propriedade, deixando claro seu pensamento. Sabemos que este ponto foi motivo de dificuldade de Paulo com seus inimigos, os judeus e os judaizantes. Eles não podiam entender isso, pois não aceitavam a Jesus Cristo como o sentido de tudo, inclusive, como o sentido para a Lei. INFORMAÇÃO:

Com relação a esse tema fundamental da Lei, sugiro que você consulte a significativa obra: SANDERS, Ed. Parish. Paulo, a lei e o povo judeu. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2009. Toda a obra é muito interessante, especialmente os três primeiros capítulos que são mais relacionados ao tema presente.

INFORMAÇÃO: Sobre o tema de Israel e a fé em Jesus Cristo é conveniente consultar: SANDERS, Ed Parish. Paulo, a lei e o povo judeu. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2009, p. 203–244.

INFORMAÇÃO: É imprescindível que você leia o texto da Carta aos romanos. Os comentários aqui apresentados são para contextualizar e indicar a teologia de cada uma das partes. Mas é na leitura direta que você irá tomar conhecimento do conteúdo da carta. Use uma boa edição da Bíblia, que tenha boas notas explicativas e consulte-as.

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A Lei tem sua validade enquanto Cristo não havia estado entre nós. Na medida em que Cristo é por nós aceito, ela não tem mais sentido: De agora em diante, pois, já não há nenhuma condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo. A lei do Espírito de Vida me libertou, em Jesus Cristo, da lei do pecado e da morte (Romanos 8,1–2).

O mistério de Israel frente a Cristo Talvez aqui esteja o texto mais emocionalmente intenso de Paulo em Romanos. Afinal, ele é hebreu, filho de Israel! Mas vem aqui sua perplexidade: Israel, povo da Promessa, dos Profetas, não compreendeu a vinda de Cristo e não a aceitou. Como pode Deus ter permitido isso? A mensagem (o Evangelho) - que deveria ser primeiro para o judeu, o povo que a esperava -, está surtindo efeito não nele, mas entre os gentios, que não esperavam esse anúncio. Ao menos de modo consciente. Isso é muito complicado de ser compreendido. Em Romanos 9—11, Paulo discorre longamente sobre a situação de Israel. Parece-nos entender que os planos de Deus foram realmente frustrados pelo seu povo. Gratuidade, eleição, fidelidade, promessa da herança… Tudo isso, no pensamento do Apóstolo, não teve repercussão quando da vinda do Messias. Esse - que deveria ser aceito pelos judeus e ter dado sentido a toda sua história -, passou a ser aceito pelos gentios e está agora frutificando. No final, Paulo propõe que a situação de Israel é passageira, pois um dia haverá, também de sua parte, a aceitação do Messias como o Filho de Deus. É assim que acontecerá o final desse mundo passageiro e se dará a misericórdia plena (11, 32). Estrutura e comentário da Carta aos Romanos DIVISÃO PROPOSTA DA CARTA AOS ROMANOS 1,1–15 1,16—11,36 1,16s 1,18—4,25 1,18–32 2,1–11 2,12–24

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Introdução Primeira parte: dogmática Tema A justificação Os gentios Os homens em geral e os judeus A Lei

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DIVISÃO PROPOSTA DA CARTA AOS ROMANOS 2,25–29 3,1–20 3,21–31 4,1–25 5,1—11,36 5,1–11 5,12–21 6,1–23 7,1–25 8,1–39 9,1–5 9,6–33 10,1–21 11, 1–33 11,34–36 12,1—15,13

A circuncisão Promessas e culpas A justiça de Deus Abraão, justificado e fiel A salvação A justificação é penhor da salvação Cristo obtém a justiça A justiça livra do pecado A justiça livra da escravidão Justiça e Espírito Israel e a incredulidade Deus e a liberdade Israel foi rejeitado pela incredulidade Reprovação definitiva? Hino à sabedoria de Deus Segunda parte: moral

12,1s 12,3–8 12,9–21 13,1–7 13,8–11 13,11–14 14,1—15,13 15,14—16,24 15,14–21 15,22–33 16,1–24 16,25ss

Prática das virtudes Humildade e fidelidade nos carismas Caridade até para com os inimigos As autoridades A caridade é o resumo da Lei As armas da luz Normas particulares Conclusão, saudações A ousadia de Paulo Planos de viagem Últimas recomendações e saudações Doxologia final

Introdução (1,1–15) Nessa introdução, Paulo diz-se chamado para ser apóstolo e para o Evangelho. Em seguida, inicia um breve hino de louvor à ação de Jesus Cristo (1,4–7). A introdução continua com uma ação de graças pela comunidade de Roma (1,8– 10) e continua com algumas notícias de Paulo a respeito de seu desejo de ir até Roma (1,11–15). Não havendo ainda possibilidade de realizar este desejo, ele dirige então aos romanos estas palavras de sua Carta.

ATENÇÃO! São diversos os hinos que Paulo insere em suas cartas. Sugiro que você faça uma pesquisa a partir do próprio texto bíblico e procure identificar os hinos nas cartas já analisadas em nossos estudos: 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios, Filipenses e Gálatas.

Primeira parte: dogmática (1,16—11,36) Nessa primeira parte, Paulo lança as bases para apresentar sua ideia: a justificação vem de Deus e é para todo homem, independente de sua condição social ou sua origem religiosa. O Apóstolo usa muitas imagens e elementos do conhecimento imediato dos romanos, como situações sociais e circunstâncias da vida. Fala também dos judeus sem meias palavras, deixando claro que se eles tinham a prerrogativa de encontrar a salvação em Jesus Cristo, eles a perderam, pois não o acharam capaz de justificar, de tornar próximo de Deus.

INFORMAÇÃO: Para uma visão crítica da sociedade romana e de seus valores religiosos, você pode consultar a obra já citada em outros momentos: CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan L. Em busca de Paulo. Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 317–339.

Tema (1,16s) O tema da Carta aos romanos é, fundamentalmente, o Evangelho de Jesus Cristo, dirigido aos judeus, em primeiro lugar, e depois a todo aquele que aceita a revelação de Jesus Cristo, também se for grego. A relação do fiel com Deus é chamada de justiça e é ela que faz o homem viver. Paulo cita o pensamento: “O justo viverá da fé” (1,17).

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A justificação (1,18—4,25) Aqui Paulo discorre a partir da realidade dos gentios e dos judeus, com seus valores e suas situações históricas, para chegar à conclusão de que a distância de Deus não é isenta de culpa. Os judeus não devem colocar sua confiança na Lei, pois não é ela que salva ou resgata o homem . No final, Paulo valoriza a figura de Abraão, apresentando-o como modelo de fé, não apenas para os judeus, mas também para todos os que creem. Ele acreditou e esperou, mesmo quando a esperança e a fé não cabiam de modo humano. Sua justiça está na perseverança da fé. Os gentios (1,18–32) O primeiro pensamento tem como tema os gentios. Paulo está escrevendo a Carta para uma igreja de origem gentílica. Eles recebem, então, as primeiras observações. Segundo o Apóstolo, os gentios podem chegar ao conhecimento de Deus pela própria natureza. Porém, não descobrindo Deus, eles se perdem em confusas considerações da mesma natureza. Invertem os valores e as situações naturais e tornam-se indignos de Deus em função de uma conduta inadequada e absurda. Os homens em geral e os judeus (2,1–11) Os que ignoram a verdade e a vontade de Deus acabam se perdendo e encontrando a retribuição para os seus exageros na própria vida. Tribulação e angústia são o resultado para quem pratica o mal. Quem sofre isso são apenas os judeus, se deixam de seguir a seu Deus, mas também os gregos (gentios), se não vivem de modo digno. A Lei (2,12–24)

INFORMAÇÃO: Um interessante e oportuno comentário sobre o tema da Lei encontra-se em SCHNELLE, Udo. A evolução do pensamento Paulino. São Paulo: Loyola, 1999, p. 55–84.

Paulo fala aos judeus e recorda que não é a Lei que os salva. Ela não justifica, não torna o homem mais próximo de Deus. Os gentios têm também uma lei, lei natural que não os salva tampouco. Não seguir a Lei e desejar conduzir a outros é encontrar a perdição. Paulo dá exemplos muito nítidos a respeito (2,21–22). A circuncisão (2,25–29) A circuncisão, prática judaica, também não é suficiente para tornar o homem justo. O circunciso, que não leva vida adequada e coerente, não pode ser considerado salvo. Ele é transgressor da Lei. Para Paulo, a verdadeira circuncisão é a do coração, não apenas a da carne. (versículo 29). Promessas e culpas (3,1–20) Em um longo raciocínio, Paulo pensa sobre a identidade judaica e sobre a circuncisão. Admite que aos judeus foram dadas todas as condições de encontrar a salvação. Se alguns negam a fé, o que será deles? Deus se anulará? De onde vem a confirmação de nossa adesão a Deus: da prática da Lei ou do próprio Deus? Vem, certamente, do próprio Deus que escolhe e dá a graça a seus filhos. Paulo afirma que todos, independentes da adesão à Lei ou não, são culpados da distância de Deus. Um hino em 3,10–18 elenca as características de quem está distante da realidade da graça. No final, Paulo indica que o pecado é evidenciado pela Lei. Por ela o mundo deve reconhecer que precisa de Deus. Mas isso não tem acontecido.

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A justiça de Deus (3,21–31) A justiça de Deus, independente da prática ou não da Lei, torna-se visível em Jesus Cristo. Ele legitima toda ação, pois é o instrumento de Deu para a justiça. A fé nele, agora, é o que determina o encontro do homem com Deus. Já não mais a circuncisão. Todo homem, portanto, pode encontrar a Deus em Jesus Cristo. Abraão, justificado e fiel (4,1–25) Paulo inicia um capítulo, todo ele marcado pelas considerações de Abraão. Sua identidade é homem de fé, independente da Lei, marcado pela atenção à vontade e à palavra de Deus que lhe era dirigida. Abraão esperou, teve confiança na manifestação de Deus, mesmo não tendo os elementos necessários para ter essa segurança. Por isso ele é o modelo do homem que crê. Não foi o cumprimento da Lei que lhe deu a paternidade espiritual de todos, mas sim a esperança, a fé, a justiça que recebeu de Deus e à qual correspondeu. A salvação (5,1—11,36) O Apóstolo inicia o argumento da justificação indicando que ela é a salvação e que esta salvação opera em Jesus Cristo. Ele determina como ocorre esta justificação em Jesus Cristo e depois apresenta o argumento do velho e do novo Adão. As idéias podem ser divididas assim: A justificação é penhor da salvação (5,1–11) - Não é cabível o medo, pois a salvação veio a todo homem. Todos podem receber o dom do Espírito Santo (5,5), pois todos são resgatados por Jesus Cristo, mesmo sem o saber, ainda mortos pelo pecado. Agora, porém, marcados pela graça, muito mais podemos viver a reconciliação (5,10). Cristo obtém a justiça (5,12–21) - Adão perdeu a justiça, a comunhão com Deus, pelo pecado. Jesus Cristo restabelece a justiça pela sua obediência. Ele esta em sintonia com Deus. Se em Adão todos pecaram, em Cristo todos podem ser justificados. Ele traz a graça que rompe o pecado. Contrário ao pecado é a graça (5,20). A morte de Cristo conquistou para todos a vida (5,21). A justiça livra do pecado (6,1–23) - O batismo é a assimilação em Cristo. Quem está em Cristo vive com ele e por ele (6,11). Se antes de conhecer a Cristo o homem serve a iniquidade, então conhecendo a Cristo deve servi-lo e encontrar nele a santidade (6,15ss).

A justiça livra da escravidão (7,1–25) - A Lei limita o homem, pois evidencia o pecado. Então o homem deve estar ligado a Cristo, pois aí sim ele terá a liberdade e a justiça. Contudo, a Lei não é um mal (7,7)! Essa pode ser a ideia de quem não está atento a todo o argumento. A Lei é boa (7,2) e espiritual (7,14), mas o que ela propõe facilmente leva ao conhecimento do pecado (7,8). A razão reta, tocada pela Lei que deve conduzir para o bom caminho, está em luta contra o pecado (7,14–25). É Jesus Cristo quem realiza a justificação e transforma tudo, livrando o homem do drama (7,25). Justiça e Espírito (8,1–39) - A redenção operada em Jesus Cristo liberta do pecado e da Lei. A comunhão com Jesus Cristo faz o homem estar na presença do Espírito Santo (8,9.11). É necessário viver no Espírito para que isso seja real, vencendo os desejos da carne (8,12s). Assim o Espírito poderá dar testemunho (8,15–18).

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Note-se que o texto sobre a justiça se encerra com um maravilhoso hino: 8,31–39: Que diremos depois disso? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas que por todos nós o entregou, como não nos dará também com ele todas as coisas? Quem poderia acusar os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? Cristo Jesus, que morreu, ou melhor, que ressuscitou, que está à mão direita de Deus, é quem intercede por nós! Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? Realmente, está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte o dia inteiro; somos tratados como gado destinado ao matadouro. Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou. Pois estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem as alturas, nem os abismos, nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor que Deus nos testemunha em Cristo Jesus, nosso Senhor.

Israel e a incredulidade (9,1–5) Israel, povo da Aliança, não acreditou no Senhor Jesus Cristo. Isso não seria uma negação de tudo o que foi anunciado e esperado? Paulo sente o drama intenso, inclusive porque também ele é de Israel. Pensa que isso terá solução. Deus e a liberdade (9,6–33) Deus não elegeu toda a descendência de Abraão para fazer povo de Deus. Ele é livre para escolher e para decidir. É o mistério de amor de Deus (9,14–24). Israel foi rejeitado pela incredulidade (10,1–21) O motivo da distância de Israel em relação a Jesus Cristo é a incredulidade. Havia tanta dificuldade em compreender o plano da salvação que a mesma salvação não foi vivida. Israel, cheio de chances de conhecer o Messias, não lhe deu atenção e por isso, pela incredulidade, perdeu a salvação. Israel não pode dizer que não a conhecia, pois ela foi pregada intensamente (10,14–21). Reprovação definitiva? (11, 1–33) Mas Deus não abandona seu povo! Ao contrário, pretende também salvar a esse povo e dar-lhe um lugar de destaque, pois nunca deixou de ser seu povo. Os gentios, por sua vez, não deve julgar-se em paz e segurança total. Devem temer o erro e o pecado para não perder o próprio lugar na salvação e na história. Hino à sabedoria de Deus (11,34–36) Este hino é formidável em sua expressão lírica. Fazendo uma pergunta, o poeta declara sua admiração e maravilha. Ó abismo de riqueza, de sabedoria e de ciência em Deus! Quão impenetráveis são os seus juízos e inexploráveis os seus caminhos! Quem pode compreender o pensamento do Senhor? Quem jamais foi o seu conselheiro? Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído? Dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele a glória por toda a eternidade! Amém (11,34–36).

Segunda parte: moral (12,1—15,13) Essa segunda parte da Carta aos romanos é moral, de aplicação prática da justiça que Deus realiza em Jesus Cristo. Apresenta muitos elementos concretos para ser observados como conduta de um fiel em Jesus Cristo.

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Prática das virtudes (12,1s) A vida cristã implica uma renovação interior, especialmente a mortificação do egoísmo. É esse o culto espiritual que Deus exige dos homens. Aqui nasce a religião sublime (12,1s). Humildade e fidelidade nos carismas (12,3–8) Os carismas são para a Igreja e não para o bem-estar pessoal. Deve, então, cada um viver com simplicidade o que lhe foi dado. Caridade até para com os inimigos (12,9–21) Até os inimigo merecem a caridade em virtude de Cristo Jesus. O cristão deve estar sempre empenhado em viver a caridade, a generosidade, deixando de lado a inimizade, o orgulho pessoal e a vingança. As autoridades (13,1–7) O cristão tem deveres para com as autoridades. Isso é interessante de ler, pois é uma consideração feita em função da realidade de todos em relação ao Império. O cristão não está isento de estar em sintonia com as autoridades. A caridade é o resumo da Lei (13,8–11) A caridade é o resumo da Lei e sua plenitude é o amor. As armas da luz (13,11–14) As armas da luz são as boas obras. O fiel deve negar-se às orgias, bebedeiras, devassidão etc. Essas são as obras das trevas. Normas particulares (14,1—15,13) Aqui entra um caso concreto: a questão da comida. Ela está muito ligada a práticas religiosas e cultuais. Sabemos já disso pelo próprio judaísmo. Paulo não aborda essa questão de modo muito claro, mas o que ele sugere é, sim, objetivo. Pela liberdade de Cristo, pode ser feito sem medo, contanto que esteja dentro dos planos de Deus e confirme a justiça que habita em todo batizado. Contudo, se uma ação alimentar pode escandalizar os fracos, então não deve ser feita pelos supostamente fortes. Cristãos de origem gentílica e de origem judaica podem viver muito bem unidos em Cristo Jesus, louvando a uma só voz ao Senhor. Por isso, acolhei-vos uns aos outros, como Cristo nos acolheu para a glória de Deus. Pois asseguro que Cristo exerceu seu ministério entre os incircuncisos para manifestar a veracidade de Deus pela realização das promessas feitas aos patriarcas. Quanto aos pagãos, eles só glorificam a Deus em razão de sua misericórdia, como está escrito: Por isso, eu vos louvarei entre as nações e cantarei louvores ao vosso nome. Noutro lugar diz: Alegrai-vos, nações, com o seu povo. E ainda diz: Louvai ao Senhor, nações todas, e glorificai-o, todos os povos! Isaías também diz: Da raiz de Jessé surgirá um rebento que governará as nações; nele esperarão as nações. O Deus da esperança vos encha de toda a alegria e de toda a paz na vossa fé, para que pela virtude do Espírito Santo transbordeis de esperança! (15,7–13).

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Conclusão, saudações (15,14—16,24)

A ousadia de Paulo (15,14–21) - Paulo “ousou” escrever aos romanos, pois eles também estão sob o amor de Deus e seu olhar. Merecem a graça de Cristo como todo homem e são pó ele justificados. O Apóstolo deseja pregar naquela Igreja em breve. Planos de viagem (15,22–33) Paulo apresenta seus planos de viagens. Depois de levar até Jerusalém a coleta feita na Macedônia e na Acaia, declara que deseja ir até Roma e dali seguirá até a Espanha. Recomenda-se então à comunidade de Roma nestas longas viagens. A Carta parece encerrar-se no versículo 20: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco!” Imediatamente, porém inicia uma série de recomendações e saudações. Últimas recomendações e saudações (16,1–24) Envia saudações a muitas pessoas, praticamente um terço com nome judeu; o restante de origem gentílica. Isso evidencia a identidade da Igreja de Roma em época apostólica. Doxologia final (16,25ss) O final da carta é um louvor, uma doxologia. Àquele que é poderoso para vos confirmar, segundo o meu Evangelho, na pregação de Jesus Cristo — conforme a revelação do mistério, guardado em segredo durante séculos, mas agora manifestado por ordem do eterno Deus e, por meio das Escrituras proféticas, dado a conhecer a todas as nações, a fim de levá-las à obediência da fé —, a Deus, único, sábio, por Jesus Cristo, glória por toda a eternidade! Amém! (16,25–26).

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CONSIDERAÇÕES

Paulo realiza a grande aproximação do mundo greco-romano com a mensagem cristã. A cultura grega e romana, marcadas pelo politeísmo e pelo culto de forças naturais e humanas, não havia se identificado com o judaísmo. Também este não tinha o interesse de lançar-se à conquista de adeptos no mundo que o cercava. Paulo percebeu que o cristianismo, a fé dos discípulos de Jesus Cristo, tinha muito a oferecer ao seu mundo. Contudo, Paulo não ignora que Israel, ambiente e solo original das promessas e dos profetas, deveria aceitar Jesus Cristo como seu Messias. Isso não ocorreu e agora a mensagem desse Messias, o Evangelho, deve ser anunciado a quem a acolha e vivencie. Mas haverá sempre uma abertura para a aceitação dos judeus, povo que recebeu o convite original de Deus. Aos romanos, Paulo apresenta sua teologia, a compreensão do fato cristão e de suas exigências. O cristianismo não é um conjunto de regras a ser seguidas ou de doutrinas a ser alimentadas pelo ritualismo. O cristianismo é fundamentalmente um encontro com o Senhor, uma abertura de mente e coração a ele que transforma as realidade humanas dando-lhes a plenitude da liberdade. Isso se vivencia com o amor, o compromisso de estar com o outro e em função do outro.

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E-REFERÊNCIAS

Lista de Figuras Figura 1- Fragmento da Carta aos romanos: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 2 - Inscrição dos primeiros tempos do cristianismo, descoberta nas escavações nas imediações de uma antiga igreja e do cemitério de São Lourenço. Basílica de São Lourenço Fora dos Muros (Roma): disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 3 - São Pedro e São Paulo, considerados os fundadores da Igreja em Roma: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 4 – Imperador Claudius I (Tiberivs Clavdivs Drvsvs Germanicvs) (41 a 54 d.C.): disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009. Figura 5 - Cristo Ressuscitado tira Adão do limbo dos justos para levá-lo ao céu. Fra Angelico: disponível em: . Acesso em: 07 jul.2009.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALLARINI, T. et al. Introdução à Bíblia. (Vol. V/1) Atos dos Apóstolos, São Paulo e as epístolas aos Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios, Gálatas e Romanos. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 445–544. BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (II). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1991, p. 117–350. CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M.; TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 143–175. CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1976, p. 118–138. CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan L; Em busca de Paulo. Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 317–339. HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 1099–1115. HEYER, C.J. den. Paulo, um homem de dois mundos. Tradução de Luis Alexandra Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2008, p. 181–210. LÉON-DUFOUR, Xavier (Org.). Vocabulário de teologia bíblica. Petrópolis: Vozes, 1972. MONLOUBOU, L.; DU BUIT, F. M. Dicionário bíblico universal. Aparecida: Santuário; Petrópolis: Vozes, 1997. PATTE, Daniel. Paulo, sua fé e a força do Evangelho. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 319–400. SANDERS, Ed Parish. Paulo, a lei e o povo judeu. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2009. SCHNELLE, Udo. A evolução do pensamento Paulino. São Paulo: Loyola, 1999, p. 55–84. SÖDING, Thomas. A tríade fé, esperança e amor em Paulo. São Paulo: Loyola, p. 147–158. VAN DER BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. Petrópolis, Vozes, 1985, colunas 1331–1334.

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Anotações

Objetivos • Compreender e conhecer as cartas aos Colossenses, aos Efésios e o bilhete a Filêmon. • Conhecer e analisar os argumentos fundamentais destas cartas. • Compreender e analisar os diversos argumentos utilizados nessas obras. • Interpretar e valorizar os textos mais importantes dessas obras. • Analisar cartas.

os

argumentos

paulinos

Conteúdos • Introdução à Carta aos colossenses. • Introdução à Carta aos efésios. • Introdução ao Bilhete a Filêmon.

presentes

nestas

UNIDADE 5

CARTAS AOS COLOSSENSES E AOS EFÉSIOS O BILHETE A FILÊMON

UNIDADE 5

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INTRODUÇÃO

Na unidade anterior, você conheceu a Carta aos romanos, considerada um dos primeiros tratados teológicos do cristianismo. Você obteve informações importantes sobre a Igreja de Roma e o contexto em que tal Carta foi escrita. Agora o desafio é aprofundar o pensamento de Paulo na Carta aos colossenses, na Carta cartas aos efésios e no Bilhete a Filêmon. É uma oportunidade para conhecer as antigas igrejas de Colossos e de Éfeso e o contexto sociocultural em que surgiu o cristianismo.

2

CARTA AOS COLOSSENSES

O contexto da carta INFORMAÇÃO: Afirmamos algumas vezes que a questão da autenticidade das Cartas paulinas não é de unanimidade da parte dos estudiosos. Assim, não levamos muito em conta este elemento, conscientes de que ele não interfere substancialmente na abordagem da doutrina e mensagem de Paulo expressas em suas Cartas. De fato a questão da autenticidade das Cartas está relacionada a diversas questões, mas de modo especial à cronologia. Para uma abordagem da questão, sugerimos que você consulte: MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo. Biografia crítica. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2000, p. 17–46.

INFORMAÇÃO: Para maiores informações a respeito da gnose e do gnosticismo, recomendamos a consulta: HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 603–607; ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 485–486.

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A Carta aos colossenses é considerada, como Filipenses e Efésios, uma carta do cativeiro. Paulo encontra-se preso ou em Cesareia, entre os anos 58 e 60; ou em Éfeso, entre 54 e 57; ou finalmente em Roma, entre os anos 61 e 63, no primeiro cativeiro, se considerarmos que houve um segundo cativeiro, posterior ao relato de Atos dos Apóstolos 28,30–31. É complicado datar essa carta, tanto mais que sobre ela pesam dúvidas a respeito da autenticidade paulina. Ela é incluída na lista das Cartas deuteropaulinas e, assim, é frequentemente apresentada. Mas não convém observá-la apenas sob este critério. A igreja de Colossas ou Colossos (as duas formas são possíveis) não era de origem paulina, mas sim fora fundada por Epafras, zeloso e empenhado colaborador do Apóstolo. É uma comunidade marcada por intensas buscas de sinais, sentimentos, ideias e crenças marcadas por elementos cósmicos, naturais (os quatro elementos), zodiacais, místicos… É difícil reconhecer em um caldo tão espesso de crenças e noções vagas e afetivas um traço preciso de uma ou outra corrente de pensamento. O que mais é possível de se enxergar é um latente gnosticismo, com forte acentuação de elementos filosóficos gregos.

“Os gnósticos eram seguidores de uma variedade de movimentos religiosos que ressaltavam a salvação por meio da gnosis, ou ‘conhecimento’, isto é, das origens da pessoa” (HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 603). Isso podia deixar a Cristo, pregado pela Igreja, apaixonadamente apresentado por Paulo e vivenciado nas contradições do mundo por tantos discípulos, ofuscado ou desfigurado. Paulo escreve a Carta, na hipótese de protopaulinismo, ou alguém a escreve atribuindo-lhe autoria paulina, no caso deuteropaulinismo, intentando deixar clara a soberania de Cristo Jesus sobre tudo e todos.

Não nos parece difícil reconhecer a índole protopaulina dessa carta. Por exemplo, os períodos longos da Carta e seu desenvolvimento são difíceis de se coadunar com a realidade de um texto escrito por um secretário. Na redação desse tipo, a tendência é dividir o pensamento em períodos mais compreensíveis, não obstante algumas dificuldades relativas à linguagem e aos argumentos. Paulo não precisava repetir-se constantemente na argumentação! Pelo contrário, se ele escrevia em função das situações concretas das igrejas com as quais se comunicava, é de se esperar que os argumentos mudassem. As questões vocabulares são também anexas a esta circunstância e ao conhecimento do secretário que se empenhava na escrita.

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A despeito das alegadas dificuldades, respeitando contudo as posições muito difundidas do deuteropaulinismo, tudo indica que a Carta aos colossenses deva ser datada do primeiro cativeiro romano, entre os anos 61 e 63. Se é uma carta deuteropaulina, ela poderia ter sido escrita pelo ano 80 em Éfeso.

Estrutura e comentários à Carta aos colossenses CARTA AOS COLOSSENSES - ESTRUTURA 1,1–14 1,14—2,5 1,15–20 1,21–23 1,24—2,5

Prólogo Primeira parte: doutrina Hino cristológico Os colossenses em Cristo Paulo e os gentios

2,6—3,4 2,6–8 2,9–15 2,16–23 3,1–4

Segunda parte: consequências doutrinárias “Não” às doutrinas vãs, “sim” a Cristo Cristo é o principal Costumes e atitudes falsas Em Cristo a vida nova

3,5—4,6 3,5–17 3,18—4,1 4,2–6 4,7–18

Terceira parte: ética Comportamento cristão Moral doméstica Comportamento apostólico Conclusão

INFORMAÇÃO: Em todo o estudo do “corpus paulinum” é importante que você leia, previamente, o texto bíblico em análise. Assim, recomendamos que a presente unidade seja acompanhada do texto das cartas em questão.

Prólogo (1,1–14) Paulo escreve a Carta junto a Timóteo, que ele chama aqui de irmão. Afirma que conhece a fama da fé da Igreja de Colossas e ora por ela. Afirma também que o Evangelho, tendo chegado até lá, está em todo o mundo produzindo frutos. O apóstolo de Colossas foi Epafras, chamado de querido companheiro de serviço de Paulo (1,8). Paulo declara, também, que o conhecimento de Deus, de sua sabedoria, conduz à herança dos santos. Eles podem entrar na luz, em contrapartida a viver nas trevas. Certamente aqui iniciam os argumentos que devem depois ser desenvolvidos. Os colossenses estão muito relacionados a elementos mistéricos e míticos, não olhando de frente a Cristo. Por isso vem a perícope seguinte. Primeira parte: doutrina (1,14—2,5)

INFORMAÇÃO: Tendo em vista esta questão de elementos míticos, sugerimos a consulta da obra: CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1978, p. 445–483.

A primeira parte tem acento na doutrina, especialmente na compreensão do mistério de Cristo Jesus. É mais fácil olhar e seguir os sentimentos sensíveis da natureza e da mitologia do que compreender o mistério de Cristo Salvador. Hino cristológico (1,15–20) O hino cristológico é uma pérola teológica inserida por Paulo. Ele identifica a Cristo como cabeça da Igreja e vai muito além do hino a Cristo em Filipenses. Em Colossenses 1,15, Jesus é declarado imagem do Deus invisível e primeiro das criaturas. A ele é atribuída uma identidade divina, a preexistência sobre tudo e todos. Isso é essencial para a compreensão do pensamento da Carta aos colossenses. As ideias sobre diversos elementos mistéricos desviavam da graça nascida do encontro com Cristo Jesus e da vida em comunhão com sua vontade. Paulo insere em sua carta esse hino para dar o tom, apresentar o princípio fundamental da sua argumentação.

INFORMAÇÃO: É oportuno que você retome o hino cristológico de Filipenses 2,5–11 e faça uma comparação com o hino de Colossenses 1,15–20. Semelhanças, diferenças e perspectivas podem ser evidenciadas.

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Os colossenses em Cristo (1,21–23) Os colossenses estão em Cristo pela sua morte. Eles são resgatados em Cristo desde as obras más e pensamentos inadequados. Isso os tornava inimigos da verdade. Agora eles estão alicerçados e firmes na fé. Tudo, no céu e na terra, toda criatura deve a ele, Jesus Cristo, sua existência e sentido. Paulo declara ser ministro, isto é, servidor dessa verdade e do sentido de tudo. Paulo e os gentios (1,24—2,5) Paulo inicia uma ação de graças e declaração de sua própria identidade. Ele se associa aos sofrimentos de Cristo na medida em que o dá a conhecer aos povos gentios. Ele se reconhece apóstolo dos gentios: A estes quis Deus dar a conhecer a riqueza e glória deste mistério entre os gentios: Cristo em vós, esperança da glória! A ele é que anunciamos, admoestando todos os homens e instruindo-os em toda a sabedoria, para tornar todo homem perfeito em Cristo. Eis a finalidade do meu trabalho, a razão por que luto auxiliado por sua força que atua poderosamente em mim (1,27–29).

Por isso Paulo, embora não tenha fundado diretamente a igreja de Colossas, preocupa-se e empenha-se por ela, bem como pela igreja de Laodiceia, que também não o conhece. Certamente Paulo insiste nessa situação de interesse pelas igrejas que o desconhecem pessoalmente em função dos constantes ataques e calúnias de judaizantes e outros seus inimigos. Segunda parte: consequências doutrinárias (2,6—3,4) “Não” às doutrinas vãs, “sim” a Cristo (2,6–8) Os colossenses devem andar em Cristo Jesus, não nos caminhos errados das doutrinas da “filosofia”. Por “filosofia” não se deve entender os sistemas filosóficos gregos e os instrumentos de pensamento que eles propõem, mas sim as especulações mais próprias do esoterismo, que encontram no conhecimento dos elementos físicos a razão da existência. É um conjunto de ideias mais relacionadas a um início de gnosticismo.

Cristo é o principal (2,9–15) Em seguida Paulo irrompe de uma série de frases de grande efeito, relativas a Cristo e sua identidade, sua missão e sua pessoa. Ele é o Ressuscitado que dá vida, que conduz à verdade e ao perdão dos pecados. Tudo está a ele submetido, os “principados” e as “autoridades”. Estas são categorias de seres espirituais, cheios de poder e ciência (“éons”) que marcam a vida e a conduta das pessoas. Costumes e atitudes falsas (2,16–23) Paulo liberta dos colossenses dos limites e padrões alimentares ligados a correntes de pensamentos e comportamentos. Continua anunciando a superação de costumes relacionados às práticas religiosas míticas e supersticiosas. Ele concentra tudo em Cristo. Nele os colossenses morreram para tornar tudo vivo nele. Todas as preocupações e relações com a superstição e misticismo deixam de ter sentido em Cristo. Tudo deixará de existir pela ação de Cristo na história e na vida.

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Em Cristo a vida nova (3,1–4) Paulo continua com o ímpeto que lhe é próprio quando fala de Cristo. Anuncia aos colossenses o Cristo e as “coisas do alto”, seguramente os valores do Evangelho. Apresenta aqui uma espécie de dicotomia: as coisas do alto e as coisas da terra como contrapostas. São os valores do mundo, da terra, e os valores do Evangelho, como dissemos. A vida dos colossenses deve estar em Cristo, em Deus. A ele se chega buscando os valores do Evangelho. Terceira parte: ética (3,5—4,6) Comportamento cristão (3,5–17)

INFORMAÇÃO: A respeito das questões ligadas às forças naturais e outras perspectivas próprias dos colossenses, você pode consultar: BRUCE, F.F. Paulo, o apóstolo da graça. Sua vida, cartas e teologia. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Shedd publicações, 2003, p. 397–412.

O Apóstolo indica comportamentos para todos os colossenses, como ira, exaltação, maldade, conversas indecentes… Estas coisas são apresentadas por ele como inadequadas ao fiel. Paulo insiste também na situação da pessoa tocada pela graça de Cristo: ele está renovado, transformado. Independentemente se for judeu, grego, circunciso ou incircunciso, escravo ou livre: o que importa é que Cristo está em todos. É a plenitude de Cristo, conforme podemos ver na passagem a seguir. (…) Vós vos despistes do homem velho com os seus vícios, e vos revestistes do novo, que se vai restaurando constantemente à imagem daquele que o criou, até atingir o perfeito conhecimento. Aí não haverá mais grego nem judeu, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas somente Cristo, que será tudo em todos (3,9–11).

Moral doméstica (3,18—4,1) A moral doméstica é a indicação de comportamentos caseiros. Paulo os indica às mulheres, aos maridos, aos filhos e pais. São elementos práticos e absolutos, fundamentais. Em seguida dirige-se aos servos, parte integrante da sociedade da época. Ele fundamenta tudo em Cristo Jesus. Os senhores devem também ser justos com seus servos, pois há na realidade apenas um Senhor que é Cristo. Comportamento apostólico (4,2–6) Para seguir como discípulos de Cristo, Paulo indica os principais comportamentos. Oração, vigilância, sabedoria, sensibilidade, coerência. Conclusão (4,7–18) As notícias do Apóstolo são muitas. Ele envia Tíquico como portador da carta. Onésimo, motivo da Carta a Filêmon, também é citado. Outros são citados: Aristarco que parece estar com Paulo na prisão, o que lhe vale a identidade de “companheiro da prisão”. Também é citado Marcos, primo de Barnabé, que depois será lembrado na 2 Timóteo. É citado um tal Jesus, o justo, e Epafras, identificado como de Colossas. Paulo cita ainda Lucas e Demas. Depois Paulo manda saudações aos da igreja de Laodicéia e os que se reúnem na casa de Ninfas. Todas as saudações expressam uma proximidade muito grande do Apóstolo e um círculo grande de conhecimento. Talvez sejam o testemunho de que esta carta não é deuteropaulina mas protopaulina.

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No final, há a menção de sua assinatura, feita de próprio punho (4,18) e o convite à lembrança da prisão ou “das prisões” de Paulo.

3

CARTA AOS EFÉSIOS

A cidade de Éfeso A cidade de Éfeso acolheu Paulo por bem três anos, quando de sua passagem pela Ásia. Recebeu do Apóstolo, certamente, uma atenção especial. Era uma cidade muito grande, com intenso afluxo de pessoas de todos os cantos do Império. Com isso, havia muitas idéias e religiões em choque.

ATENÇÃO! Para conhecer mais sobre a antiga cidade de Éfeso, sugerimos que você consulte o interessante site http://www. bibleplaces.com/ephesus.htm.

Figura 1 (divulgação) – Praça Comercial da antiga Efesus.

O cristianismo anunciado por Paulo e por seus colaboradores era uma das muitas vozes que se apresentavam como portadores da verdade. De fato, a proposta cristã era muito diferente das demais e é esta sua apresentação única que poderia atrair os efesinos. Não há muitas notícias da cidade fora das Cartas paulinas. O que há é a questão da origem da própria Carta e o sentido teológico que ela expõe. Características da carta aos efésios A primeira observação quanto à Carta aos éfésios é justamente sua identidade. O primeiro versículo, na apresentação do endereço, apresenta-se diversamente entre os manuscritos antigos. Lemos em muitas bíblias a tradução: “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, aos cristãos de Éfeso e aos que creem em Jesus Cristo” (1,1). Mas a localização “de Éfeso” não consta de muitos manuscritos antigo, inclusive dos mais atestados. Assim, o título deveria ser: “Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus, aos santos e que creem em Jesus Cristo”. Tirando-se a menção a Éfeso, tudo o mais continua sem mudanças.

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Figura 2 (divulgação) – Éfeso. Situada na Turquia atual, foi um grande centro de comércio exterior da Ásia antiga e uma das cidades em que o cristianismo mais se difundiu nos tempos apostólicos.

O que seria, então, esta Carta? Muito opinam ser ela uma carta circular, o que a tornaria uma obra não dirigida a uma igreja em particular, mas a todas as igrejas da Ásia menor, visitadas ou não pelo Apóstolo. Outros indicam que deveria ser uma carta aos laodicenses, originalmente. Um terremoto destruidor de Laodiceia teria forçado seus habitantes a ir até Éfeso. Deram assim uma nova identidade à Carta do Apóstolo… São hipóteses não de todo impossíveis, mas difíceis de constatar, especialmente a segunda. O fato é que a Carta não apresenta pormenores da igreja de Éfeso, como era de costume nas Cartas de Paulo: ele citava situações das igrejas para onde dirigia suas Cartas; nesta carta, porém, eles não existem. As frases, afirmações e ideias de Paulo revelam que não estão familiarizados com a vida e a situação dos efesinos. Faltam também saudações a pessoas e grupos da comunidade. Entretanto, em Efésios 1,15 lê-se: “Por isso também eu, tendo ouvido falar da vossa fé no Senhor Jesus, e do amor para com todos os cristãos…”: isso sugere que o autor está se dirigindo a um grupo específico de pessoas, as quais manifestam uma notável expressão de fé. Ainda em Efésios 6,21s, lê-se: E para que também vós estejais a par da minha situação e do que faço aqui, Tíquico, o irmão muito amado e fiel ministro no Senhor, vos informará de tudo. Eu vo-lo envio precisamente para isto: para que sejais informados do que se passa conosco e para que ele conforte os vossos corações.

Aqui é mencionado o nome de Tíquico, colaborador de Paulo, enviado por ele. Na carta: ele “…vos informará de tudo”. Quem ele informará? O contexto supõe um grupo, uma igreja! Mas, onde estão os nomes, conhecidos e participantes dessa igreja, seja ela de Éfeso, de Laodicéia ou de outro local? Assim, a questão dos destinatários da Carta aos efésios continua em aberto. A questão do seu conteúdo é outro tema interessante. Esta carta tem índole acentuadamente eclesiológica. Além disso, apresenta extensos textos onde o comportamento cristão é apresentado de modo a fazer compreender uma relação de virtudes e condutas necessárias para o viver cristão. Os temas de Colossenses se repetem com muita frequência em Efésios, quase que fazendo supor que aquela carta serviu de base para esta. As palavras e o sentido do pensamento do autor de Efésios é também muito próximo do autor de Colossenses.

INFORMAÇÃO: Para uma maior compreensão dos temas relativos à autenticidade da Carta aos efésios e outros aspectos de sua própria redação, sugerimos que você consulte: CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M.; TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 226–228.

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Estrutura e comentário à Carta aos Efésios ESTRUTURA DA CARTA AOS EFÉSIOS 1,1–2 1,3—3,21 1,3–14 1,15–23 2,1–10 2,11–22 3,1–14 3,15–21

Saudação Primeira parte: Cristo na Igreja Hino a Cristo Glorificação do Senhor Ação de Cristo na história Reconciliação dos gentios Os gentios e Paulo Oração

4,1—6,20 4,1–8 4,9–16 4,17—5,20 5,21—6,9 6,10–20 6,21–24

Segunda parte: Exortações e comportamento Unidade em Cristo Identidade dos cristão Vida em Cristo Comportamento em família Combate espiritual Saudações finais

Saudação (1,1–2) A saudação é de Paulo, que se identifica como apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus. Os destinatários ou o endereço não existem, conforme nossa opção de seguir a tendência aos manuscritos que não apresentam estas informações. Primeira parte: Cristo na Igreja (1,3—3,21) Na primeira parte Paulo insiste, de modo muito poético, na ação da graça em seus ouvintes e nele próprio. Cristo realiza tudo em todos e marca a todos com a sua graça. Se a recebemos é por pura gratuidade de Deus. Hino a Cristo (1,3–14) O hino a Cristo semelhante àquele de Colossenses, mas é mais bem elaborado em vista do conteúdo parenético (exortativo moral) que se seguirá. Ele é dirigido a gentios que, não conhecendo as promessas a seu respeito, acabam por entrar na sua intimidade. Todos são “filhos adotivos” (versículo 5), abençoados (versículo 3), escolhidos (versículo 4), redimidos (versículo 7), conhecedores da vontade de Deus (versículo 9), predestinados (versículo 11), feitos herança (versículo 11), etc. O hino faz a constante ligação do dom que é Cristo e sua ação nas pessoas, em “nós”, independente da identidade e da expectativa anterior de quem está ouvindo ou lendo a carta. Glorificação do Senhor (1,15–23) Em seguida, Paulo apresenta a Cristo como objetivo do conhecimento dos leitores. Ele mesmo deve iluminar a inteligência de quem está vivenciando tudo o que a Carta reflete. Paulo faz votos de que seus leitores sabem e conheçam a ação de Deus realizada de modo intenso e pleno. … que ilumine os olhos do vosso coração, para que compreendais a que esperança fostes chamados, quão rica e gloriosa é a herança que ele reserva aos santos, e qual a suprema grandeza de seu poder para conosco, que abraçamos a fé. É o mesmo poder extraordinário que ele manifestou na pessoa de Cristo, ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o sentar à sua direita no céu, acima de todo principado, potestade, virtude, dominação e de todo nome que possa haver neste mundo como no futuro (1,18–20).

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Os leitores devem ficar alegres, pois receberam a graça da presença de Cristo Jesus de modo gratuito. Tudo o que pode tocar as pessoas e interferir em sua vida é tomado por Cristo, inclusive os elementos míticos e mistérios, como já afirmado em Colossenses. E isso tudo está na cabeça da Igreja, dando-lhe identidade e segurança. Ação de Cristo na história (2,1–10) Aqui Paulo trata da conversão operada por Cristo nos ouvintes da Carta. A situação anterior deles é de morte por conta dos pecados. Sem Cristo, antes de seu conhecimento, todos andavam nas trevas, mas sua presença tornou tudo salvo, resgatados. Tudo pela graça, de modo espontâneo, sem condições prévias. Deus manifestou assim sua bondade absoluta em Cristo. Este escolha é uma predestinação: todos podem e serão tomados pela graça de Cristo, independente de sua origem ou condição. Mas é necessário aceitar tudo isso. Reconciliação dos gentios (2,11–22) Paulo cita os “circuncisos” no sentido de judeus e os “incircuncisos”, no sentido de gentios. Os incircuncisos não tinham a herança de Israel, mas agora tudo mudou. Todos, pelo sangue de Cristo, tornaram-se próximos de Deus. Em 2,14–18, temos mais um hino no qual Cristo é destacado como criador do “homem novo”. Ele faz de judeus e gentios possíveis de encontrar o Espírito (versículo 19). Os ouvintes da Carta já não são estrangeiros em relação a Cristo. Estão íntimos da herança de Deus sendo sua família. É em Cristo que essa nova situação, que se assemelha a um edifício, se eleva. Os gentios e Paulo (3,1–13) Paulo fala de si e de seu ministério. Ele conhece o mistério revelado em Cristo e o apresenta a todos os gentios que podem assim dele participar. Da leitura do texto, notase a altíssima estima que Paulo expressa pela sua identidade de apóstolo, apresentador ou anunciador do Evangelho. A igreja, comunidade dos que creem em Cristo, tem agora a possibilidade de dar a conhecer a vontade de Deus. No final deste passagem, Paulo alega “tribulações” a seu respeito. Seus ouvintes não devem abater-se por isso. Estará falando ele do cativeiro, das perseguições ou das dificuldades comuns de seu ministério? Talvez seja do cativeiro, possivelmente (segundo nossa opinião), do cativeiro romano. Oração (3,14–21) Paulo ora pela realidade que vivencia. Pelo dom que é vivê-la e pela situação que seus ouvintes agora podem conhecer na adesão ao mistério de Cristo. Na sua ação de graças, ele usa palavras e expressões curiosas que criam uma ideia de construção, conforme podemos ler a seguir: …Que Cristo habite pela fé em vossos corações, arraigados e consolidados na caridade, a fim de que possais, com todos os cristãos, compreender qual seja a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, isto é, conhecer a caridade de Cristo, que desafia todo o conhecimento, e sejais cheios de toda a plenitude de Deus (3,17–19).

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Segunda parte: Exortações e comportamento (4,1—6,20) Unidade em Cristo (4,1–8) Paulo exorta à unidade em Cristo Jesus. Diz-se prisioneiro, certamente indicando seu cativeiro. Isso causa uma importância maior às suas afirmações e indicações.

Ele insiste na necessidade de unidade, falando que existe uma única cabeça e um só Espírito, isto é, um Cristo e um Espírito que inspira e elege a todos para que todos estejam na vida. Por isso, há também um só batismo, uma só esperança, um só Senhor e Deus. A unidade dos fieis é segurança de sua adesão ao mistério de Cristo. Por isso a insistência neste ponto. Identidade dos cristão (4,9–16) Todos estão em Cristo, embora cada um tenha uma identidade, uma maneira de ser e viver. Paulo elenca os carismas brevemente: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres. Cada um está a serviço da comunidade em nome do Senhor. Todos podem crescer em Cristo e experimentar a realidade de uma vida marcada pela graça e pela ação de Cristo-Cabeça, do qual seus ouvintes, que formam a igreja, são os membros. Vida em Cristo (4,17—5,20) Descoberto tudo isso, o que é importante é a vida nova em Cristo Jesus. Os gentios devem conhecer esta situação e vivenciá-la, pois é ele que dá vida. O longo período é todo ele uma insistente apresentação da imitação de Cristo, da adesão a seu mistério e da vida que daí emana. Comportamento em família (5,21—6,9) Bem articulado à longa passagem anterior, surge agora esta passagem, também longa e bem articulada, que exorta à vida nova de modo concreto, na família e nas relações humanas. Maridos, esposas, filhos e pais têm uma palavra de exortação e de alerta a respeito de sua conduta. Tudo deve estar em Cristo Jesus. São incluídos também os servos e os senhores. Combate espiritual (6,10–20) Por combate espiritual entende-se a capacidade de viver em meio às crises e contradições da vida a partir da intimidade com Cristo. Mais uma vez surge, como em Efésios, a ideia de poderes míticos, como autoridades, potestades etc. Paulo deixa isso de lado em função da ação de Cristo Jesus sobre tudo e sobre todos. É necessário revestir-se de Cristo. Para tanto deve-se orar e suplicar a coerência da vida e a adesão constante ao Senhor. Paulo pede que seus ouvintes orem por ele também, pois ele deseja ainda anunciar o Evangelho. Saudações finais (6,21–24) As saudações finais não têm o colorido de outras cartas. Sua simplicidade dá a entender o caráter mais amplo dessa Carta. Não há menção de recordações. É mencionado Tíquico, portador da carta.

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CARTA (BILHETE) A FILÊMON

Questões introdutórias Carta ou bilhete? Chamar de “carta” a Filêmon talvez não seja o melhor modo de identificar este interessante escrito paulino. É um texto bem reduzido, com apenas 25 versículos, mas expressa muitos elementos. Quanto ao status do escrito: se considerarmos como “bilhete”, ficam de fora algumas ideias fundamentais. Primeiramente Paulo não se dirige apenas a Filêmon, mas também à igreja que se reunia em sua casa: Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo, e seu irmão Timóteo, a Filêmon, nosso muito amado colaborador, a Ápia, nossa irmã, a Arquipo, nosso companheiro de armas, e à igreja que se reúne em tua casa. A vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e da parte do Senhor Jesus Cristo! (1–3).

Para ser apenas um bilhete, ideia de um texto sem maiores pretensões, não seriam nomeados estes outros elementos. Se considerarmos o texto uma carta, ele parece ser muito reduzido para tanto. Há um conteúdo específico, embora diluído no conjunto. A questão da escravidão é o pano de fundo. O cristianismo, que no dizer de Paulo rompe as barreiras, como vai se portar perante a escravidão? Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus (Gálatas 3,28).

Escravidão e liberdade Se para o cristão não há mais diferenças, como encarar a realidade concreta que se apresenta aqui: um escravo fugitivo, Onésimo, busca refúgio junto ao Apóstolo que marcou sua conversão. E o mesmo Apóstolo marcou também a conversão de seu senhor, Filêmon. O cristianismo e o próprio Paulo não trataram diretamente do tema da servidão. Mas ele estava lá presente, pois grande parte da população das cidades romanas era formada por escravos. A igreja, como pode se imaginar, era composta em sua grande maioria por escravos e, quem sabe por alguns libertos. Os escravos não o eram em função da raça, mas sim por motivos econômicos: dívidas e outros problemas. Outro motivo são as guerras: os prisioneiros de guerra eram reduzidos à escravidão. A liberdade poderia ocorrer. O escravo poderia adquirir sua própria liberdade mediante algum dinheiro que ele, de algum modo, podia acumular. Não era fácil, mas era possível. Nessa circunstância um ex-escravo podia ascender até à cidadania romana. Porcio Festo, governador romano que substituiu Félix em Cesareia, e que mandou Paulo para Roma era um liberto! Para o cristianismo, o importante era a criação de novas relações humanas. A liberdade e a escravidão não têm lugar em função da eleição em Jesus Cristo. O cristianismo não podia, conscientemente, lutar contra a escravidão de modo aberto, pois seria tornar a sociedade romana um caos. Toda ela se baseava no trabalho servil. Assim, o que o cristianismo fez foi estabelecer estas novas relações humanas, inspiradas em Jesus Cristo. Isso é muito evidente na Carta a Filêmon.

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INFORMAÇÃO: Relativamente à questão da escravidão e a todo o conjunto da carta/bilhete a Filêmon, sugerimos a consulta de: CARREZ, M. DORNIER, P.; DUMAIS, M.;TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 235–239. Confira também a pequena, mas interessante reflexão de: CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan. Em busca de Paulo. Como o Apóstolo de Jesus Cristo opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, p. 106–110. Para um comentário oportuno quanto ao bilhete a Filêmon e as questões ligadas à escravidão, confira: BRUCE, F.F. Paulo, o apóstolo da graça. Sua vida, cartas e teologia. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Shedd publicações, 2003, p. 383–396.

Este Filêmon deve ser um convertido por Paulo, certamente quando de sua permanência em Éfeso, e que habitava em Colossos. Quanto a Onésimo, há informação de que teria sido bispo de Éfeso, o que dá a esse pequeno bilhete um significado sem par. Paulo fala em vários momentos que está preso. A carta ou bilhete a Filêmon faz parte daquele grupo amplo de cartas do cativeiro, prescindindo da questão do protopaulinismo e deuteropaulinismo. Isso é, sem levar em conta esta classificação moderna, considera-se como cartas do cativeiro as cartas aos Efésios, aos Colossenses, aos Filipenses e a Filêmon. Estrutura e comentário à Filêmon ESTRUTURA DA CARTA/BILHETE 1–3 4–7 8–20 8–11 12–16 17–20 21–22 23–25

Endereço e destinatários Ação de graças Pedidos Situação de Onésimo Filho espiritual de Paulo Paulo e Filêmon: devedores Paulo confia na situação Saudações

Endereço e destinatários (1–3) Paulo está com Timóteo, seu fiel colaborador. Dirige-se a Filêmon que chama de “nosso amado colaborador”, sugerindo com isso que Filêmon foi companheiro de Paulo em algum momento de suas missões. A Filêmon Paulo acrescenta “nossa irmã Ápia”, o “nosso companheiro de armas Arquipo” e, finalmente, “a igreja que se reúne na tua casa”, este “tua” refere-se à casa de Filêmon. Assim a carta não é um texto pessoal, dirigido apenas a uma pessoa. O assunto é, a princípio, com uma pessoa, mas dirigindo-se a mais pessoas Paulo amplia suas possibilidades. Provavelmente Árquipo é o mesmo que foi citado em Colossenses 4,17: “Finalmente, dizei a Arquipo: Vê bem o ministério que recebeste em nome do Senhor, e desempenha-o plenamente”. Sabemos então que por um tempo Árquipo esteve em Colossos. Dessa forma, Filêmon também pode residir ali. Ação de graças (4–7) Paulo dirige-se a Filêmon reconhecendo nele um notável colaborador. Ele agradece a Deus pelo amor de Filêmon e pela fé que ele manifesta. Ao que tudo indica, Filêmon foi anteriormente colaborador de Paulo ou alguém que permitiu que a igreja pudesse crescer. Pedidos (8–20) Depois destes períodos introdutórios, Paulo inicia seus pedidos. Situação de Onésimo (8–11) Paulo se declara um velho, e podemos considerar que isso indique uma idade entre os 50 e 60 anos. Ele está prisioneiro de Jesus Cristo, isto é, conduzido pela Espírito para a missão da Evangelização. É lembrada a situação de Onésimo, um “filho que gerei na prisão” (versículo 10). Onésimo foi, seguramente, batizado em algum momento de prisão de Paulo. Ele está próximo de Paulo e este o manda de volta a Filêmon.

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Filho espiritual de Paulo (12–16)

O filho espiritual de Paulo, Onésimo, mandado de volta a Filêmon, é como se fosse o próprio coração do Apóstolo. Paulo sugere que desejava mantê-lo consigo, mas não o fez sem antes obter a permissão de Filêmon. Ele espera, justamente, essa decisão de seu amigo. Onésimo foi “retirado” de seu senhor, Filêmon, certamente com a permissão de Deus, para o auxílio de Paulo. Agora seu senhor poderá reavê-lo, mas não como escravo, e sim como irmão. Paulo compara Onésimo a si mesmo em relação a Filêmon. É uma situação interessante: Paulo reconhece os direitos de senhor da parte de Filêmon, mas indica que o modelo de relacionamento cristão é mais necessário e oportuno. E ao mesmo tempo confia na oferta de Filêmon: que Onésimo possa servir a Paulo. Paulo e Filêmon: devedores (17–20)

Figura 3 (divulgação) – Região de Colossos, onde vivia Filêmon, vista dos degraus do teatro de Hierápolis. Sugerimos que você acesse o site indicado e verifique os conteúdos referentes ao tema estudado.

Filêmon deve receber a Onésimo gentilmente. Quaisquer prejuízos que ele pode ter causado correrão por conta de Paulo. O Apóstolo indica que ele e Filêmon tornam-se, assim, devedores mútuos. Mas acima de tudo está a bondade esperada de Filêmon e o coração de Paulo. Paulo confia na situação (21–22) Paulo fala da obediência, usando um interessante artifício: a obediência é exigida de um escravo, e Onésimo é escravo. Mas Filêmon também deve obedecer, certamente ao Evangelho, que é maior que a relação entre escravo e senhor. O Apóstolo ainda anuncia que irá necessitar de um abrigo quando estiver com Filêmon. Saudações (23–25) Por último seguem os cumprimentos. São citados Epafras, “companheiro de prisão em Cristo Jesus”, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, colaboradores do Apóstolo. Ele conclui com a dedicação da graça de Jesus Cristo ao espírito de Filêmon.

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CONSIDERAÇÕES

As Cartas analisadas aqui contêm muito material interessante, que deixa à mostra uma riqueza: as circunstâncias e situações das igrejas das origens, especialmente as que têm algum tipo de influência paulina. Em Colossenses e Efésios vemos argumentos insistentes na identidade de Jesus Cristo e na necessidade de buscá-lo sem as mediações gnósticas. Já em Filêmon, o Apóstolo fala a um amigo com a confiança que somente uma amizade intensa e baseada em Cristo Jesus pode oferecer. As Cartas de Paulo, embora episódicas e não sistemáticas, são um retrato substancioso de aspectos importantes da Igreja primitiva. Paulo soube intervir na história das igrejas particulares no sentido de torná-las inseridas no mistério de Deus que se revela em Jesus Cristo. Sem este esforço, é provável que o cristianismo se tornasse mais uma proposta original e até surpreendente, mas sem uma adequada continuidade e influência na vida e na história da sociedade da época e na posteridade.

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E-REFERÊNCIAS

Lista de Figuras Figura 1- Praça Comercial da antiga Efesus: disponível em: < http://www.bibleplaces. com/ephesus.htm. >. Acesso em: 07 jul.2009. Figura 2 - Éfeso. Situada na Turquia atual, foi um grande centro de comércio exterior da Ásia antiga e uma das cidades em que o cristianismo mais se difundiu nos tempos apostólicos: disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89feso>. Acesso em: 07 jul.2009. Figura 3 - Região de Colossos, onde vivia Filêmon, vista dos degraus do teatro de Hierápolis. Sugerimos que você acesse o site indicado e verifique os conteúdos referentes ao tema estudado.: disponível em: < http://www.maxmode.blogspot. com/2008/05/filemon.html >. Acesso em: 07 jul.2009.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 485– 486. BALLARINI, T. et al. Introdução à Bíblia. (Vol. V/2) Epístolas do cativeiro. Pastorais. Hebreus. Católicas. Apocalipse. Petrópolis: Vozes, 1969, p. 59–164. BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo (II). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1991, p. 415–430. BRUCE, F.F. Paulo, o apóstolo da graça. Sua vida, cartas e teologia. Tradução de Hans Udo Fuchs. São Paulo: Shedd publicações, 2003, p. 383–396; 397–412. CARREZ, M.; DORNIER, P.; DUMAIS, M.; TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 209–244; 235–239. CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de São Paulo. São Paulo: Paulinas, 1978, p. 445– 483. CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan. Em busca de Paulo. Como o Apóstolo de Jesus Cristo opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 106– 110.

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FABRIS, Rinaldo. As cartas de Paulo (III). Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola, 1992, p. 35–128; 129–208. HAWTHORNE, Gerald F.; MARTIN, Ralph P.; REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 247–255; 421–439; 543–548; 603. HEYER, C. J. den. Paulo: um homem de dois mundos. Tradução de Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2009, p. 137–140. (Coleção Bíblia e sociologia). MURPHY–O’CONNOR, Jerome. Paulo. Biografia crítica. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Loyola, 2000, p. 17–46; 169–194. VAN DEN BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Tradução de Frederico Stein. Petrópolis: Vozes, 1971, colunas 280–282; 423–425; 576–577.

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Anotações

Objetivos • Entender a sociedade do tempo de Paulo e a resposta dada pelo cristianismo que ele representou e fez conhecer. • Reconhecer que o anuncio de Jesus Cristo e de seu seguimento nas Cartas de Paulo é anterior àquele apresentado nos Evangelhos canônicos. • Conhecer que o processo de evangelização empreendido por Paulo é um elemento humanizador que vai determinar a sociedade, oferecendo-lhe valores que serão cultivados posteriormente. • Analisar as cartas pastorais e seus conteúdos.

Conteúdos • O Evangelho segundo Paulo. • Paulo e o cristianismo: uma proposta de liberdade em Cristo. • As Cartas Pastorais: 1 e 2 Timóteo e Tito.

UNIDADE 6

PAULO E O EVANGELHO NA SOCIEDADE DE SEU TEMPO AS CARTAS PASTORAIS

UNIDADE 6

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INTRODUÇÃO

Na Unidade 5 você estudou sobre as Cartas aos Colossenses, aos Efésios, o bilhete a Filêmon e conheceu os argumentos fundamentais destas Cartas. Você também as circunstâncias em que estas Cartas foram escritas. Já nesta unidade você irá aprofundar seus conhecimentos entendendo sobre o Evangelho segundo Paulo, Paulo e o cristianismo, bem como as Cartas Pastorais. Bom estudo!

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O EVANGELHO SEGUNDO PAULO

O conceito Evangelho não é invenção cristã. A palavra evangelho vem da língua grega: euangélion, ‘boa notícia’, ‘boa nova’. Mais especificamente ‘remuneração para quem traz uma boa notícia’, ou simplesmente ‘boa notícia’. É neste sentido que a palavra irá ser usada no Novo Testamento. Não é apenas um conceito interessante que os textos expressam. É uma ação, uma atividade que antes foi vivenciada e contada de pessoa para pessoa. Depois de ser vivenciada passa a ser algo escrito, ‘uma atitude escrita’: anunciase a Pessoa e a Missão de Jesus Cristo. Se a palavra evangelho e seu conceito não foi invenção cristã, o gênero literário evangelho o foi. Ele reúne diversos outros subgêneros, como listas, genealogias, apocalipses, Cartas, narrativas exemplares, parábolas etc. O foco de interesse e de toda a narração é sempre Jesus Cristo. Este gênero de escrita passou a ser tão presente no universo literário cristão que fica até difícil compreender a palavra evangelho se não for aplicada aos nossos quatro Evangelhos Canônicos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Vamos entender assim: os quatro evangelhos são quatro formas escritas do anúncio da Pessoa e da Missão de Jesus Cristo. É o anúncio da Pessoa e Missão de Jesus que é evangelho. É neste sentido que Paulo argumenta apresentando o “seu” evangelho. Não é “seu” no sentido de “a respeito de si mesmo”, mas “seu” no sentido de que é ele quem o apresenta. E a apresentação feita é a de Jesus Cristo, Pessoa e Missão, conforme o conhecimento e o modo de expressar e ensinar do Apóstolo. Evangelho e evangelizar Verbo evangelizar: 1 vez em Mt 10 vezes em Lc 15 vezes em At 21 vezes em Paulo 2 vezes em Hb 3 vezes em 1 Pd 2 vezes no Ap Substantivo evangelho: 4 vezes em Mt 8 vezes em Mc 60 vezes em Paulo 1 vez em 1 Pd 1 vez no Ap

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Paulo é quem mais utiliza o verbo evangelizar (21 vezes) e o substantivo evangelho (60 vezes). É revelador este uso, pois expressa que o Apóstolo tem certeza e expõe claramente, por escrito esta convicção: o que ele apresenta é a mensagem de Cristo Jesus. Esta mensagem é de fundamental importância no cristianismo nascente. Estamos nas primeiras décadas do cristianismo, a questão podia ser esta: Como apresentar o Evangelho de Jesus Cristo no mundo de então? Quais seriam os destinatários deste anúncio? Fazendo um exercício de imaginação, pensemos: como seria o cristianismo sem Paulo e seu Evangelho anunciado aos pagãos? Estaria, provavelmente, reduzido aos judeus e seria uma espécie de seita judaica. É claro que, com o crescimento da compreensão da Pessoa e Missão de Jesus haveria uma ruptura, fatalmente, entre o judaísmo e o cristianismo. Mas e o desenvolvimento da fé cristã, acentuadamente marcante no mundo pagão, teria ocorrido? É difícil responder a isto como foi formulado. O que pode ser considerado claramente é a importância do Apóstolo Paulo na história. Sem ele não teriam acontecido passos claros e empenhados. A este respeito vamos analisar três aspectos do conjunto da situação que envolve Paulo e o Evangelho: • A relação entre Paulo e o cristianismo nascente. • A ideia de sociedade de morte em que o cristianismo se desenvolveu. • A anunciação evangélica de Paulo muito antes da redação dos Evangelhos canônicos.

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PAULO E O CRISTIANISMO: UMA PROPOSTA DE LIBERDADE EM CRISTO

A entrada de Paulo na cena do Cristianismo nascente foi de fundamental importância e determinou novos rumos para a história. Ele soube compreender que a fé em Jesus Cristo não se tratava simplesmente de um ato devocional, mas era um estilo de vida, um modo de ser específico e decidido. Essa entrada, era algo que ultrapassava as expectativas do Judaísmo.

Figura 1 (divulgação) – Paulo pregando o Evangelho.

Israel e suas estruturas não estavam dispostos a ouvir a palavra do Evangelho e Paulo entendeu que devia ir ao encontro dos pagãos, mais livres para uma aceitação da Boa Nova. Parece que isto estava fora da compreensão dos judeus mais integralistas. Para eles, a aceitação de Jesus Cristo era uma etapa importante de sua própria experiência judaica, não significando uma ruptura com o estilo judeu de ser e viver, mas completando-o. De fato, Jesus veio para os judeus e eles o deviam receber. Era para eles que o anúncio fora

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feito. Se algum pagão desejasse seguir a Jesus Cristo, então que se sujeitasse a observar os costumes judaicos que eram parte do anúncio cristão. Paulo percebeu que este não era o caminho e, ao que nos parece percebeu também que no judaísmo o Evangelho não teria muito fruto. O integralismo judeu não deixava espaço para uma experiência de adesão a Jesus Cristo e seu Evangelho. O cumprimento das diversas e excessivas regras rituais e práticas religiosas não deixava espaço para a ação do Espírito de Jesus.

INFORMAÇÃO: Para aprofundar seus conhecimentos leia: Atos 15,1–29 e Gálatas 2,1–11, anote as decisões e as orientações elencadas lá. Lembrando que as considerações a seguir serão compreendidas melhor com esta leitura prévia e seu estudo diretamente na Bíblia.

Podemos analisar este aspecto tendo em conta dois textos. Primeiro o texto de Atos dos Apóstolos 15, em que encontramos a assembleia apostólica de Jerusalém, que muitos chamam de “concílio de Jerusalém”. Aqui temos um narrador que apresenta a história do fato enfocando de modo mais intenso o lado do grupo judeu. Temos também o texto de Gálatas 2,1–11, que lemos Paulo contando a sua versão do acontecimento de Jerusalém. Assembleia de Jerusalém em Atos 15,1–11 O capítulo 15 de Atos interrompe o ciclo de atividades de Paulo e traz Pedro à cena. Este já havia deixado a narração de Atos depois de sua prisão e libertação milagrosa contada em 12,1–19. Parece que este episódio da assembleia apostólica de Jerusalém está meio deslocado da seqüência narrativa de Atos. Paulo já completou a primeira viagem apostólica. Em Antioquia, cidade referência das missões de Paulo, alguns cristãos judaizantes vindos da Judéia, isto é, Jerusalém, afirmavam que o rito da circuncisão era uma etapa necessária para a entrada no grupo dos discípulos de Jesus. Paulo e Barnabé foram designados para ir até Jerusalém expor aos apóstolos que lá estavam a situação e pedir orientações. Lá chegando, apresentaram um relatório do que havia acontecido (15,4). Entende-se que sejam as adesões de pagãos ao grupo de discípulos. O texto de Atos afirma que alguns que antes da entrada no grupo eram dos fariseus intervieram e afirmaram a necessidade de passar pelo rito da circuncisão para entrar na Igreja. O que propunham, na prática, era que todos que desejavam ser seguidores de Jesus Cristo deviam antes adquirir a identidade de judeus através da circuncisão. Isto não estava conforme a pregação de Paulo e de seus companheiros. Pedro aparece no texto e conta como foi que os pagãos começaram a fazer parte do grupo cristão. Segundo Pedro, foi por meio dele que os pagãos puderam ser batizados e aderir à fé. Este episódio encontra-se em Atos 10, quando Pedro, em Cesaréia, tem uma visão e logo em seguida recebe a visita de enviados de Cornélio, um romano, que deseja vê-lo. Pedro então vai até sua casa. Cornélio, motivado pelo dom interior da busca, deseja ouvir o Evangelho que Pedro pode anunciar. Estão presentes outros pagãos e Pedro pôde anunciar Jesus Cristo e batizar os pagãos que antes mesmo do batismo tinham o dom do Espírito Santo. Este episódio é também chamado de Pentecostes pagão. Depois da recordação do que acontecera com Pedro, os ânimos ficaram mais calmos. Em Atos 15,12 lemos que foi então que Barnabé e Paulo relataram o que havia acontecido com os pagãos. Quando terminaram Tiago, um dos líderes, tomou a palavra e, citando Simão (Pedro) e sua experiência, afirmou que os pagãos não deviam ter impostos sobre si os costumes judaicos. Lembrou que apenas alguns comportamentos deviam ser respeitados. Estes comportamentos nós encontramos elencados em 15,20 e depois em 15,29. No primeiro lugar (v. 20) Tiago está apresentando seu pensamento; no segundo

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lugar (v. 29) temos a indicação da conduta em uma carta que o grupo apresenta e que passa a ser o primeiro documento cristão de decisão. Tiago afirma que a decisão do grupo de Jerusalém, apóstolos e anciãos, é que aqueles que são de origem pagã não precisam cumprir os ritos judaicos, como o rito da circuncisão. É-lhes exigido apenas que “…vos abstenhais das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocada e da impureza” (At 15,29).

É interessante este episódio e a carta que se encontra em Atos 15, 23–29. Especialmente uma expressão que deixa à mostra um elemento importante. Em 15,28 a afirmação, no texto da carta: “Com efeito, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor outro peso além do seguinte indispensável”. E o texto prossegue com as indicações anunciadas. Mas o que é notável é a formulação: “… pareceu bem ao Espírito Santo e a nós…” Tiago, em nome dos apóstolos e dos anciãos de Jerusalém, não invoca a autoridade da Torah ou da Lei, mas sim a inspiração do Espírito Santo e a sua própria autoridade apostólica. Uma está em relação com a outra, certamente. Se eles são apóstolos é por escolha de Jesus e do Espírito Santo e por isso podem agir em nome do Espírito. Tiago e seus companheiros, neste passo, passam a fazer didaké: ensino apostólico. É o início do magistério da Igreja que passa a ensinar pontos que, de per si, não estão claros nos textos bíblicos.

Isso parece que solucionou a questão, mas foi apenas um paliativo. A questão era ‘mais de fundo’. Não se tratava apenas de circunstâncias fundamentais, de identidade. A circuncisão é uma destas circunstâncias de decisão: a pessoa decidia-se pelo judaísmo ou, no caso de uma criança, seus pais decidiam por ela. Se a decisão fosse de fazer parte, então a circuncisão devia acontecer previamente. No caso dos que, vindos do paganismo, desejavam entrar na Igreja isto não era mais necessário. Mas os problemas, como acabamos de afirmar, eram de outra índole: eram problemas de fundo, de comportamento além de sinais. E a questão que mais vai interferir nisso é a convivência à mesa. Pode parecer para nós um elemento de menor importância e até mesquinho, mas o caso é que, para um judeu partilhar com um pagão o alimento posto à mesa é uma situação muito difícil. O judeu tem muitos costumes e rituais de pureza que devem ser observados. A limpeza de copos, vasos e talheres e as abluções não são apenas ou em primeiro lugar por motivos higiênicos ou estéticos, mas sim rituais. Alguém que durante toda a vida esteve ligado a estes costumes e foi condicionado a observá-los não podia fazer uma adaptação muito rápida. Era naturalmente difícil para um discípulo de Jesus de origem judaica sentar-se próximo a uma mesa para uma refeição tendo um discípulo de origem pagã que não se importa em cumprir tais práticas rituais. Este problema não foi resolvido pela carta fruto da assembleia de Jerusalém. Certamente porque ainda não foi vivenciado em toda a sua intensidade. Paulo mesmo irá abordar esta questão e a crise que ocorreu em Antioquia, envolvendo Pedro e outros discípulos. Paulo conta o fato em Gálatas 2, 1–11 Em Gálatas, Paulo apresenta o fato de outro modo. Ao menos indiretamente parece que havia a questão da circuncisão dos pagãos, mas o que Paulo sugere é que ele foi apresentar, junto a Barnabé, o seu “Evangelho”, isto é, o modo e o conteúdo do que ele apresentava aos pagãos como anuncio e proposta de vida. Paulo insiste que não foi exigida a circuncisão dos pagãos, nem mesmo de Tito, um de seus companheiros, que era gentio (pagão).

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A narração de Paulo deixa à mostra alguma espécie de ressentimento ou de indignação, é difícil compreender o que poderia ser. Ocorre que Paulo cita as “autoridades” cristãs e, logo depois de citar explicitamente a expressão “autoridade” ele faz a consideração de que realmente não sabe quem são, pois a partir da adesão ao projeto de Deus, isto é, da adesão de Jesus Cristo, não há mais autoridade e Deus está acima disso tudo. É o que podemos compreender da leitura de Gálatas 2,6: “Quanto aos que eram autoridade, o que antes tenham sido não me importa, pois Deus não se deixa levar por consideração de pessoas, estas autoridades, digo, nada me impuseram”. Parece aqui que Paulo esteja deixando a impressão que entre os seus interlocutores havia os que foram notáveis entre os judeus e agora faziam parte do grupo dos anciãos. Assim, repetimos, é difícil saber com precisão o que ocorreu naquele encontro. Paulo não cita em Gálatas a existência da carta nem a imposição de costumes ou normas mínimas a ser seguidas nem as intervenções de Pedro e Tiago, como encontramos em Atos. Cita, contudo a constatação, da parte das tais “autoridades”, que a ele, Paulo, era confiada a evangelização dos incircuncisos, da mesma forma que a Pedro era confiada a dos circuncisos. Paulo cita também, em Gálatas, a atitude de Tiago, Cefas (Pedro) e João, tidos por “colunas” (segurança, fundamento, firmeza) da Igreja: eles estenderam a mão direita a ele, Paulo e a Barnabé em sinal de comunhão. A decisão era: o grupo sediado em Jerusalém iria evangelizar os judeus e o grupo de Paulo iria em direção aos gentios. A única recomendação feita a Paulo era de preocupar-se com os pobres, o que, concluindo a perícope, ele afirma que fez continuamente. Alguns biblistas supõem que o silêncio de Paulo a respeito das consequências da carta apresentada em Atos e as recomendações é sinal de algo. Paulo teria perdido o debate de fundo, a questão importante: é necessário aderir e estar de acordo com os preceitos judaicos para ser cristão? E mais: é necessário continuar cumprindo tais preceitos depois da manifestação de Jesus? As autoridades citadas em Gálatas e que, lendo Atos podemos identificar com os anciãos, que por sua vez podem ser líderes judeus convertidos, fariseus e outros “notáveis”, desejavam uma situação de continuidade no cristianismo em relação ao judaísmo. E Paulo já tinha intuído que não era este o caminho. A partir deste encontro recordado por ele mesmo em Gálatas e apresentado na narração de Atos, Paulo fica livre para anunciar aos pagãos. Apesar disto, como lemos em Atos, ele sempre vai antes aos judeus que, normalmente, rejeitam a proposta de adesão ao mistério de Jesus Cristo. Só então Paulo parte para o encontro com os pagãos da localidade. Paulo compreendeu o caminho que a Igreja devia fazer. E parece que não foi o único. De fato, depois de Atos 12 não temos mais notícias de Pedro nos Atos. Já vimos que a passagem da assembleia de Jerusalém está deslocada de sua posição ideal. Se Pedro deixou a Judéia e talvez a Palestina e, conforme temos notícia, foi martirizado em Roma em meados dos anos 60, onde ele esteve todo este tempo? A Igreja de Roma orgulha-se de ter sido fundada por Pedro e há evidências de sua passagem e de seu martírio. Quando Paulo chega a Roma, como lemos em Atos 28,14, já havia uma comunidade cristã naquela cidade. Mas, não há qualquer menção de Pedro. A Igreja de Roma também se declara fundada por Paulo, por ter sido o palco de seu martírio. Mas, estiveram eles juntos naquela cidade, centro do mundo da época? Se considerarmos o fato de Pedro ter sido o chefe da Igreja em Roma durante 25 anos, conforme nos diz a tradição daquela Igreja, então ele esteve entre habitantes da capital do Império. Desta forma ele também voltou-se para pagãos, pois Roma tinha gente de todo o mundo conhecido.

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O lado judeu dos discípulos de Jesus parece que não deu muitos frutos. Mas o outro lado, que para alguns poderia parecer ser futuro, foi o que realmente cresceu. Se estivéssemos naquele tempo e fôssemos judeus fieis provavelmente também teríamos dificuldades em deixar nossas tradições ancestrais, que nos davam sustentação na vida, para aderir a um projeto novo, de mais liberdade e intensidade. Também teríamos dificuldades em admitir que pagãos pudessem interessar-se por Jesus, chamado o “Cristo”, isto é, o “Messias”, o enviado pelo Deus de Israel a este mesmo Israel e que agora era apresentado a outros povos que não o esperavam. Por que os que não esperam o salvador poderiam aceitar Jesus? Isto abre espaço para a segunda consideração quanto ao Evangelho de Paulo. Um mundo com sinais de morte A questão é: Por que a mensagem cristã teve sucesso no mundo pagão? Claramente: também teve certo sucesso entre os judeus, o seria de se esperar, pois era o cumprimento das profecias e o sinal da Aliança. Contudo, o filão que cresceu mais foi o pagão. Por quê? É sempre difícil analisar situações históricas. Elas são complexas e no caso das origens do cristianismo o são mais ainda, pois existem muitas lacunas, fruto das perseguições e dificuldades das primeiras décadas. Parece que o mundo romano no primeiro século era marcado por algumas características que dariam ao cristianismo um chão propício ao desenvolvimento. Uma das características mais destacadas é a fragilidade da vida e os sinais de morte muito evidentes. Quando falamos de primeiro e segundo séculos da era cristã estamos falando de um mundo fortemente impregnado de autoritarismo romano, de opressão de uma organização militar muito forte e de uma rede de corrupção e abuso que é até difícil de compreender. Estamos falando de um mundo em que os direitos individuais eram inexistentes para a grande parte da população, em que a liberdade de ir e vir, de se posicionar e até de crer era algo impensável. Sequer era uma ideia formulada, o que significa que os cidadãos do Império Romano tinham prestígio na medida em que estavam em comunhão com a potência romana e seus valores. A vida valia muito pouco, a intimidade e individualidade eram conceitos e situações praticamente inexistentes e a violência era uma instituição. Lutas ou combates, esportes marcados pela força física e pelo duelo entre homens ou entre homens e animais, com uma assistência maciça era a norma. As crianças não eram muito valorizadas, pois não representavam força de trabalho até que se passassem alguns anos. Deviam ser educadas e isto era dispendioso. É claro que todas estas situações não estavam em toda parte, mas existiam. Neste horizonte social desponta uma fé que impõe como norma a caridade, a capacidade de estar a serviço do outro; valoriza a vida e a preserva; declara que depois da morte haverá outra vida, melhor e mais plena, mas dependente das escolhas feitas nesta vida atual. Apresenta como Senhor não um Imperador que tem tantos vícios e defeitos e os ostenta sem pudor. Pelo contrário, o Senhor do Cristianismo é alguém frágil, que desceu até o mais baixo que um ser humano poderia descer.

INFORMAÇÃO: Uma obra recente e inúmeras vezes aqui citada é: CROSSAN, John Dominic; REED, Jonathan. Em busca de Paulo. Como o apóstolo de Jesus Cristo opôs o reino de Deus ao império romano. São Paulo: Paulinas, 2007. Os autores enfocam de um modo analítico a sociedade no tempo de Paulo e o modo de apresentação do Evangelho por ele empreendido. Vale a pena conferir!

INFORMAÇÃO: Uma obra muito interessante, embora extensa, sobre os temas apenas esboçados até aqui: SAMPLEY, J. Paul. Paulo no mundo grego-romano. Um compêndio. Trad. José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2008. Nela você pode encontrar diversas considerações sobre aspectos do mundo contemporâneo a Paulo e sua abordagem, direta ou indireta, nas Cartas.

O Corpus Paulinum é o lugar onde podemos compreender um pouco o ambiente social em que Paulo vivia. Em 1 Coríntios 1,21–25 Paulo apresenta um argumento que é paradigmático da situação em que a sociedade romana de meados do primeiro século podia viver. Lá lemos: “Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria não reconheceu a Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da pregação, salvar aqueles que crêem. Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca da sabedoria. Nós, porém,

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ATENÇÃO! Você pode observar, na mídia, nas suas conversas, no mundo circunstante e em vários outros ambientes que os ideais, os projetos de bem e promoção humana não estão na ordem do dia. O que consta são as vantagens pessoais e os lucros. O ambiente de Paulo e do primeiro cristianismo poderia muito bem ser recriado hoje em dia.

anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo, para os gentios é loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” A imagem de Cristo crucificado era seguramente uma imagem difícil de ser compreendida pelos ouvintes de Paulo e, mais ainda, para os que ele buscava conduzir à conversão. A morte na cruz era a pior condenação que um criminoso podia esperar e era reservada, justamente, aos piores elementos da sociedade. Como apresentar um Deus que, feito homem, morreu na cruz? É um obstáculo para a aceitação de qualquer pessoa de bom senso.

Figura 2 (divulgação) – Jesus cruscificado.

Mas é esta a imagem que Paulo não teme apresentar e propor. Aqui reside um dado de fundamental importância que irá compor a própria personalidade e argumentação do Apóstolo. A fraqueza, para ele, não é algo de se envergonhar. Ele declara, justamente: “Se é preciso gloriar-me, de minha fraqueza é que me gloriarei” (2 Cor 11,30). Todo texto dos capítulos 10 e 11 da 2 Coríntios é uma apresentação sincera de Paulo quanto à sua realidade. A fraqueza, a dependência, os limites são, para ele, sinais da participação da realidade de Jesus Cristo que não tinha grandes armas, senão o cumprir a vontade do Pai. Paulo afirma, no auge de sua apresentação: “Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte” (2 Cor 12,10).

INFORMAÇÃO: Uma pequena publicação é muito sugestiva como desenvolvimento deste argumento. Trata-se de: DODD, Charles Harold. A mensagem de São Paulo para o homem de hoje. São Paulo: Paulinas, 1981. Sugiro sua leitura para um verdadeiro “mergulho” na visão paulina do mundo e nas consequências disso.

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Paulo e os missionários cristãos imersos no mundo pagão, apresentavam a este mundo uma mensagem que tinha eco: a mensagem da vida que vence a morte. Aqui entra o anúncio do crucificado. Ele supera a morte, transforma o sinal e presença de morte em algo novo: na esperança da ressurreição e da felicidade. E mais, os que entravam a fazer parte deste grupo já viviam de um modo novo, iluminados e marcados por uma esperança que, embora fosse dirigida para o vida após a morte, já estava sendo uma realidade de fraternidade e paz. Veja, por exemplo, o prólogo de 2 Coríntios 1, 3–7. Paulo fala de consolação já nesta vida. O cristianismo era para os que viviam imersos em uma sociedade profundamente marcada pela morte, um sinal de esperança e vida. Aqui reside grande parte do sucesso do anúncio cristão.

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O Evangelho de Paulo antes dos Evangelhos canônicos A pregação de Paulo e seus escritos são muito anteriores à redação do mais antigo Evangelho canônico. Quando lemos as Cartas de Paulo estamos em contato com a mais original mensagem a respeito de Jesus Cristo. Com isso, podemos não apenas intuir, mas conhecer os argumentos do anúncio de Jesus Cristo antes que ele amadurecesse e produzisse os quatro Evangelhos. Não encontramos em Paulo uma menção clara a respeito do nascimento ou da infância de Jesus. O que mais se aproxima de uma narração deste fato é a ideia expressa em Gálatas 4,4–5, quando menciona o nascimento do filho por meio de uma mulher: “Mas quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei, a fim de remir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a sua adoção”. Note que não se descreve o nascimento de Jesus, muito menos os aspectos do fato. O que anuncia nem é bem o nascimento, mas a vindo do Filho de Deus ao mundo por meio de uma mulher, o que é mais a declaração da humanidade de Jesus, pois o nascimento assim apresentado é um fato relativo à humanidade, à existência humana. Além disso, em Paulo não encontramos ideias diretas a respeito da pregação de Jesus. O que ele anunciou, pregou, apresentou? O que ele vivenciou e experimentou? Palavras de Jesus? Parábolas e milagres ou sinais? Nada ou quase nada. A Encarnação, Evento que consta do anúncio, do nascimento e do reconhecimento de sua natureza humana não é apresentado. Igualmente a pregação do Evangelho, os percalços disso e suas consequências. O que aparece a respeito de Jesus é a Redenção: Paulo insiste no fato que é o importante: a Ressurreição de Jesus, antecedida de sua morte de Cruz. Este era o ponto importante para o Apóstolo e seu Evangelho se baseava no anuncio destes acontecimentos fundamentais. Paulo apresenta a Pessoa e a Missão de Jesus sem contudo descrever sua biografia. Ele a interpreta com categorias teológicas e a enquadra na história da salvação. Apresenta então um Evangelho essencial, direto e intenso de força e decisão: quem o ouvia devia posicionar-se a favor ou contra Jesus. Ele apresenta o Evangelho de Jesus antes dos Evangelhos canônicos e convence seus ouvintes e as comunidades para as quais escreve. Convence ou os deixa preocupados com a nova mensagem.

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INFORMAÇÃO: Busque compreender este aspecto da mensagem de Paulo lendo estudos especializados. Leia: PATTE, Daniel. Paulo, sua fé e a força do Evangelho. São Paulo: Paulinas, 1987.

AS CARTAS PASTORAIS: 1 E 2 TIMÓTEO E TITO

As três Cartas, a saber, 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito são chamadas, em seu conjunto, de “Cartas pastorais”. O motivo é apresentarem argumentos relacionados à conduta pastoral de seus destinatários. É notório que pessoas conhecidas de Paulo e que estão onde estes colaboradores exercem seu ministério também recebem saudações do Apóstolo, como podemos ler em 2 Timóteo 4,19. Tito 3,8–11. As recomendações encontradas na carta não se referem apenas ao ministério de seus destinatários, mas à conduta de pessoas e solução de situações das Igrejas. Podemos dizer que as Cartas pastorais são “pastorais”, isto é, ligadas às situações concretas, administrativas das Igrejas, não apenas por conta de seus destinatários. Eles são os Bispos destas Igrejas. Mas as Cartas são pastorais no sentido de apresentar condutas pastorais, indicações de comportamento pastoral de pessoas e circunstâncias.

INFORMAÇÃO: Uma boa introdução às Cartas pastorais encontramos em: CARREZ, M. DORNIER, P. DUMAIS, M. TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, páginas 245–250.

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Os destinatários das Cartas pastorais

Figura 3 (divulgação) – Cartas de Paulo.

Timóteo Paulo as escreve para dois de seus mais íntimos colaboradores. Timóteo era de Listra, na Licaônia. Era filho de mãe judia convertida ao cristianismo e de pai pagão. Em Atos dos Apóstolos 16,1–3 vemos a entrada em cena deste íntimo colaborador de Paulo. O Apóstolo o fez circuncidar-se, pois sendo filho de mãe judia, convinha que tivesse o sinal da circuncisão. Seguramente Paulo era um homem sensível às situações futuras e, justamente nesta questão da circuncisão, que será um ponto de debates e combates incessantes em sua vida, tomou esta decisão. Timóteo acompanhou Paulo na maior parte de suas viagens, sendo para ele um colaborador, um “filho verdadeiro” (1 Tm 1,2), “amado (2 Tm 1,2), “filho amado e fiel” (1 Cor 4,17). Foi encarregado de importantes tarefas pelo seu mestre, Paulo. • Em Atos 19,22 Timóteo e Erasto são enviados para a Macedônia para preparar a viagem de Paulo até Jerusalém. • Em 1 Coríntios 4,17 Paulo recorda que enviou Timóteo até aos coríntios, portando a carta (a 1 Coríntios) e em vista da assistência desta Igreja. Ele chama a Timóteo de “filho amado” e “fiel no Senhor”. • Em Filipenses 2,19 Paulo indica que irá enviar Timóteo até a Igreja de Filipos para obter notícias a respeito desta Igreja. • Em 1 Tessalonicenses 3,2 Paulo afirma que também enviou Timóteo para fortificar e exortar os Tessalonicenses na fé. Este Timóteo gozou de intimidade e confiança sem limites do Apóstolo. A tradição indica que foi feito, pelo próprio Paulo, Bispo de Éfeso. Este dado é confirmado pela decisão de Paulo, recordada em 1 Timóteo 1,3, de mantê-lo em Éfeso. Timóteo devia ser um homem tímido, pois em 1 Coríntios 16,10ss Paulo faz recomendações acerca da conduta dos coríntios para com seu enviado. Mas foi também missionário de grandes capacidades e lideranças, pois do contrário não teria sido incumbido de tantas missões difíceis pelo Apóstolo. Ele é citado em várias Cartas do Corpus Paulinum: 1 Tessalonicenses 1,1; 2 Tessalonicenses 1,1; Romanos 16,21; 2 Coríntios 1,1; Filipenses 1,1; Colossenses 1,1; Filêmon versículo 1.

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Tito Tito era gentio de nascimento e, talvez por isso Paulo não tenha exigido dele o rito da circuncisão, o que é recordado em Gálatas 2,1–5. Foi ele que, no auge da crise da Igreja de Corinto, exerceu a mediação e a conciliação entre partes divergentes. Em 2 Coríntios 7,6–16 lemos algo a respeito. Ele também foi encarregado da coleta para os cristãos da Judéia, conforme 2 Coríntios 8,6. Paulo o defende e apresenta como em íntima comunhão de intenções em 2 Coríntios 12,17–18. Ao que tudo indica Tito foi um hábil diplomata, com grande capacidade de diálogo. Segundo Tito 1,5 Paulo o designou para cuidar da Igreja de Creta. As Cartas a Timóteo Segundo as informações de 1 Timóteo, Paulo deixou Éfeso em direção à Macedônia e deixou seu discípulo Timóteo no lugar, esperando retornar (1 Tm 13.14). Já em 2 Timóteo sabemos que Paulo está em Roma, em prisão rigorosa, diferente daquela indicada nos Atos dos Apóstolos 28,30–31. Sente que seu fim está próximo (4,5–8) e pede que seu discípulo Timóteo venha até ele rapidamente (4,9.21). Somente Lucas está com Paulo (4,11). Estrutura e comentário à Carta 1 Timóteo

INFORMAÇÃO: Vale salientar que a leitura dos textos bíblicos é indispensável. Assim, contemporaneamente ao estudo desse texto você deve ter em mãos a Bíblia e acompanhar a leitura das Cartas pastorais.

ESTRUTURA DE 1 TIMÓTEO 1,1–2

Introdução.

1,3–20

Os falsos mestres.

2,1–15

A oração pública.

3,1—4,16

Os ministros da Igreja.

5,1—6,2

Fiéis das comunidades.

6,3–21

Recomendações.

Introdução (1,1–2) Na introdução Paulo identifica que seu ministério apostólico é por ordem do Salvador, um título cristológico raro nas Cartas paulinas. O autor se dirige a Timóteo como “verdadeiro filho na fé”. Os falsos mestres (1,3–20) Em seguida, começam os argumentos. Paulo deixou Timóteo em Éfeso quando da viagem para a Macedônia. Havia por lá os que ensinavam falsas doutrinas, ligadas a tradições judaicas que, na compreensão de Paulo, não conduziam ao Evangelho. Eram frivolidades (1,6). Mais uma vez Paulo está envolvido em questões que, vindas do mundo judaico, agridem a experiência cristã de liberdade em Cristo Jesus. Em seguida (versículos 8–11) Paulo insiste na questão da Lei, que é para restringir o mal da parte dos iníquos, rebeldes, pecadores, perjuros etc. Ele elenca uma série de erros e comportamentos discordantes da Lei, dando a entender que é para eles que existe esta Lei. Subitamente Paulo inicia uma ação de graças pela experiência apostólica que o marca profundamente. Ele sente que, em si mesmo, “superabundou (…) a graça de nosso Senhor” (1,14). Em seguida declara que a vinda de Cristo ao mundo é para o resgate, a

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salvação dos pecadores. Com humildade e grande honestidade ele se declara o primeiro dos pecadores (1,15). Em 1,17 ele introduz do texto uma doxologia. A partir de todas estas observações, Paulo inicia algumas indicações a Timóteo. Líder da comunidade, Timóteo deve estar atento aos erros, combatendo o bom combate (1,18). A vida cristã e especialmente o compromisso apostólico é como um combate nesta carta e na 2 Timóteo. A oração pública (2,1–15) A oração é o tema deste passo. Primeiro Paulo recomenda a oração e apresenta motivações para ela. Depois justifica a intervenção de Deus na história e a necessidade de orar para vivenciar tudo isto. Em 2,8–15 o autor indica como deve ser o comportamento das mulheres. Elas devem ser modestas e sinceras em sua presença na comunidade, sem se impor e com simplicidade devem aprender. É curiosa esta norma, pois no passo seguinte parece que há referencias indiretas às mulheres diaconisas. Certamente Paulo tinha em mente situações concretas e a elas respondia com padrões de comportamento. Os ministros da Igreja (3,1—4,16) Aqui inicia-se uma série de recomendações aos responsáveis da Igreja. Primeiro são os epíscopos. As recomendações iniciam-se com “Fiel é esta palavra…” (3,1), expressão comum nas pastorais. Os epíscopos merecem várias recomendações de conduta que os colocam em destaque na comunidade. Estes epíscopos não devem ser identificados imediatamente com os bispos. São “supervisões” da comunidade. Algumas recomendações são dadas depois aos presbíteros (5,15–25). Os diáconos têm suas recomendações em seguida (3,8–14). Não é correto identificar os diáconos citados aqui com o ministério do diácono moderno. Este está mais voltado para funções litúrgicas ao passo que aqueles são mais relacionados à condução, organização da Igreja. No versículo 11 o autor dirige-se às mulheres, o que, dentro do contexto, parece ser as mulheres não dos diáconos, mas as mulheres diaconisas. Paulo passa depois a falar da “piedade”, que é o modo de ser do cristão no mundo. Em 3,16 encontramos mais um pequeno hino cristológico. Em 4,1–16 o Apóstolo aborda a situação dos “falsos doutores”. Eles são supostos cristãos que, presentes nas Igrejas e apoiados na doutrina dos apóstolos, disseminam ideias que não são as verdadeiras. Confundem a comunidade com propostas de comportamento e desviam do caminho de Cristo. Em 1,12 Paulo dirige-se a Timóteo citando sua “pouca idade” como uma possível dificuldade na condução da Igreja. Mas logo em seguida inicia as recomendações de conduta. Timóteo tem o “dom da graça” (versículo 14), recebido com a imposição das mãos do presbitério. As recomendações a Timóteo são válidas para todo aquele que tem uma responsabilidade de condução da comunidade. Fiéis das comunidades (5,1—6,2) Continuam as recomendações do Apóstolo. Primeiro são os anciãos, os que têm idade e precisam de correção pela sua conduta. Depois são outras categorias de pessoas: senhoras e moças.

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Uma atenção grande é dada às viúvas (5,3–16). Parece que são duas as situações aqui. Primeiro, deve haver o grupo das viúvas, uma espécie de serviço especial dentro da Igreja. Para este grupo só devem ser aceitas as mulheres já com certa idade e boa reputação. A outra situação é a das viúvas mais jovens que, segundo o Apóstolo, devem buscar o matrimônio para não se confundirem com sentimentos e situações que poderiam escandalizar a comunidade. Os presbíteros (5,17–25) merecem várias recomendações. Há um forte acento na realidade do ensino que os presbíteros apresentam. Para entrar neste grupo deve haver uma seleção e, com cuidado, uma preparação. Os escravos (6,1–2) devem estar também dentro do comportamento cristão e conhecer a doutrina. Por doutrina não se deve entender um conjunto de crenças, apenas. Deve se entender de modo especial os preceitos evangélicos. Recomendações (6,3–21) Depois de tudo isso o autor elenca uma série de recomendações. Inicia com a apresentação dos doutores cristãos. Eles devem ser a referência das comunidades, não imersos em discussões e palavreado inútil. Quem ensina deve fazê-lo para conduzir à verdade, não para destruir a comunidade. Parece que havia esta situação absurda: em vez do ensino da verdade, a confusão. Depois Paulo admoesta a Timóteo, mais uma vez. Ele é também um doutor e deve estar longe do erro. Em 6,11–14 há uma sequência de intenções que Timóteo deve vivenciar: “Mas tu, ó homem de Deus, foge desses vícios e procura com todo empenho a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Combate o bom combate da fé. Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e fizeste aquela nobre profissão de fé perante muitas testemunhas. Em presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas, e de Cristo Jesus, que ante Pôncio Pilatos abertamente testemunhou a verdade, recomendo-te que guardes o mandamento sem mácula, irrepreensível, até a aparição de nosso Senhor Jesus Cristo…” (1 Tm 6,11–14).

O autor retoma as recomendações diversas dirigindo-se aos ricos. Eles também deviam estar na comunidade e não podem colocar em seus bens a confiança. Devem, sim, partilhar. Desta forma estarão acumulando para a felicidade do futuro. O final da carta a Timóteo é rápido. Mais uma vez o autor insiste na renuncia ao palavreado. Estrutura e comentário à Carta 2 Timóteo ESTRUTURA DE 2 TIMÓTEO 1,1-5

Saudação e ação de Graças.

1,6-2,13

Pregar o Evangelho.

2,14-26

Os hereges.

3,1-17

Os últimos tempos.

4,1-8a

Testamento de Paulo.

4,8b-22

Notícias e saudações.

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Saudação e ação de Graças (1,1–5) A segunda carta a Timóteo tem um tom diferente da primeira. A primeira é muito pragmática, quase impessoal. Já a segunda é mais colorida com as experiências do Apóstolo. Logo em seguida à saudação, em que Timóteo aparece como “filho amado” (v. 2), Paulo faz a ação de graças lembrando-se e citando situações vivenciadas por Timóteo e por sua avó Lóide e sua mãe, Eunice. Estas notícias e recordações pessoais dão um “sabor” pessoal e intenso à carta. Pregar o Evangelho (1,6—2,13) Em seguida Paulo cita do “dom de Deus” que Timóteo recebera com a imposição das mãos (v. 6). Este é um gesto de transmissão de responsabilidade e missão. Timóteo não deve se envergonhar do que é e testemunhar o Evangelho. Paulo, mestre de Timóteo, apresentou a ele o “depósito”, isto é, o conjunto da fé e da doutrina. Isto deve ser guardado e transmitido. Como para demonstrar as condições da pregação do Evangelho Paulo apresenta situações de sofrimento que são reservados aos apóstolos. Timóteo deve ter sua mente e coração voltados para Jesus Cristo que realizada as promessas e é a segurança de quem crê. Entre 2,8 e 2,11–13 encontramos um hino a Cristo de notável beleza poética. Os hereges (2,14–26) Como na primeira carta aparecem os falsos doutores que, enganando a muitos, conduzem à doença que Paulo apresenta como uma gangrena. Ele cita dois dos falsos doutores que conduziram À perdição. Para evitar estes erros são apresentadas recomendações e atitudes de prudência. Como em 1 Timóteo aqui também a juventude de Timóteo pode ser intuída (2,22) e as virtudes são evidenciadas. Os últimos tempos (3,1–17) Depois, Paulo se alonga em recomendações quanto aos últimos tempos, no sentido de tempos posteriores ao anúncio do Evangelho e anteriores à vinda do Senhor. São os tempos do Apóstolo e agora de Timóteo. Podemos dizer que são os nossos tempos. A confusão, o erro, as oposições internas serão realidades gritantes. A fidelidade de Timóteo ao depósito da fé será a referência de todos. Testamento de Paulo (4,1–8a) Aqui temos textos de intensa expressão. Em um primeiro momento (4,1–5) Paulo faz admoestações a Timóteo. Depois (2,6–8), ele comenta sua situação. Sugere que está no final de sua vida e aguarda o martírio. “Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia, e não somente a mim, mas a todos aqueles que aguardam com amor a sua aparição” (2 Tm 4,6–8).

Notícias e saudações (4,8b–22) Depois, Paulo solicita a presença de Timóteo e dá notícias de sua situação. É dramática, quase solitária. Pede auxilio de Timóteo e de outros, inclusive Marcos que, se

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é o mesmo João Marcos da primeira viagem missionária, fora motivo da separação da parceria missionária de Paulo e Barnabé. Parece que os problemas estão já solucionados. No final declara uma confiança intensa no Senhor e na sua presença ao seu lado. Paulo não está desesperado com sua situação, mas consciente que cumpriu sua missão. Ele saúda seus colaboradores com intimidade e delicadeza. Estrutura e comentário à Carta a Tito ESTRUTURA DA CARTA A TITO 1,1–4

Introdução e votos.

1,5–16

Escolha dos ministros.

2,1–15

Deveres de estado.

3,1–11

Estranhos na comunidade.

3,12–15

Notícias e saudações.

Introdução e votos (1,1–4) Paulo inicia sua carta com intensidade, dedicado à verdade e seguro da salvação operada em Cristo Jesus. Tito é chamado de “verdadeiro filho na fé comum” (v. 4). Escolha dos ministros (1,5–16) Imediatamente começam as recomendações a respeito dos presbíteros. Eles são apresentados como “ecônomos”, isto é, administradores da comunidade. São elencadas suas virtudes (v. 7–9). Mais uma vez aparece o problema dos falsos doutores que enganam a muitos. Paulo evidencia uma situação concreta de engano. Tito deve ter sua atenção voltada para a verdade do Evangelho, não para fábulas judaicas e mandamentos humanos. Deveres de estado (2,1–15) Depois vem uma série de deveres próprios de algumas categorias de fiéis. O fundamento desta série de recomendações é a graça que o fiel traz consigo. Se ele está nela, então têm virtudes que deve viver. Outros deveres (3,1–11) Como se não bastassem as recomendações do passo anterior, agora o autor elenca e comenta deveres e situações que devem ser olhadas com atenção. No final, a referência à ação de Deus como motivo para a fidelidade. Aqui também, como em 1 e 2 Timóteo, aparecem as recomendações de não dar valor e atenção para conversas e comportamentos inadequados. Paulo indica a conduta frente ao erro e propõe solução. Notícias e saudações (3,12–15) Em poucos versículos o Apóstolo dá notícias de sua situação e saúda seus colaboradores e amigos.

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Questões relativas às pastorais Autenticidade INFORMAÇÃO: Não apresentamos, ao longo destas unidades, quaisquer referências a “biografias” de Paulo ou a alguma obra que se proponha a compor uma “vida” de Paulo. Isto foi proposital, pois o que mais deve interessar a você é o conteúdo teológico das Cartas e do “Evangelho de Paulo”. Julgamos, contudo oportuno apresentar na bibliografia final algumas obras que podem ser de grande utilidade para iluminar e direcionar as suas pesquisas.

As pastorais são autênticos testemunhos a respeito de Paulo e frutos de seu desejo ou são elaborações posteriores a ele, escritas por um discípulo anônimo e propostas como expressão de seu pensamento. Em outras palavras: as pastorais são protopaulinas ou deuteropaulinas? As opiniões são divergentes. Há uma forte tendência em indicá-las como deuteropaulinas, mas não nos parece ser correto apresentar apenas esta opinião. Assim, vamos abordar algumas possibilidades a respeito. Cronologia dos fatos Alguns estudiosos julgam ser difícil harmonizar a cronologia de Atos dos Apóstolos. Quais são as viagens citadas nas pastorais? Quando Paulo deixou Timóteo em Éfeso e Tito em Creta? O cativeiro romano citado em Atos 28 não pode ser o citado em 2 Timóteo. Se colocarmos os fatos relativos a Paulo e sua conduta, citados ou intuídos nas pastorais, não há respaldo narrativo em Atos. Mas, não é conveniente considerar Atos dos Apóstolos como uma biografia de Paulo, dos outros apóstolos e discípulos nem mesmo da Igreja uma crônica da Evangelização. O que Atos dos Apóstolos intenta é, conforme o plano teológico e literário de seu autor, demonstrar a difusão do Evangelho “…em toda a Judéia e Samaria e até os confins do mundo” (At 1,8). Chegando em Roma Paulo está nos “confins do mundo”, relativamente a Jerusalém. O autor de Atos desejava apresentar esta difusão crescente da mensagem do Evangelho e do conhecimento e adesão de Jesus. Não foi sua intenção fazer biografia de Paulo. Aliás, isso é muito claro quando se vê alguns episódios narrados em Atos serem muito extensos, embora não tenham grande importância cronológica. Ao invés, outros que poderiam ser mais pormenorizados passam quase despercebidos. Mas a questão é a importância teológica da narrativa. Isto é o que conta para o autor de Atos. Por outro lado ele se contenta com a chegada do Evangelho a Roma. Se desejasse fazer biografia teria ido até o fim da vida de Paulo. Assim, as diferenças entre Atos e as situações das pastorais não justificam que estas sejam posteriores a Paulo, que tenham sido escritas por um discípulo e a ele atribuídas. Questões literárias O vocabulário das pastorais é muito diferente do vocabulário das outras Cartas paulinas, especialmente das “grandes Cartas”, Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas. Há expressões que são únicas, a chamada hapax legomenon, isto é, expressão ou palavra usada uma única vez. Isto indica que o autor ou autores das pastorais são outros, não Paulo. Mas, notemos que muitas destas expressões hapax legomena são circunstanciais, como avô, estômago, manto, pergaminho etc. São palavras nascidas da argumentação em questão, não diferenças de pensamento. Quando o texto de 1 Coríntios apresenta a palavra idolotitos, que são sacrifícios oferecidos aos ídolos, e ela não aparece em qualquer outro escrito seguramente paulino, isto implica que 1 Coríntios não seja paulina. Implica sim que o assunto era relacionado apenas àquela carta. As Cartas pastorais apresentam termos e circunstâncias muito próprias das relativas aos pastores e líderes de comunidade. Os serviços ou funções eclesiais são ainda muito elementares. Não há, por exemplo, uma distinção clara entre presbíteros e epíscopos. Em meados do século 2º esta distinção já existe, por exemplo, nas Cartas de Inácio de Antioquia e na carta de Clemente Romano.

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Qual sequência seguir? Qual sequência supor, então, para os fatos em seguida àqueles narrados em Atos? Sugerimos o que alguns estudiosos já propõem. Paulo teria deixado o cativeiro romano depois de dois anos, sem uma condenação. Pórcio Festo não achara nada em Paulo digno de condenação. Teria mandado seus relatórios para Roma e Paulo teria sido beneficiado da situação. Depois de ter deixado a prisão romana pelo ano 63, Paulo pôde ter seguido para a Espanha. Retornou e, em Creta, deixou Tito, indo para Éfeso, onde deixou Timóteo e partiu para a Macedônia. Lá, depois de algum tempo, escreveu 1 Timóteo e Tito, provavelmente entre os anos 64 ou 65. Deixou Éfeso, foi feito prisioneiro lá ou em outro local, foi levado para Roma, onde em prisão rigorosa escreveu, pelo ano 67, a 2 Timóteo. Segundo uma antiga tradição Paulo teria sido martirizado em Roma pelo ano 67.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

INFORMAÇÃO: Esta sequência de fatos não é arbitrária. Mas, segue a opinião de estudiosos gabaritados. Confira, a respeito, os comentários de MURPHYO’CONNOR, Jerome. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, páginas 345–374. Confira também BRUCE, F. F. Paulo, o apóstolo da graça. Sua vida, cartas e teologia. Santo Amaro: Shedd publicações, 2008, páginas 429–443.

O surgimento de Paulo no horizonte do Cristianismo nascente foi o passo decisivo para uma grande mudança. Sua atuação junto à sociedade de seu tempo, interpretando o Evangelho para as estruturas e circunstâncias da vida e da história foi o que determinou um certo sucesso da fé em Jesus Cristo. Paulo escreveu sem pretensões de estabelecer princípios teológicos, mas acabou por tornar-se o primeiro pensador cristão e o que primeiro testemunhou o fenômeno cristão, da parte de Jesus Cristo e seu Evangelho e da parte das comunidades cristãs. As Cartas paulinas ou o corpus paulinum é o testemunho mais antigo do conjunto da mensagem cristã e das suas consequências. Embora com todas as dificuldades de interpretação e contextualização que podem apresentar, em alguns pontos ou em maior parte, as Cartas evidenciam o momento e os argumentos que vão tornar-se os alicerces da sociedade cristã futura. O corpus paulinum é a melhor expressão da originalidade cristã em ação, isto é, sem a sistematização do querigma e da catequese que vai se estabelecer futuramente com a redação dos Evangelhos canônicos. As Cartas pastorais, em que pese as possíveis dificuldades de interpretação de sua origem, demonstram o estado da Igreja frente à sociedade e são, também elas, fontes de teologia e prática cristã original. Nela podemos encontrar não apenas o ardoroso evangelizador, mas o apaixonado homem que dedica sua vida e seu amor a uma missão que por sua vez o faz mais e mais realizado.

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E-REFERÊNCIAS

Figura 1 - Paulo pregando o Evangelho: disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2009. Figura 2 - Jesus cruscificado: disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2009. Figura 3 - Cartas de Paulo: disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2009.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BORNKAMM, Günther. Paulo. Vida e obra. Trad. Bertilo Brod. Santo André: Academia Cristã, 2009. BRUCE, F. F. Paulo, o apóstolo da graça. Sua vida, cartas e teologia. Santo Amaro: Shedd publicações, 2008, p. 429–443. CARREZ, M. DORNIER, P. DUMAIS, M. TRIMAILLE, M. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 245–250. DODD, Charles Harold. A mensagem de São Paulo para o homem de hoje. São Paulo: Paulinas, 1981. HAWTHORNE, Gerald F; MARTIN, Ralph P; REID, Daniel G. Dicionário de Paulo e suas cartas. Tradução de Bárbara Theoto Lambert. São Paulo: Paulus, Vida Nova, Loyola, 2008, p. 181–191. HEYER, C. J. den. Paulo: um homem de dois mundos. Tradução de Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo: Paulus, 2009. MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 345– 374. MURPHY-O’CONNER, Jerome. Jesus e Paulo: vidas paralelas. São Paulo: Paulinas, 2008. MURPHY-O’CONNER, Jerome. Paulo de Tarso. História de um apóstolo. Tradução de Valdir Marques. São Paulo: Paulus, Loyola. 2007. PATTE, Daniel. Paulo, sua fé e a força do Evangelho. São Paulo: Paulinas, 1987. QUESNEL, Michel. Paulo e as origens do cristianismo. Tradução de Paulo Ferreira Valério. São Paulo: Paulinas, 2004. SAMPLEY, J. Paul. Paulo no mundo grego-romano. Um compêndio. Trad. José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 2008. VAN DEN BORN, A. (Org.). Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Tradu. Frederico Stein. Petrópolis: Vozes, 1971, colunas 1133–1136.

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