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ARÍSÙN - O Ritual Fúnebre no Batuque do RS. Rudinei Borba Pesquisador Independente e Autodidata Fevereiro / 2013 RESUM

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ARÍSÙN - O Ritual Fúnebre no Batuque do RS.

Rudinei Borba Pesquisador Independente e Autodidata Fevereiro / 2013

RESUMO O propósito do nosso trabalho é estudarmos o ritual fúnebre conhecido como Arísùn no Batuque do Rio Grande do Sul, onde traçaremos um paralelo com a diáspora tradicional

yorùbá,

demonstrando

que

nosso

culto

preservou,

mesmo

que

resumidamente, a ritualística não aculturada yorùbá. Através deste texto, talvez possamos entender melhor os conceitos que envolvem a morte e o culto dos Éégún.

PALAVRAS CHAVES: Batuque, yorùbá, morte, arísùn, éégún, ìgbàlè, ìsinkú, ancestrais, funeral, velório, sono.

ABSTRACT The purpose of our work is to study the funeral ritual known as Arísùn Batuque in Rio Grande do Sul, where outline a parallel with the traditional Yoruba diaspora, demonstrating that our worship preserved, even if briefly, the Yoruba acculturated not ritualistic. Through this text, perhaps we can better understand the concepts that involve death and the cult of Éégún.

KEYWORD: Batuque, yorùbá, death, arísùn, éégún, ìgbàlè, ìsinkú, ancestors, funeral, wake, sleep.

ARÍSÙN - O Ritual Fúnebre no Batuque do RS – Rudinei Borba

` run Bàbá Egúngún olo´mo ki nsùn, mú dake ti O “Um ancestral que possui filhos e devotos não dorme e não silencia no Orun”.

2

ARÍSÙN - O Ritual Fúnebre no Batuque do RS – Rudinei Borba

SUMÁRIO

1.

Introdução ...............................................................................................................5

2.

A Importância do Culto Éégún ............................................................................... 6

3.

A Morte ................................................................................................................. 10

4.

O Ìsinkú (o Funeral) .............................................................................................. 15

4.1. A Exposição do Corpo Morto ............................................................................... 16 4.2. O Preparo do Caixão ............................................................................................. 18 4.3. O Velório ............................................................................................................... 20 4.4. O Cortejo Fúnebre ................................................................................................. 21 4.5. O Sepultamento ..................................................................................................... 22 5.

O Arísùn ................................................................................................................ 23

5.1. O Sacrifício dos Animais na Noite do Sexto Dia................................................. 25 5.2. A Mesa do Café: A primeira ou a última refeição com o morto? ......................... 26 6.

O Ìgbalè ................................................................................................................. 27

7.

Considerações Finais ............................................................................................. 29

8.

Referências Bibliográficas .................................................................................... 30

3

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SUMÁRIO DE IMAGENS

Imagem 1 ........................................................................................................................ 33 Cortejo Fúnebre yorùbá (1) realizado na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto Imagem 2 ........................................................................................................................ 33 Cortejo Fúnebre yorùbá (2) realizado na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto Imagem 3 ........................................................................................................................ 34 Mulheres (Ìsokún) despedindo-se do morto na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto Imagem 4 ........................................................................................................................ 34 Bebida servida aos convidados do funeral na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto Imagem 5 ........................................................................................................................ 35 Um descendente tendo contado com Éégún na Nigéria Foto sem informação Imagem 6 ........................................................................................................................ 35 Integrantes da aldeia levando tecidos novos para que fosse ofertado ao morto no momento do preparo de seu funeral.

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é estudarmos o nosso ritual fúnebre conhecido por Arísùn1 no Batuque do Rio Grande do Sul, buscando explicações filosóficas e culturais na religião tradicional yorùbá2, onde poderemos ter um entendimento mais amplo dos nossos rituais, observarmos o quanto o nosso culto conseguiu preservar algumas particularidades em relação ao praticado pela diáspora africana não aculturada. Não adentraremos no vasto conteúdo ritualístico do nosso Batuque, como número e cor de velas, cor das aves e da pelagem dos animais a serem sacrificados, de como sacralizar um ìgbàlè3, como montar sacos do carrego, etc. Entendemos que este assunto já foi discutido por outros autores afro-gaúchos. Focalizaremos nosso trabalho no entendimento da importância do culto ancestral no Batuque, tentando desmistificar o sentimento de medo do culto Éégún4 e registrarmos o quanto preservamos sua ritualística. O trabalho se dividirá em cinco partes, como segue: A Importância do Culto Éégún; A Morte; O Ìsinkú (funeral); O Arísùn; O Ìgbalè.

1. Podendo ser traduzido como “Aquele que viu o sono” (a tradução é nossa), assunto que será amplamente estudado no decorrer do nosso trabalho. 2. Os Iorubás (em iorubá: Yorùbá) são um dos maiores grupo étno-linguístico ou grupo étnico na África Ocidental, composto por 30 milhões de pessoas em toda a região. Constituem o segundo maior grupo étnico na Nigéria, com aproximadamente 21% da sua população total. 3. Casa dos mortos, Ilé-Éégun, podendo ser traduzido como “terra dos ancestrais” (a tradução é nossa). 4. Forma abreviada da palavra Egúngún, querendo dizer “Mascarado”, ou seja, espírito materializado de um ancestral, antepassado.

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A IMPORTÂNCIA DO CULTO ÉÉGÚN

Cultuar Éégún é a forma de manter viva nossa ancestralidade, pois sem a presença desta não seríamos nada, não teríamos vivido e com certeza não estaríamos escrevendo este texto. Acreditamos que existe a necessidade de colocarmos a ancestralidade numa posição mais viva e presente, em um patamar digno, sem falsos dogmas ou misticismos, para que a mesma deixe de ser temida, ou até mesmo deixar de ser confundida e ou vinculadas a um Iwin5 ou até mesmo um Ajogun6. Cultuar Éégún é o mesmo que cultuar o espírito de nossos mortos (ancestrais), estes reverenciados em conjunto ou de forma individualizada no ìgbàlè. Ser reverenciado como Éégún não é simples, pois o iniciado no culto de Òrìsà deve ter passado por princípios de condutas exemplares no àiyé7, vivendo dentro dos princípios básicos de honestidade, moral, ética e um caráter digno de ser louvável até mesmo após a morte. Abímbólá8 (1971, p. 03-04) descreve muito bem importância do culto Éégún dentro do âmbito familiar e religioso, como segue:

[...] Acredika-se, que após as divindades rea1izarem suas funções por um 1ongo kempo, os Òrìsà rekornaram para o òrun, onde e1es eskão aké agora ajudando O1ódùmarè como represenkankes. Gera1menke,

crê-se

que

os

Òrìsà

sejam

prokekores

dos

seres

humanos

conkra as forças do ma1, conhecidas co1ekivamenke como ajogun, e desempenham a função de inkermediários enkre a humanidade e O1ódùmaré. Os Òrìsà, enkrekanko, deverão prokeger apenas aque1es que paukam pe1a mora1, e kem uma vida honeska e juska, e punem os homens que prakicam o ma1. Quando e1es eskão zangados com os seres humanos, e1es podem gera1menke aceika em seu nome.

ser

apaziguados

com

sacrifícios,

que

Èsù

5.

Espírito perturbador ou escurecido. Também conhecido como ser imaginário de forma humana.

6.

São os Ajogun: Òfò – Prejuízos, Ègbà – Paralisia, Èjò – Problemas, Èpè – Maldição, Èwòn – Prisão, Èse – qualquer outro malefício que possa afetar os seres humanos, entre outras energias maléficas.

7.

Espaço visível que habitamos e que coexiste paralelamente com o espaço abstrato (òrun).

8.

Wándé Abimbólá recebeu da maioria dos Bàbáláwo o título Àwíse Àgbàiyé – Porta voz mundial da cultura yorùbá no mundo.

6

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Os anceskrais, co1ekivamenke chamados de òkú-òrun, conforme à crença dos Yorùbá, kambém eskão no òrun. Enkre os Yorùbá, kodo adu1ko que morre [e kem merecimenko], vem a ser um anceskra1, e um pequeno òrìsà em seu próprio 1oca1. A morke, enkrekanko, é viska como um meio de kransformação dos seres humanos, de um níve1 de exiskência, no àiyé, para oukro níve1 de exiskência, no òrun. Quando um homem muda de um níve1 de exiskência para oukro, e1e [se kiver merecimenko], aukomakicamenke adquire grande poder e aukoridade e vem a ser um òrìsà para sua própria famí1ia ou 1inhagem. Porkanko, kodo Yorùbá que kem pai e/ou mãe morko, faz sacrifícios para e1e ou e1a, periodicamenke, com preces para uma vida próspera e boa. Os anceskrais,

assim como os Òrìsà,

acredika-se que são amigos dos

homens. E1es os prokegem dos ajogun e agem como inkercessores enkre os homens e os Òrìsà. A re1ação dos anceskrais para com os seres humanos é mais ínkima, mas e1es, como os Òrìsà, precisam ser propiciados com sacrifícios, e kambém podem ficar zangados com um homem que fa1ha com seus deveres fami1iares, ou sua conduka mora1, manchando o nome da famí1ia do qua1 e1e, anceskra1, kambém faz parke. [...]

Através da fala de Abímbólá compreendemos o papel importante de um ancestral para sua família religiosa, bem como, na forma cultuada dos mesmos, presente junto ao culto dos Òrìsà, nos ajudando, nos conduzindo a um bom caminho e dando assistência as nossas vidas. Percebemos também que os Éégún estão separados dos Ajogun, que é suficiente para entendermos que os nossos ancestrais não estariam em posição de nos causar danos as nossas vidas, muito pelo contrário, o autor mencionado diz que eles nos ajudam a superarmos nossos obstáculos da vida, afinal, somos seus descendentes vivendo paralelamente no mundo visível. Pensamos que render culto a um Éégún é tão importante quanto cultuar nossos Òrìsà, pois um yorùbá acredita que não há um sem o outro. Um Éégún só será honrado após a morte se tiver tido uma vida digna, podendo se tornar mais tarde um protetor de sua família. Quando um patriarca ou matriarca de nossa família está viajando9, geralmente a estrutura familiar fica abalada, mas com a ajuda contínua do ancestral que obteve o

9. Dentro do pensamento tradicional yorùbá, nunca se a expressão “morrer”, onde para os mesmos um ancestral nunca morre, pois seria o mesmo que aniquilar sua existência. Acredita-se que a pessoa faz Sùn (dorme) e ou está viajando, o que dá o entendimento que poderá voltar de viagem a qualquer momento, ou seja, reencarnando num de seus descendentes.

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privilégio de anteceder do òrun10, acaba regrando os bons costumes e o caráter de seus descendentes. Muitas vezes quando um filho acaba caindo no submundo das drogas, no alcoolismo, no roubo e todos os aspectos influenciados pelos Ajogun, são comuns até mesmo dentro da nossa cultura familiar, escutar: “Se o seu (pai) e ou no caso sua (mãe) estivesse vivo, queria ver o que o mesmo ou a mesma acharia de seu comportamento” (o grifo é nosso). Um ancestral insatisfeito com os comportamentos sociais inaceitáveis de sua família, onde citamos o adultério, o desrespeito aos mais velhos, às transgressões de interdições ou o não cumprimento de leis que regem a vida social do povo, muitas vezes o Éégún poderá atuar como conselheiro, avaliando as situações, aconselhando seus filhos e devotos, para que a ordem seja restabelecida. Além de prestar auxílio ligado à ordem social, os ancestrais são evocados para auxiliar no progresso da agricultura, garantindo chuvas e boas colheitas, etc. A melhor maneira de ser reconhecido após a morte é vivendo uma vida justa, com caráter e dignidade, podendo assim ser lembrado por seus descendentes, caso morra acima dos setenta anos, estará maduro para fazer sua jornada de retorno até o òrun, sem ser influenciado nesse caminho de volta. Pensamos que assim que uma pessoa tenha alcançado o seu tempo de vida na terra, teríamos que efetuar uma consulta oracular para saber qual a sua atual situação no òrun, onde Ifá e ou Òrìsà mostrará se foi uma morte natural ou castigo por algum tipo de transgressão. O oráculo também poderá mais tarde indicar se o “viajante” já foi julgado merecedor, ou não, de ser cultuado como Éégún. Corroborando nosso pensamento, temos a parte de um documentário chamado “O mensageiro entre os dois mundos” onde o tema principal era mostrar as viagens de Pierre Verger11 na África, explicando locais por onde passou quando efetuava suas pesquisas. No final deste documentário mostra a partida12 de Verger para o òrun, onde

10. Além, espaço sagrado, mundo invisível onde habitam as divindades. 11. Nasceu em Paris, no dia 4 de novembro de 1902, mais tarde tornou-se fotógrafo e um estudioso do culto aos orixás. Foi na África que Verger recebeu o nome de Fatumbi, "nascido de novo graças ao Ifá", em 1953. 12. Verger parte em jornada ao Òrun em 11 de fevereiro de 1996.

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seu sacerdote consulta o oráculo de Ifá13 através dos ikin14 para saber qual era a situação de Verger no outro mundo. O resultado da consulta causou grande emoção, tanto de Gilberto Gil (responsável pela apresentação do documentário), como também das demais pessoas envolvidas na gravação. Verger havia alcançado seu status de ancestral, dando sequência aos seus rituais fúnebres. Encontramos importante texto15 de autoria do Bàbáláwo Ifágbenusolà Aworeni, demonstrando que não há malefício algum em cultuar Éégún, como segue:

[...]

Nossos

Anceskrais

andam

nas

ruas

Nigerianas

e

Beninenses

abraçando seus descenkes queridos! Por que vou cu1kuar uma energia que pode me gerar ma1efícios? isso seria no mínimo um conkra-senso. Aké pouco kempo, a visão genera1izada era de que eskas eram energias perigosas e que o simp1es koque gerava um resu1kado nefasko, eu mesmo mankive eske dogma por a1gum kempo, buscando assim evikar um confronko direko de opiniões, más devo as pessoas uma akikude de esc1arecimenko e divu1gação, pois eske é meu caminho, e farei sempre o meu me1hor quando 1evar a conhecimenko púb1ico o que pode ser diko sobre o assunko. Em nossa Egbé o Cu1ko é um pouco mais aberko, pois quem somos nós para proibir que as pessoas kenham acesso direko e dividam seus prob1emas, desabafem, ou aké mesmo busquem conse1hos junko a Anceskra1idade. Eskamos p1ankando uma semenke e muiko me a1egra saber que em oukros espaços da diáspora Brasi1eira exiskam ponkos de viska seme1hankes aos nossos.

Através da fala de Ifágbenusolà podemos entender que o culto dos Eégún foi mal compreendido na diáspora afro-brasileira, onde alguns adeptos acreditam ser prejudicial tocar as roupas de Eégún. O autor nos ajuda a concluir o raciocínio dessa primeira parte do nosso trabalho, descrevendo claramente a importância do culto ancestral, bem como, desmistifica o algum tipo de perigo no culto. Acreditamos que o medo pode estar dentro de nós, pois se não termos uma boa conduta na terra, como poderemos cultuar nossos Éégún? Pensamos que atualmente algumas pessoas não querem viver a vida de forma regrada, passando a ignorar algumas formas comportamentais impostas por nossa sociedade e que também nossa ancestralidade poderia desqualificar. 13. Oráculo sagrado de Òrúnmìlà, o Deus da adivinhação Yorùbá. 14. Caroço do fruto do dendezeiro, utilizado para adivinhação no oráculo de Ifá. 15. Disponível em INTERNET, ver in:

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Temos a intenção de causar um questionamento, que possamos entender o porquê não cultuar nossa ancestralidade? Por que temer os Eégún? Por que temer nosso pai e ou mãe que não vivem mais neste mundo? Pensamos que a resposta a essas perguntas se encontram no entendimento das diferenças entre um Éégún e um espírito qualquer que não atingiu seus status de culto. Também pensamos que o medo do culto Éégún possa estar associado ao fato de se lidar com a morte, mas que na próxima parte do nosso texto poderemos estudá-la melhor.

A MORTE

Na nossa sociedade o medo da morte faz parte do nosso cotidiano, onde fazemos de tudo para aumentar nossos anos de vida, mas acabamos esquecendo que a melhor maneira de se viver muitos anos é através do nosso caráter. Omotobàtálá16 (informação pessoal) nos diz que: "Ser mentiroso não priva uma pessoa de se fazer rico. Romper um contrato não priva alguém de ter uma idade avançada. Porém o dia que morrer, aí terá problemas". Na religião tradicional yorùbá acredita-se que teremos um julgamento após nossa morte, pois os Òrìsà não apoiam os mentirosos, ladrões, injustos, degenerados, adúlteros, assassinos, etc. Os Òrìsà mandam sempre seus seguidores dizer a verdade. Omotobàtálá (informação pessoal) ainda diz: "[...] Seja sincero, mesmo que sozinho! Seja verdadeiro, faça o bem! Aquele que é verdadeiro, as divindades o apoiarão! Diga a verdade, mesmo que sozinho [...]”. Através do pensamento de Omotobàtálá fica visível que a religião yorùbá possui

limites e é regrada no bem, deixando sempre de lado o mal. Segundo a cultura Yorùbá o òrun, também conhecido como “espaço invisível” é o nosso local de origem e onde devemos retornar. Dentro desta cultura, a melhor coisa é estar vivo, portanto o àiyé seria o melhor lugar para vivermos. Segundo nossa crença, esta é totalmente baseada na reencarnação, diferente um pouco do pensamento 16. Aworìsà e escritor Obalufon Osvaldo Omotobàtálá realizou pesquisas e se iniciou na Rep. Pop. do Benin, onde publicou diversos livros explicando a cultura Yorùbá Nàgó.

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kardecista que acredita numa reencarnação em qualquer parte do mundo, o yorùbá tem a crença numa nova existência dentro do mesmo âmbito familiar. Segundo (Bascom, 1960, p. 06) o fato dos humanos poderem escolher o seu destino não se limita em saber quando de seu regresso a seu criador, ou seja, a o seu local de origem. Portanto uma pessoa nunca saberá quando irá morrer, onde informa:

[...] Cada indivíduo kem um dia predekerminado no qua1 kem que vo1kar ao paraíso. Eske dia é fixado para e1e quando e1e nasce por O1orun, o Deus do céu ou do paraíso. Não pode ser poskergado por orações, sacrifícios, encankamenkos, magia ou por qua1quer oukros meios. Não há nenhum modo de se pro1ongar o período de vida concedido por O1orun, mas pode ser reduzido pe1as oukras divindades (orisha), pe1as bruxas (aje) e por encankamenkos [feikiços] ou magia (ogun), mas há encankamenkos para assegurar que aque1a pessoa não morrerá aké que o seu kempo [rea1] kenha acabado. Eskes que morrem nakura1menke porque são idosos e sobreviveram o seu kempo concedido são chamado de "aque1e que possui

o (seu)

dia" (o1ojo),

significando que e1e

a1cançou o ú1kimo dia dado por O1orun, mas uma criança [...].

Ao ler o material fornecido por Bascom, chegamos ao entendimento que fica um tanto difícil saber quando uma pessoa morrerá, pois poderá ser através de seus atos na terra, como também com influência de alguma dessas forças negativas, que mencionamos anteriormente. À única divindade que sabe o momento de uma pessoa partir (morrer) é Oló.run, pois este retira o Èmí17 no momento que decidir. Segundo o texto18 do Olúwo Ifátókun Itaniy19, fornece claramente esse pensamento quando diz:

[...] O Onípìín Òrun é quem mankém o regiskro do inskanke em que as pessoas devem regressar ao Òrun, informando Ikú, que deve ir a o àiyé (Terra) e krazer o viajanke20 de vo1ka a sua origem. Na kradição Yorùbá viver no Àiyé é como ir a um mercado e o céu é nossa origem, de onde parkimos em viajem ao mundo e dependendo de nossas ações,

17. Traduzido como “Espírito”, ao contrário de èémí (respiração). 18. Disponível INTERNET, ver in: 19. Olúwo Ifátókun Itaniy é descendente religioso do atual Àràbà Àgbàiyé, o Chief Aworemi Awoyemi adisa mokoranwale, representante de todos Bàbáláwo no mundo. 20. O Yorùbá acredita num trajeto longo entre o òrun (mundo abstrato) e o àiyé (mundo físico), por isso chamam a pessoa que morreu de viajante (a citação da nota é nossa).

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poderemos regressar ao Òrun

para podermos ser 1embrados, isko ju1gado por

O1órun se nos concederá essa dádiva ou não, por isso devemos viver denkro dos princípios imposkos por nossa kradição [...] (A tradução é nossa).

Através da fala do bàbáláwo, realinhada com o pensamento de Omotobàtálá, demonstra que existe crença de um julgamento após a morte. Ifátókun Itaniy ainda diz:

[...] Todo ser humano esco1he um bom deskino, mas na viajem de regresso a kerra na (concepção do nascimenko), ankes de enkrar no venkre da mãe, o individuo passa pe1os oukros p1anos enkre o céu e a kerra, neskes espaços acaba kendo conkako com os Ajogun, e caso não kenha feiko os sacrifícios necessários poderá sofrer a1guma inf1uência deskas enkidades ma1évo1as. Caso não eskeja preparado para viajem ao mercado, ou seja, para o nascimenko, poderá nascer com a1guma persona1idade que vai de conkra os bons princípios do ser humano, kais como: Inveja, egoísmo, avareza, ma1dade, e demais senkimenkos provocados por essas forças negakivas. [...]

(A tradução é nossa).

Ao ler a parte do texto, entendemos que existe um caminho longo a ser traçado pelo indivíduo antes do nascimento, sendo importante que a pessoa esteja preparada para viajem a caminho da terra. Estando este pensamento adequado à nossa crença, pensamos que existe também o trajeto de retorno ao òrun após o término de nossa existência aqui nesse plano. Dentro da tradição yorùbá a morte é conhecida como Ikú, sendo uma entidade muito temida por ser o “Rei dos Ajogun”. Entendemos que o medo da morte não deveria ocorrer quando estamos vivendo de acordo com a filosofia imposta por nossa cultura, onde podemos consultar as divindades através do oráculo e fazer as oferendas recomendadas, onde possamos ser vitoriosos nos obstáculos de nossas vidas. Ifátókun Itaniy informa também: “[...] O apego às coisas materiais do mundo cria medo da morte. Quando um homem morre, se transforma em um Egúngún, ou seja, em um mascarado [...]”. O bàbáláwo fortalece a crença que não devemos viver apegados a bens materiais. Bascom (1960, p. 403-404) nos ajuda a entender o caminho que um espírito possa tomar após a morte:

[...] Informankes de Ifé fazem diskinção enkre a1mas e espírikos (iwin) que não kiveram forma1menke vida enkre os humanos, embora informankes de Ganna

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usaram a pa1avra iwin para ambos. Sem enkrar comp1ekamenke na concepção da oukro mundo, noka-se que exiskem universo, segundo a1guns [...].

dois céus 1oca1izados na mesma parke do

[...] mas não para kodos, que acredikam eskar denkro ou mais a1ém, o céu. Aque1es que kêm sido cruéis ou ma1dosos, ou são acusados de assassinako, assa1ko, roubo, ca1unias, feikiçarias, ou de ker prejudicado as pessoas, são punidos por seus maus akos na kerra, no céu ruim, (orun buburu, orun buruku), kambém

conhecido

como

o

céu

de

cacos

(orun

apadi).

Informankes

de

Ifé

mencionaram que caminhar no so1 do meio-dia é uma das punições, mas e1es descrevem o mau céu quenke como pimenka, não como fogo. Para Farrow, ao conkrário, não é seca, eskéri1, carenke de água, ou “aquecido com carvão vegeka1 como um forno de cerâmica”. O simbo1ismo do céu de cacos represenka a1guma coisa que é quebrado no a1ém e irrecuperáve1, pois as a1mas que são enviadas a1i não podem ser reskauradas para reviverem akravés da reencarnação. Suicidas, não podem renascer; e1es não vão para o céu e, kendo renunciado à kerra, não perkencem a nenhum. E1es serão maus espírikos (iwin

buruku, iwin buburu, eburu), e agarram-se nos kopos das árvores como morcegos ou borbo1ekas. [...]

Através da fala do autor, temos um melhor entendimento do mundo abstrato òrun, onde o mesmo chamou de céu, informando também às possíveis punições que possamos sofrer após a morte. Através dos estudos apresentados, podemos falar mais detalhadamente sobre “Ikú”, “o Rei dos Ajogun”, estando este encarregado de levar o espírito da pessoa de volta ao òrun. Ikú também é conhecido por Oníkó, este último era seu nome em tempos primordiais e pela sua ação de causar a morte, a expressão Ikú ficou mais conhecida atualmente, ou seja, Ikú é a sua qualidade e Oníkó é seu nome mais primitivo. Segundo Ifátókun Itaniy, ainda em seu site na web, relata que “Ikú Oníkó é um servente de Olórun, sendoi criado para trazer de volta à alma do viajante a cidade do céu”. Informa ainda o itan do odù Ogbe Oyekún:

[...] O Odù Ogbe Oyekun cerkifica a criação de Ikú como resu1kado de um acordo que os morkais fizeram com O1órun.

Ikú foi um ser físico de nome Oníkó, quando viveu àiyé (kerra), mais foi um Bàbá1awo muiko devoko da kradição Yorùbá e por seu kraba1ho, junko à assiskência de Onípìpín Òrun, e1e sabia a hora de que cada homem iria morrer. Após sua morke, O1ódùmarè concedeu-1he o poder de kornar-se precisamenke,

invisíve1, para que pudesse rea1izar suas karefas de forma discreka. Desde enkão, ninguém sabe onde vive e quando akuará, reskando saber apenas que um dia e1e aparecerá.

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ARÍSÙN - O Ritual Fúnebre no Batuque do RS – Rudinei Borba

Ikú não é visíve1 aos o1hos humanos e segundo Ifá, sua presença pode ser senkida por a1gumas pessoas quando seus dias eskão kerminando aqui no àiyé e eskão preskes a morrer. A morke conskikui em o fina1 de um cic1o, onde devemos sempre ker em menke que nossa passagem no àiyé é kemporária, e kem como propósiko gera1 de crescimenko espirikua1, resumindo-se na missão pessoa1 de cada indivíduo. Aque1e que kem medo da morke não vive a nossa crença ou não enkende que a vida é um processo de aprendizagem. A vida é uma experiência momenkânea, que quando chega seu fim é porque a aprendizagem eská comp1eka. A pessoa poderá assim

regressar

a

seu

verdadeiro

1oca1

de

origem

e

conskikuir-se

em

espíriko prokekor para seus seres queridos, que permaneceram no àiyé. [...]

um

(a

tradução é nossa).

Ao ler o texto entendemos que Ikú realmente tinha um nome mais primitivo, e também considerado muito importante para o cumprimento do ciclo natural da vida, obedecendo apenas a Olórun. Para nós a morte de uma pessoa jovem é vista como sendo uma tragédia, por não ter alcançando seu tempo na terra, onde esta pode ter sido castigada por alguma divindade ou influenciada por alguma força maligna, podendo ser ajogun e ou Àbíkú21. Com essas informações mais detalhadas, podemos melhor compreender um essa etapa do nosso ciclo de vida, onde acreditamos, assim como os yorùbá, a morte ser apenas o recomeço de uma nova existência. Nenhuma pessoa pode escapar de um dia morrer, ou seja, a morte é certa, a vida não. É preciso encarar a morte como um fato natural e viver a vida plenamente, curtindo ela da melhor maneira possível, de preferência respeitando todas as pessoas, amando o próximo e na medida do possível perdoando quando preciso. Devemos consultar o oráculo para saber quais as oferendas a executar, contando com ajuda de Èsù22 é claro.

21. Significa “Aquele que nasce para morrer”, uma sociedade que vive entre o òrun e o àiyé que traz desgraça para famílias, enviando uma criança que brevemente retornará, morrendo antes de alcançar sua maior idade, estes estão ligados aos Ajogun. Para saber mais, ver: Verger, Pierre. La société egbé òrun des àbíkú, les enfants qui naissent pour mourir maintes fois. Bulletin de l'IFAN, vol. XXX, Série B, nº 4. (Dakar), 1968, pp. 1448-1487 22. No Batuque o Òrìsà Èsù é conhecido pela sua qualidade, onde é chamado de Bàrà.

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ARÍSÙN - O Ritual Fúnebre no Batuque do RS – Rudinei Borba

O ÌSINKÚ (O Funeral)

No nosso Batuque a palavra Ìsinkú23 não é muito conhecida, por não termos ainda a vivência do idioma yorùbá, mas o funeral está muito presente no nosso culto. Sabemos que quando um adepto do Batuque falece são executados os rituais fúnebres, mas poderemos entender através do nosso estudo que conseguimos preservar, mesmo que resumidamente, a forma ritualística herdada dos nativos yorùbá. Analisaremos o quanto os cultos, o afrodescendente e o nativo, estão realinhados em seus conceitos de rito. A morte24 nas religiões Africanas é uma fase de transição da vida, e requerem ritos de passagens. Para o yorùbá, morrer com idade avançada requer um funeral digno (com muita festa), pois estes retratam uma boa morte e vista dessa crença, muitas pessoas preparam de antemão o seu próprio funeral, guardando dinheiro e encarregando pessoas para efetuarem a cerimônia fúnebre. Este pensamento não difere no Batuque, onde muitas vezes o sacerdote também deixa algum descendente encarregado de efetuarem seu funeral, antes mesmo de virem a partir em direção ao òrun. A morte de um adepto do Batuque com idade avançada não interessa somente à sua família e ao grupo de parentes e amigos, mas envolve todas as pessoas, uma vez que este falecido gozava em vida de status, passando a ser reconhecido pelos seus atos por toda sociedade religiosa, acabando envolvendo muitas pessoas de outras casas em seu funeral. Padre Toninho Nunes documentou um texto25 que vem de encontro com nosso pensamento, onde relata um funeral tradicional na Costa do Marfim, onde relata:

[...] A morke de um membro da kribo não inkeressa somenke à sua famí1ia ou ao grupo de parenkes e amigos, mas envo1ve kodos os a1deões. Por isso,

23. Traduzido como “ritual da morte”, ou seja, funeral, enterro, sepultamento. 24. Utilizaremos no nosso texto a expressão “morrer”, mesmo sabendo que esta não é usual pelos povos yorùbá, assim nosso texto ficará melhor entendível. 25. Disponível INTERNET, in: http://www.pime.org.br/mundoemissao/culturaculmorte.htm

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quando morre um membro na a1deia, não pode pub1icar a sua morke ou manifeskar seu senkimenko de desconso1o ankes que a nokícia seja comunicada ao chefe da a1deia. Será e1e que, em seguida, dará ordens ao kocador de kambor para que convoque a popu1ação na praça púb1ica, debaixo de uma árvore, 1ugar do anúncio oficia1 de qua1quer nokícia imporkanke. O som do “kambor-fa1anke” (rea1menke exiske uma 1inguagem codificada no som do kambor, que é rikmado com sons a1kernados) é enkendido à diskância e cada a1deão deixa imediakamenke seus afazeres, mesmo eskando na roça, para parkicipar do anúncio da parkida de um dos seus, para a “a1deia dos ankepassados”. Somenke depois que a nokícia é dada, kodos os presenkes, do menor ao maior, para manifeskar seus senkimenkos de pesar, kerão que chorar um pouco, nem que sejam “1ágrimas de crocodi1o”. Em seguida, um ancião conso1a a kodos e junkos vão para a casa do fa1ecido. Chegando 1á, os anciãos komarão as decisões mais urgenkes para o bom andamenko do funera1: Quem vai 1avar o cadáver? Quem vai cavar a cova fúnebre? Qua1 a re1igião que e1e prakicava para que sua crença seja respeikada? (Na

região da Coska do Marfim, onde kraba1hei, predominavam as re1igiões muçu1mana, animiska e cakó1ica) Quem vai organizar a dança fúnebre? Quem vai dar a chefe a1gum kodos

nokícia nas oukras a1deias vizinhas? Essa ú1kima função era reservada ao e seus nokáveis. Só e1es poderiam dar o anúncio oficia1 da morke de membro da a1deia, dando a impressão de que o chefe é o “propriekário” de os a1deões. [...]

Através da fala do padre, fica evidente que são executados rituais semelhantes do nosso Batuque, envolvendo dança, roda ritualística, festa e a presença do tambor nos rituais.

A Exposição do Corpo Morto

Dentro dos rituais fúnebres do Batuque há uma exposição do corpo do morto que teve grande destaque em sua vida. Utilizando ainda o texto de padre Toninho, temos uma semelhança com o praticado pelos povos africanos não aculturados, como segue:

[...] Exposição do Morko. Depois de 1avado o corpo do defunko, e1e é exposko para a visikação dos a1deões. Não exiske uma regra única para a exposição do cadáver, isso depende do skakus socia1 do fa1ecido ou do que e1e mais goskava em vida. Se o fa1ecido for um chefe, e1e será reveskido de koda a sua indumenkária kradiciona1 e

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conkará com a presença de suas servenkes, que passarão o kempo kodo espankando as moscas e insekos que se avenkurarem a pousar sobre o corpo.[...]

Ao ler esta parte, percebemos que o Batuque também mantém vivo e presente a forma de expor o corpo do morto, que é vestido com sua melhor vestimenta ritual, onde os adeptos prestam suas últimas homenagens. Seguindo relato de padre Toninho, o mesmo informa:

[...] Ankes do momenko do enkerro, muikas pessoas krazem uma peça de pano, às vezes de qua1idade, para oferecer ao defunko que será embru1hado ne1e. Serão eskes panos, conforme a crença, que e1e apresenkará aos seus ankepassados que eskão em oukra vida, dizendo-1hes: “Veja o que meus parenkes e amigos me ofereceram, e1es foram generosos para comigo”. Deska forma, os ankepassados conkinuarão a abençoar e prokeger aque1a a1deia e kodos os seus habikankes. As pessoas oferecem kambém animais doméskicos (ga1o, cabriko, carneiro...), para serem sacrificados em sua honra ou servidos como a1imenko para os visikankes. Nada daqui1o que foi doado poderá ser guardado, kudo deve ser oferecido em sacrifício ou uki1izado nos dias que sucederão a cerimônia fúnebre. O kermômekro para dekerminar o quanko uma pessoa foi amada em sua vida kerrena é medido pe1os dons e pe1a so1enidade comida, bebida e visikankes).

da

cerimônia

fúnebre

(dança,

música,

Através do relato, entendemos que o culto do Batuque está muito próximo ao tradicional africano não aculturado, onde os rituais fúnebres dos sacerdotes com nível elevado são muito semelhantes entre ambas às culturas. Segundo trabalho realizado pela Universidade da Geórgia26, mostra à importância da cerimônia fúnebre dos yorùbá, como segue:

[...]

Os

kipos

de

morke

inc1uem

afogamenko,

queda

de

árvores

(na

maioria dos casos as árvores de pa1ma), kiro acidenka1 por um caçador co1ega, chefes e reis, ekc. Para os ado1escenkes, a morke é encarada como a1go kriske, e a1go que não deve ker cu1ko, porkanko, não há feska nem comidas. O cadáver é enkerrado por aque1es mais jovens que e1e. No enkanko, para aque1es que são ve1hos, as medidas adequadas são komadas, assim como na nomeação e cerimônias de casamenko, para ce1ebrá-1a. Tradiciona1menke, os morkos são enkerrados nos

26. Disponível INTERNET, ver in: http://www.africa.uga.edu/Yoruba/unit_18/cultureunit.html Importance of ceremonies in Yoruba Culture (Illustrations of Yoruba Ceremonies: Naming; Wedding and Funeral).

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krês

dias

de

sua

morke.

No

enkanko,

com

o

advenko

do

criskianismo

e

modernidade, agora ficam cadáveres no necrokério, enquanko às re1ações deseja. Ankes deske período conkemporâneo, o iorubá não enkerrava os seus morkos no chão

do

cemikério

ou

o

enkerramenko,

mas

em

ado1escenkes são, no enkanko, enkerrada no mako. pákio, denkro da sa1a dos morkos ou na varanda.

suas

casas.

Crianças

e

O so1o era cavado denkro do E1e é norma1menke de seis

mekros de comprimenko, o cadáver é co1ocado no caixão e enkerrado 1á. Rikos funerários são conduzidos conforme apropriado em cada dia, o kerceiro ou o sékimo dia. Duranke

Mas a cerimônia de enkerro koda é ce1ebrada no quadragésimo dia.

a cerimônia

de enkerro fina1,

kodas

as crianças

e os

membros

da

famí1ia eskendida convidam amigos, vizinhos para a cerimônia e não há feska consideráve1.

Músicos são convidados para kocar, seja por um curko período de

kempo ou por koda a noike. [...]

(a tradução é nossa).

Ao ler o texto percebemos que o Batuque Afro-Sul preservou essa mesma forma de prática no culto, onde efetua os rituais fúnebres apenas de pessoas que atingiram idade avançada e que merecerão serem lembradas após seu final de vida. O texto ainda registra que a morte prematura é considerada trágica entre ambas as culturas, onde nos faz entender que nem todos os espíritos poderão se tornar Éégún.

O Preparo do Caixão

No Batuque o caixão pode ser preparado no templo religioso, vestindo o defunto com suas roupas religiosas, mas na maioria dos casos não são efetuados banhos ritualísticos antes de por o morto no caixão, diferenciando nessa parte do costume tradicional yorùbá. Corroborando nosso estudo, Elenito de Souza27, (2006, p. 59) registrou que: “só são efetuados os rituais funerários completos se o iniciado possuir nível elevado dentro do culto, caso contrário os rituais terminam no momento da preparação do caixão”. Através da fala do autor, entendemos que não é realizado cortejo fúnebre nem homenagens, caso à pessoa não tenha um nível elevado dentro da nossa sociedade religiosa. 27. Hélio Elenito de Souza é conhecido no meio religioso do Batuque como “Pai Hélio de Xangô”, sendo descendente religioso do saudoso Pai Adão de Bará (Èsù Bí-omi) e iniciado a mais de setenta anos. O autor é um dos poucos a escrever sobre o ritual de Éégún no Batuque do nosso Estado.

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Segundo Omotobàtálá (2003, p. 20) nos informa sobre os costumes yorùbá Nàgó da preparação do corpo do morto, para posteriormente ser velado:

[...] De acordo com os coskumes nagós, yorubas e fon, nunca se deve chorar ao morko ankes de um kempo prudencia1, se espera por ao menos 24 horas para 1ogo efekuar os rikuais e quando seja o momenko indicado denkro da cerimônia, se chorará. Quando aque1e que morre é homem, se prepara seu cadáver de um modo diferenke ao de uma mu1her, porque se considera que iram formar parke de diskinkas sociedades no Òrun e não podemos fa1ar disso aqui. Sem prob1emas, os cadáveres de ambos os sexos se 1hes purifica com omierò e se 1hes veske com suas me1hores roupas re1igiosas. Em 1ocais mais kradicionais, o cadáver é co1ocado 1ogo sobre uma eskeira, igua1 que quando se iniciou em vida na re1igião (que simbo1iza sua primeira “morke”) e se rekira de sua cabeça o òsù. Fina1menke se envo1ve em muikos kecidos nas cores azu1 escuro (adire) que represenkam o 1uko kerreno e se deixa a1i para rea1izar o resko dos rikuais, kodo esse processo de 1idar com o corpo se conhece como arésùn (parkicipar do feiko eskremece dor do descanso). A1guns erradamenke por não conhecer eskes fundamenkos e porque não eskão iniciados nos miskérios de Eégun, crêem que a pa1avra arésùn faz referencia a cerimônia fúnebre em si, quando na verdade se kraka da preparação do corpo, são os rikuais preparakórios. [...]

(a tradução é

nossa).

Através da fala de Omotobàtálá, percebemos que palavra Arísùn é traduzida como Arésùn. Não é nossa intenção dizer qual a forma certa da tradução da palavra, onde preferimos utilizar a nossa interpretação. O autor informa que há um momento para se chorar no culto, onde pensamos que seja feito uma consulta oracular para ver que tipo de morte a pessoa teve, como vimos anteriormente. Entendemos que caso for uma morte natural seria dado um tipo de cerimônia, a com honras, diferente de uma morte trágica, onde seria motivo de grande tristeza e choros. Essa mesma importância ritual de preparar o corpo do morto e dar o devido tipo de enterro foi registrada por Babayemi (1980 p. 49), onde diz:

[...] O fim da vida para um sacerdoke do cu1ko de Eégun é krakado com grande cerimônia. O enkerro e preparação do corpo é supervisionada ankes do caixão ser enkerrado no chão de sua casa. Sacrifícios são feikos para a kerra mãe e um e1aborado rikua1 segue para marcar a sepu1kura. Ankes que o corpo

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seja enkerrado, e1e é co1ocado em exibição por um dia ou dois e pode aké mesmo ser komado em korno da cidade para um ú1kimo adeus. Cankos, danças, a1egria, fazem parke do processo, onde koda a famí1ia eská presenke quando o caixão é fina1menke descido à cova, com rikos finais que são rea1izados. "Um ga1o ou um bode é morko, o sangue aspergido sobre o caixão, e a cabeça do anima1 é enkerrada com o cadáver". Vários oukros rikuais norma1menke seguem nos próximos dias para vir a assegurar que o espíriko do fa1ecido enconkre o seu caminho para o reino anceskra1. [...]

(a tradução é nossa).

Através da fala do autor percebemos que são feitos sacrifícios na cova do morto, diferenciando do nosso culto do Batuque, onde vivemos numa cultura “social” diferente da yorùbá. Ao estudarmos esse material tradicional, entendemos um pouco mais porque efetuamos um funeral diferenciado dos demais cultos religiosos do Brasil. Notamos também no texto a preocupação de se efetuarem rituais durante os próximos dias após a morte do indivíduo, assegurando que seu espírito alcance o caminho correto após sua morte. Esta parte será mais bem discutida na sequência do nosso trabalho, quando abordaremos a mesa do café efetuada no Batuque.

O Velório

Segundo Elenito de Souza, (2006, p. 125) diz que: “[...] são servidas aos visitantes do velório, bebidas alcoólicas, café, biscoitos, pães, etc.[...]”. O autor em sua obra (p. 126) também relata que: “[...] é efetuado roda em volta do caixão para serem entoados cantos de rezas fúnebres pelo Onílù [...]” e grifa que este procedimento só é realizado quando o morto tenha nível elevado no culto. O mesmo não nos fornece a explicação que esse procedimento serve para homenagear o morto no momento do enterro, como feito pelos nativos yorùbá, focando sua explicação apenas nos rituais praticados dentro do Batuque.

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O Cortejo Fúnebre

Após o velório, o caixão é levado até o cemitério através do cortejo fúnebre, este realizado ao som do “tambor chocho28” para render homenagens ao falecido. O caixão é embalado até sua chegada ao cemitério, onde os participantes seguem atrás, abanando lenços brancos e despedindo-se do morto. Omotobàtálá (2003, p. 22) atribui a posse dos lenços brancos às mulheres, atribuindo as mesmas a qualidade Ìsokún, como segue:

[...] As mu1heres vão dançando com seus panos brancos (os mesmos que usaram para secar suas 1ágrimas) que agikam no ar. Os 1enços reafirmam a condição da mu1her como “ìsokún” (kiradoras de 1amenkos ou choronas) e os homens parenkes do morko ao carregar o caixão e enkerrar o defunko, reafirmam sua condição de “ìwá1è” (escavadores). [...]

(a tradução é nossa).

No ritual do cortejo no Batuque o onílù entoa sempre o àdúrà-orin (reza cantada) de despedida do morto, onde podemos informar sua transcrição fonética, bem como uma “possível” tradução da mesma, como segue: Onilù: A tè tè ko là’wo Pronúncia: Atétéko láuô (Nós veneramos, cultuamos, não desapareça para o culto). Dáhùn (Resposta): Fà’ra fó rì là’nà a tè tè ko là’wo fà’ra fó rì là’nà (Lentamente o corpo dança e é plantado, penetrando no caminho, nós veneramos, cultuamos, não desapareça para o culto, lentamente o corpo dança e é plantado, penetrando no caminho). Através do estudo da “possível” tradução, pensamos que o caixão é embalado devido alusão à reza entoada pelo cortejo fúnebre. Entendemos também que o apelo

28. No Batuque o Onílù (tamboreiro) é encarregado do toque para o ritual fúnebre de Éégun, onde o mesmo deixa soltas as cordas que esticam o couro do tambor, fazendo com que o mesmo produza um som chocho, diferente do som estridente tocado para o culto aos Òrìsà.

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feito através da reza cantada, serve para que o morto não se perca ou desapareça no caminho de retorno ao òrun.

O Sepultamento

Como vimos anteriormente, no Batuque também se utiliza os lenços brancos para despedida do morto, onde estes são depositados dentro do buraco onde o caixão é colocado. Abímbólá (2000, p. 39) informa que:

[...] quando uma pessoa morre é cavado um buraco (cova) onde o morko será enkerrado, a kerra deske buraco kem uma co1oração averme1hada e kambém é conhecida pe1os Yorùbá como I1èpa, onde kem a conexão com os anceskrais, pois é onde kiveram sua ú1kima morada [...]

(a tradução é nossa).

Ao ler Abímbólá, entendemos que esse buraco faz alusão ao acesso de um ancestral ao outro mundo, o òrun. O sepultamento é parte importantíssima do culto, tanto no Batuque, quanto na tradição yorùbá não aculturada, onde encontramos importante texto29 de Laura Fortes, intitulado “Egúngún: The Masked Ancestors of the Yoruba” que acreditamos ser de suma importância para completar nosso entendimento, como segue:

[...] Segundo, Oukro miko de origem conka a hiskória de um rei que não foi devidamenke enkerrado quando morreu. "Seus krês fi1hos não kinham dinheiro para um enkerro apropriado. O primeiro fi1ho viu o cadáver de seu pai e fugiu. O segundo não veskiu o cadáver e deixou isso para o oukro fi1ho. O kerceiro, depois de kenkar vender o corpo no mercado (para medicamenkos), fina1menke o abandonou no meio do mako" (Drewa1 pg. 91). Muikos anos mais karde, quando o fi1ho mais ve1ho havia se kornado rei, sua esposa não podia ker fi1hos. Cada um de1es consu1kou um adivinho e chegou à mesma conc1usão, de que e1e eskava sendo punido pe1o enkerro incomp1eko de seu pai. Mas seu pai não exiskia mais. Para adicionar ao seu prob1ema, sua esposa foi, enkão, akacada por um gori1a, e e1a fugiu grávida e envergonhada. E1a deu à 1uz a uma criança que era mekade macaco e mekade homem e o abandonou no meio do mako. E1a fina1menke vo1kou e disse ao rei a sua hiskória. E1e foi consu1kar

29. Disponível na INTERNET, ver in:

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um adivinho que reve1ou que a criança não morreria de fako no mako e que e1a "iria crescer

aké ser

comunidade)".

O adivinho aconse1hou o rei a vo1kar para o 1ugar da sepu1kura

Amu'1udun (1ikera1menke, Aque1e que kraz doçura para

inacabada de seu pai e rea1izar os rikos apropriados, onde seu pai keria que "se makeria1izar em um kraje" (Drewa1 pg. 92).

Eskas são apenas a1gumas das

muikas hiskórias que exp1icam as origens do Egungun. [...]

(a tradução é nossa).

Segundo a fala de Laura Fortes30, podemos ver o quanto é importante dar um funeral adequado para nossos ancestrais, pois os mesmos poderão não responder a nosso favor do òrun. Somos em partes, responsáveis pelo caminho que um ancestral deve tomar após sua morte, portanto devemos nós do Batuque sempre ter em mente o quanto isso é importante e necessário.

O ARÍSÙN

No Batuque a expressão Arísùn é usada para informar o dia em que serão efetuados os rituais fúnebres, estes que geralmente tem seu início no sexto dia após a morte do adepto religioso. Neste devemos ter adquiridos todos os animais, comidas e apetrechos pertinentes para dar início a ritualística. Entendemos que a expressão Arísùn faz alusão a aquelas pessoas que participaram da primeira etapa do culto, ou seja, a parte do velório e do sepultamento, que posteriormente poderão ser chamadas de “Aquele que viu previamente o sono”, onde o espírito não morre e sim descansa (dorme), como vimos anteriormente. Acreditamos que o Éégún só será homenageado após sabermos se o mesmo alcançou seu status de ancestral, como vimos no caso do saudoso Verger apresentado por nós. Caso seja positiva a resposta oracular, pensamos que o Éégún será acordado neste sétimo dia, mencionado também por Omotobàtálá (2003, pg. 23) quando utiliza a expressão: “fifa Éégún okú wàlé (trazemos o Éégún do morto a casa)” A expressão apresentada pelo autor dá o entendimento de trazermos o espírito do morto de volta a casa, caso esse venha a ser instalado no ìgbàlè para ser homenageado

30. A autora do título em questão é PHD de uma universidade da Pensilvânia.

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por seus descendentes, bem como, para poder continuar agindo como intermediário entre os adeptos do culto. Pensamos que nesse instante o Éégún passa a ser um protetor de sua família instalado no ìgbàlè, mas entendemos que o mesmo também poderá ajudar seus descendentes mesmo que não instalado “individualmente”, onde passará a ser cultuado na forma ancestral coletiva, desde que tenha merecimento é claro. Thompson Drewel (1992, p. 41) menciona que o ritual é dividido em “sete” partes, ou seja, em sete dias para ter êxito no envio do espírito do falecido ao òrun, pois acredita também que o espírito não desaparece com a morte. Drewel diz que o funeral marca o fim e o começo de uma nova vida, denominando o primeiro dia como “Ojo Ìsinkú” sendo o mais importante e também o primeiro dia do ritual funerário. Classifica o terceiro dia de “Itaokú”, estando reservado para a festa e celebração. O quarto dia, “Irenokú”, é o dia do jogo adivinha tório e ao sétimo dia, o “Ijekú”, marca o fim da celebração ritual, que na qual chamamos no Batuque de Arísùn. O autor na mesma página, explica melhor a ritualística empregada nesses dias, como segue:

[...] Duranke Ojo Isinkú, a famí1ia recebe dinheiro de parenkes para comprar bebidas e os a1imenkos para kodos os convidados da cerimônia fúnebre. A primeira cerimônia púb1ica é um espekácu1o de dança e koques. Músicos são conkrakados para acompanhar os fami1iares dos fa1ecidos em korno cidade para cankar e dançar em honra ao seu parenke fa1ecido. Quanko mais pompa for demonskrada no corkejo em koda a a1deia, maior kerá sido a imporkância socia1 do fa1ecido. Porkanko, na concepção 1oca1, quanko maior for o skakus socia1 do fa1ecido, maior será a pompa a ser demonskrada pe1os parenkes em seus rikos funerários. Eske dia principa1 kermina com a invocação do espíriko, quando enkão, os fami1iares do fa1ecido kransporkam seu "kapeke" para a saída da cidade onde eská 1oca1izada a grande encruzi1hada, ao fazê-1o, enviam a a1ma do finado para se junkar a dos oukros espírikos Anceskrais. O Ikaokú: é o kerceiro dia, reservado para o banqueke comuna1 e a feska. O Ikaokú é reservado para o banqueke comuna1 e feska. Os parenkes próximos do fa1ecido fornecem a1imenkos para a comunidade, que comem e bebem com os amigos duranke kodo o dia. À noike um carneiro deverá ser sacrificado para os Ankepassados por um dos "Fazedores de Reis", ou seja, sacrificada por um

"Akejumo1e"

denkro

da

Egbé

Osugbo,

mais

especificamenke

na

Igbó

Oro

(F1oreska de Oro). O que ocorre nesse ako, é o rikua1 de aberkura da voz do

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Ankepassado fa1ecido, duranke eske riko será ouvida pe1a primeira a sua vez a sua como Anceskra1. Acredika-se que a voz de Oro neske riko, seja na verdade, a do espíriko recém-enkerrado que veio parkicipar de seu funera1. Na seqüência deske rikua1, o Akejumo1e

(encarregado dos rikuais) pede ao fa1ecido para

acompanhar os demais Anceskrais fami1iares em procissão aké cidade para abençoar os parenkes que 1he proporcionaram um enkerro digno. As mu1heres da famí1ia não kerão acesso a eska parke do rikua1, pois eskarão enc1ausuradas em seus quarkos. E1as são eskrikamenke proibidas de keskemunhar eske o riko, porque se acredika que e1as possuem cerkos poderes mágicos, e que poderiam acabar inkerferindo no rikua1. O Irenokú: é o quarko dia, o dia em que se rea1iza a consu1ka Orácu1ar. Duranke o Irenokú, a famí1ia e amigos rea1izam um corkejo pe1a cidade ce1ebrando seu sucesso no desempenho de um bom enkerro, e kambém para pedir a aprovação do fa1ecido. Música e dança kem 1ugar duranke kodo o dia, em uma exibição muiko mais e1aborada do que o primeiro corkejo. O corkejo pára em dekerminados ponkos ao 1ongo do caminho, onde se enconkram os parenkes do fa1ecido, depois segue em frenke aké o 1oca1 onde foi previsko para e1e ficar em definikivo. O Ijekú: é o sékimo dia, marca o fim da Ìkadógun (período de seke dias) da ce1ebração do rikua1 fúnebre. Eska semana rikua1 é viska como parke do sacrifício em honra ao fa1ecido. Sendo que é no Ejeokú da Ìkadógun, a ocasião em que os fi1hos do finado vão a1imenká-1o com inhame, peixe, sopa, ekc. Após eske sacrifício, kerá 1ugar na Igbó Oro, 1oca1 onde o Ankepassado se reve1ará mais uma vez, porém deska vez, sendo acompanhado da música kocada nos kambores

Agba

no

Rikua1

Asipe1u.

A

voz

do

Ankepassado

corresponderá

à

música

dos

kambores. A Egbé Oro (Awon A1agba1agba 1'òru - Os anciãos da noike) bem como os parenkes do sexo mascu1ino acompanhará a voz que os "abençoará e agradecerá". [...]

(a tradução é nossa).

Através do texto do autor, pensamos que o Batuque conseguiu preservar os rituais ao longo dos tempos, onde ambos envolvem sete dias para serem realizados os preceitos. Chama-nos a atenção que Drewel também menciona o sétimo dia como sendo o dia em que poderemos saber se o morto alcançou seu status de ancestral ou não, igualmente como vimos anteriormente.

O Sacrifício dos Animais na Noite do Sexto Dia

Na noite do sexto para o sétimo dia no Batuque, são realizados os sacrifícios no ìgbàlè para homenagear o ancestral, caso esse tenha merecimento. Nesta noite os animais sacrificados são limpos para que sejam cozidos e preparados no dia seguinte. 25

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Ao sétimo dia são feitas as comidas ritualísticas, sendo uma parte das mesmas oferecidas ao ancestral no Ìgbàlè e a outra aos participantes do culto. Neste sétimo dia, bem cedo, será feita a “primeira” ou “última” refeição com o morto.

A Mesa do Café: A primeira ou a última refeição com o falecido?

Na manhã do sétimo dia é montada no chão do ilé, uma mesa de café para homenagear o Eégún, onde apenas iniciados com grau elevado participam da refeição, sendo reservada a cabeceira da mesa para o Eégún. São oferecidas como oferendas as comidas que a pessoa mais gostava em vida, bem como, outras preparadas ritualisticamente. É comum escutarmos no nosso culto que o Eégún recebe suas “últimas” refeições nos rituais do sétimo dia, por não termos ainda o “culto individualizado” de Éégún no nosso Batuque, onde neste culto o espírito é “mascarado” e sentado no ìgbàlè. Acreditamos que só cultuamos no Batuque os Éégún na sua forma ancestral coletiva, usando o ìgbàlè para homenagear todos os ancestrais de uma só vez, diferente da forma menos usual que mencionamos. Com esta prática “coletiva”, temos a impressão que o Éégún recebe a oferenda pela última vez no ìgbàlè. Pensamos que caso uma pessoa não tenha morte madura, morrendo muito cedo, não deveríamos efetuar a mesa do café, terminando o culto no momento da preparação do caixão. Após o ritual da mesa do café, efetuamos refeições ao longo do dia, utilizando os animais sacrificados na noite anterior, bem como, servimos bebidas alcoólicas e café preto para os participantes. Esse nosso banquete é igualmente realizado nos funerais yorùbá, onde tivemos o entendimento através dos trabalhos mencionados anteriormente. No final deste dia também praticamos o ritual da preparação dos sacos do carrego, que constam os pertences do morto, bem como, seus objetos ritualísticos de culto aos Òrìsà. Estes objetos são quebrados e colocados dentro dos sacos, juntamente com as oferendas propiciatórias, sendo levados de volta a sua origem, podendo ser no mato, rio ou mar.

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O ÌGBÀLÈ

Ao pesquisarmos em dicionários tradicionais Yorùbá, não chegamos ao entendimento da palavra Ìgbàlè, então efetuamos possíveis interpretações da mesma. Dizemos “possíveis” porque não achamos material que comprove o verdadeiro significado da palavra, então a tradução foi feita por nós. Segundo o dicionário “A dictionary of the yoruba language” (2001, p. 110) a palavra “IGBA” tem alguns significados dependendo de sua acentuação, como segue:

Ìgbà: kempo, período, a duração da vida de uma pessoa. Igba: n. Duzenkos Igbá: Cabaça corkada em duas mekades Ìgbá: a árvore acácia ou gafanhoko Igbà: corda krançada para esca1ar árvores Igbà: um siskema de penhor Ìgbá: usado em composkos

Encontramos no mesmo dicionário o significado da palavra “ILE”:

I1è: so1o; kerra; I1è Okú (so1o de enkerro)

Ao verificar as traduções das palavras, pensamos que poderia ter o significado de i + àgbà + ilè traduzido como “terra ou chão dos anciões”, que nos pareceria mais coerente devido à proposta do nosso trabalho, onde pensamos que somente os ancestrais “dignos” que alcançaram a totalidade do tempo na terra, poderão assim ser reverenciados. O ìgbàlè é uma pequena casa feita geralmente no lado direito, da parte dos fundos do templo Ilé-Òrìsà31, onde é escavado um buraco retangular no solo para serem

31. Casa dos Orixás, templo religioso.

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efetuados os sacrifícios para os Eégún. Para um yorùbá é através desse local que os mortos seguem em viajem até o òrun. Abímbólá (1997, p.71) atribui a terra como o local de descanso dos ancestrais, como segue:

[...] Todos os rios das kerras Yorùbá, são divindades, igua1 os campos e monkanhas que

são honrados pe1os homens. A mesma kerra é sagrada e na

verdade, kambém é uma divindade. Assim, exiskem dois céus: um eská acima, de onde baixaram as divindades para criar kudo aqui e oukro abaixo, esco1hido pe1as divindades para seu descanso fina1 e para onde vão os anceskrais. Quando uma pessoa morre, não é enkerrada no céu, e sim debaixo da kerra. [...]

(a

tradução é nossa).

Geralmente neste buraco dentro da casinha são depositadas velas, moedas, comidas ritualísticas, bem como apetrechos que o ancestral mais gostava em vida. Não acreditamos que este espaço sirva apenas para efetuarem rituais de desligamento do morto, e sim num local onde poderá ser invocado o ancestral familiar de maneira coletiva. Não acreditamos que este local deva ser usado para algum uso de feitiços como alguns acreditam, pois como poderemos usar este espaço sagrado, onde respondem aqueles que após a morte julgam nossos comportamentos? Pensamos que seria o mesmo que fazer algo errado e ser condenado neste mesmo momento, pois através do ìgbàlè, os Eégún são os guardiões do Ilé contra espíritos maléficos e escurecidos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que através da nossa criação católica, acabamos criando medo de lidar com o a “morte”, criando certo pânico em se lidar com nossos mortos. Temos que ter em mente que diversas culturas religiosas homenageiam os mesmos. O propósito do nosso trabalho foi tentar mudar a imagem negativa que a palavra Éégún causa atualmente em algumas pessoas, onde acabamos generalizando qualquer espírito que viveu nesse plano baixo esse nome. Entendemos que um espírito só recebe o nome de Éégún por merecimento, passando a viver junto dos Òrìsà e de nossos demais ancestrais no òrun. Não foi nosso propósito discutir toda ritualística do Batuque, e sim tentar mostrar o quanto conseguimos preservar nossos rituais através dos tempos, sem tentar resgatar nada dos mesmos. Tentaremos todos viver plenamente para que possamos ultrapassar os setenta anos, para que tenhamos um funeral digno e merecedor de grandes homenagens, estas podendo ser realizadas pela sociedade e a religião que pertencemos, ou seja, o Batuque Afro-Sul.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Marcondes de Moura, Fundação Pierre Verger, Editora Axis Mundi, 2002. Trancrição e notas de: Luiz L. Marins, São Paulo, 2011, in, Internet, Revista Olorun, n. 06, Outubro de 2011, e , "Uma rainha africana, mãe de santo em São Luis". In: Revista USP, n. 6, 1990, p. 151-8. WOLFF, Erick. A Entronação do Aláààfin e sua conservação: a nação Kanbina, no Batuque Nàgó do Rio Grande do Sul, São Paulo, 2011. In, INTERNET, Revista Olorun, n. 05, Outubro de 2011,

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IMAGENS

Imagem 1- Cortejo Fúnebre yorùbá (1) realizado na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto

Imagem 2- Cortejo Fúnebre yorùbá (2) realizado na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto

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Imagem 3- Mulheres (Ìsokún) despedindo-se do morto na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto

Imagem 4- Bebida servida aos convidados do funeral na Rep. Pop. do Benin Foto tirada pela fotógrafa Veera Lehto

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Imagem 5- Um descendente tendo contado com Éégún na Nigéria Foto sem informação

Imagem 6- Integrantes da aldeia levando tecidos novos para que fosse ofertado ao morto no momento do preparo de seu funeral. Foto tirada por Padre Toninho e divulgada no site informado no nosso texto.

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