Alma de Gente Negra

DU BOIS, W.E.B.(Willian Eduard Burghardt). As almas da Gente Negra; tradução, introdução e notas, Heloísa Toller Gomes.

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DU BOIS, W.E.B.(Willian Eduard Burghardt). As almas da Gente Negra; tradução, introdução e notas, Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda ED., 1999. Por Clarissa F. do Rêgo Barros 1 “Ouça meu apelo, ó Deus que me Lê; fazei-me com que este meu livro não caia, natimorto, nas selvas do mundo. Que de suas folhas jorrem, Doce Senhor, vigor de pensamento e ação previdente para colher a maravilhosa colheita. Que aos ouvidos de um povo culpado soe a verdade, e que setenta milhões suspirem pela justiça que exalta as nações, nestes tempos sombrios em que a fraternidade humana converteu-se em zombaria e escárnio. Assim, segundo os vossos desígnios, possa a razão infinita reparar o erro, e que estas imperfeitas marcas numa folha frágil não sejam na verdade o FIM” (p.313) As palavras citadas acima de W.E.B Du Bois encontradas na reflexão final do livro The Souls of Black Folk, publicado em primeira edição no ano de 1903, alude a um período histórico nos EUA em que diferentes lideranças negras tentavam resolver ou minimizar as diferenças e desigualdades entre brancos e negros livres. Para Du Bois, a militância unia o pensamento e a ação, construídos por meio de uma conscientização histórica da importância dos segmentos afro-descendentes presentes nos EUA, via a oportunidade da educação e também da noção de liberdade política a partir do voto. O apelo do autor em palavras simples e diretas, colaborou para uma noção de liderança diferente das que haviam sido construídas com o fim da escravidão nos estados do sul coincidindo também com o fim da guerra civil americana em 1865. Tal concepção é fruto da própria trajetória de vida de Du Bois, até então atípica a grande maioria dos afro-americanos diante do universo segregacionista e racista que se construíam paulatinamente nos EUA. Nascido em Great Barrington, Massachussets, W.E.B Du Bois foi aluno do curso secundário, sendo o único negro a formar-se em uma turma de treze alunos. Em 1885 ingressa na Fisk University em Nashville, Tenesse, onde estudou alemão, grego, latim, literatura clássica, filosofia ética, química e física.

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Clarissa F. do Rêgo Barros é Historiadora, professora e mestranda da Pós- Graduação em Serviço Social da UERJ. Bolsista da Faperj.

Nos verões e 1886 e 1887 torna-se professor de Alexandria, próximo a Tenesse e se impressiona com as músicas negras cantadas nas igrejas.Em 1888 ele se forma na Fisk University e em 1889 é admitido em Harvard onde vai estudar Ciência Política. Em 1895 Du Bois torna-se o primeiro negro Ph.D em Harvard. Paralelo a formação e educação de Du Bois, o período histórico a qual o autor está inserido estabelece uma sucessão de fatos que circunscreve a insatisfação dos Estados do Sul, não só com a perda da guerra civil como também, com a abolição da escravidão. Apesar do fim do confronto armamentício, as províncias sulistas passam a utilizar do direito e da liberdade política para validar leis contra a cidadania dos negros. Leis legitimadas pela Corte Suprema como as Jim Crow aprovadas em Tenesse no ano de 1883, que sancionaram espaços públicos separados para negros e brancos anulando a emenda dos direitos civis comuns a todos os cidadãos americanos. Em 1890 no Mississipi, inicia-se um período onde as demais províncias optaram não só por separar como também por suprimir os direitos eleitorais dos negros. Em 1896 é votada a doutrina “separate but equal” 2 e posteriormente em 1919 as Ku Klux Klan3 começam a expandir por todo o sul. A experiência como professor no verão e também a formação acadêmica crítica, trouxe a Du Bois o interesse em entender a experiência dos negros em seu país e no mundo, para a compreensão de um destino diferente dos brancos, onde o distanciamento da oportunidade de integração dos negros na sociedade se dava por meio de barreiras cotidianas, vistas pelo próprio Du Bois como a “sombra do véu”, ou seja, a barreira do preconceito racial e da discriminação, que construíam “altas paredes” distanciando a comunidade afro-americana da liberdade civil. É neste universo de lutas pela liberdade que se formam nos EUA diferentes lideranças negras, que ganharam voz no final do século XIX para o inicio do século XX, dentre eles

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A doutrina separate but equal foi fruto de uma autorização da Corte Suprema legitimando a segregação em acomodações e serviços públicos em 1896 nos EUA, que vigoraram até o ano de 1960. 3 Com a intensificação dos conflitos raciais nos EUA, em 1919, a Ku Klux Klan, grupo de perseguição e extermínio aos negros formado no sul, expande-se por mais de 27 estados, organizando manifestações alicerçadas em idéias darwinistas e de pacifismo por meio de linchamento a grupos negros minoritários, dentre os quais oficiais uniformizados.

Booker T Washington4 e Du Bois como vozes mais expressivas em favor da liberdade civil e dos direitos, porém com caminhos opostos. Estas diferenças pontuaram praticamente toda a obra do autor que justificara a importância da educação e a superação do preconceito e da discriminação por meio da luta política. “(...) uma educação que incite a aspiração, que estabeleça como meta os ideais mais elevados e que privilegie como finalidades a cultura e o caráter em vez do ganha-pão constituiu o privilégio dos brancos, e o perigo e o delírio dos negros”. (p.149) O posicionamento de Du Bois quanto à educação como um instrumento de luta e de ascensão dos negros é pontuado durante toda a sua obra como uma forma de diferenciar a educação como cultura da educação industrial proposta por Booker T.Washington. Neste sentido, o autor considerava que aderir aos interesses industriais do país e viabilizar a emancipação por meio do trabalho como ascensão social, seria contribuir para a assimilação histórica e cultural sofrida pelos negros ao longo de toda a diáspora realizada a partir escravidão. A educação industrial é a negação dos diretos, visto que a verdadeira emancipação está na aprendizagem, na universidade e na escola. A obra de Du Bois está dividida em 16 capítulos. O primeiro capítulo: Sobre as nossas lutas espirituais, o autor inicia uma apreciação conceitual sobre a compreensão do racismo a partir da duplicidade entre o negro e o americano, descritas pelo autor como “um mundo que não lhe concede a verdadeira consciência de si, mas que apenas lhe permite ver-se por meio da revelação do outro mundo”. 5 Nestas primeiras páginas o autor posiciona-se frente à importância do voto para a superação do racismo e como fonte de liberdade. No capítulo II Sobre a Aurora da Liberdade, o autor faz uma longa descrição histórica sobre o processo de abolição nos EUA e a intenção de legitimação do trabalhador livre, frente à barreira racial como um entrave às oportunidades dos negros e a segregação racial, justificando o não direito dos afro-americanos ao não alcance total da liberdade.

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Booker T Washington (1858 – 1915): nasceu escravo na Virginia e foi um grande líder comunitário negro. Escreveu onze livros que propunham linhas de ação para ascensão da comunidade negra junto as mais altas autoridades negras, compondo um posicionamento moderado e uma ação pragmática por meio a alocação dos negros ao operariado. Esta postura de diferenciava totalmente da visão de Du Bois, que se colocava a favor de uma luta política por meio do voto e da participação de toda a comunidade negra, neste sentido, a educação era o caminho principal para compreensão do papel e da história dos afroamericanos como sujeitos sociais. 5 Ver página 54 para ver a citação completa.

No terceiro capítulo: Sobre o Sr. Booker T Washington e outros, Du Bois disserta sobre a liderança comunitária de Washington. Neste capítulo é possível compreender os diferentes posicionamentos e lideranças da época, que buscavam a inserção dos negros na sociedade. Nos capítulos IV e V, o autor faz uma longa descrição dos lugares que trabalhou no sul e também das antigas experiências como professor em Alexandria e Tenesse. Este universo das províncias do sul e da situação dos negros como donos de propriedade e também libertos somam-se aos capítulos VII, VIII e IX, onde é possível por meio das descrições sociológicas do autor observar a realidade “por de trás do véu”. No capítulo VI Sobre a Instrução dos Negros Du Bois deixa claro a importância da educação como emancipação humana e também frente à conquista da liberdade. Neste capitulo observa-se como a trajetória do autor influência o posicionamento político diferenciado de outras lideranças e também da dificuldade de alcançar a educação básica e universitária para os negros nos EUA. No décimo capítulo Sobre a Fé de nossos pais, por meio da religião o autor realiza um retrospecto das antigas transformações africanas, e a ênfase no caráter comunitário como algo singular dos negros e das black churches, presentes na música6 e formação das lideranças por meio dos pastores das igrejas 7. Um livro que apresenta dentro da estrutura de capítulos a voz de um narrador, que procura por meio do relato descrever o cotidiano de uma época, e como referência histórica, e do lugar da onde fala se coloca como a voz de um negro, como pessoa, militante e escritor: W.E. B Du Bois. Por isso, é muito comum nos departamentos e grupos de pesquisa acadêmica, encontrar este livro circulando como fonte de estudos para compreensões teóricas e históricas do período pós-abolicionista nos EUA. The Souls of Black Folk declara “o problema do século XX como o problema da barreira racial”, afirmando a existência de dois mundos: um dentro e outro fora do Véu, denunciando uma realidade aparentemente particular dos EUA e do período histórico a que o livro está inserido, mas ao mesmo tento permitindo compreender um sentimento intrínseco de quem sofre o preconceito, e das armadilhas políticas utilizadas para invalidar a cidadania de muitos grupos minoritários. Neste sentido, o livro de Du 6

Falando em música, como epígrafe de cada capítulo, Du Bois apresenta trechos de melodias de canções da época, que resumem em lirismo o que será exposto pelo autor posteriormente. 7 O interessante em quase toda a obra do autor é que ele inicia os capítulos a partir de trechos de músicas. Mas neste capítulo o autor demonstra a importância da igreja para cultura negra e também para formação destas lideranças, onde podemos observar futuramente o surgimento do próprio Martin Luter King como líder comunitário nos anos de 1960.

Bois extrapola a reflexão de uma época e passa ser lido por grupos e movimentos sociais contemporâneos, onde o racismo como problema não se particulariza apenas no século XX, ele se sobrepõem ao século XXI na expectativa de solução, estudo e compreensão. Apesar da realidade de segregação, o discurso da importância das oportunidades e do direito como a voz de liberdade em uma sociedade racista e preconceituosa perpassa o discurso de movimentos atuais e também a cabeça de muitos jovens integrantes do movimento negros. Observar o medo que rondava a cabeça do autor nas primeiras publicações de As Almas da Gente Negra e a repercussão de uma obra como a voz de um militante negro consagrado fora dos EUA, permite a observação de uma das grandes atividades políticas do autor: o pan-africanismo 8, como um mecanismo de luta contra o imperialismo. “(...) a liberdade de trabalhar e pensar, a liberdade de amar e aspirar. Trabalho, cultura e liberdade – precisamos de todos, não separadamente mas todos juntos, não sucessivamente mas em conjunto, todos crescendo e ajudando – se mutuamente, todos empenhando-se em prol desse ideal mais amplo que paira diante do povo negro, o ideal da fraternidade humana, adquirida por meio do ideal unificador da Raça (...)”.(p.61). Como um convite a conquista da liberdade em forma de um movimento articulado e organizado frente a uma causa comum: o combate ao racismo e a busca da liberdade, The Souls of Black Folk traz em suas longas páginas não só as idéias de um militante que idealiza a união do povo negro, o livro também descreve a história e o relato de quem viveu um período de ausência de cidadania na comunidade negra americana. O bravo posicionamento político de Du Bois levou muitas pessoas a acreditarem que o autor havia morrido em 1915 no mesmo ano da morte de B. T Washington, em meio a efervescência dos conflitos entre brancos e negros e da Ku Klux Klan. No entanto, o sonho de unidade perpassava a idéia da criação de uma Enciclopédia Africana, motivos pelo qual o autor passou a morar em Gana, aonde em 1963 veio a

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O Pan Africanismo foi um movimento surgido após a II Guerra Mundial, com o objetivo ideológico e revolucionário de garantir a libertação dos povos africanos do colonialismo. Tomando diretrizes globais, dois líderes se destacaram com ações políticas diferentes: Marcus Garvey e W. E. B Du Bois. Pra o que nos interessa, Du Bois percebia o problema do século XX como o racismo e para a superação do mesmo acreditava na unidade entre todos os afro- descendentes, visto que, para o autor além do racismo todos os negros sofriam o julgo do imperialismo.

falecer, deixando um legado de lutas e a certeza da importância da defesa e do alcance dos direitos. Um ano após a publicação de As Almas da Gente Negra, Du Bois escreve as seguintes palavras no Independence em outubro de 1904, o que ficou conhecido pelos estudiosos das obras e da vida do autor como o “Credo de Du Bois” 9: “I believe in Liberty for all men; the space to stretch their arms and their souls; the right to breathe and the right to vote, the freedom to choose their friends, enjoy the sunshine and ride on the railroads, uncursed by color; thinking, dreaming, working as they will in a kingdom of God and love”.

Outras obras do autor W.E.B. Du Bois Mortality Among Negroes in Cities, Atlanta University Publications no. 1 (Atlanta: Atlanta University Press, 1896) Social and Physical Condition of Negroes in Cities, Atlanta University Publications no. 2 (Atlanta: Atlanta University Press, 1897) Some Efforts of American Negroes for Their Own Social Betterment, Atlanta University Publications no. 3 (Atlanta: Atlanta University Press, 1898) The Negro in Business, Atlanta University Publications no. 4 (Atlanta: Atlanta University Press, 1899) The Negro Artisan: A Social Study, Atlanta University Publications no. 7 (Atlanta: Atlanta University Press, 1902) The Negro Church, Atlanta University Publications no. 8 (Atlanta: Atlanta University Press, 1903) Some Notes on Negro Crime Particularly in Georgia, Atlanta University Publications no. 9 (Atlanta: Atlanta University Press, 1904) A Select Bibliography of the Negro American, Atlanta University Publications no. 10 (Atlanta: Atlanta University Press, 1905) 9

Maiores informações sobre Du Bois: http://www.library.umass.edu/spcoll/digital/digitaldubois.htm onde são encontrados nos hiperlinks abaixo um longo acervo sobre o autor, descritos como: W. E. B. Du Bois Library. Os direitos autorais desta carta deixada pelo autor também são de responsabilidade dos arquivos da Universidade de Massachussetts, disponível a todos pelo acesso gratuito via internet. © 2004 University of Massachusetts Amherst. Site Policies. This site is maintained by Special Collections & University Archives.

Economic Co-Operation Among Negro Americans, Atlanta University Publications no. 12 (Atlanta: Atlanta University Press, 1907) The Negro American Family, Atlanta University Publications no. 13 (Atlanta: Atlanta University Press, 1908) Efforts for Social Betterment Among Negro Americans, Atlanta University Publications no. 14 (Atlanta: Atlanta University Press, 1909) The College-Bred Negro American, Atlanta University Publications no. 15 (Atlanta: Atlanta University Press, 1910) The Negro American Artisan, Atlanta University Publications no. 17 (Atlanta: Atlanta University Press, 1912) Morals and Manners Among Negro Americans, Atlanta University Publications no. 18 (Atlanta: Atlanta University Press, 1914) Select Discussions of Race Problems, Atlanta University Publications no. 20 (Atlanta: Atlanta University Press, 1916) The Suppression of the African Slave Trade to the United States of America, 1638-1870. (New York: Longmans, Green, and Co., 1896). The Conservation of the Races. American Negro Academy Occasional Papers 2 (1897). Darkwater: Voices from Within the Veil (New York: Harcourt, Brace, and Co., 1920). The Negro (New York: Henry Holt, 1915). The Philadelphia Negro: With a Special Report on Negro Domestic Service in the Seventh Ward, Philadelphia (New York: Lippincott, 1899). (courtesy Larry R. Ridener of Pfeiffer University). The Quest of the Silver Fleece (Chicago: A.C. McClurg, 1911). Souls of Black Folk (Chicago: A. C. McClurg, 1903).

Bibliografia Utilizada:

DU BOIS, W.E.B.(Willian Eduard Burghardt). As almas da Gente Negra; tradução, introdução e notas, Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda ED., 1999. Pesquisa no site sobre a biografia de W.E.B Du Bois: Universidade de Massachussets.