2007+CARLOS+CAMPOS+-+A+Singularidade+da+Intervençao+do+Treinador+como+a+sua+Impressao+Digital+-+A+Justificação+da+-16XSZI24.unlocked

A Singularidade da Intervenção do Treinador como a sua «Impressão Digital» na… … Justificação da Periodização Táctica co

Views 17 Downloads 0 File size 1MB

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD FILE

Citation preview

A Singularidade da Intervenção do Treinador como a sua «Impressão Digital» na… … Justificação da Periodização Táctica como uma «fenomenotécnica».

Carlos César Araújo Campos Porto, 2007

.

A Singularidade da Intervenção do Treinador como a sua «Impressão Digital» na… … Justificação da Periodização Táctica como uma «fenomenotécnica». Monografia de Licenciatura realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na opção de Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Orientador: Professor Vítor Frade Autor: Carlos César Araújo Campos

Porto, Dezembro 2007

Provas de Licenciatura

Campos, C. (2007). A Singularidade da Intervenção do Treinador como a sua «Impressão Digital» na… Justificação da Periodização Táctica como uma «fenomenotécnica». Porto: C. Campos. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Palavras-chave: FUTEBOL, TREINO, PRINCÍPIOS DE JOGO, INTERVENÇÃO e INTER(ACÇÃO).

Dedicatória

A todos aqueles que vieram antes de mim, planaram o terreno à custa da escavação de densas pedreiras e da devastação de mato robusto, permitindo que agora eu apenas tenha que procurar contribuir para uma pavimentação cada vez mais bela e rica.

“… havia a ciência Newtoniana. E, Ludwig von Bertalanffy disse: «deixe o sistema todo ser maior do que a soma das suas partes». Norbert Wiener acrescentou: «deixe o feedback positivo e negativo fluírem por todo o sistema.» Ross Ashby postulou: «deixe o sistema ter a quantidade de variedade necessária para interagir com o seu ambiente.» E nasceu a teoria geral dos sistemas.”

Ward (cit. por Tani e Corrêa, 2006, p. 15)

III _____________________________________________________________________________

.:

Agradecimentos

Ao Professor Vítor Frade pelo seu saber contagiante e estimulante, pela paixão que transborda na transmissão do seu conhecimento e das suas dúvidas emergentes, pelas aulas e pela disponibilidade simultaneamente motivada e motivadora. Sinto-me verdadeiramente um privilegiado!

Aos meus entrevistados: Professora Marisa Gomes, Mestre José Guilherme Oliveira e Professor Rui Faria pelo enorme contributo para o enriquecimento deste trabalho. A vossa humildade em atenderem o meu pedido jamais será esquecida!

Ao meu primo Joca e aos meus amigos José, Madalena e Sara pelo contributo efectivo para a realização deste trabalho numa altura em que o tempo escasseava.

Aos meus pais e irmã pela simples razão de os quatro sermos um só! Nenhum de nós se reduz a si próprio!

À Gabi por estar sempre presente, por acreditar em mim, por partilhar comigo todo este caminho com um sorriso terno e encorajador! Sem ti nada seria igual…

Aos meus amigos e colegas que comigo viveram estes curtos e intensos anos de Faculdade, especialmente ao Ângelo, ao Guisande, ao Daniel Pinho, ao Daniel Pinto e à Andreia entre outros que comigo partilharam vivências

duradouras,

marcantes e

irrepetíveis. Reencontrámo-nos na

“Premiership”!

V _____________________________________________________________________________

.

Índice Geral

Dedicatória

III

Agradecimentos

V

Índice Geral

VII

Índice de Figuras

X

Índice de Anexos

XI

Resumo

XIII

Abstract

XV

Résumé

XVII

1. Introdução

1

2. Revisão da Literatura

7

2.1. Existência de um Modelo de Jogo como condição impreterível para dele se ter consciência … 2.2. … constituindo-se a prática como princípio e fim da sua transmissão … 2.3. … que vai condicionar a espontaneidade decisional do “aqui e agora” … 2.4. … com permanente subordinação aos Princípios de Jogo como “objectos mentais” … 2.5. … que passam a fazer parte da memória de modo a serem evocados sempre que necessário … 2.6. … para haver a manifestação de um padrão de comportamento regular que se pretende eficaz … 2.7. …graças à evolução individual de cada jogador sustentada em referenciais eminentemente colectivos… 2.8. … que vai permitir a eclosão da desordem desequilibradora sustentada numa ordem implícita… 2.9. … determinada previamente pelo treino 3. Material e métodos

7

10

13

20

24

28

34

37 42 49

3.1. Caracterização da Amostra

49

3.2. Metodologia de Investigação

49

VII _____________________________________________________________________________

3.3. Recolha de Dados 4. Análise e discussão dos resultados 4.1. A Especificidade da repetição sistemática dos Princípios de Jogo… 4.1.1. …necessita de um profundo conhecimento do Modelo de Jogo…

50 51 51

51

4.1.2. …e está na interacção dos princípios da alternância horizontal, da progressão complexa e das propensões

52

devidamente contextualizados 4.2. A mesma abordagem com diferente grau de complexidade como fulcro do processo de assimilação dos Princípios de

55

Jogo… 4.2.1. …que nunca esgotam a sua riqueza impedindo o uso do conceito de “manutenção do princípio de jogo” 4.3. A focalização no comportamento que se pretende treinar advém da configuração do exercício… 4.3.1. …e de uma intervenção do treinador centrada precisamente nesses aspectos. 4.4. A auto-hetero-superação está no limiar entre sucesso e insucesso… 4.4.1. …e depende em grande medida da intervenção adequada do Treinador 4.5. A antecipação permitida pela existência de uma lógica de resolução dos problemas 4.6. A desmontagem do jogo referenciada ao plano macro como chave do plano micro… 4.6.1. …o que implica uma fractalidade no plano transversal… 4.6.2. …e uma fractalidade em profundidade… 4.6.3. …geridas por um tipo de intervenção antideterminista 4.7. A qualidade individual apenas pode ser manifestada quando está subjugada a algo hierarquicamente superior…

56

58

60

61

62

64

66

67 68 70

72

VIII _____________________________________________________________________________

4.7.1. …havendo que actuar sobre o(s) jogador(es) em causa… 4.7.2. …e simultaneamente sobre o Modelo de Jogo, reajustando-o sem perda do Padrão Global 4.8. A criatividade Específica como um desvio treinado, previsto internamente e enriquecedor… 4.8.1.

…apenas

possibilitada

por

uma

intervenção

amplamente competente por parte do treinador 4.9. A preponderância da prática na aquisição de hábitos enquanto “capacidade organizante”… 4.9.1. …que deve estar associada a uma identificação teórica consciente dos comportamentos a manifestar… 4.9.1.1. …possibilitada por uma transmissão verbal e pelo uso de imagens 4.10. A necessidade de uma SUPRA-ESPECIFICIDADE face à escassez de tempo para treinar quando se está a top

75

78

80

84

85

87

88

90

5. Conclusões

93

6. Referências Bibliográficas

97

7. Anexos

103

IX _____________________________________________________________________________

Índice de Figuras

Figura 1 - Sistema de roldanas representativo da Fractalidade Transversal Figura 2 - Puzzle representativo da Fractalidade em Profundidade Figura 3 – Interacção imaginada pelo Treinador para um determinado momento do jogo Figura 4 – Formato da interacção global segundo as limitações do jogador (4) antes de qualquer reajuste Figura 5 – Configuração do contributo idealizado pelo Treinador para o jogador (4) Figura 6 – Configuração do contributo possibilitado pelas capacidades do jogador (4) Figura 7 – Configuração das interacções resultante dos reajustes do Modelo e da intervenção específica sobre o jogador (4) Figura 8 – Configuração da interacção do jogador (4) após treino direccionado para a sua melhoria contextualizada Figura 9 – Contemplação da criatividade no Modelo de Jogo

68 70 77

77

78

78

80

80 83

X _____________________________________________________________________________

Índice de Anexos

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes Anexo 2 – Entrevista ao Mestre José Guilherme Oliveira Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria

I XXI XXXIV

XI _____________________________________________________________________________

.

Resumo Considerando que o processo de treino é único e que deve ter em vista o jogo que se procura, este deverá então, ter por base o Modelo de Jogo consubstanciado num conjunto de princípios de acção que servirão de referência à condução do processo e que permitirão alcançar o objectivo de organização da equipa. As decisões dos jogadores devem ter como base determinados princípios que constituirão, no seu conjunto, a lógica interna de funcionamento da equipa. Para que isto aconteça tem que se treinar tendo como principal prioridade a aquisição de hábitos referentes a uma determinada forma de jogar futebol, que no nosso entender e de acordo com a pesquisa efectuada é mormente facilitado e promovido pela Periodização Táctica. À consecução deste objectivo não é alheia uma intervenção competente e adequada do treinador ao longo do processo pois permite um direccionamento mais concreto e eficaz. Para perceber melhor as entrelinhas destas questões definimos os seguintes objectivos: descrever os mecanismos inerentes ao processo de cumprimento dos princípios de jogo; indagar acerca das formas de perspectivar este processo por parte dos treinadores no que se refere à sua intervenção específica; possibilitar uma maximização da transferência dos conteúdos essenciais do treino para o jogo. De forma a atingir estes objectivos entrevistamos três treinadores de Futebol, a Professora Marisa Gomes, o Mestre José Guilherme Oliveira e o Professor Rui Faria. Na análise e discussão dos resultados foram tidas em conta as entrevistas bem como a revisão bibliográfica efectuada sendo possível no final extrair algumas conclusões das quais se destacam: a necessidade de uma perfeita congruência entre aquilo que o treinador idealiza e o modo como sistematiza e operacionaliza isso; a relevância de uma intervenção competente do treinador que permita um permanente acréscimo de Especificidade no treino; a necessidade de construir uma lógica comum de resolução dos problemas que permita a antecipação da decisão por parte dos colegas; a promoção da criatividade inscrita numa matriz comportamental Específica; a imprescindibilidade de dominar bem os objectivos referentes ao plano macro para a partir daí actuar sobre o plano micro; a premência de condicionar a evolução individual a referenciais colectivos e o auxílio que a identificação teórica com o padrão comportamental tem na prática. Palavras-chave: FUTEBOL, TREINO, PRINCÍPIOS DE JOGO, INTERVENÇÃO e INTER(ACÇÃO). XIII _____________________________________________________________________________

..

Abstract Considering that the training process is unique and must keep in mind the pursuited game, it should have as base the Game Model consubstantiated in a group of principles of action that will serve as reference for the conduction of the process and will allow us to reach the objective of the team organization. The players decisions should have as base certain principles that will constitute, as a whole, the internal logic of the teams functioning. For this to happen the trainings principal aim has to be the acquisition of habits necessary to a certain way of playing football that, in our point of view, and according to the conducted research, is mainly facilitated and promoted by the Tactical Periodization. In the way of achieving this objective the coach’s competence and proper intervention during the process is not lost in thought, because it allows a more concrete and effective conduction. To read between the lines of these questions we defined the following objectives: describe the mechanisms inherent to the following of the game principles; to enquire the coaches about their perspective of the process, referring to their specific intervention; optimise the transference of the essential content of the training to the game. In order to achieve these objectives three Football coaches were interviewed, the Professor Marisa Gomes, the Master José Guilherme Oliveira e the Professor Rui Faria. In the analysis and discussion of the results the interviews were taken into account as well as the bibliographic revision effectuated allowing us to extract, in the end, some conclusions among which we stand out: the necessity of a perfect congruence between the things that the coach idealizes and the way he systematises and operates it; the relevance of a competent intervention of the coach that allows a permanent raise of the training Specificity; the need to construct a common logic of problem resolution that allows an anticipated decision on the part of the colleagues; the creativity promotion inscribed in a Specific behavioural matrix; the necessity to well dominate the objectives referring the macro plan in order to act on the micro plan; the urgency to regulate the individual evolution regarding collective referentials and the assistance that the theorical identification with the behavioural padron has in practice. Key Words: FOOTBALL, TRAINING, INTERVENTION and INTER(ACCTIONS).

GAME

PRINCIPLES,

XV _____________________________________________________________________________

..

Résumé Considérant que le processus d'entraînement est unique et qu'il doit avoir en vue le jeu qui se cherche, celui-ci devra alors, avoir par base le Modèle de Jeu consolidé dans un ensemble de principes d'action qui serviront de référence à la conduction du processus et permettront d'atteindre l'objectif de l’organisation de l'équipe. Les décisions des joueurs doivent avoir comme base déterminés principes qui constitueront, dans leur ensemble, la logique interne de fonctionnement de l'équipe. Pour que ceci arrive a il faut s’ entraîner ayant comme principale priorité l'acquisition d'habitudes afférentes à une certaine forme de jouer football, qui à nôtre avis et conformément à la recherche effectuée ceci est facilité et promu par la Périodisation Tactique. Comme consequence de cet objectif une intervention compétente et ajustée de l'entraîneur au long du processus n'est pas écarter, permetant un direccionement plus concret et efficace. Pour percevoir mieux les entrelignes de ces questions nous avons défini les suivants

objectifs:

décrire

les

mécanismes

inhérents

au

processus

d'accomplissement des principes de jeu; enquêter concernant les formes de mettre en perspective ce processus de la part des entraîneurs en ce qui concerne son intervention spécifique; rendre possible une maximisation du transfert des contenus essentiels de l'entraînement pour le jeu. De manière à atteindre ces objectifs nous avons interviewé trois entraîneurs de Football, la Professeur Marisa Gomes, le Maître José Guilherme Oliveira et le Professeur Rui Faria. Dans l'analyse et la discussion des résultats ont été tenues en compte les entrevues ainsi que la révision bibliographique effectuée à fin d´être possible êxtraire quelques conclusions desquelles ils se détachent: la nécessité d'une parfaite congruence entre ce qui l'entraîneur idéalise et la manière comme

il

systématise et opére cela; l'importance d'une intervention compétente de l'entraîneur qui permet une permanente addition de Spécificité dans l'entraînement; la nécessité de construire une logique commune de résolution des problèmes qui permette l'anticipation de la décision de la part des collègues; la promotion de la créativité inscrite dans une matrice comportemental spécifique; l’extreme importance de dominer bien les objectifs afférents au champ macro pour à partir de là agir sur le champ micron; l'urgence de conditionner l'évolution individuelle à des référentiels collectifs et l'aide que l'identification théorique avec la norme comportementale a dans la pratique. Mots-clés:

FOOTBALL,

ENTRAÎNEMENT,

PRINCIPES

DE

JEU,

INTERVENTION et INTER (ACTION). XVII _____________________________________________________________________________



Introdução _____________________________________________________________________________

1. Introdução

Williamas e Hodges (2004, p. 637) referem que nos últimos anos têm sido levadas a cabo inúmeras pesquisas com o objectivo de se identificar os factores mais importantes que levam a bons desempenhos no desporto. Lembram que a importância das ciências do desporto é apreciada por todos aqueles que estão envolvidos em equipas profissionais e que a grande maioria dos trabalhos nesta área é pertença dos fisiologistas do exercício sendo que disciplinas como a psicologia desportiva ou a aprendizagem motora são relegadas para segundo plano no que à produção científica diz respeito. Estes autores chegam mesmo a dizer que “o futebol adoptou as ciências biológicas com muito maior entusiasmo que o revelado no interesse da compreensão do comportamento ou das ciências sociais.” Da mesma forma que fazem a constatação destes factos, Williams e Hodges (2004, p. 637) encontram explicações para eles: “É muito mais fácil avaliar a efectividade de um programa de condição física do que monitorizar intervenções que visam alterar comportamentos. Mudanças nas capacidades aeróbia e anaeróbia ou nas características antropométricas como a massa ou composição corporal, podem ser facilmente determinadas usando testes laboratoriais padronizados. Por outro lado, constructos como a ansiedade, auto-confiança, antecipação e tomada de decisão são difíceis de medir directamente

e

podem

apenas

ser

inferidos

através

de

mudanças

comportamentais ao longo do tempo.” Estas explicações servem-nos também a nós, pois a realização deste trabalho visa compreender melhor a forma como o Treino conduz a uma determinada forma de jogar futebol, isto é, tratamos o comportamento, as interacções, a vivenciação de decisões dentro duma matriz específica que caracteriza uma equipa e isso exige um profundo conhecimento daquilo que estamos a falar, no nosso caso do “jogar” que pretendemos, pois só assim poderemos direccionar o treino nesse sentido, promovendo as interacções adequadas ao surgimento efectivo da nossa ideia de jogo.

1 _____________________________________________________________________________

Introdução _____________________________________________________________________________

Ao abordarmos um assunto, seja ele de que índole for, convirá logo à partida tornar claros alguns pressupostos que, de forma velada ou não, condicionarão vincadamente o modo como trataremos esse mesmo tema. Num mundo descentrado como o nosso, cada um torna-se responsável pela experimentação de novas práticas sintonizadas com o pensamento sistémico. Todos os caminhos são válidos pois tudo depende daquilo com que nos deparamos e daquilo que está no centro da nossa busca. Esta é uma das ideias básicas do pensamento complexo: tendo em conta a multiplicidade de caminhos que se abrem à investigação, é fundamental a existência de um centro comum a todas as áreas interligadas, assumindo a articulação um papel fulcral. Esta ideia sistémica deita por terra as “receitas”, descendentes directas da causalidade linear, e apela de uma forma racional, à individualização, à necessidade de atentar e analisar cada caso como diferente de todos os outros. A este propósito Morin (1986) diz que paradoxalmente são as ciências humanas que, actualmente, oferecem a mais fraca contribuição ao estudo da condição humana, precisamente porque estão desligadas, fragmentadas e compartimentadas. Estabeleçamos uma analogia com Morin (1986, p. 42) quando este diz: “Imaginemos uma tapeçaria contemporânea. Ela comporta fios de linho, seda, algodão, lã, de cores variadas. Para conhecê-la, seria interessante conhecer as leis e princípios relativos a cada uma dessas espécies de fio. Contudo, a soma dos conhecimentos sobre cada tipo de fio que compõe a tapeçaria é insuficiente para conhecer essa nova realidade que é o tecido (ou seja, as suas qualidades e propriedades). É também incapaz de nos auxiliar no conhecimento da sua forma e configuração.” Ora o mesmo se aplica em relação ao Futebol, isto é, até podemos tentar decompô-lo nas suas mais ínfimas partes mas não é menos verdade que isso é manifestamente insuficiente no tratamento duma configuração em que as relações situacionais estabelecidas variam de forma vertiginosa. Se acreditamos que o nosso “jogar” com tudo aquilo que o caracteriza é aquilo que nos pode levar ao sucesso então é sobre ele que devemos actuar. Aquilo que é alvo da preocupação central de um treinador é também aquilo que o distingue enquadrando-o numa ou noutra concepção metodológica.

2 _____________________________________________________________________________

Introdução _____________________________________________________________________________

“A primeira etapa da complexidade indica que conhecimentos simples não ajudam a conhecer as propriedades do conjunto. Trata-se de uma constatação banal, que no entanto tem consequências bem relevantes: a tapeçaria é mais do que a soma dos fios que a constituem. O todo é mais do que a soma de suas partes.” Este postulado de Morin (1986, p. 43) desacredita aqueles que insistem em fragmentar, decompor e reduzir. A fragmentação reduz na medida em que são sonegadas as correlações que se estabelecem com tudo aquilo que envolve determinada situação. Ao perspectivarmos determinada componente de forma isolada do seu contexto real estamos a adulterá-la pois ela é parte de um todo sem o qual deixa de fazer sentido. “A segunda etapa da complexidade revela que o facto de existir uma tapeçaria faz com que as qualidades deste ou daquele fio não possam, todas elas, expressar-se na sua plenitude, pois estão inibidas ou virtualizadas. Assim, o todo é menor do que a soma de suas partes” (Morin, 1986, p. 43). Com isto o autor adverte que ao darmos o primado à globalidade teremos de relativizar cada uma das suas partes. O relativizar aqui poderá ser entendido como uma contextualização, ou seja, um enquadramento na realidade a que pertence dentro do todo. “A terceira etapa da complexidade é a mais difícil de entender pela nossa estrutura mental. Ela diz que o todo é ao mesmo tempo maior e menor do que a soma de suas partes.” Esta aparente contradição de Morin encerra uma verdade que é a chave do entendimento de todas as questões relacionadas com este assunto. O todo é maior que a soma das partes quando o entendemos como uma estrutura extremamente complexa fruto de inúmeras interacções das partes umas com as outras e com o meio envolvente. Nesta perspectiva o todo é sempre tratado considerando a sua essência global surgindo daqui a necessidade de se criarem processos que conduzam a esse mesmo tratamento holístico, isto é, definir as prioridades e actuar sobre elas de modo a que se obtenham incrementos nos mecanismos gerais. Por outro lado o todo é menor que a soma das partes se entendermos cada uma delas como relevante em si, ou seja, se atribuirmos significado contextual a algo descontextualizado. Por exemplo a periodização convencional atomiza o já atomizado treino aeróbio em treino de recuperação, treino aeróbio de baixa 3 _____________________________________________________________________________

Introdução _____________________________________________________________________________

intensidade e treino aeróbio de alta intensidade. Cada uma destas componentes é, segundo esta concepção metodológica do treino de futebol, tratada isoladamente esperando-se depois um transfer adequado para a realidade competitiva. Constatando esta realidade, Tani e Corrêa (2006, p. 16) certificam que “… a noção de que um sistema pode ser separado em componentes sem perder as suas características essenciais está ainda muito presente no campo dos desportos colectivos, por exemplo, quando se dá muita ênfase à prática de fundamentos técnicos na aprendizagem ou no treino de certas modalidades desportivas colectivas.” Changeux (2002) segue na mesma linha de pensamento afirmando que para compreender bem como se construíam as catedrais, não chega a descrição minuciosa das pedras assumidas uma a uma: é preciso ter também uma representação das suas relações mútuas e do plano de organização geral dos pilares, das abóbadas, dos tímpanos. Para tentar reconstruir uma função, e no final, um comportamento, a partir dos constituintes elementares do cérebro recenseados no decurso das décadas recentes, temos de compreender as regras de organização que determinam uma arquitectura geral das redes de neurónios que caracterizam o cérebro do Homem. Assim, assumir o pensamento sistémico como base para o entendimento do futebol implica um acréscimo de complexidade pois as redes de relações que se estabelecem são incontáveis o que nos conduz a um crescente esforço de compreensão que nunca será finalizado. Isto poderá ser tido como estimulante para uns mas fastidioso para outros, razão pela qual são mais os que perspectivam a fenomenologia do “jogar” de forma estanque. No nosso caso inserimo-nos no primeiro grupo e mesmo conscientes da impossibilidade de compreender tudo do todo, caminharemos no sentido se perceber cada vez melhor os princípios que regem a aplicação do “jogar” imaginado pelo treinador. Surgrue, Corrado e Newsome (2005, p. 363) dizem-nos que “o interesse na tomada de decisão resultou da emergência de novas áreas interdisciplinares de pesquisa que expressam o objectivo de perceber as bases neuronais da escolha do comportamento.” Ainda no mesmo artigo vemos que “as decisões última expressão da vontade - podem ser dissociadas das acções sob as quais 4 _____________________________________________________________________________

Introdução _____________________________________________________________________________

são normalmente manifestadas, e devem a sua verdadeira existência a processos escondidos dentro do cérebro” (Surgrue et al., 2005, p. 363). Estes factos tornam-se tanto mais importantes quando se conhece a constante modificação – transitoriedade das situações de jogo - onde o sucesso depende, fundamentalmente da capacidade de julgamento do meio envolvente bem como da decisão e ajustamento dos movimentos de acordo com as exigências dos eventos ambientais (Tani, cit. por Barbosa, 2003). Embora aqui ainda não se perceba de forma clara a importância do treino no condicionamento dessas decisões, já se antecipa que terá que existir um fio condutor em direcção a algo que buscamos. Gomes (2006) complementa dizendo que o «jogar» é uma totalidade que resulta das interacções dos jogadores e por isso, não deve ser interpretado como um somatório de acontecimentos aleatórios porque se inscreve num contexto colectivo. Através desta premissa, a tomada de decisão não é abstracta porque tem repercussões no contexto onde se inscreve. A decisão do jogador não se reduz a si mesma, tem influência na dinâmica das relações com os seus colegas, adversários e portanto, no contexto da dinâmica colectiva, ou seja, no jogo. Tendo por base a Periodização Táctica e sua forma particular de operacionalizar o treino no sentido de transmitir a Ideia de Jogo do treinador, pareceu-nos vital abordar a problemática das adaptações que o treino induz no sentido de se evidenciar um determinado “jogar”, um determinado “futebol” em detrimento de outro “jogar”, de outro “futebol” tendo particular atenção na intervenção do treinador que permanentemente reconfigura e reajusta pormenores(maiores) visando a maximização disso mesmo.

Posto isto, parece-nos pertinente colocar os seguintes objectivos ao nosso trabalho: Descrever

os

mecanismos

inerentes

ao

processo

de

entendimento/cumprimento dos princípios de jogo pretendidos pelo treinador por parte do jogador de futebol; Indagar acerca das formas de perspectivar este processo por parte dos treinadores no que se refere à sua intervenção específica; 5 _____________________________________________________________________________

Introdução _____________________________________________________________________________

Possibilitar uma maximização da transferência dos conteúdos essenciais do treino para o jogo através da compreensão do funcionamento dos mecanismos de aprendizagem do jogador.

Buscando

a

concretização

destes

objectivos entrevistamos três

treinadores de Futebol, a Professora Marisa Gomes, o Mestre José Guilherme Oliveira e o Professor Rui Faria, todos eles sintonizados com a Periodização Táctica enquanto corrente metodológica para o Treino no Futebol. A partir daqui fizemos a sistematização das suas ideias relativamente a alguns pontos estruturantes relacionados com os objectivos traçados. Tendo por base esta metodologia estruturamos o trabalho em sete pontos. Iniciámos com a “Introdução” na qual expomos e delimitamos o tema e sua pertinência bem como procedemos à delimitação dos objectivos propostos. No segundo ponto fazemos a revisão bibliográfica onde articulamos um conjunto de informação relevante sobre o tema em estudo procurando percorrer os aspectos mais relevantes que conduzem à indução do cumprimento dos Princípios de Jogo no Futebol. No terceiro ponto fazemos a apresentação do material e métodos a partir dos quais desenvolvemos o nosso trabalho. No quarto ponto fazemos a análise e discussão dos dados sustentando e confrontando os conceitos desenvolvidos na revisão bibliográfica com os dados provenientes das entrevistas. No quinto ponto apresentamos as conclusões mais relevantes de uma forma directa e sintética. O sexto ponto reporta-se às referências bibliográficas que nos serviram de base à realização deste estudo. No sétimo e último ponto estão as três entrevistas realizadas na íntegra constituindo-se como anexos disponíveis para consulta.

6 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

2. Revisão da Literatura

2.1. Existência de um Modelo de Jogo como condição impreterível para dele se ter consciência… “Há uma necessidade permanente do modelo estar sempre presente em todo o instante de forma a que as coisas se direccionem sempre como eu pretendo que aconteçam”. (Guilherme Oliveira, 2006)

“Exercitamos o nosso Modelo de Jogo, exercitamos os nossos princípios e sub-princípios de jogo, adaptamos os jogadores a ideias comuns a todos, de forma a estabelecer a mesma linguagem comportamental. Trabalhamos exclusivamente as situações de jogo que me interessam, fazemos a sua distribuição semanal de acordo com a nossa lógica de recuperação, treino e competição, progressividade e alternância. Criamos hábitos com vista à manutenção da forma desportiva da equipa, que se traduz por um frequente «jogar bem»” (Mourinho, 2005) Guilherme Oliveira (2004), aponta o Modelo de Jogo como aspecto nuclear do processo de treino, assumindo-se mesmo como um aspecto fundamental do referido processo, ao ponto de deixar de ter sentido sem a sua existência, já que será a partir dele que tudo se irá gerir, organizar, desenvolver e criar. Assim pensa também Faria (1999, p. 49) para quem “o Modelo de Jogo condiciona um modelo de treino, um modelo de exercícios e, necessariamente, um modelo

de jogador.” A sua existência

torna-se assim

a base

fundamentadora de tudo e a sua aprendizagem constitui-se como algo de relevância

inquestionável.

A

presença

do

Modelo

de

Jogo

no

imaginário/consciência dos jogadores constitui-se portanto um processo que importa perceber. 7 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

Frade (2004a) lembra que o “Jogo” pré-existe à ideia que dele se tem. Este “Jogo” é sempre subdeterminado ao “jogo” referente à ideia de jogo de cada um, àquilo que cada um quer que aconteça que será sempre diferente das demais ideias. Estes “jogos” todos juntos, com a sua variedade mandam no “Jogo” pois definem grosseiramente os seus traços gerais. O que nos interessa é o “jogo” pois é sobre este que vamos actuar e assim condicioná-lo à ideia que dele temos. Assim, quando falamos em modelo de jogo referimo-nos precisamente ao nosso jogo particular sendo por isso um conceito Específico para cada treinador. A tomada de decisão não é algo aleatório ou seja, apesar das particularidades do contexto, o jogador é sobrecondicionado a decidir em função do projecto de jogo da equipa e portanto, dos seus princípios. Assim, o modelo de jogo permite condicionar as escolhas dos jogadores para um padrão de possibilidades ou seja, orienta as decisões dos jogadores (Gomes, 2006). Logicamente que não basta a mera existência de um modelo de jogo para que os comportamentos sejam condicionados nesse sentido pois há que treiná-lo de forma a enraíza-lo no imaginário dos jogadores e da equipa, torná-lo presente de forma consciente e seguidamente subconsciente. Edelman (cit. por Souza, Halfpap, Min & Lopes, 2007, p. 145) afirma que “a consciência é corpórea, isto é, somente seres corporais podem experimentar a consciência como indivíduos pois ela é o resultado de funções corporais e da organização e funcionamento do cérebro de cada indivíduo, um processo que engloba de forma vincada a história das interacções com o ambiente deste indivíduo.” Exprimimos em primeiro lugar uma emoção, antes de sentirmos eventualmente no fundo de nós mesmos um sentimento que lhe estaria associado como o rosto mais íntimo de uma manifestação essencialmente corporal (Revoy, s/d). Daqui inferimos que a consciência de algo depende também da “história das interacções com o ambiente”, ou seja, para promovermos e facilitarmos a possibilidade da consecução de algo que pretendemos, devemos proporcionar uma história de interacções nesse sentido concreto e isso no futebol só poderá ser conseguido através do treino Específico dos comportamentos tácticos que consubstanciam o modelo de jogo criado para que isso facilite a tomada de consciência e execução daquilo que 8 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

temos como ideia de jogo e assim pensa também Faria (2002, p. VIII) quando opina da seguinte forma: “se tu queres instalar uma linguagem comum com regras, princípios, uma cultura de jogo, um modelo de jogo (…) é fundamental que isso seja feito através do jogo” referindo que para isso é necessário no treino situações que permitam os jogadores estarem identificados com aquilo que se quer que seja a competição (o jogar), ou seja, consegue-se através do treino específico desse modelo de jogo. Acresça-se o que diz Damásio (2000) quando refere que padrão neural ou mapa neural é algo que acontece no cérebro, um conjunto de actividades neurais que pode ser encontrada nos córtices sensoriais quando eles estão activos (por exemplo nos córtices visuais em correspondência com uma percepção visual). Só temos acesso aos padrões neurais na perspectiva da terceira pessoa (não “sinto” padrões neurais). Isto indica-nos que os comportamentos tácticos congruentes com o modelo de jogo poderão aparecer “apenas” no devido contexto do jogo sem que deles haja uma apropriação permanente, ou seja, isso permite um uso ecológico daquilo que pretendemos pois apenas aparece quando é realmente necessário. A consciência nuclear é um conceito fundamental no entendimento das decisões em contextos como o Jogo de Futebol. Por que é que numa determinada situação com todos os detalhes inerentes ao “aqui e agora” o jogador age num determinado sentido? “A consciência nuclear constitui ela própria o conhecimento, directo e sem qualquer verniz inferencial, do nosso organismo individual no acto de conhecer e, por sua vez, esse conhecimento nasce da representação do proto-si não consciente no processo de ser modificado. Este imediatismo ainda não inferencial assiste à transição de dados, de padrões neurais a imagens, e, porque estas últimas emergem em plena espontaneidade – nesta que é uma consciência do pertinente instantâneo – não podem ainda considerar-se em pleno jogo semiótico” (Carmelo 2001 p. 4). O treino terá de alguma forma que ser o condicionador desse imediatismo que acontecerá no jogo constituindo-se as imagens e os padrões neurais como os princípios que queremos estabelecer na equipa devendo por isso emergir no jogo em “plena espontaneidade”.

9 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

Relativamente à consciência alargada é definida por Damásio (2000, pp. 228-229) como “a preciosa consequência de duas contribuições que possibilitam: primeiro a capacidade de aprender e, consequentemente, de reter miríades de experiências previamente conhecidas através da consciência nuclear. Segundo, a capacidade de reactivar esses registos de tal modo que, enquanto objectos, também eles possam gerar um sentido de si e consequentemente ser conhecidos.” Digamos que a consciência alargada engloba o passado, o futuro antecipado e o aqui e agora. Nash (1999) relata uma lesão cerebral ocorrida especificamente ao nível do hipocampo sendo essa a causa de extinção da consciência alargada que levou uma doente a deixar de formar novas memórias ou antever o futuro passando a flutuar livremente num presente descontextualizado. Ora a formação de novas memórias é um dos objectivos primordiais do treino, local onde devem assentar as memórias do jogo. Analisemos o seguinte exemplo que nos é trazido por Revoy (s/d): “Suponhamos que Simone é uma pianista profissional. Quando dá um concerto, as suas acções são essencialmente automáticas, não sendo nem precedidas nem acompanhadas de intenções conscientes específicas. Podemos pensar que ela não age livremente? É aí que negligenciamos todo o seu trabalho meticuloso de preparação, as horas infindáveis que ela passou para ter estes automatismos. Era da sua parte um sacrifício feito livremente e deliberadamente consentido." Por aqui vemos que o treino é o fulcro de tudo, mesmo daquilo que fazemos de forma automática a aparentemente inconsciente.

2.2. … constituindo-se a prática, como princípio e fim da sua transmissão … “Escreveram-se tratados sobre estratégias e tácticas mas o jogador não é um estudante universitário, é sobretudo um prático e só passa a acreditar nesta estratégia ou naquela táctica se ela se lhe demonstra em campo.” (Bella Gutman) 10 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

A repetição sistemática dos princípios é, numa determinada concepção metodológica assumida em todo este trabalho, o caminho para a devida consecução do modelo de jogo criado, sendo este efectivamente um modelo abstracto na medida em que cada treinador deve elaborar o seu de acordo com aquilo que pretende ver implementado e com aquilo que tem em mãos. Esta caracterização abstracta sustenta-se numa causalidade não linear que confere grande dinâmica a todo o processo, contudo, segundo Frade (2004a) existem três princípios que devem ser cumpridos nesta repetição sistemática: o principio da progressão complexa diz-nos que o modo como se passa de uns dias para os outros é diverso sendo que isso tem consequências evidentes. Isto resulta do facto de nos diferentes dias se trabalharem diferentes coisas, ou seja, há uma alternância, mas uma alternância horizontal em especificidade, isto é, em cada dia trabalham-se coisas diferentes. Conforme se sabe as contracções musculares são fundamentalmente definidas por três parâmetros: velocidade de contracção, duração da contracção e tensão da contracção. Ora a alternância horizontal tem isso em conta pois privilegia a dominância de diferentes parâmetros nos diferentes dias. O princípio das propensões referese ao facto de se contextualizar as coisas para que aquilo que se quer que aconteça, aconteça mais vezes, ou seja, este princípio de jogo ou a articulação de um princípio com outro, e isto está tudo balizado pela ideia de jogo que é inicialmente uma configuração mental lata porque o próprio processo gerido por uma determinada intervenção é que vai possibilitar o concretizar da sua existência. “Algumas intenções resultam de uma intenção consciente anterior à acção e outras há que nascem no calor da acção sem que sejam necessariamente premeditadas” (Oliveira, Amieiro, Resende & Barreto 2006, p. 201). Estas últimas adquirem no contexto do Futebol uma relevância tremenda pois se muitas vezes a consciência chega já depois da intenção, então há que criar hábitos de acordo com aquilo que queremos para que mesmo a decisão inconsciente vá na maioria das vezes de encontro aos princípios estabelecidos. Nesta perspectiva vemos que a comunicação não substitui de forma alguma a 11 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

acção pois é nela que se criam os hábitos que queremos implementar. A identificação verbal com os princípios não é portanto suficiente! A este respeito, Ferraz (2005) dá-nos algumas ideias importantes para o tema que queremos desbravar: É necessário um “espaço” onde os comportamentos pretendidos possam aparecer. Os sujeitos da aprendizagem têm que estar conscientes dos comportamentos em causa nas situações de aprendizagem (exercícios) para poderem direccionar o “foco” do seu cérebro e regular as possíveis emoções conflituantes. Eles devem manter o “foco” do cérebro nesse comportamento durante a exercitação e são necessários “lembretes” para auxiliar a manutenção dessa focalização. Até que esses comportamentos sejam aprendidos, se tornem hábitos, tem que haver uma repetição sistemática que exige bastante tempo. Quanto maior a sistematização mais eficiente se tornará o processo. Os “mecanismos” inconscientes, entre os quais as emoções, quando modelados por essa repetição sistemática tornam as decisões mais eficazes e mais rápidas. As emoções têm um papel decisivo na concentração e por consequência na aprendizagem, devido aos marcadores somáticos, mas também na formação das intenções inconscientes condicionando fortemente as tomadas de decisão. Depois de aprendidos os princípios, a exercitação deve ser mantida para evitar que esse hábito regrida e a nova modelação emocional (cultura) possa continuar a jogar a favor dos novos comportamentos. A forma como se deve treinar para poder maximizar essa “transição de dados, de padrões neurais a imagens” é outro dos objectivos deste trabalho e aí parece-nos claro que a melhor forma de o fazer é incidir tanto quanto possível na exercitação dos princípios a estabelecer, ou seja, o discurso oral e a exercitação de outros factores que não os comportamentos tácticos pretendidos, não sortirão efeitos na evolução qualitativa da organização 12 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

colectiva pretendida se não forem acompanhados por uma prática devidamente configurada para isso. Com Williams e Hodges (2005, p. 645) pensamos: “As novas abordagens prescritivas devem-se em grande parte ao desenvolvimento de teorias alternativas baseadas na psicologia ecológica e na teoria dos sistemas dinâmicos. Estas perspectivas vêem o sujeito como um sistema dinâmico e complexo com o padrão de comportamento observado a constituirse como o produto de constrangimentos impostos ao aprendiz. De acordo com esta visão, a coordenação do movimento é atingida como resultado da adaptação do sujeito aos constrangimentos que lhe são impostos durante a prática.” A importância da prática deve por isso ser convenientemente sublinhada indo isto de encontro ao cumprimento do princípio da repetição sistemática anteriormente referido. Só a presença sistemática e permanente do “jogar” que se pretende é que pode conduzir á sua consecução. As articulações entre partes (princípios) devem concorrer para a globalidade do processo na certeza que não é uma disjunção absoluta que, somada no final, resulta em algo tão articulado e complexo como o “jogar bem”. Guilherme Oliveira (1991) sintetiza a relevância da prática defendendo que os exercícios são o principal meio para provocar adaptações nas várias dimensões do rendimento. O mesmo autor, mais recentemente (2006), refere que para uma equipa jogar de determinada forma há interacções a promover mas que para jogar de forma diferente, essas interacções são distintas dando claramente a entender que a prática deve ter em conta aquilo que se pretende, ou seja, não se trata de uma prática universal e inócua mas sim de uma prática subjugada a algo hierarquicamente superior – o Modelo de Jogo.

2.3. …que vai condicionar a espontaneidade decisional do “aqui e agora”… “Há várias formas de resolver os problemas e nós queremos que eles sejam resolvidos com uma determinada lógica” (Guilherme Oliveira)

13 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

Para ilustrar de uma forma algo genérica aquilo que pensamos sobre os condicionalismos da espontaneidade decisional vejamos o que diz Gomes (2007): “Não sei se por exemplo o lateral direito ao receber a bola vai jogar no extremo ou vai jogar no central porque isso é que é variabilidade, é o aqui e agora, a decisão do jogador. Mas está sobre-condicionada àquilo que desejamos, portanto, nós queremos ter a posse de bola e o pivot esta a ser marcado, ele não vai arriscar um passe para o pivot e então vai jogar para o central. E está sobre-condicionado a quê? Ao querermos jogar em segurança para mantermos a posse de bola. Não sei o que vai acontecer no aqui e agora mas sei que a minha equipa vai ter determinados comportamentos pelo que construo no processo de treino.” Este exemplo revela a presença de uma lógica que sugere determinadas possibilidades de acção tendo em conta algo e o facto de isso ser edificado no processo de treino vem de encontro à nossa crença, importando agora perceber alguns mecanismos que permitem isso. Durante um jogo de Futebol, os jogadores são constantemente chamados a tomar decisões e quanto mais rapidamente o fizerem tanto melhor pois o jogo está crescentemente mais rápido sendo que a velocidade de execução distingue os melhores dos medianos. Se nos fiássemos no sentido comum e nas imagens tradicionais, o “espírito” deveria transmitir as ideias com uma rapidez que desafiava todas as leis da matéria. Na verdade, fenómeno espantoso é que segundo nos diz Changeux (2002) é quase o contrário que sucede pois o cérebro é lento, demasiado lento mesmo em relação a certos fenómenos físicos de base. E acrescenta: “Com efeito, o sistema nervoso de todos os organismos vivos, incluído o homem, propaga os sinais eléctricos a uma velocidade bem menor que a da luz. Isso significa que os sinais neuronais não

exploram

as

ondas

electromagnéticas

que

provêm

das

forças

fundamentais do mundo físico. Esta limitação física é uma herança que nos foi legada através da evolução das espécies, os organismos primitivos” (Changeux, 2002, pp. 23-24). Num jogo de Futebol entre equipas de topo assistimos a movimentos velozes, execuções em que parece que os jogadores adivinham as movimentações dos companheiros e as decisões têm de ser tomadas de forma 14 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

espontânea e de acordo com o modelo de jogo estabelecido e treinado. Ora, a estas exigências contrapõe-se a lentidão dos processos cerebrais daí que algo tenha que estar por trás desta rapidez que caracteriza o Jogo de Futebol. Treinar para criar pré-representações e assim aumentar a velocidade dos acontecimentos fazendo-os depender de algo já previamente definido e não somente da solução que o cérebro teria que encontrar e realizar para cada momento do jogo é uma resposta que, de acordo com alguns autores, explanaremos de seguida. Changeux (2002, p. 57) afirma que a “capacidade de antecipar representa

um

recurso

essencial

de

predisposição

para

adquirir

conhecimentos.” Também Gomes (2006) refere que a realização regular dos princípios de acção faz com que os jogadores criem uma familiaridade com uma lógica de funcionamento que os leva a antecipar com maior eficácia e menor esforço os efeitos dos comportamentos. Segundo Changeux (2002) esta capacidade de antecipação da recompensa foi registada por métodos electrofisiológicos ao nível dos neurónios de dopamina do tronco cerebral no macaco. Estes estudos revelaram que a activação dos neurónios dopaminérgicos não coincide com a recompensa, mas antecipa-se na sequência da aprendizagem. Esta conclusão vem de encontro às respostas que procuramos para explicar a rapidez de processos que as grandes equipas de futebol evidenciam no seu “jogar” contrariando a lentidão dos mecanismos cerebrais pois perante determinadas situações de jogo, o jogador age, activando os neurónios dopaminergéticos, o que lhe permite uma antecipação na sequência da aprendizagem garantida pelo treino exaustivo desse “jogar” almejado. Gomes (2006) refere que essa antecipação congruente com aquilo que se pretende só acontece quando já se experimentou a mesma situação e esta se gravou como um hábito - como um automatismo. Fica aqui bem explícita a importância do treino para que este mecanismo que visa contrariar a lentidão do cérebro possa realmente acontecer. Jacob e Lafargue (2005) contribuem também para uma melhor compreensão da antecipação quando lembram que quando se produz um acto voluntário, o cérebro produz uma cópia eferente que prediz instantaneamente os efeitos da acção e pelo contrário quando o acto é realizado de forma 15 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

involuntária, o cérebro não antecipa e é preciso algum tempo de latência para o perceber. O treino adquire aqui relevância capital pois apenas podemos predizer aquilo que já fizemos e conhecemos o resultado. Estas experiências devem ter sede no processo de treino se este for Específico em relação aos comportamentos tácticos desejados, ou seja, se treinamos os comportamentos tácticos, conhecemos os seus efeitos e isso é um aspecto a ter em conta na consecução do jogar pretendido. Changeux (2002, p. 58) prossegue alargando esta explicação ás decisões espontâneas (muito frequentes no Futebol) e ás mais ponderadas afirmando que “se a dopamina contribui para a antecipação de uma recompensa e para o tratamento do erro, ela pode também intervir na adaptação das estruturas corticais superiores em condições novas pois os neurónios dopaminergéticos (entre outros) ajudam-nos não apenas a motivarnos no caso de situações já conhecidas, mas também a resolver os problemas e situações novas e a elaborar novos conceitos que as levam em conta.” Se concordarmos que o Modelo de Jogo engloba tudo - vejamos o jornalista António Tadeia (cit. por Pacheco 2005, p. 26) sobre o treinador José Mourinho: “o modelo de jogo é a base de referência de todo o trabalho a desenvolver desde o início da época até a data de entrada para férias” - facilmente nos apercebemos que tudo se vai basear nele daí que mesmo situações absolutamente novas encontrem uma resposta que de alguma forma se vai basear nesse mesmo modelo de jogo, ou seja, existe uma diminuição da margem de variabilidade da actividade espontânea. A este propósito, Gomes (2006) lembra que adequabilidade da decisão é fundamental para resolver as dificuldades impostas pelo adversário e por isso, as exigências colectivas e individuais que se colocam são táctico-técnicas, isto é, reportam-se ao modelo de jogo criado e treinado. Mais tarde, a mesma autora complementa aludindo à natureza táctica do «jogar» que compreende uma organização colectiva que por sua vez se repercute em cada intenção e decisão do jogador e portanto, nas interacções. Jacob e Lafargue (2005) mostraram que a consciência da intenção imediata de executar um acto, precede sempre o acto cerca de 200 mseg. sendo que nestas condições a única forma de salvaguardar o livre arbítrio é a 16 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

de admitir que, este pequeno intervalo de tempo deixa a possibilidade à vontade consciente de opor a sua recusa a esta acção preparada e de proibir em última instância a sua realização material sendo que existem mesmo casos em que o potencial de acção motriz não é seguido de acção, ou seja, se a decisão do cérebro não é estritamente conforme as intenções prévias do sujeito, resta-lhe a possibilidade de não agir. Isto leva-nos a crer que teremos que treinar o cérebro a decidir de determinada forma, de acordo com os princípios estabelecidos, ou seja, condicionar as intenções prévias que surgem de forma inconsciente para que estas sejam congruentes com o modelo de jogo criado. Esta necessidade é bem evidente quando sabemos que o tempo que medeia a consciência da intenção e a acção propriamente dita se cifra nuns escassos 200 mseg., o que nos indica de forma bem clara a relevância das intenções prévias dos jogadores serem concordantes com a ideia de jogo do treinador, caso contrário a tarefa em conseguir tal desiderato estará condenada ao insucesso. O cérebro comporta-se naturalmente como um sistema autónomo que projecta em permanência informação em direcção ao mundo exterior em vez de receber passivamente a sua marca. Changeux (2002) aponta que a actividade intrínseca espontânea do cérebro é um dos seus componentes principais, levando-nos a crer que ele não funciona como uma máquina que trata passivamente informações vindas do exterior. O mesmo autor explicita, num outro capítulo da mesma obra, que a actividade espontânea de conjuntos de neurónios leva o organismo a continuamente explorar e testar o meio ambiente físico, social e cultural, a apoderar-se de respostas e a confronta-las com o que ele possui em memória e em consequência disso desenvolve espantosas capacidades de auto-activação e logo de auto-organização. Da mesma forma, dizemos nós que, tendo isto em conta, o jogador de futebol recebe a toda a hora informação do “aqui e agora” momentâneo do jogo e responde-lhe mais ou menos espontaneamente de acordo com aquilo que treinou usando para tal as armas da actividade intrínseca e espontânea que o seu sistema nervoso permite, indo buscar o comportamento adequado para cada situação específica ás tais “respostas” e ”memórias” que nos fala Changeux. 17 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

Esta orgânica cerebral caracterizada pelo dinamismo leva Changeux (2002, p. 43) a dizer que “as representações internas do cérebro, a sua externalização e a sua vulgarização entre cérebros individuais no seio do grupo social e o seu eventual armazenamento nas memórias não cerebrais estariam na origem da evolução cultural.” Reportando-nos ao Futebol cremos que esta evolução dirá respeito a uma ideia de jogo que será cada vez mais rica sendo que vai ser crescentemente apreendida e armazenada pelos jogadores da equipa pois tal como afirma Faria (2006, p. 17) “a filosofia de treino e de jogo será sempre um processo impar de identidade própria. Munida de conhecimentos, cresce e desenvolve-se de acordo com as necessidades que a própria imprevisibilidade do processo exige. Torna-se complexa e cada vez mais à imagem dos seus mentores. A necessidade obriga a pensar, reflectir e divagar incansavelmente sobre uma esfera de novas ideias, problemas e possíveis soluções. Sabendo, contudo, que a situação é provisória. Rapidamente o processo fica mais rico, mais exigente e mais complexo, mas sempre inacabado.” Pensemos agora no paradigma de Thorndike que contrasta em absoluto com concepções empiristas e mecanicistas pois postula que existe uma relação causal entre o comportamento espontâneo, a acção do organismo sobre o seu meio-ambiente e um dado acontecimento. Ora o comportamento espontâneo que ocorre no jogo de Futebol deve provir realmente de “um dado acontecimento” que terá que ser o Treino. Changeux (2002, p. 74) dá seguimento a este raciocínio dizendo que a organização e o reforço da acção estão sob o controlo de uma recompensa recebida do mundo exterior e prossegue afirmando que “uma tal aprendizagem por tentativa e erro, em favor de uma interacção activa com o ambiente, desenvolve-se a partir de um largo repertório de impulsos instintivos ou de reflexos endógenos próprios da espécie.” Desta forma temos que criar exercícios que “compensem” os comportamentos desejados. Na mesma linha de pensamento segue Guilherme Oliveira (2006) quando afirma que o jogador só consegue fazer determinado comportamento bem se primeiro o compreender e depois, se achar que realmente esse comportamento é benéfico, tanto para a equipa como para ele. Será este o caminho para conseguirmos implementar a nosso ideia de jogo, ou 18 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

seja, se criarmos exercícios com um grau de dificuldade tal que seja difícil, arriscado ou não seja evidentemente vantajoso cumprir o estipulado, isso terá um efeito contraproducente no enraizamento desse comportamento no cérebro do jogador. Digamos que o jogador deve ver e sentir na prática a validade e utilidade daquilo que lhe é requisitado. Jacob e Lafargue (2005) explicam a importância da obtenção de sucesso na repetição dos comportamentos pois quando há a intenção de agir, o córtex frontal tem, antes de mais, uma intenção prévia e consciente da acção a cumprir, depois, o córtex parietal tem uma intenção em acção não consciente, a área motriz suplementar cria uma cópia de intenção e em função dos resultados do acto a esta cópia, a intenção acede mais ou menos depressa à consciência. Quando se toma consciência do facto que a intenção não se adapta à situação, isso conduz à criação de uma estratégia melhor adaptada e esta adaptação é de capital importância no processo de treino pois proporciona uma adequação e aproximação crescente àquilo que se pretende. Bechara, Damásio, Tranel e Anderson (1998) procuraram testar uma tese onde a memória e a tomada de decisão estariam dissociadas dentro do córtex pré-frontal do ser humano. O trabalho exaustivo destes investigadores induziria muitas interrogações na cabeça dos treinadores se a sua tese fosse absolutamente confirmada. Para que serviria o Treino se assim fosse? Na verdade se a função cognitiva da memória estivesse completamente dissociada da função cognitiva da tomada de decisão importaria questionar a relevância do processo de treino na aquisição de um padrão de jogo regular: “Este mecanismo, contudo, não explica como é que estas representações são seleccionadas para a acção. Por isso foi proposto que um outro mecanismo marca as várias opções e cenários guardados temporariamente na memória atribuindo-lhes uma conotação positiva ou negativa, sendo que depois se dá a ordenação e avaliação das várias opções sendo a mais vantajosa escolhida para a acção. Este mecanismo que sublinha a selecção das boas e más opções é aquilo a que nos referimos como a tomada de decisão” (Bechara et al., 1998, p. 429). Felizmente a tese proposta não foi confirmada chegando-se à conclusão que problemas na área do cérebro relacionada com a memória afectam directamente a tomada de decisão o que vem de encontro aquilo que 19 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

pretendemos mostrar e explicar neste trabalho. “A memória de trabalho não está dependente de eventuais falhas na tomada de decisão, ou seja, os sujeitos podem agir normalmente na presença ou ausência de falhas na tomada de decisão. Por outro lado, a tomada de decisão parece ser influenciada pelo funcionamento da memória de trabalho, isto é, a tomada de decisão é afectada por uma memória de trabalho danificada” (Bechara et al., 1998, p. 434). Gaiteiro (2006) diz-nos que a finalidade do modelo (referindo-se aos modelos mentais que nos ajudam a desenvolver a acção) é a de produzir esquemas de acção substancialmente pertinentes sobre o futuro, no sentido de conduzir as acções presentes. É precisamente sobre isto que falaremos no próximo ponto.

2.4.

…com permanente subordinação aos Princípios de Jogo como “objectos mentais”…

“A acção do meio ambiente sobre o cérebro não se resume a dar ao cérebro instruções de maneira passiva e directa através da actividade evocada, como se supunha no esquema empírico e associacionista clássico. Pelo contrário, a hipótese proposta é que a aquisição de conhecimentos é indirecta e resulta da selecção de pré-representações.” (Jean-Pierre Changeux)

Como ponto prévio afigurasse-nos importante lembrar que a aplicação prática dos princípios de jogo é feita por pessoas, ou seja, o treinador em conjunto com os jogadores levam a efeito a ideia de jogo do treinador que se consubstancia em determinados princípios, sub-princípios e sub-sub-princípios. Sem as pessoas isto não existe sendo por isso um conceito eminentemente prático (Frade, 2005). Castelo (1994) faz um resumo daquilo que são princípios de jogo para alguns autores: 20 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

- “os princípios tácticos de base, são durante o jogo as ligações comuns a todos os espíritos, estabelecendo os pontos de referência sobre os quais a imaginação, o génio, se deverão apoiar para elevar o nível de jogo” (Poulain cit. por Castelo, 1994, p. 155). - “os princípios são bases comuns para que os jogadores “falem” a mesma língua, permitindo exprimirem-se num estilo diferente” (Franz cit. por Castelo, 1994, p. 155). - “os princípios são regras de acção representadas pelo pensamento e o meio de os jogadores explicarem racionalmente os seus comportamentos” (Mialaret cit. por Castelo, 1994, p. 155). - “os princípios são as condições a respeitar e os elementos a tomar em consideração para que o comportamento seja eficaz” (Grehaigne cit. por Castelo, 1994, p. 155). Em todas estas definições encontramos um tronco comum referente a uma base de referência que deve orientar de forma “aberta” o comportamento táctico dos jogadores, ou seja, os princípios de jogo são vistos por estes autores como guias de acção. A propósito da definição de princípios de jogo, Guilherme Oliveira (2006) opina que o princípio é o início de um comportamento que um treinador quer que a equipa assuma em termos colectivos e os jogadores em termos individuais. Importa assim dissecar que mecanismos estarão eventualmente por detrás deste potenciamento de determinados comportamentos. Damásio (2000) alerta para a importância da codificação de sentimentos através das emoções pois estas seriam um conjunto de reacções corporais face a certos estímulos enquanto que os sentimentos nascem quando se tem consciência dessas emoções corporais, quando estas são transferidas para certas zonas do cérebro onde são codificadas sob a forma de uma actividade neuronal. Analogamente os princípios de jogo devem enraizar-se no imaginário dos jogadores através da vivenciação dos comportamentos desejados no treino, criando-se assim as emoções ajustadas para que isso surja de uma forma natural. Changeux (2002, p. 58) traz-nos uma noção que se revela importante no âmbito do nosso estudo, o conceito de objectos mentais: “Estes referem-se às 21 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

representações internas que indicam que um certo objecto do mundo exterior deve ser a causa do mesmo efeito comportamental - ou acção - sobre o mundo, em todo o indivíduo que possua esta representação. Uma representação

definir-se-ia

assim

pela

sua

acção

causal

sobre

o

comportamento e mesmo sobre os estados mentais internos.” Daqui podemos inferir que a ideia de jogo que o treinador tem para a sua equipa pode equiparar-se a um objecto mental. Essa ideia consubstancia-se no modelo de jogo e é transmitida através de exercícios que visam dotar todos os jogadores com os comportamentos concordantes com esse modelo estabelecido. Ora se todos os indivíduos possuírem essa “representação” terão os “efeitos comportamentais” congruentes com aquilo que o treinador pretende. O mesmo autor prossegue afirmando que “a actividade espontânea desempenha um papel central, contribuindo para uma espécie de «gerador de diversidade» de tipo darwinista onde as pré-representações corresponderiam aos estados de actividade dinâmicas, espontâneas e transitórias de populações de neurónios capazes de formar combinações múltiplas” (Changeux, 2002, p. 70). A importância do treino na aquisição da ideia de jogo por parte dos jogadores está bem patente quando Changeux remata dizendo que “a variabilidade intrínseca das redes neuronais resulta em parte das modalidades do seu desenvolvimento”, ou seja, o resultado do tal “gerador de diversidade” é fortemente condicionado pelo regulador externo que constitui o treino conjuntamente com o treinador senão vejamos: “as pré-representações mobilizariam, de maneira combinatória, estruturas inatas (com as diversas modalidades sensórias e/ou zonas motoras) bem como distribuições neuronais saídas de experiências anteriores” (Changeux, 2002, p. 72). Importa sublinhar a noção de “sistema regulado” e para que o sistema seja realmente regulado por algo é preciso regulá-lo e isso não está ao alcance de todos. Uma equipa de futebol (entenda-se sistema) é exteriormente regulada pelo treinador que, como regulador externo, deve fazer surgir uma identidade comportamental na equipa de modo a que esta se reja por princípios comuns sendo essa a sua principal função. Barbosa (2003), vem ao encontro do que está até aqui descrito quando lembra que o conceito de Modelo arrasta consigo a existência de um responsável pela sua construção, a intenção de conjecturar possíveis 22 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

realidades, a relevância dada a determinados aspectos que o modelizador aspira e o estabelecimento de relações entre os elementos de um conjunto. A definição de princípios de acção para os quatro momentos de jogo conduzirá a um determinado padrão de jogo mas para tal há que haver uma perfeita articulação e congruência entre esses mesmos princípios. A este propósito, Kelso (1995, p. 5) refere algo que nos parece pertinente, quando diz que qualquer princípio relativo à formação de um padrão dinâmico situa-se entre dois problemas básicos. O primeiro refere-se à forma como um padrão é construído a partir de um enormíssimo leque de opções. O segundo diz-nos que qualquer princípio para a formação de um padrão deve ter em conta, não só o próprio princípio, mas sim como vários princípios são produzidos para o padrão final se acomodar às diferentes circunstâncias. Ora o primeiro problema é fulcral para o treinador de futebol pois a criação de um modelo de jogo deve ter em conta um sem número de factores como o conhecimento do clube, da equipa e do respectivo nível de jogo, as características dos jogadores individualmente ou mesmo os objectivos a atingir daí que a tomada de opções na definição do modelo de jogo seja logo à partida problemática e como tal deve ser muito bem ponderada. Já no que respeita ao segundo problema, também ele se revela pertinente na medida em que os diversos princípios de jogo estão articulados entre si e como tal dependem-se mutuamente. Os sub e sub-sub-princípios que dão corpo aos grandes princípios devem reger-se por regras de continuidade daí que na definição de cada um deles devam estar presentes os demais. Tendo isto em conta surge-nos o conceito de Especificidade como algo nuclear para que o modelo de jogo criado pelo treinador seja espelhado em campo no “jogar” da sua equipa, ou seja, para isso acontecer há que trabalhar especificamente. Oliveira et al. (2006) abordam o conceito de Especificidade afirmando que tem a ver com a necessidade da melhoria de todos os princípios de jogo e isso só se consegue quando o processo acontece tendo como preocupações as melhorias singulares relativas a cada princípio de jogo. O treino sobre os princípios de jogo respectivamente desintegrados (integrados) daquilo (naquilo) que é o “jogar” que se pretende, é que é o cumprir operacional da especificidade. A especificidade é a incidência repetida no 23 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

treinar de todos os princípios que o jogar contém. De todos, cada um a seu tempo. Daí a necessidade da vivenciação hierarquizada (Frade, 2004a). Esta definição de Especificidade mostra de forma bem clara o entendimento que se tem deste termo sob a perspectiva da Periodização Táctica. Ressalve-se assim a confusão entre Especificidade e reprodução do jogo num exercício de jogo formal 11x11 pois sendo esta a forma de jogo que temos em competição não implica que esse seja o caminho para fazer surgir aquilo que queremos nesse 11x11 pois para isso e segundo vários autores (Faria, 1999; Oliveira et al., 2006; Oliveira, 2004) temos que ver a Especificidade como o acima exposto, ou seja, tem que haver desintegração dos princípios como partes do “jogar” pretendido. Digamos que as interacções do jogo resultam das relações dos jogadores e que devem ser modeladas para fazer emergir a dinâmica colectiva que pretende. Assim, as relações e interacções dos jogadores inscrevem-se numa organização colectiva ou seja, numa lógica que contextualiza esses comportamentos.

2.5.

… que passam a fazer parte da memória de modo a serem evocados sempre que necessário…

“O processo de categorização pode ser espontâneo, resultando de uma experiência desorganizada do individuo, ou ser cultural e organizado de acordo com regras aprendidas formalmente, através do treino.” (Alexandre Caldas)

A memória é a capacidade de reter, recuperar, armazenar e evocar informações disponíveis, seja internamente, no cérebro (memória humana), seja externamente, em dispositivos artificiais (memória artificial). A memória humana focaliza coisas específicas, requer grande quantidade de energia mental e deteriora-se com a idade. É um processo que conecta pedaços de memória e conhecimentos a fim de gerar novas ideias, ajudando a tomar decisões diárias. Memória é a base do conhecimento e como tal, deve ser 24 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

trabalhada e estimulada pois é através dela que damos significado ao quotidiano e acumulamos experiências para utilizar durante a vida (Dicionário Enciclopédico Larouse, 1990). Acreditamos que o mesmo se passa no treino em relação ao jogo, ou seja, aquilo que se vivencia no treino será utilizado no jogo sendo que para tal a memória terá que exercer o seu poder de retenção para que as experiências vividas não se diluam. A acção adaptada ao contexto, apta a reagir segundo os imprevistos, necessita de apelar à memória e à planificação (Jacob, 2005). Vejamos o que nos diz Caldas (1999, p. 131) a este propósito: “O que julgamos saber hoje é que a aprendizagem parece ter por base biológica, mecanismos de facilitação da transmissão sináptica. Este processo pode ser facilitado pelo uso repetido da transmissão, que criando hipersensibilidade dos receptores, que passam a responder a doses menores de mediador, quer pela própria criação de novos receptores ou, ainda, através da maior produção de mediador.” Fica assim evidente que o mecanismo da codificação de algo está directamente relacionado com a repetição sistemática que já falamos anteriormente aquando do tratamento da importância da prática. O mesmo autor continua referindo que “quando o cérebro processa uma determinada informação, activa sequencialmente, e em paralelo, um complexo arranjo de células nervosas ligadas entre si. Existe pois um componente temporal de sequenciação de entrada em actividade de operadores, e um componente espacial de ocupação topográfica que tem a ver com a localização desses operadores no cérebro. Podemos aceitar que quando um indivíduo se confronta duas vezes com uma situação idêntica, nas duas vezes activará as mesmas estruturas, já que a activação das células nervosas é um processo desencadeado pelas ocorrências do mundo exterior que podemos quase considerar um processo adaptativo automático. É precisamente esse percorrer do mesmo padrão de activação que dá ao indivíduo o sentido da familiaridade, isto é, o reconhecimento. Por outro lado o cérebro humano tem capacidade para, por vontade própria, pôr em actividade as regiões que correspondem ao evento anteriormente vivido e dar origem assim ao processo de evocação” (Caldas, 1999, p. 132). Fica aqui evidenciada a relevância primordial do Treino naquilo que será o “jogar” de uma equipa pois será ele o responsável pelo 25 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

“sentido da familiaridade e reconhecimento” que conduzem aos mesmos padrões de activação no que às decisões diz respeito. Caldas (1999, p. 133) prossegue, reforçando o interesse do treino na aquisição de memórias apontando a importância do processo de categorização e segmentação da informação processada para que esta possa ser arquivada da forma mais conveniente e salientando que “o processo de categorização pode ser espontâneo, resultando de uma experiência desorganizada do individuo, ou ser cultural e organizado de acordo com regras aprendidas formalmente, através do treino.” Reportando-nos ao Futebol estas regras dirão respeito aos princípios de jogo sendo que esta lógica se demarca claramente de

um

funcionamento

mecânico.

Frade

(2005)

sustenta

que

os

comportamentos que queremos que aconteçam são condicionados à existência anterior de uma forma que vai dar origem a esses comportamentos. Esta definição quase elementar de treino, encerra em si muitas particularidades que uma modelação sistémica e atenta não pode sonegar. Uma dessas particularidades refere-se ao facto de a estrutura de acção não dever ser mecânica. Se a sujeição duma equipa a determinados princípios vai gerar uma dinâmica específica é porque estamos perante um mecanismo. Só que o mecanismo não pode ser mecânico, não deve ter uma estrutura absolutamente funcional, desconsiderando a variabilidade das circunstâncias que a vai sustentar. Passando agora à descrição dos vários processos que têm sido relacionados com a memória, trataremos os três mecanismos básicos que a compõem segundo Caldas (1999, p. 133): “O primeiro designa-se por “codificação” e corresponde ao arranjo da informação à medida que entra no sistema, de forma a adequar-se à sua experiência prévia e com ela passar a interagir. Trata-se de um processo muito dependente da experiência prévia de cada indivíduo. O hipocampo tem um papel determinante como porta de entrada e manutenção da informação em espera à medida que se vão activando as regiões do cérebro que têm analogias com a informação recebida e que com ela vão emparceirar.” A experiência individual torna-se assim o fulcro da codificação da informação e o exemplo que nos é dado ajuda a ilustrar isso mesmo: “Imaginemos que damos a dois indivíduos um número de 26 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

telefone para decorar. Imaginemos que esse número só difere no algarismo final do número de telefone do primeiro indivíduo, mas que não tem nada de familiar para o segundo. O processo de codificação vai ser claramente diferente para cada um deles. O primeiro codificará a diferença, enquanto o segundo codificará todo o número.” Logicamente que codificar apenas a alteração de algo que já conhecemos a matriz é bem mais fácil que codificar algo que é do nosso absoluto desconhecimento. Isto pode-nos ajudar a compreender o porquê de jogadores de topo por vezes chegarem a novos clubes e encontrarem dificuldades em se impor, sendo uma explicação possível a dificuldade em codificar um modelo novo com poucas semelhanças relativamente ao anterior. As tão propaladas dificuldades de adaptação podem ser causadas por diferenças culturais no que aos diferentes “jogares” diz respeito (o bom jogador em Itália pode não o ser em Inglaterra porque pode demorar muito tempo a codificar um estilo de jogo e fazer desaparecer o antigo que já estava enraizado). Por outro lado compreendemos agora melhor, o facto de alguns treinadores terem a preocupação de ir buscar jogadores a países culturalmente próximos (ou até ao mesmo país) pois isso permitirá uma codificação do modelo de jogo mais fácil e rápida. O mesmo autor que nos tem guiado neste capítulo da memória faz referência à precocidade das aprendizagens como factor relevante na sua utilização na idade adulta dizendo que “o suporte biológico da aprendizagem nos primeiros anos de vida é provavelmente mais estável e talvez estruturante para o que vier a ser apreendido depois. Por outro lado, variáveis como a frequência de utilização também se têm revelado de importância para o arquivo cerebral da informação. O que é mais frequentemente utilizado tem mais suporte que aquilo que raramente se usa.” Se fizermos uma reflexão sobre isto aplicado ao futebol percebemos a importância da formação naquilo que deve ser o entendimento do Jogo na sua essência. O sucesso de escolas de formação como a do Ajax encaixa nesta lógica de estimulação precoce duma ideia de jogo própria treinada desde bem cedo pois isso facilitará a sua evocação na idade adulta. Quanto à evocação “corresponde ao processo que nos permite ir buscar a informação de que dispomos sendo que é o contexto da situação que nos 27 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

permite fazer a evocação” (Caldas, 1999, p. 134). Logicamente que o “aqui e agora” do jogo é que vai indicar a evocação do comportamento congruente com o modelo de jogo. Finalmente, pode considerar-se o processo de reconhecimento que consiste em confrontar um evento com a experiência prévia e considerá-lo familiar, ou não. Daqui inferimos que as situações de treino (exercícios) devem ser tão ricas quanto possível para que ao longo do jogo, todos os comportamentos possam considerar a “experiência prévia”, isto é, o modelo de jogo treinado. Ainda Caldas (1999, p. 139) refere sumariamente um conceito de memória já abordado por nós, o conceito de priming tratando-se da “conservação da informação em memória inconsciente de forma a condicionar o comportamento seguinte.” Por seu turno, Gomes (2006) fala nos mesmos termos mas de uma forma mais específica relativamente ao nosso estudo lembrando que a prática de determinados princípios de acção faz com que os jogadores e equipa adquiram uma memória que os direcciona nas escolhas, ainda que seja inconscientemente.

2.6.

… para

haver

a

manifestação de um padrão de

comportamento regular que se pretende eficaz… “Quando falamos sobre padrões, recuamos das coisas em si mesmas e concentramo-nos nas relações entre elas.” (Scott Kelso)

A dinâmica comportamental de uma equipa deve assentar num padrão de jogo consubstanciado pelos princípios e respectivas relações pois segundo Pinto (1996, p. 53) “ é a existência de uma idêntica cultura organizacional que distingue onze jogadores de uma equipa, e é uma cultura organizacional específica que distingue duas equipas diferentes.” A organização dos jogadores configura as interacções da equipa e por isso, leva a determinadas 28 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

regularidades que a identificam. Deste modo, um sistema sem organização resulta numa agregação aleatória de acontecimentos sobre os quais os jogadores e treinador têm maiores dificuldades em interagir (Garganta & Cunha e Silva, 2000). Vejamos o que nos diz Faria (2006, p. 17) sobre as diversas vertentes da operacionalização: “Operacionalizar uma filosofia é dar corpo à inteligência, à imaginação e à criatividade. É a responsabilidade de uma ligação umbilical entre o exercício, a referência ideológica e o seu inventor. A evolução dá-se ao ritmo de cada exercício, de cada treino, de cada jogo e de cada competição. Percorre-se à medida que se constrói. O objectivo será sempre o mesmo: tornar cerebral a dinâmica comportamental que é a organização, que é a filosofia, que é a emoção. Criar intenções e hábitos. Tornar consciente e depois subconsciente um conjunto de princípios de forma a exponenciar naturalmente uma determinada forma de jogar”, ou seja, conforme recorda Guilherme Oliveira (2004) o comportamento do jogador tem que se inserir dentro de um determinado padrão de jogo isto é, dentro de uma organização pré-definida. Stacey (2005) define fractal como a propriedade de fracturar e representar um modelo caótico em sub-modelos, existentes em várias escalas que sejam representativos desse modelo, isto é, um fractal é uma parte invariante ou regular de um sistema caótico que pela sua estrutura e funcionalidade consegue representar o todo, independentemente da escala onde possa ser encontrado. Os fractais são sempre representativos do todo pois têm uma constituição “genética” semelhante ao todo onde foi observado (Guilherme Oliveira, 2004). Apesar da variabilidade que podem mostrar, possuem uma grande regularidade estrutural e funcional ao longo das escalas, ou seja, detêm uma “invariância de escala” (Stacey, 1995). “A “invariância de escala” acontece porque nos sistemas caóticos com organização fractal, existe uma “homotetia interna” que faz com que as formas desse sistema ao longo das diferentes escalas, tenham morfologia igual, ou seja, é uma característica que permite reconhecer que os jogos de diferentes equipas assumem características também diferentes, isto porque cada equipa, através de processos de auto-organização e da sua organização fractal, vai criando invariantes, que lhes são próprias dentro do contexto de variabilidade e 29 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

aleatoriedade do jogo (Cunha e Silva, 1999; Guilherme Oliveira, 2004). A alusão à importância do processo de treino nisto que é a manifestação regular de um padrão de jogo é-nos trazida por Guilherme Oliveira (2004, p. 146) quando afirma que “o processo de treino deve ser construído através de uma organização

fractal

no

sentido

de

se

manifestarem

através

de

invariâncias/padrões fractais nas diferentes escalas de manifestação – invariância de escala – tanto ao nível dos padrões de comportamento como ao nível da produção do processo.” O padrão de comportamento diz respeito ao modelo da Equipa, o padrão dos comportamentos colectivos, o padrão dos comportamentos sectoriais, o padrão dos comportamentos intersectoriais, o padrão dos comportamentos individuais e o padrão das respectivas interacções. Quanto à produção do processo Guilherme Oliveira (2004, p. 130) realça o padrão semanal, o padrão diário e o padrão dos exercícios propostos sendo que é a conjugação de todos estes padrões que vai permitir que o carácter caótico do jogo seja organizado, reconhecido e transformado o mais possível nas invariâncias/padrões Específicos da equipa. Do mesmo modo, Weiss (cit. por Tani & Corrêa, 2006 p. 15) lembram que “um sistema tende a manifestar propriedades emergentes, isto é, a interacção pode resultar no aparecimento de características não preditíveis com base no conhecimento das partes individualmente.” Qualquer que seja o modelo de jogo criado, este será sempre constituído por princípios, sub-princípios e sub-sub-princípios para cada um dos 4 momentos do jogo o que implica a existência de um sem número de prérepresentações respeitantes á globalidade do modelo. Assim torna-se pertinente perceber como é que é feita a avaliação da situação em cada instante do jogo para a partir daí surgir o comportamento adequado. A este respeito Changeux (2002, p. 74) diz-nos que a adequação da prérepresentação face ao meio ambiente pode basear-se em dois mecanismos plausíveis: “O primeiro é a selecção pela recompensa. Este mecanismo seria utilizado de preferência para a avaliação das acções.” Segundo este mecanismo os sinais recebidos do meio ambiente mobilizam certas vias neuronais que intervêm na motivação e/ou no prazer da recompensa. “As 30 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

recompensas recebidas do mundo exterior desencadeiam a libertação de substâncias neuromoduladoras como a dopamina ou a acetilcolina ou mesmo as duas ao mesmo tempo. A coincidência no tempo da pré-representação provocada de maneira interna e da resposta positiva evocada de maneira externa levaria a estabilizar a hipótese adequada.” Ao nível molecular poderse-á dizer que estas moléculas (receptores de neurotransmissores postsináticos) detectam o sucesso ou fracasso de uma dada estratégia motora. Aqui encontramos uma evidente analogia com os marcadores somáticos de que nos fala Damásio (1996) mas dele falaremos mais adiante. O mesmo Damásio (2006, p. 14) diz que as emoções relacionadas com a recompensa como “espanto, admiração e virtude” “alimentam os tecidos neurobiológicos – e, metaforicamente, os tecidos mentais – e por isso mesmo ajudam a manter a vida e a dar-lhe significado.” Na mesma linha de pensamento seguem Surgrue et. al. (2005, p. 365) quando nos recordam que “os psicólogos há muito que apreciam a influência das recompensas na tomada de decisão dos mamíferos mais elevados.” Prosseguindo com Changeux (2002, p. 75) vemos que “o segundo mecanismo é a selecção por ressonância e baseia-se na correspondência entre a actividade perceptiva suscitada pelos estímulos sensoriais e a prérepresentação existente no momento da experiência sensorial” Para o proponente destes dois mecanismos eles “provocariam a estabilização – o armazenamento – de significações ou de conhecimentos sob a forma de mapas de relações funcionais materializadas por uma rede neuronal distribuída e variável. Um modelo reduzido e simplificado, neuronal e logo físico, da realidade exterior seria assim seleccionado e memorizado no cérebro. Estes objectos de memória existiram realmente no nosso cérebro sob formas latentes compostas por traços neuronais estáveis. De qualquer forma, devido à selecção, o número de pré-representações deveria diminuir ao longo da experiência sobre o mundo” (Changeux, 2002, p. 75). Transportando isto para a realidade específica que nos interessa temos que um Modelo de Jogo como um objecto de memória que existe realmente no cérebro dos jogadores de forma latente composto por traços neuronais estáveis afigura-se-nos como algo que faz todo o sentido e explica o porquê de conseguirmos distinguir diferentes 31 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

“jogares” das diferentes equipas. Este “jogar” refere-se ao plano macro pois conforme diz Stacey (1995), a antecipação do plano micro será uma tarefa jamais possível de coincidir com o que na realidade acontecerá no futuro. Notese também que quando Changeux (2002) diz que o número de prérepresentações deveria diminuir ao longo da experiência sobre o mundo e isso remete-nos para a melhoria gradual da consecução do modelo ao longo da época daí que o factor temporal também deva ser tomado em consideração. Voltando a Damásio, ele ajuda-nos a perceber a importância da prática e o porquê desta adquirir tanta importância na aquisição de um padrão de jogo regular e eficaz. Por que será que ao repetir sistematicamente um comportamento (entenda-se princípio) desejado, ele se vai enraizar e aparecer devidamente enquadrado na organização colectiva da equipa? Uma das respostas é-nos dada por Damásio (1996) com a teoria dos marcadores somáticos onde podemos encontrar muitas pontes com Changeux (2002). Este autor desenvolveu a hipótese do marcador somático, na qual emoções e sentimentos desempenham papel preponderante na tomada de decisões, não perturbando-as, como na visão tradicional, mas, em vez disso, favorecendo – ainda que, na maioria das vezes, de modo inconsciente – a obtenção de resultados favoráveis, mesmo diante de algumas daquelas decisões que nos parecem, à primeira vista, estritamente racionais. "Essas emoções e sentimentos foram ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um marcador somático negativo é associado a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é justaposto um marcador somático positivo, o resultado é um incentivo" (Oliveira et al. 2006, p. 205-206). A base funcional para este "sistema de preferências" forma-se pela modificação de padrões neurais inatos que têm por objectivo garantir a sobrevivência. Da mesma forma como o organismo tende a procurar o prazer e evitar a dor, tentará atingir esses fins em situações sociais. Os marcadores somáticos dependem da aprendizagem, associando determinados tipos de entidades ou fenómenos a sensações agradáveis ou desagradáveis. "Os marcadores somáticos não tomam decisões por nós. Ajudam o processo de decisão dando destaque a algumas opções, tanto adversas como favoráveis, e 32 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

eliminando-as rapidamente da análise subsequente" (Damásio, 1994, p.186). Por outras palavras, reduzem o leque de opções, sem o que estaríamos condenados a uma interminável e infrutífera - embora estritamente racional análise de prós e contras diante da mais simples das escolhas, o que, no jogo de futebol não seria de modo algum possível. Ainda o mesmo autor afirma que a maioria dos marcadores somáticos foi criada nos nossos cérebros durante o processo de educação e socialização, pela associação de estímulos a estados emocionais. Mas para que se constituam em mecanismos adaptativos, os marcadores somáticos requerem que tanto o cérebro como a cultura sejam minimamente saudáveis; quando isso não ocorre podemo-nos deparar com efeitos contrários aos desejáveis. A analogia com o mecanismo da recompensa (Changeux, 2002) é inevitável o que reforça ainda mais a aceitação desta teoria. Para sumariar o entendimento que temos daquilo que é a manifestação de um padrão de comportamento regular por parte de uma equipa de futebol, citámos Gomes (2007, p. 16) que nos dá uma perspectiva eminentemente prática daquilo que sustentamos até aqui: “O facto do jogo ser um sistema caótico

é

porque

é

uma

dinâmica

singular

que

tem

determinadas

características. Falámos em princípios porque cada jogo é um jogo mas se você tiver determinadas características a jogar elas representam-se me regularidades que identificam a equipa. O jogo acontece independentemente de se criarem rotinas. Imagine-se um treinador que reúne 10 jogadores e coloca-os a jogar. Se não disser nada, eles passado um tempo criam as suas próprias rotinas, há um entrosamento natural que com o tempo e a regularidade desse entrosamento, a equipa passa a ter uma determinada configuração, digamos que uma identidade. Agora essa identidade natural pode não ser natural, isto é, o treinador pode fazer com que eles criem uma identidade o mais cedo possível. Esse é o trabalho de um treinador!”

33 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

2.7.

…graças

à

evolução

individual

de

cada

jogador

sustentada em referenciais eminentemente colectivos… “O mais importante é uma filosofia que todos os jogadores têm que conhecer, saber como têm que jogar, e que cada jogador tenha a sua própria ideia de jogo” (Van Gall)

“Os princípios de jogo estão perfeitamente definidos e todos os jogadores sabem como reagir em simultâneo.” Mourinho (2003). Isto remetenos para uma lógica de resolução dos problemas que, individualmente deve existir

e

ser

perspectivada

em

termos

colectivos

respeitando

algo

hierarquicamente superior. Será isto que tentaremos perceber neste capítulo sempre sob as influências do processo de treino. Sendo o Futebol um jogo desportivo colectivo, uma equipa é constituída por vários jogadores mas o modelo de jogo criado não depende dos eleitos para o pôr em prática de jogo para jogo uma vez que ele é único e todos devem estar dotados com os mecanismos necessários à sua consecução. Este é um aspecto que colhe a atenção de Damásio (2006, p. 12) quando afirma que o que o intriga no funcionamento de uma equipa de Futebol “tem a ver com a forma como múltiplos executantes se comportam em torno de um projecto singular como se fossem uma entidade única, embora mantenham as suas individualidades.” Também Guilherme Oliveira (2004) nos dá o seu contributo sobre esta temática dizendo que a definição do modelo de jogo de uma equipa, dos respectivos princípios e sub-princípios configuram comportamentos e padrões de jogo que devem ser assumidos em cada um dos momentos de jogo e na sua inter-relação. De uma forma mais abstracta mas nem por isso menos rica, Tani e Corrêa (2006) abordam este assunto com grande clarividência definindo um sistema como um conjunto de elementos em interacção ou ainda como uma unidade complexa constituída de subunidades que cooperam e preservam a sua configuração de estrutura sendo esse o caso do Futebol uma vez que envolve os vários jogadores em interacção.

34 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

O filósofo Jonh Locke (cit. por Changeux 2002, p. 76) já afirmava que “o nosso conhecimento só é verdadeiro na medida em que há conformidade entre as nossas ideias e a realidade das coisas.” De um ponto de vista teórico e segundo Changeux (2002) “isto fornece uma primeira resposta a um problema difícil: como explicar a constância dos conhecimentos armazenados, apesar da diversidade e da variabilidade das redes neuronais de indivíduo para indivíduo.” Araújo (2003, p. 90) caracteriza o jogo de Futebol como “um sistema constituído pelos aspectos ambientais, constituído também pela tarefa a desempenhar com as suas estratégias e com as suas regras e constituído pelos jogadores que funcionam autonomamente (com a sua morfologia, fisiologia, cognição, emoção, etc.), apesar de coordenados entre si.” As características de cada um devem convergir para um objectivo comum daí que a coordenação entre todos seja imprescindível para levar a cabo o Modelo de Jogo. A ênfase dada ao indivíduo deve sempre ter um referencial colectivo senão veja-se o que diz Frade (2004b, p. XXVII): “Não há treino mais individualizado ou repercussões do treino mais individualizadas do que aquelas que permite a Periodização Táctica. Porque a primeira preocupação que tem é eleger os princípios e os princípios são levados a efeito pelos jogadores, os jogadores em determinadas posições e determinadas funções. Portanto se são posições e funções diversas, embora complementares, o que se repercute em cada uma dessas posições ou funções é diverso das demais portanto é individualizado. De facto eu até uso um termo... para a equipa aparecer, de facto, é fundamental que a alteração individual se registe e a alteração individual face à natureza do fenómeno tem que ser autónoma.” E mais à frente remata dizendo “...essa individualização faz-se também por compromisso com referências que são colectivas e que as pessoas assumem na sua vivenciação.” Ainda na mesma entrevista, Frade sublinha a importância de perspectivar o rendimento de uma equipa como produto de um sistema dinâmico e não como a soma de individualidades afirmando que um dos grandes males das ciências ditas do desporto é que elas são perspectivadas enquanto ciências do individual. Hoje em dia, o Futebol apoia-se melhor nas ciências que se preocupam, não com o individual atomístico, mas com os 35 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

dinamismos, com os sistemas, com as coisas que são um “todo”, que carecem de um processo para funcionar e portanto já há muitas ciências que se preocupam com isso e que não são ciências do individual, pois pese embora os “todos” sejam feitos de individualidades, aquando no “todo” perdem qualquer coisa de si mas também ganham qualquer coisa. Duas das premissas que segundo Frade (2004a) servem de referencial à modelação segundo a Periodização Táctica tratam precisamente deste equilíbrio entre a evolução individual e colectiva com a primeira inteiramente subjugada à segunda: A primeira diz-nos que a percentagem dominante dos conteúdos de treino da equipa impõem a direcção da adaptabilidade do processo a realizar, isto é, se queremos a equipa a jogar bem teremos de ter uma grande percentagem de conteúdos de treino que visem isso mesmo. Esta premissa tem mais a ver com o aspecto global do processo (pôr a equipa a jogar como queremos) estando por isso mais ligada à dimensão “hetero”. A segunda refere que a evolução individualizada deve estar sujeita à selecção de conteúdos identificados com a correspondência à dinâmica anterior. Esta preocupação regista-se exactamente no mesmo comprimento de onda que a primeira mas agora no individual, isto é, subjugada à dimensão “auto”. Concorrendo para a mesma linha de pensamento, Gomes (2006) afirma que a equipa tem um conjunto de jogadores com diferentes funções, que condicionam as propriedades do todo. Então, a função que o jogador desempenha no seio da equipa resulta das referências colectivas. A mesma autora, (comunicação pessoal, 20 Out 2007), a propósito das interacções posicionais entre o ponta de lança e um extremo (numa estrutura de 4.3.3.) que num determinado jogo da sua equipa não ocorreram da forma pretendida, produziu a seguinte reflexão: “Em vez de solicitar que ele (ponta de lança) deixe de cair para a zona dos colegas, devemos gerir isso, ou seja, desenvolver um conjunto de interacções dos extremos e dos médios interiores em que nas situações em que ele descai para a zona do extremo, este entre no meio para lhe conceder espaço de realização, ou seja, viver a sua escolha de forma congruente. Trata-se de fazer com que a equipa se adapte ás suas decisões e não de restringir as suas escolhas!! Investir e apostar nos graus de liberdade (pela dinâmica congruente) em detrimento da inibição de escolhas ou 36 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

decisões.



espontaneidade,

assim

estimularemos

pelas

a

necessidades

e

criatividade num

dos

artistas,

crescimento

pela

auto-hetero-

sustentado.” A partir daqui percebemos na prática a importância que o processo de treino tem para que este tipo de coisas possam aparecer, para que a “dinâmica congruente” o seja efectivamente e não apenas num plano teórico. O individual é sempre tido em conta dentro do contexto de um melhor funcionamento colectivo e as repercussões dos comportamentos de cada elemento são a nível de toda a equipa e devem por isso ser vividas com igual intensidade e dentro de uma matriz conhecida e treinada por todos. A construção de uma equipa na verdadeira acepção da palavra em que todos participem da mesma linguagem comportamental deve-se em grande parte à liderança do treinador e ao modo como este transmite a sua ideia de jogo. Damásio (2006, p. 13) refere “a capacidade de conhecer um projecto de acção e de transmitir a um grupo de executantes, nas grandes linhas e nos pormenores da sua organização, e imaginam as variações possíveis do seu desenrolar. Mas levam também os seus executantes a co-imaginarem esse projecto e a anteciparem o seu futuro desenvolvimento, ou seja, o processo não se confina a uma transmissão de informação, por mais valiosos que sejam os esquemas de organização e as estratégias da abordagem. O processo requer também que a transmissão inspire um imaginário ao mesmo tempo disciplinado pelas metas do projecto mas suficientemente flexível para que permita, em certas circunstâncias, desvios criadores.” É sobre esta flexibilidade condicionada que trata o próximo capítulo.

2.8.



que

vai

permitir

a

eclosão

da

desordem

desequilibradora sustentada numa ordem implícita… “O comportamento caótico é determinista e padronizado, e os atractores estranhos permitem transformar uma realidade aparentemente aleatória em formas visíveis distintas” (Fritjof Capra)

37 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

“Feliz ou infelizmente, o Universo é um cocktail de ordem, desordem e organização. Estamos num Universo no qual não é possível afastar o imprevisto, o incerto, a desordem. Devemos viver e lidar com a desordem. E a ordem? Consiste em tudo aquilo que é repetição, constância, invariância, tudo o que pode ser posto sob a égide de uma relação altamente provável, colocado sob a dependência de uma lei. E a desordem? É tudo que representa irregularidade, com desvio em relação a uma determinada estrutura; tudo o que é imprevisível e aleatório. Num Universo de ordem pura não haveria inovação, criação, evolução. Não existiriam seres vivos, inclusive humanos. Da mesma forma, num Universo de desordem pura não seria possível nenhum tipo de existência, pois não haveria nenhum elemento de estabilidade para que nela se baseasse uma organização” (Morin, 1986, pp. 44-45). A presença destes “ingredientes” pode ser mais ou menos visível consoante a acuidade de entendimento do jogo que cada um tem mas facto é que todos eles existem em sistemas dinâmicos complexos. As organizações precisam de ordem e de desordem. Num universo em que os sistemas sofrem o aumento da desordem e tendem a desintegrar-se, a sua organização permite que eles captem, reprimam e utilizem a desordem (Morin, 1990). É precisamente esta “utilização da desordem” que importa perceber pois o “jogar” de cada equipa pretende-se simultaneamente regular e ímpar, ordenado e imprevisível. A aparente desorganização tem que ser muito trabalhada para dar frutos. Em última análise Mourinho (2003) diz mesmo que “tem que haver 100% de ordem para poder haver desordem.” No seguimento desta afirmação parece-me importante lembrar Cunha e Silva (1999, p. 159) quando diz “...é claro que não existe treinador (pelo menos treinador determinista) que no seu íntimo não pretenda ser o «deus de Laplace» - conseguir prever com uma certeza infinitesimal a evolução do jogo, controlar esse sistema multivariável.” Ser determinista no sentido de Laplace, é ter como previsível, no mínimo detalhe, de forma unívoca e com uma certeza absoluta no futuro do universo inteiro e de cada partícula que contém. Stacey (1995) desmistifica contudo este possível desejo de prever o detalhe explicando que simular o comportamento a longo prazo de um sistema sob os 38 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

efeitos de uma dinâmica caótica, gerando assim uma série de cenários possíveis, é um exercício sem sentido uma vez que quando a dinâmica é caótica, o número de resultados comportamentais é infinito. O mesmo autor sintetiza o seu raciocínio afirmando que a antecipação do plano micro será uma tarefa jamais possível de coincidir com o que na realidade acontecerá no futuro. Conforme já vimos aquilo que é cientificável é o “Jogar” e esse refere-se ao plano macro, o detalhe é inatingível e para ele não existe equação. “Ao admitirmos um jogo como um sistema dinâmico não linear, ou seja, um sistema cujo comportamento varia não linearmente com o tempo, admitimos facilmente que o resultado depende da forma como se joga, como vai jogando. Mas esta dependência altera por vezes as regras do jogo porque o contributo da incerteza, do acaso, se incompatibiliza crescentemente com qualquer regra.” (Cunha e Silva, 1999, p. 158). Se todas as equipas jogassem da mesma forma deixaria de haver diversidade e a previsibilidade seria absoluta mas o que vemos na prática é que a previsibilidade é incalculável pois uns princípios vão aparecer mais do que outros embora a resolução das situações vá ser sempre de acordo com os nossos princípios estabelecidos. Daqui advém o conceito de imprevisibilidade potencial pois ela está sempre ligada ao Modelo de Jogo criado e manifesta-se de uma forma específica relativamente a este. A abordagem da Teoria do Caos assume-se aqui como pertinente pois responde de forma diferente às questões que se colocam aos inúmeros sistemas dinâmicos não lineares que povoam o nosso mundo em geral e o Futebol em particular. Clarke (cit por Gaiteiro, 2006) assume acreditar no contributo do acaso para um desempenho qualitativo dos sistemas que se caracterizam pela evolução temporal imponderável e imprevisível. Este acaso que nos é trazido por Clarke não deve ser entendido como algo sem referências, fruto exclusivo da casualidade. A este respeito Stacey (1995) diz que também se encontram traços de regularidade e mesmo de universalidade neste tipo de comportamento. O mesmo autor prossegue o seu caminho reforçando que a surpresa provocada pela Teoria do Caos não é tanto a imprevisibilidade, mas sim a razão para ela indo de encontro a Mourinho (2003) quando diz que em última análise tudo é ordem. 39 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

Cunha e Silva (1999) dá-nos um auxílio muito considerável neste capítulo referindo a passagem do “caos termodinâmico” onde a matéria caminhava inexoravelmente para um estado de energia nula, ou seja, de desordem total com efeitos desintegradores para o conceito mais recente de “caos determinístico” caracterizado como novo caos despido do catastrofismo incontornável do primeiro, e que diz respeito ao comportamento não periódico de sistemas dinâmicos, isto é, de sistemas capazes de evoluir a partir de condições iniciais às quais são extremamente sensíveis. Daqui percebemos que o caos pode ser de alguma forma determinado e que tem uma ordem subjacente o que regozijará aqueles treinadores que querem ver a influência daquilo que treinam presente em tudo… mesmo na suposta desordem. Este caos científico cuja explicação e justificação tem sido nossa preocupação encontra, segundo Gaiteiro (2006, p. 31), algumas características que importa referir: A primeira diz respeito ao facto dos “movimentos simples de controlo de feedback não linear produzirem padrões de comportamento surpreendentemente complexos, sendo alguns inerentemente aleatórios.” Esta característica remete-nos para as implicações que acarreta ter o futuro como elemento causal pois isso aumentará muito a complexidade do processo. As regras podem ser muito simples mas, desde que se relacione causa e efeito de uma forma não proporcional e desde que o resultado dessa regra seja retransmitido à regra para determinar o resultado seguinte, obtém-se como resultado um comportamento complexo, apesar da simplicidade da regra. No treino do “jogar” que queremos, este deve ser sempre a referência mor, daí que o resultado pretendido esteja constantemente a influenciar de forma vincada o processo que decorre nesse sentido. A segunda característica do caos cientifico referida por Gaiteiro (2006) respeita à sensibilidade às condições iniciais e pretende evidenciar que pequenas alterações podem induzir grandes mudanças a longo prazo, ou seja, diferenças que parecem à partida insignificantes podem adquirir extrema relevância no resultado final de um sistema caótico fruto das implicações que essas modificações terão em todo o sistema uma vez que, como já vimos, tudo interage a todo o instante o que leva a que qualquer pequena alteração seja 40 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

difundida e exponenciada por todo o sistema. Quando Guilherme Oliveira (2006, p. II) nos diz que “para uma equipa jogar de determinada forma há interacções mas para uma equipa jogar de forma diferente, essas interacções são diferentes” leva-nos a crer de uma forma prática nesta característica uma vez que as interacções promovidas pelos exercícios propostos com vista á aprendizagem do modelo de jogo são diversas consoante o objectivo final daí que as duas primeiras condições até agora referidas adquiram sentido prático nesta frase do actual treinador da equipa de juniores B do Futebol Clube do Porto. Se por um lado o objectivo final é tido em conta e influencia a todo o instante o processo, há também que dar grande atenção às interacções promovidas por determinado exercício pois isso conduzirá a um resultado Específico. A terceira característica diz respeito a uma ordem oculta presente nos sistemas caóticos contrariando a aparente desordem absoluta. Gaiteiro (2006, p. 34) refere que “variados fenómenos da natureza apresentam, pela reprodução de certas regras, sequências de comportamento estáveis, regulares,

podendo

desenvolver

o

caos

caso

sejam

intensificadas

determinadas condições causais.” Conforme vimos no capítulo que trata o “jogar” como um padrão dinâmico, podem-se encontrar regularidades na aparente confusão, regularidades escondidas por trás de uma aparente aleatoriedade que esconde um determinado futebol. Gaiteiro (2006) explica que tais padrões são reconhecidos ainda que não se adivinhe quando os comportamentos emergirão e a manifestação comportamental ao nível micro, do pormenor. A frase feita “não há dois jogos iguais” baseia-se num pressuposto rudimentar assente no detalhe. Obviamente que não há dois jogos em que os 22 jogadores executem o mesmo movimento ao mesmo milésimo de segundo. A pertinência descentra-se destas questões acessórias e está naquilo que nos permite identificar determinada equipa através da sua forma de jogar. Isto sim é identificável e indicia que há coisas que realmente são iguais: os princípios que em conjunto e articulados constituem o “jogar” de cada equipa. A partir deles identificam-se padrões que nos dizem se quem está a jogar é a equipa A, B ou C. Falamos do “jogar” enquanto objecto de estudo no sentido objectivável, caracterizável, cientificável, isto é, passível de ser 41 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

abordado em termos científicos (Oliveira et al. 2006). Em suma é a isto que reporta a ordem oculta o que, mais uma vez, enaltece a importância do treino na medida em que essa ordem constrói-se no treino de uma determinada forma de jogar futebol.

2.9.

… determinada previamente pelo treino…

“A aprendizagem e exercitação de um comportamento faz com que a sua realização solicite cada vez menos recursos ao cérebro através da adaptação. E é esse o objectivo do treino ou seja, criar e desenvolver a adaptação dos jogadores no desenvolvimento de um jogar e portanto, de uma Organização Colectiva.” (Marisa Gomes)

Apesar deste

ser o

capítulo

mais

vincada

e

especificamente

direccionado para o treino, muito já foi dito sobre aquele que é um dos conceitos centrais deste trabalho. Deste modo, servirá este capítulo para reforçar o entendimento da importância do treino como síntese e reforço daquilo que já foi sendo dito até aqui. Filogeneticamente é conhecida a evolução do Homem quadrúpede até ao Homem bípede. O facto do apoio de locomoção passar para apenas dois membros implicou grandes mudanças na típica movimentação humana. A partir deste momento estabeleceu-se claramente uma divisão entre membros superiores e membros inferiores com tarefas específicas para cada. Neste contexto os membros inferiores estão exclusivamente destinados à locomoção sendo que todas as restantes tarefas (aquelas que exigem uma motricidade mais fina) estão a cargo dos membros superiores razão pela qual o indivíduo, na sua ontogénese, dê clara primazia ao trem superior (Massada, 2001). Porém, no Futebol, esta lógica é invertida pois são os membros inferiores que coordenam de forma mais vincada todas as acções daí que esse tipo de treino adquira importância capital desde bem cedo de forma a ir dotando os 42 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

mecanismos nervosos com uma boa capacidade de resposta a estímulos produzidos nesta zona. Ainda assim, o nosso trabalho centra-se na relevância do treino a nível do comportamento táctico da equipa daí que enveredemos mormente por este lado da questão sem contudo olvidar duas premissas vitais: que a qualidade técnica dos jogadores é a base para se poder criar e operacionalizar um Modelo de Jogo rico e que o organismo humano tem uma enorme capacidade de adaptação (Frisancho, 1981) que deve ser aproveitada pelo treinador para identificar o jogador com o “jogar” que pretende, tanto quanto o possível. Williams e Hodges (2004) apontam que a compilação dos dados empíricos existentes, indicam que a aquisição da inteligência específica de cada modalidade resulta duma intervenção apropriada que será certamente o treino. Isto afasta desde logo a possibilidade de um aparecimento por “geração espontânea” mas Gomes (2006) vai mais longe transportando consigo um grau superior de Especificidade no que à tal intervenção diz respeito pois segundo ela as decisões dos jogadores resultam dos dados contextuais mas são sobreconfiguradas por “regras” colectivas que os levam a optar por determinadas escolhas em detrimento de outras. Estas regras não são mais que os princípios de jogo e é o treino destes que condiciona as escolhas dos jogadores no sentido pretendido. Damásio (2003) complementa estas ideias afirmando que os sentimentos que caracterizam a nossa existência são uma “experiência de vida condensada”. No caso do Futebol essa experiência não será mais que o treinar os comportamentos pretendidos pois dessa forma criam-se os tais sentimentos Específicos de cada forma de jogar. Acresça-se ainda o papel central das emoções na tomada de decisão pois segundo Revoy (s/d) este é o domínio em que se exprimem por excelência o julgamento, a inteligência e a deliberação. Ainda Revoy (s/d) reforça a importância das emoções aludindo às experiências de Markus Junghofer em que há um diferente tratamento cerebral de imagens com forte conotação emocional e o tratamento cerebral de imagens pouco carregadas de emoções pois mal passados 200 mseg. depois da apresentação de imagens com um forte conteúdo emocional, estas geram um sinal eléctrico enquanto que as imagens neutras geram um sinal mais tardio o que evidencia que o sistema límbico 43 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

reage a certos estímulos-chave antes mesmo que a informação tenha atingido o córtex visual. Assim há uma inteligência das emoções pois estas ajudam-nos a tomar boas decisões. Ora isto indica-nos que no treino devemos deixar acontecer a emoção pois assim estaremos a dotar a equipa e os jogadores de um crescente património decisional de qualidade. Segundo Frade (2004a) uma das grandes dificuldades que se põe desde logo no processo de controlo do treino diz respeito à selecção de meios e princípios. Esta selecção é inicialmente abstracta pois situa-se à priori sendo este um aspecto de ruptura com a periodização convencional que apenas considera no seu controlo o à posteriori. Os meios serão os exercícios com os quais se pretende criar dinâmicas para levar a efeito os princípios. A repetição sistemática é que nos permite chegar à sobrecompensação daquilo que se pretende, isto é direcciona o processo de adaptabilidade. Neste enquadramento não é de todo descabido falar em quantificação da qualidade na medida em que a caracterização à priori determina claramente os parâmetros (princípios) que definem a existência ou não dessa mesma qualidade, ou seja, aspira-se que a equipa jogue de determinada forma e é a partir daí que se efectua o controlo, analisando se aquilo que acontece em termos regulares é compatível com aquilo que aconteceu antes. O à posteriori é causado por aquilo que direcciona o processo (à priori) - futuro como elemento causal - daí a necessidade de tê-lo em conta. Isto vem de encontro ao que diz Frade (cit. por Faria, 1999) segundo o qual é o treino que cria a competição. Para Frade (2004a) a grande condição da Periodização Táctica é ser uma “fenomenotécnica” na operacionalização do treino. Isto quer dizer que não é suficiente dizer-se que a natureza desta realidade é caracterizada pela extrema sensibilidade ás condições iniciais e depois deixar correr o processo sem qualquer intervenção. A causalidade não linear consiste precisamente no facto da intervenção ter o poder de alterar muita coisa, o que, aplicado ao treino no Futebol faz todo o sentido e tem enorme pertinência dando a clara indicação que a intervenção do treinador durante os exercícios será um factor fundamental para o seu correcto direccionamento em função do modelo de jogo. Gomes (2007) alerta para a complexidade deste tipo de intervenção 44 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

havendo a necessidade de um excelente entendimento do jogo e sobretudo de se saber o que se está a pedir no exercício, porque as pequenas coisas fazem a diferença. Para que tudo isto possa acontecer é necessário que o treinador saiba muito bem aquilo que pretende da equipa e do jogo, que tenha ideias muito concretas relativamente ás invariantes/padrões que pretende que a sua equipa e os respectivos jogadores manifestem (Guilherme Oliveira, 2004). Gomes (2007) referindo-se á intervenção do treinador durante o jogo, defende que esta não muda os hábitos pois isso tem que ser incorporado, vivido e sentido pelos jogadores no processo de treino. Se é no treino que devemos modelar o jogo que queremos, fará pouco sentido intervir de forma sistemática quando o jogo está a decorrer pois isso será sintoma evidente que o processo de treino fracassou uma vez que não condicionou o “jogar” idealizado. Guilherme Oliveira (2004, p. 165) sintetiza de forma eloquente a conformidade entre treino e jogo subordinando o segundo ao primeiro sem com isso estabelecer uma relação deterministicamente fechada quando afirma que “apesar do vínculo à acção compreender a interacção de reciprocidade entre o jogo e o jogador, essa interacção dever ser construída e direccionada pelo processo de ensino-aprendizagem/treino em função de um conjunto de ideias, colectivas e individuais, de jogo, isto é, pela singularidade do Modelo de Jogo da equipa.” Já Araújo (2003, p. 91), diz que “se o comportamento fosse determinado previamente a nível cognitivo, a adaptabilidade ao contexto seria impossível, uma vez que o contexto está em constante mudança. No entanto, apesar de toda a variabilidade contextual e motora, os peritos mantêm constantes as suas relações funcionais com o meio. Dito de outro modo, a sua afinação, aos objectivos relevantes do jogo mantém-se constante, apesar dos processos que lhe estão subjacentes serem altamente adaptáveis àquilo que o contexto proporciona. Esta adaptabilidade ao contexto não seria possível se as acções fossem determinadas previamente pelos registos em memória pois não seria adaptação mas uma réplica de movimentos anteriores”. Cremos que este pensamento baseia-se em alguns pressupostos diferentes daqueles que assumimos no nosso trabalho pois, na verdade, o treino perspectivado pela Periodização Táctica deve exercer efeito sobre princípios de acção e não 45 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

taxativamente sobre os movimentos a serem executados pois esses inseremse na dinâmica imprevisível do “aqui e agora” e para isso não há equação Guilherme Oliveira (2004) justifica isso defendendo que o processo de treino deve fomentar a criação de possibilidades de acção e não de certezas de acção, repercutindo-se na dinâmica de criação, solidificação e recriação dos conhecimentos dos jogadores e na dinâmica do próprio jogo. Ora “se o jogo é o espelho exequível do treino, então para ser JOGO o treino não pode ser outra coisa senão jogo” (Guilherme Oliveira, 1991, p. 13), pois tal como afirma Frade (cit. por Costa 2002), é necessário que o treino reflicta a representação do real, possibilitando através dos exercícios um conjunto de estímulos que permitam agir em condições aleatórias e adversas, ou seja, no Jogo. Gomes (2006) dá também o seu contributo explicitando que a Organização sistémica refere-se a princípios de acção que configuram as interacções dos jogadores nos vários momentos de jogo. Aqui fica bem evidente a importância que a assunção do paradigma sistémico assume! Isto só é possível através do treino que tenha como um dos princípios estruturantes o princípio das propensões (já anteriormente abordado mas que aqui readquire importância capital) que, em articulação com os demais, consiste na contextualização de determinadas coisas para que aquilo que se quer que aconteça, aconteça mais vezes, isto é, concebe-se determinado contexto com o intuito que ele conduza a determinado comportamento desejado. Isto é diferente de apresentar “receitas” ou exigir réplicas de movimentos anteriores pois aqui são os próprios jogadores que vão descobrir, vão eles próprios sentir a necessidade de… para chegar até… O processo de treino devidamente configurado e orientado para uma abordagem deste género não se pode reter num fraccionamento analítico das diversas componentes que concorrem para o rendimento e a justificar isto temos Tani e Corrêa (2006 p. 16) que circunscrevem as duas condições que permitem um procedimento analítico: “(a) a ausência de interacções entre os componentes do sistema ou, caso existam, serem suficientemente fracas para que possam ser desprezadas, e (b) as razões que descrevem o comportamento das partes sejam lineares, o que possibilitaria a condição de aditividade (1 + 1 = 2)” Ora o Jogo de Futebol não respeita nenhuma das 46 _____________________________________________________________________________

Revisão da Literatura _____________________________________________________________________________

condições identificadas visto que, enquanto sistema aberto, obtém utiliza e troca energia e informação com o seu meio ambiente permitindo isso que o sistema altere a sua organização interna, ou seja, somos levados a crer que a abordagem sistémica permitida pela Periodização Táctica responde de forma mais concreta e eficaz ás exigências impostas pelo Jogo. O processo de treino constitui-se assim como o cerne do meio através do qual se pretendem atingir todos os objectivos respeitantes à consecução do Modelo de Jogo. Assim pensa Frade (cit. por Rocha, 2000 p.1 do anexo 12) quando afirma que “o treino não é dividido porque tem consciência que o crescimento táctico, tendo em conta a proposta de jogo (modelo de jogo) a que se aspira, ao realizar-se, ao operacionalizar-se, vai implicar alterações a nível técnico, psicológico e físico” e Barbosa (2003) que sintetiza ideia análoga afiançando que o treino possui uma importância de especial destaque, uma vez que é nele, e a partir dele, que se possibilita aos jogadores a apreensão e assimilação

de

determinados

comportamentos

pretendidos

em

Jogo.

Reclamando maior importância para este tipo de preocupações no treino, Tani e Corrêa (2006, p. 17) relembra as características de sistema aberto que possui o Jogo de Futebol e coloca dúvidas na relevância tantas vezes dada à preparação física: “O facto de o desporto colectivo caracterizar um sistema dinâmico e complexo implica que os jogadores não somente necessitam de ter energia para manter a sua estabilidade ou restabelecê-la após instabilidade, mas também saber como utilizá-la. Esse é o papel da informação. Por outras palavras, não adianta ter uma equipa com jogadores bem condicionados fisicamente se eles não conseguirem lidar com a informação, isto é, criar incerteza no sistema adversário e reduzir as incertezas por ele criadas no seu sistema.” Ainda Tani e Corrêa (2006, p.21) avançam com uma alternativa com a qual corroboramos de acordo com o acima anteriormente discutido: “… a prática de estruturas funcionais possibilita aos indivíduos uma proximidade das acções e situações reais, que, por sua vez, possibilita-os relacionar capacidades técnicas e tácticas. Em outras palavras, a interacção de «como fazer» com «o que fazer».”

47 _____________________________________________________________________________

.

Material e Métodos _____________________________________________________________________________

3. Material e Métodos

3.1. Caracterização da Amostra

A amostra é constituída por três entrevistados, todos eles treinadores de futebol, a saber: José Guilherme Oliveira (treinador da equipa de juvenis do Futebol Clube do Porto), Marisa Gomes (treinadora da equipa de infantis do Futebol Clube do Porto) e Rui Faria (actualmente sem clube desde que deixou o Chelsea F.C. em Setembro de 2007).

3.2. Metodologia de Investigação

Ao nível teórico foi efectuada uma pesquisa bibliográfica e documental, seleccionando a informação disponível que mais se enquadrava com o tema em questão, através da análise de conteúdo. Com base na mesma e de acordo com as nossas preocupações fundamentais, elaboramos uma série de questões guia, que serviram de suporte às entrevistas realizadas. Ao nível prático, a metodologia utilizada na recolha dos dados foi a observação directa extensiva, sob a forma de inquérito oral, por meio de entrevista, com base em questões previamente elaboradas e registadas num gravador “Creative”. Essas questões foram abertas, para que os intervenientes pudessem expor os seus pontos de vista de uma forma clara e o mais aprofundada

possível.

Todas

as entrevistas foram

gravadas

com

o

conhecimento e autorização dos entrevistados. Posteriormente as entrevistas foram transcritas para papel.

49 _____________________________________________________________________________

Material e Métodos _____________________________________________________________________________

3.3 Recolha de Dados

A recolha de dados ocorreu entre o dia 6 de Outubro de 2007 e o dia 3 de Novembro de 2007. As entrevistas foram realizadas na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

50 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

4. Análise e Discussão dos Resultados

Depois de realizadas a revisão bibliográfica e as entrevistas, passou-se à análise das respostas dos entrevistados, no sentido de comparar e discutir o conteúdo das mesmas, cruzando-o com a informação proveniente da revisão bibliográfica.

4.1. A Especificidade da repetição sistemática dos Princípios de Jogo…

Quando, na operacionalização do treino, queremos ter presente a Especificidade temos que repetir sistematicamente os comportamentos que queremos implementar. Essa repetição sistemática está envolta em regras que permitem que os seus efeitos sejam os desejados, ou seja, não é uma repetição abstracta sem um fio condutor que conduzirá à manifestação do padrão de jogo idealizado.

4.1.1. …necessita de um profundo conhecimento do Modelo de Jogo…

Antes de mais é fulcral conhecer muito bem o “jogar” que se quer implementar pois só um intenso domínio disto é que permite que se “jogue” com todos os factores em causa com a devida fluidez e sempre com metas específicas bem delineadas. Gomes (Anexo 1) diz taxativamente que “para se conseguir um determinado jogar é preciso conhecê-lo e conhecer é ter um Modelo de Jogo que vai direccionar a Intencionalidade daquilo que nós pretendemos.” 51 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

A importância deste conhecimento é bem evidente pois se apenas possuirmos uma ideia vaga ou genérica do modo como queremos que a equipa jogue, isso castrará e limitará de sobremaneira a intervenção a ter durante a exercitação pois tal como lembra Gomes (Anexo 1) “o sentido da progressão do menos complexo para o mais complexo tem uma ordem e essa ordem só tem Sentido quando conhecemos bem o jogar e percebemos o que é mais difícil”. Conhecer bem o Modelo de Jogo, a sua ideia mais geral e os comportamentos

mais

específicos

permite

redireccionamentos

e

reajustamentos constantes de acordo com as necessidades contextuais tendo em vista a Especificidade. Só partindo deste pressuposto é que é possível perceber o que é mais e menos complexo e a partir daí gerir o processo de treino com elevado grau de qualidade.

4.1.2. …e está na interacção dos princípios da alternância horizontal, da progressão complexa e das propensões devidamente contextualizados

Os princípios da alternância horizontal em Especificidade, da progressão complexa e das propensões, são os pilares da repetição sistemática e só uma interacção bem contextualizada entre os três permitirá que se treine em Especificidade. Segundo Gomes (Anexo 1) “para se conseguir um determinado jogar são precisos esses três princípios mas o mais difícil é a ligação entre eles”. Esta ideia é partilhada por Guilherme Oliveira (Anexo 2) para quem “a maior dificuldade e a maior complexidade surge dessa interacção uma vez que são os três extremamente importantes em termos de evolução do jogo, tanto em termos colectivos como em termos individuais e quando se treina como nós treinamos



a

necessidade

de

ter

os

três

permanentemente

em

consideração”. A alusão a uma determinada forma de treinar é relevante na medida em que apenas os treinadores que direccionam mormente a sua atenção para a Organização Colectiva subjacente a uma Ideia de Jogo têm este

tipo

de

preocupações,

isto

é,

quando

a

prioridade

está

no

52 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

condicionamento físico, o fulcro desvia-se daquilo que estamos aqui a tratar pois as preocupações são de outro nível, daí o sublinhar dessa forma de treinar, a Periodização Táctica, que é a metodologia de treino seguida por todos os entrevistados. Os três princípios pelos quais se rege a repetição sistemática sujeitamse às condicionantes uns dos outros no intuito de cumprir o requisito da Especificidade. Guilherme Oliveira (Anexo 2) aponta precisamente isso quando dá o seguinte exemplo: “Se dermos grande importância ao princípio das propensões e não estivermos a dar tanta importância ao princípio da alternância horizontal aquilo que pode acontecer é ter jogadores lesionados, ter a equipa cansada e a equipa não estar a jogar com os comportamentos que nós desejamos por um cansaço acumulado.” Faria (Anexo 3) corrobora em absoluto quando aborda a relação entre o princípio da progressão complexa e da alternância horizontal em Especificidade alertando para a impossibilidade da exigência da manifestação de comportamentos muito complexos quando os jogadores ainda estão em processo de recuperação do jogo anterior. A

Especificidade

deve

também

respeitar

ao

contexto

e,

na

hierarquização dos princípios, este aspecto adquire particular importância. Gomes (Anexo 1) dá-nos como exemplo uma equipa cujos objectivos passam por não descer de divisão e neste contexto fará eventualmente mais sentido dar prioridade (no que aos quatro momentos de jogo diz respeito) à organização defensiva no sentido de, em termos aquisitivos, ser mais fácil para a equipa perceber aquilo que se pretende, visto que não tem bola, sendo por isso mais simples construir uma identidade comum sem bola, não ter que tratar dela, embora jogando em função dela, sendo mais fácil para uma primeira assimilação. No entanto a mesma autora ressalva que “isso depende dos contextos, do próprio modelo e do próprio jogar”. Daqui se percebe a importância do contexto para se desenvolver o princípio da progressão complexa em Especificidade e só assim ele terá a devida qualidade. “É através da alternância horizontal em Especificidade que se varia o registo das solicitações específicas em cada dia, porque se num dia promovermos situações onde predominam as contracções excêntricas e no dia seguinte funcionarmos nesse mesmo padrão (registo), de certeza que não vai 53 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

ter as mesmas condições de realização pelo desgaste (assimilação) do dia anterior. Reconhecendo isto, – desgaste do que se faz – alternamos e para isso fraccionamos o jogar para que em cada dia estejamos a desenvolver esse mesmo jogar gerindo esses aspectos” Gomes (Anexo 1). Tendo sempre como principal preocupação o “jogar bem” relativizado ao Modelo de Jogo, procuramse e criam-se contextos no treino para haver desempenhos máximos e tendo em consideração que quer mental quer fisicamente isso é desgastante há que encontrar soluções para resolver o problema daí que variar o registo (parte) do jogar seja de importância capital. Variando o grau de complexidade e por consequência o tipo de exigências (padrão de contracções que a concretização desenvolve) permite responder à necessidade de adquirir sempre algo referente à evolução do jogar de uns dias para os outros e à necessidade de recuperar. Espelhando esta preocupação num sentido eminentemente prático, Gomes (Anexo 1) declara o seguinte: “Costumo desenvolver o nível de organização completo no dia que está mais distanciado das competições porque em termos de complexidade é muito exigente (fadiga central) e para além disso predominam contracções de menor tensão, maior duração e menor velocidade conduzindo a um grande desgaste, sendo portanto preciso tempo para recuperar.” O princípio das propensões refere-se à criação de contextos propícios a determinadas aquisições mas para tal e segundo Gomes (Anexo 1) “tem que haver um Sentido associado, pois só é aquisitivo quando ao fazermos, soubermos minimamente aquilo que estamos a fazer.” Daqui entende-se claramente que o Sentido atribuído na exercitação desempenha um papel muito relevante naquilo a que a criação do próprio contexto conduz. Gomes (Anexo 1) distingue duas dimensões relativas à operacionalização das propensões: “Primeiro numa dimensão maior que é a dimensão do Sentido porque temos que desenvolver o jogar por níveis de organização e temos que articular os sentidos e hierarquizar; Segundo numa dimensão mais reduzida, que é saber nesse mesmo Sentido que contexto é que vamos proporcionar.” São portanto duas preocupações a ter em conta, uma decorrente da outra, sempre em busca da Especificidade.

54 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Em suma, os três princípios metodológicos estão todos interligados não sendo possível dar primazia a nenhum deles. Referindo-se a esta articulação e em jeito de síntese, Gomes (Anexo 1) diz que “não podem deixar de estar interligados pelo jogar, por isso é que o Modelo é extremamente importante, porque é uma coisa que se vai desenvolvendo e é o que vai dar Sentido à articulação destes princípios todos: da especificidade, da alternância horizontal em Especificidade, da progressão complexa em Especificidade e propensão em Especificidade.” Saliente-se que a “âncora” desta questão não deve ser esquecida, ou seja, tudo isto é pensado, ponderado e reflectido com o objectivo claro de facilitar a aquisição dos comportamentos inerentes a uma determinada forma de jogar futebol e é precisamente isso que Faria (Anexo 3) faz questão de acentuar: “Não podemos pensar num destes três princípios sem pensar nos outros uma vez que o padrão de exigências tem que ser enquadrado na sua organização semanal no melhor momento para que haja sucesso na aquisição desse mesmo princípio.”

4.2. A mesma abordagem com diferente grau de complexidade como fulcro do processo de assimilação dos Princípios de Jogo…

Tal como vimos anteriormente quando tratamos o princípio da progressão complexa em especificidade, há um aumento da complexidade pedida em cada comportamento à medida que este vai sendo crescentemente assimilado. É sobretudo neste aspecto, isto é, no aumento da complexidade, que reside a diferença na configuração dada à prática entre uma fase mais prematura da aprendizagem e uma fase mais adiantada. Vejamos Guilherme Oliveira (Anexo 2) que a este propósito diz o seguinte: “Numa fase inicial a complexidade é mais reduzida, em fases posteriores a complexidade é maior e é sobretudo a esse nível que está a diferença.” Gomes (Anexo 1) explicita ideia análoga com o seguinte caso prático: “Imaginemos a organização defensiva em que eu quero que a minha equipa defenda em bloco, à zona. Inicialmente dou o esboço para ver se a equipa sabe o que é um bloco, se sabe posicionar-se 55 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

num determinado espaço em função da posição da bola etc. Isso é o esboço, são os pilares do objectivo. Numa fase posterior, eu já quero que a equipa para além disso, reconheça por exemplo os momentos e locais de pressão para que o bloco tenha algum sentido e eficácia. Assim o esboço num plano mais micro já é mais exigente…” Temos assim a evolução em termos de complexidade como condição para que aquilo que se treina se constitua efectivamente como uma aquisição no que diz respeito aos comportamentos a manifestar e a par disto, Faria (Anexo 3) chama a atenção para a importância de uma familiarização tão grande quanto possível com aquilo que é a cultura de jogo própria da equipa: “É decisivo fazer uma avaliação do que é a nossa equipa, os nossos jogadores e do que é o conhecimento do jogo por parte da equipa e portanto a antecipação é tão mais facilitada quanto maior for a cultura de jogo da equipa.” O aumento de complexidade constitui-se assim como o fulcro do processo de assimilação dos princípios de jogo sendo esta a solução encontrada para dotar os jogadores e a equipa com as ferramentas necessárias à consecução do Modelo de Jogo em cada etapa do seu desenvolvimento.

4.2.1. …que nunca esgotam a sua riqueza impedindo o uso do conceito de “manutenção do princípio de jogo”

Em fases mais adiantadas do processo de treino, é normal as equipas terem maior identificação com os Princípios de Jogo e se a isso aliarmos o sucesso desportivo seria possível pensarmos que haveria apenas que manter aquilo que já fora adquirido. Ideia diferente defendem os nossos entrevistados para quem se deve sempre buscar uma evolução permanente do jogar, havendo ininterruptamente algo a desenvolver, a recriar, a melhorar, a inovar… Guilherme Oliveira (Anexo 2) refere, a propósito deste assunto, o seguinte: “Há um aumento de complexidade de forma a eles adquirirem, primeiro de uma forma mais facilitadora para que as coisas aconteçam de uma 56 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

forma regular, depois uma evolução permanente de forma a que eles consigam ter comportamentos extremamente complexos.” É sobejamente perceptível que a complexidade dos comportamentos é inesgotável quando se tem uma Ideia de Jogo rica. Nesse sentido o mesmo entrevistado complementa dizendo que “numa fase inicial há exercícios mais introdutórios com complexidade menor e à medida que eles vão adquirindo esse comportamento nós vamos criando complexidade para que esse comportamento seja mais complexo e mais evoluído.” Partilhando esta convicção que o Modelo de Jogo é algo sempre inacabado, passível de ser enriquecido e melhorado encontra-se Gomes (Anexo 1) deixando isso bem evidente quando afirma “a manutenção do princípio é uma coisa dinâmica em evolução constante.” Um exemplo prático que nos é dado por Guilherme Oliveira (Anexo 2) ajuda-nos a perceber que tipos de estratégias se podem delinear para operacionalizar esta ideia de evolução permanente: “Eu já treinei uma equipa com uma capacidade de circulação de bola de tal ordem grande e evoluída, que para treinar essa circulação e arranjar problemas tinha que treinar em 8x10 e eram os 8 que estavam a treinar, fundamentalmente porque a qualidade de posse de bola daqueles que eram a equipa titular - chamemos-lhe assim - era de tal forma grande que os outros em igualdade numérica não lhes conseguiam criar problemas e a solução que encontrei foi pô-los em inferioridade numérica. Nós temos que arranjar esse tipo de estratégias.” A top esta questão é tratada em moldes idênticos, mantendo-se a necessidade de evoluir sempre, de crescer diariamente, sendo que para tal as metas comportamentais vão sendo revistas em função daquilo que se atinge e daquilo que se pode vir a atingir com maior riqueza: “nós estamos constantemente a criar novos exercícios embora os objectivos por vezes se mantenham, criamos exercícios para que haja uma mudança, uma evolução de algo que crie algum estorvo à execução de um determinado princípio para que haja uma readaptação estrutural e mental para que não seja um processo sempre idêntico, para que exista um enriquecimento em termos de trabalho” (Faria, Anexo 3). A pertinência desta constatação merece especial destaque por vir de alguém que viveu o sucesso a top bem de perto, materializado em 57 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

inúmeros títulos a nível nacional e europeu1 o que mostra bem a necessidade de permanente evolução mesmo quando se atingem patamares elevados de rendimento superior. Aumento de complexidade, dinamismo, evolução permanente e necessidade de readaptação constante são ideias relativas ao treino dos Princípios de Jogo o que nos leva a deixar de lado a possibilidade de acreditar na manutenção estática de determinado comportamento havendo sempre lugar para um acréscimo de riqueza sendo precisamente isto que nos diz Guilherme Oliveira (Anexo 2): “Por vezes há momentos em que solidificámos determinada forma de jogar e pensámos que essa forma de jogar se deve manter, mas não! Do meu ponto de vista e tendo em consideração a minha experiência, devemos logo criar mais complexidade caso contrário não há evolução nem da equipa nem dos jogadores.”

4.3. A focalização no comportamento que se pretende treinar advém da configuração do exercício…

Quando os jogadores estão em plena acção no exercício é importante perceberem qual o objectivo daquilo que estão a fazer e em que contexto do jogar aquilo se insere, para desta forma evitar abstracções inócuas. Entenda-se que os exercícios surgem sempre em função de algo, para promover e melhorar determinado comportamento e nesse contexto Guilherme Oliveira (Anexo 2) explicita o seguinte: “quando apresento um exercício aos jogadores digo qual é o objectivo do exercício e aquilo que pretendo treinar com esse exercício e ao fazer isso já direccionei o exercício, já lhes dei um foco de atenção para eles estarem a fazer aquele exercício em função de determinado comportamento.” A respeito do aspecto específico que se pretende treinar em determinado exercício, Gomes (Anexo 1) crê que “a operacionalização micro desse objectivo não tem que ser consciente por parte dos sujeitos porque 1

Rui Faria teve um papel preponderante nas equipas técnicas lideradas por José Mourinho nas últimas 5 épocas onde conquistaram 13 títulos no F.C. do Porto e no Chelsea F. C.

58 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

muitas vezes eles não têm consciência que fazem aquilo e só os fazemos tomar consciência através da própria prática, fazendo com que aconteçam determinadas coisas. No próprio exercício eles direccionam o foco do cérebro se determinada coisa estiver a acontecer muitas vezes e a partir daí surge esse direccionamento”. Vemos que o direccionamento advém não só do alerta verbal que precede o exercício propriamente dito mas também, e sobretudo, da realização efectiva do comportamento em causa pois só aí é que é possível condicionar o lado subconsciente. Vejamos como Gomes (Anexo 1) sintetiza isto quando lembra que o lado subconsciente só é conseguido com o acontecer muitas vezes de algo “porque num jogo 4x4 eles têm consciência que o objectivo é a circulação e manutenção da posse de bola se estiverem a fazer isso muito tempo, porque se estiverem a maior parte do tempo em organização defensiva não vão ter essa consciência por mais que eu tenha dito antes do exercício. Eles podem ter isso em termos conscientes mas depois em termos subconscientes não têm. A consciência é estarmos alerta para qualquer coisa mas se o exercício em termos de subconsciente não nos direccionar para lá não vale a pena, não é Específico, não é adequado!” Somos assim remetidos para a superior importância da configuração do exercício de forma a que este conduza, pela sua forma, ao aparecimento do comportamento desejado e isso levará à focalização no objectivo pretendido por inerência. É precisamente assim que Faria (Anexo 3) operacionaliza o direccionamento da atenção dos jogadores naquilo que é hierarquicamente superior em cada exercício realizado: “Fundamentalmente temos que perceber que o exercício, quando surge, já tem que estar configurado de modo a que os comportamentos que pretendemos em termos de princípio, de objectivo, se evidenciem, ou seja, quando o estruturamos já críamos condições para que o que pretendemos surja com frequência. Isto é o mais importante, é a Especificidade do exercício e nós, como treinadores, em função das nossas necessidades é que vamos elaborar o exercício de acordo com determinado objectivo.”

59 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

4.3.1. …e de uma intervenção do treinador centrada precisamente nesses aspectos.

Um aspecto importante e que tem enorme influência no direccionamento do “foco” do cérebro, da atenção, está relacionado com a intervenção que o treinador tem no exercício. Esta deve ter enfoque nos comportamentos para os quais o exercício é dirigido pois caso contrário estaremos a desviar a atenção dos jogadores para outros aspectos, ou seja, promoveremos um efeito contraproducente àquele que havíamos delineado. Durante a exercitação somos frequentemente confrontados com situações que nos conduzem ao procedimento de ajustes relativamente àquilo que está a acontecer no sentido de mais especificamente direccionar a prática ou de adaptar o nível de complexidade e, como já anteriormente referimos (capítulo 4.1.), a qualidade dessa intervenção está dependente de um perfeito conhecimento do Modelo de Jogo. Faria (Anexo 3) aponta estas preocupações como nucleares quando diz o seguinte: “Durante a execução do exercício, a intervenção em função da relação jogador-exercício-treinador, leva a que por vezes sintamos a necessidade de criar ainda mais qualquer acrescento para que o que pretendemos se manifeste de forma ainda mais vincada e este tipo de intervenção é apenas possível se soubermos muito bem onde estamos e para onde queremos ir, isto é, exige-se um conhecimento muito bem estruturado do Modelo de Jogo que nos permita reajustar a intervenção sempre no sentido de um direccionamento específico.” Guilherme Oliveira (Anexo 2) exalta a importância da intervenção do treinador durante o exercício para orientar os jogadores no sentido destes perceberem em que contexto da dinâmica colectiva pretendida se situa aquela solicitação comportamental: “Imaginemos que eu quero privilegiar a minha circulação de bola e que para treinar isso crio uma situação em que o fundamental é o jogo de posições dos jogadores, é eles estarem sempre em diagonais de forma a que a bola possa circular por todos os jogadores e haver uma certa eficácia. Então, o jogo está a decorrer e como lhes transmiti exactamente esses comportamentos que queria que eles tivessem, vou intervir 60 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

precisamente nesses aspectos que estão a ser contemplados ou não. Portanto é assim que eu faço o direccionamento para que aquilo que eu quero treinar seja realmente treinado”. Percebemos assim, a importância da adequação da intervenção do treinador sendo esta de vincada importância para o correcto direccionamento da atenção dos jogadores.

4.4. A auto-hetero-superação está no limiar entre sucesso e insucesso…

Qualquer exercício deve ter uma componente de sucesso e outra de dificuldade pois “a aprendizagem consiste em adaptarmo-nos para resolver as situações e se não houver uma condição que nos obrigue a fazer isso nós não fazemos” (Gomes, Anexo 1). Esta nuance da condição que “obriga a…” é de extrema importância pois leva a que a construção dos exercícios tendo em conta qualquer fracção do jogar, tenha que ter presente aspectos evolutivos concretos que condicionem determinado comportamento que nós queremos treinar. Assim, não podemos elaborar um exercício sem esta preocupação, ou seja, ele tem que, pela sua própria configuração, pelo seu próprio contexto, conduzir ao aparecimento “natural” de um determinado comportamento que por sua vez tem que constituir uma solução de sucesso para o problema em causa. Depois há que complexificar, melhorar, aprimorar… Dentro da mesma linha de pensamento, Gomes (Anexo 1) fala-nos do conceito de auto-hetero-superação como sendo a melhor maneira de se exigir solicitações no treino. Esta ideia remete-nos para uma melhoria permanente, quer colectiva quer individualmente, ou seja, o grau de dificuldade adequado terá sempre que estar próximo do limiar daquilo que é possível os jogadores (equipa) fazerem tendo em conta o seu estado de maturação relativamente ao Modelo de Jogo. Logicamente que este limiar vai sendo crescentemente superior e daí a necessidade imperiosa de

o treinador ir sempre

complexificando o padrão de solicitações de modo a obrigar os jogadores 61 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

(equipa) a procurar soluções cada vez mais complexas e ajustadas de modo a conseguirem ter sucesso. Gomes (Anexo 1), auxilia-nos na compreensão disto com um exemplo advindo da sua realidade prática: “Por exemplo estamos a fazer um exercício de circulação de bola 11x11 e a equipa tem que ter sucesso no que está a fazer. Mas se tiver uma oposição de cinco defesas na zona central estamos a criar uma certa dificuldade pois eles vão ter que superar esses defesas para conseguirem fazer a circulação de bola. O grau de sucesso que eles vão ter é o mesmo que iriam ter se fizessem sem oposição mas o grau de dificuldade não é o mesmo. O grau de dificuldade adequado é aquele que vai exigir que eles estejam sempre em auto-hetero-superação.” Este desiderato de uma exercitação em “auto-hetero-superação” exige um permanente “elevar de fasquia” na medida em que a melhoria de qualidade é sempre o objectivo a atingir e para isso há que criar problemas novos, mais difíceis, que exijam um esforço adicional na sua resolução, isto é, só um aumento da complexidade comportamental exigida conduzirá a uma evolução e isso consubstancia-se no incremento do grau de dificuldade que se vai baseando na consolidação dos patamares de complexidade comportamental inferiores sendo desta forma que Faria (Anexo 3) gere este aspecto particular da operacionalização do treino: “No início temos que reduzir a complexidade para que numa primeira fase, a repetição sistemática dos princípios ocorra sem grandes entraves e depois, numa fase mais avançada onde sabemos que esses princípios já se consubstanciaram em hábito, a complexidade do exercício é maior e como tal devemos centrar a nossa preocupação em perceber de que forma é possível aumentar a qualidade do nosso jogo partindo de patamares de complexidade cada vez maiores.”

4.4.1. …e depende em grande medida da intervenção adequada do Treinador

A intervenção do treinador é de extrema importância pois é ele que regula o processo e nesse sentido tem que perceber em que momentos deve 62 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

efectuar reajustes entre o grau de dificuldade do exercício e a promoção do sucesso. É relevante termos em conta que, para haver evolução têm que existir problemas, mas também é fundamental a presença do sucesso e todo este sistema dinâmico precisa de ser comandado com sabedoria e perspicácia por parte do treinador. Gomes (Anexo 1) afiança ideia análoga nos seguintes termos: “…o exercício que exteriormente é igual, já não é a mesma coisa passados três meses. Só assim é que os jogadores trabalham em auto-heterosuperação e daqui a um determinado tempo, consoante a evolução e as dificuldades da própria equipa, vou actuando sempre.” Este tipo de intervenção naturalmente que exige um profundo conhecimento daquilo que se pretende em cada momento do jogo pois só a partir dessa base é que é possível perceber quando determinado comportamento está bem assimilado e a partir daí avançar para patamares superiores de complexidade. Esta aversão à estagnação é amplamente defendida por Guilherme Oliveira (Anexo 2) que se vê “obrigado” a um tipo de intervenção particularmente activa neste contexto pois como treinador do Futebol Clube do Porto, as suas equipas, normalmente, são superiores às outras, daí que a tendência natural para a estagnação seria até maior: “…se eu não crio ali determinado tipo de desequilíbrios, complexificando mais o nosso jogo, criando outro tipo de problemas, mudando de estruturas para que eles tenham uma cultura maior de compreensão do jogo, adoptando determinado tipo de estratégias para que a complexidade do nosso jogo seja maior, os princípios a nível comportamental também mais complexos, acontece uma estagnação, um certo “deixar andar” e isso é mau em termos evolutivos porque a qualquer momento aparecem problemas que nós não conseguimos resolver. Assim nós tentamos ser sempre cada vez melhores, mais complexos e essa procura de maior complexidade vai provocar permanentemente uma evolução.” Faria (Anexo 3) sublinha a necessidade de se encontrar um equilíbrio entre as vertentes em análise (sucesso e dificuldade) e refere-se à importância da intervenção do treinador para que esse equilíbrio seja promovido: “…cria-se a maior ou menor complexidade do exercício e reajusta-se nesse sentido para que as coisas aconteçam com sucesso e, naturalmente, se a situação for muito facilitada também não tiramos o melhor rendimento, porque percebemos 63 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

facilmente que os jogadores executaram com a maior das facilidades e, por outro lado, se for muito complexo não é importante porque a aquisição do que pretendemos também não está a acontecer. É este equilíbrio que é fundamental mesmo na nossa relação directa com os exercícios e com a nossa intervenção na liderança do próprio trabalho…” Caso não se intervenha nestes moldes surge uma paralisação ou mesmo o retrocesso de aquisições anteriores na medida em que “isto está relacionado com a dinâmica dos próprios sistemas complexos em que quando há um momento de equilíbrio, se não houver desequilíbrio desse equilíbrio, ele vai manter-se, estagnar, não há evolução nem do sistema nem dos elementos do sistema…” (Guilherme Oliveira, Anexo 2). Fica aqui bem patente que a intervenção do treinador neste aspecto do equilíbrio entre sucesso e grau de dificuldade é de grande complexidade e exige enorme competência prática do “modelizador”!

4.5. A antecipação permitida pela existência de uma lógica de resolução dos problemas

Sendo um dos objectivos do treino contrariar a lentidão fisiológica dos mecanismos cerebrais relacionados com a tomada de decisão, a antecipação adquire neste contexto uma relevância capital. A configuração a dar à prática de modo a tornar possível a antecipação é algo que importa aqui tratar e segundo Gomes (Anexo 1) esse desiderato é conseguido à custa “de uma prática Específica, isto é, desde o início do processo, temos que criar um contexto macro que nos vai direccionar sempre no mesmo sentido e, seja num exercício mais particular, seja num exercício mais complexo, isso tem que estar sempre presente.” Esta sujeição a um contexto macro revela-se assim como a chave para cada jogador perceber antecipadamente o que vai ser decidido pelo colega, sendo esta a premissa base para se poder antecipar tornando o jogo mais rápido.

64 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Guilherme Oliveira (Anexo 2), refere que “o treino pretende, dentro de determinado padrão de comportamentos, criar uma cultura de forma a que eles consigam jogar e resolver os problemas que as outras equipas colocam em função dessa cultura de jogo que eles vão adquirindo.” Mais uma vez é bem vincada a importância da criação de uma lógica comum de resolução dos problemas para que a antecipação possa ser uma realidade, isto é, todo o trabalho efectuado deve estar subjugado a algo hierarquicamente superior, desde o exercício mais particular, até à exercitação da dimensão completa do jogar. Necessidade idêntica de aceleração dos processos de jogo à custa de uma antecipação permitida por uma determinada forma de treinar, sente Faria (Anexo 3) para quem a Especificidade que se coloca no treino “vai permitir que o jogador se adapte a uma determinada forma de jogar e que, em consequência disso, na competição ele se antecipe num conjunto de situações permitindo uma resposta bastante mais rápida.” Esta capacidade de antecipação que se desenvolve no treino está intimamente relacionada com a criação de hábitos que permitem uma familiarização com o Modelo de Jogo fomentadora do decréscimo da necessidade de se pensar muito sobre a decisão a tomar em cada circunstância do jogo, ou seja, verifica-se o princípio da Estabilidade (sustentado na supracitada lógica comum de resolução dos problemas) que é, também ele, uma necessidade pois refere-se a um padrão regular com constâncias

previsíveis

e

como

tal

antecipáveis

refutando

assim

a

aleatoriedade total e a ausência de princípios de acção, ou seja, trata-se duma Estabilidade com um Sentido próprio, bem definido e promovido por uma congruência de solicitações, isto é, oriundo do treino em Especificidade! Gomes (Anexo 1) fala-nos de uma antecipação conseguida não só ao nível do cérebro mas também ao nível do corpo pois muitas vezes o lado consciente nem chega a estar presente na própria situação. A antecipação conseguida em termos subconscientes é vista como resultado do “mapa das experiências anteriores que o corpo vai absorvendo e remodelando” o que nos leva a crer num protagonismo interaccional cérebro-corpo pois “a antecipação é

65 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

sobretudo acelerar a rapidez do corpo na leitura do contexto e na sua participação no mesmo.”

4.6. A desmontagem do jogo referenciada ao plano macro como chave do plano micro…

A decomposição do jogar em diferentes partes constitui-se como um aspecto fundamental para o tratamento de algo tão complexo. Esta desmontagem

engloba

partes

de

diferentes

tamanhos

e

diferentes

complexidades mas todas elas têm que estar necessariamente referenciadas ao todo de onde são temporariamente extraídas. Assim, vemos que o plano micro do jogar advém do macro daí que não faça sentido falar de um sem o outro. Gomes (Anexo 1) afirma a este respeito que “quando falamos na perspectiva macro do jogar temos primeiro de criar um contexto num sentido lato para que esse lado micro seja sempre direccionado para o mesmo objectivo.” Do mesmo modo, Guilherme Oliveira (Anexo 2) desmonta o jogo em “níveis de complexidade diferenciados para depois poder treinar de forma a que o nível de complexidade superior, o tal macro, seja muito mais evoluído.” Esta subordinação do micro ao macro é algo que deve estar presente em todas as situações pois a riqueza que deve surgir no detalhe deve ter sempre como pano de fundo os Princípios de Jogo. Para dar um exemplo ilustrativo desta interdependência vejamos o que diz Guilherme Oliveira (Anexo 2): “Mesmo em situações de 1x1 eu peço comportamentos que estejam relacionados com os comportamentos ao nível dos grandes princípios.” De igual modo, Faria (Anexo 3) reforça a mesma tese dizendo que “tudo é subordinado ao macro, o individual está sujeito àquilo que é a linguagem comportamental comum, o individual tem que estar identificado com isto, quando o erro ocorre e quando um determinado detalhe, sob o ponto de vista individual, vai prejudicar o comportamento colectivo, esses equilíbrios colectivos da equipa têm que se ajustar de imediato.”

66 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

4.6.1. …o que implica uma fractalidade no plano transversal…

Os diversos momentos do jogo (ataque, defesa, transição para ataque e transição para defesa) não podem ser vistos como estanques em si mesmos, isto é, eles dependem-se mutuamente e na construção dos princípios de cada um deles temos de ter em conta a ligação com os restantes sob pena de haver uma desarticulação comprometedora da qualidade do jogo. Neste contexto, Guilherme Oliveira (Anexo 1) fala-nos de uma fractalidade transversal relacionada com todos os momentos do jogo, ou seja, os comportamentos pedidos, por exemplo no momento de organização ofensiva, têm em consideração o momento de perda da bola e por conseguinte os momentos de transição para defesa e posteriormente de organização defensiva. Assim há uma interacção entre os diferentes momentos e o que está a acontecer num determinado momento está a ter uma resposta baseada não só no sucesso do momento em causa mas também dos momentos subsequentes tal como um sistema de roldanas (Figura 1) em que a inversão do sentido de uma delas implica uma resposta das demais visto que estão em interacção permanente.

67 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Organização Ofensiva

Organização Defensiva Transições (Defensiva e Ofensiva)

Figura 1 – Sistema de roldanas representativo da Fractalidade Transversal

No que diz respeito à inter-relação dos diferentes momentos, é importante que, em qualquer circunstância, seja possível através dele identificar a singularidade do todo em causa, ou seja, “independentemente da inter-relação dos momentos e da escala em que se possam evidenciar, eles devem manifestar as invariâncias que caracterizam os respectivos momentos, as suas interacções e serem representativos da forma de jogar da Equipa” (Guilherme Oliveira, 2004, p. 148).

4.6.2. …e uma fractalidade em profundidade…

Todo o comportamento individual deve ser referenciado ao contexto macro, ou seja, a um comportamento geral que a equipa deve fazer aparecer. 68 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Assim, todas as decisões de cada jogador devem ter sempre uma referência comportamental colectiva pois caso contrário estaremos a treinar aspectos que não têm sentido para a globalidade, para o padrão mais geral do jogo. Segundo Guilherme Oliveira (Anexo 2) isto representa uma fractalidade em profundidade “que está presente na medida em que, por exemplo, eu peço um comportamento mais geral no momento de organização ofensiva e o comportamento mais individual tem a ver com esse comportamento mais geral”. Para o comportamento geral aparecer, o colectivo, cada um dos jogadores têm que agir em congruência e isso exige treino, como tal há que treinar essa sincronização para que todos confluam para o mesmo objectivo. Imagine-se uma grande peça de um puzzle que para se manifestar na sua plenitude necessita de ser completada e para isso acontecer são precisas todas as peças sem excepção (os onze jogadores), cada uma no seu lugar, desempenhando a sua função específica nesse todo ao qual pertence e subordina a sua acção (Figura 2). Naturalmente que a influência que cada jogador

tem

em

determinado

momento

para

o

surgimento

desse

comportamento geral pretendido não é a mesma no que à magnitude diz respeito mas todos eles contribuem em confluência para permitir esse objectivo final. Se pensarmos por exemplo num momento de organização ofensiva, é aceitável que se dê mais relevância ao portador da bola ou àqueles que se encontram nas linhas de passe mais próximas (peças maiores), contudo, mesmo os colegas mais afastados ou com menor probabilidade de receber a bola (peças menores) devem estar a agir numa participação consonante com o comportamento almejado, isto é, contribuem (encaixam) para o aparecimento do comportamento geral pretendido.

69 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

2

1 11 9

3

4

Comportamento Geral

5

Pretendido

10 8

7

6

Figura 2 – Puzzle representativo da Fractalidade em Profundidade

4.6.3. …geridas por um tipo de intervenção anti-determinista

A intervenção do treinador tem que, também ela, ser baseada no plano macro do seu jogar Específico, ou seja, mediante os princípios de acção estabelecidos e treinados, há que deixar ao jogador a liberdade de saber agir de acordo com isso. 70 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Uma intervenção determinista que indique de forma fechada o caminho a seguir é castradora e nega a realidade do Jogo enquanto sistema dinâmico aberto. Embora este tipo de intervenção seja muito utilizado, a explicação para tal facto encontra-se na realidade de ser mais simples indicar apenas um caminho pois assim o treinador tem a possibilidade de saber o que vai acontecer e permitir-lhe-á conceber apenas uma resposta. A dificuldade está na complexidade pois os problemas que o Jogo apresenta são de variadíssima ordem e como tal, dotar a equipa com um único tipo de solução afigura-se-nos muito limitador. Connosco, Gomes (Anexo 1) opina neste sentido da seguinte forma: “É claro que é muito mais fácil para um treinador dizer que o lateral tem que passar sempre porque sabe aquilo que vai acontecer e a equipa só tem uma resposta. Mas se for um lateral que passa, dribla ou se calhar simula e vai pelo meio, as interacções têm que ser diferentes por isso é que falámos em princípio. Depois o lado micro tem que ser rico nesse sentido, independentemente de, em termos de controlo, isso ser mais difícil para o treinador.” Ao enveredar pela explicação daquilo que é um princípio de acção, Faria (Anexo 3) justifica de que modo contempla a criatividade no seu jogar, isto é, a partir do cumprimento do princípio surgem muitas formas de lhe dar continuidade e é precisamente nessa variedade de respostas possíveis que surge a possibilidade de inovar sendo isto apenas assegurado por uma intervenção que compreenda em que medida isso é, ou não, enriquecedor: “quando elaboramos um exercício elaboramos um princípio que não é um fim. Não é um fim porque permitimos que a partir dali as coisas evoluam em função da criatividade dos jogadores, subordinadas àquilo que nós pretendemos em termos globais da equipa, mas damos também liberdade de um mecanismo não mecânico, isto é, no fundo nós atribuímos o principio, organizamos esse principio mas ele não se esgota naquilo que nós estabelecemos no cumprimento do objectivo que queremos que aconteça, mas a partir dai temos que perceber que tudo tem uma evolução e essa evolução também faz pensar em novas coisas.” Pelo acima exposto é importante desenvolver princípios de acção que se consubstanciem numa lógica de resolução dos problemas e a partir daí 71 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

enriquecer esse plano macro através de uma riqueza tão grande quanto possível do plano micro e isso apenas será possível se o treinador tiver a capacidade de perceber isto e não se deixar absorver pela “vertigem” da previsão do detalhe.

4.7. A qualidade individual apenas pode ser manifestada quando está subjugada a algo hierarquicamente superior…

A evolução do todo assenta na melhoria individual de cada um dos seus constituintes (no caso do futebol são os jogadores que condicionam as propriedades da equipa), porém essa melhoria tem que ser sobre-condicionada a referências eminentemente colectivas tendo em consideração que aquilo que é fundamental é o “como”. A adaptação de um novo jogador a uma equipa já com os Princípios de Jogo bem assimilados pode constituir um problema na medida em que o grau de complexidade vai sempre aumentando e o jogador novo encontra o processo de treino numa fase já avançada, isto é, as solicitações que estão a ser feitas no treino partem de uma base que ele ainda não tem. Nestes casos, a intervenção do treinador assume contornos de enorme importância pois há que tentar perceber muito bem as características e capacidades desse jogador para conceber uma solução de integração segundo o modelo de jogo vigente. Guilherme Oliveira (Anexo 2) refere como exemplo, um jogador que tenha boa capacidade de drible no 1x1 pois passa com muita frequência pelo adversário e que está habituado a fazer sempre isso, porém, a ideia de jogo do treinador assenta na posse e circulação de bola, ou seja, há ali uma incongruência que tem que ser solucionada pois se por um lado a ideia de jogo não pode ceder na sua essência, por outro há que aproveitar essa excelente capacidade do jogador em causa como forma de melhorar o jogo. “Então nós temos que permitir que ele faça isso porque são as características e capacidades que ele tem, mas temos que lhe fazer entender que isso pode ser feito sob determinadas circunstâncias do nosso jogo, por exemplo em determinadas 72 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

zonas do terreno que de acordo com o nosso jogo são as adequadas para fazer isso, em determinadas circunstâncias quando o adversário está desequilibrado e não tem dobras (cobertura defensiva), ou seja, temos que dar uma cultura de jogo que é o nosso jogo de forma a que ele compreenda quando é que pode usar as características que tem e dessa forma nós reajustamos a codificação que ele tem de jogo àquilo que é a codificação do nosso jogo enquanto equipa e é este «dou aqui, recebo ali» que permite que por um lado ele entre no nosso jogo, ele evolua como jogador e enriqueça o nosso jogo”. Além de existir uma adaptação do jogador, possibilitada pelo treino, àquilo que é a Ideia de Jogo do treinador, há também que reajustar esse Modelo de modo a permitir que seja enriquecido por esse elemento mas tudo isto é muito complexo e exige tempo. A este respeito Guilherme Oliveira (Anexo 2) diz o seguinte: “Não é possível chegar lá e simplesmente dizer «tu agora jogas assim porque é assim que eu quero que tu jogues!». Isto é complexo e verifica-se um «jogo» entre treinador, equipa e jogador em que nós temos que perceber muito bem quais são as características e capacidades dos jogadores, depois, tendo em consideração aquilo que nós queremos para o nosso jogo, conseguindo aqui uma dialéctica entre ideias do treinador e os comportamentos e características desses jogadores. Aos poucos ele vai ajustando a nós e nós vamos fazendo com que algumas coisas do jogo dele se alterem consoante aquilo que são as nossas ideias.” Muitos são os casos de jogadores cuja qualidade individual é deveras evidente mas as dificuldades que sentem em pôr as suas capacidades ao serviço do colectivo impedem-nos de atingirem patamares de rendimento superior pois essa qualidade constitui-se como um fim em si mesma. Outros há que, apesar de terem características muito boas em determinados aspectos, sentem dificuldades comprometedoras noutros, limitando assim o seu desempenho. A confirmar a existência efectiva desta realidade mesmo a top temos Faria (Anexo 3) quando lembra que existem jogadores possuidores de fantásticas qualidades mas “por vezes acontece que as suas características, apesar de serem interessantes e de nós até acharmos que podem contribuir de forma positiva para a equipa, ele não se insere na nossa forma de jogar.” Como 73 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

tratar este problema no treino é algo que nos diz respeito e logo à partida há a considerar cada caso como único e como tal deve ser tratado com a particularidade que merece. A propósito dos diversos motivos que podem estar na origem da incapacidade em atingir os referenciais colectivos, Guilherme Oliveira (Anexo 2) opina o seguinte: “Uns porque não compreendem o jogo da forma como nós queremos, outros porque tecnicamente são fracos e nós exigimos, para o nosso jogo, determinados comportamentos que em termos individuais são complexos

e

eles

não

atingem,

outros

porque

têm

características

completamente diferentes daquilo que nós pretendemos para o nosso jogo e não servem para jogar da forma que nós queremos, ou seja, há muitas circunstâncias e nós temos que analisar cada caso, perceber os porquês e depois actuar nesse jogador em função daquilo que são as nossas características a nível comportamental. Muitas vezes aquilo que acontece é nós termos que reformular alguns dos nossos princípios precisamente em função disso.” O mesmo autor dá-nos um exemplo prático que ilustra de forma eloquente o tipo de direccionamento a ter nestes casos: “Na equipa onde eu treino, os defesas centrais são jogadores muito importantes em posse de bola porque são apoios recuados da equipa quando a equipa precisa, é por eles que se sai quase sempre a jogar na primeira fase de construção, é por ali que se sai a jogar quando o guarda-redes repõem a bola, quando a equipa já está numa fase de construção mais adiantada muitas vezes são eles que recebem a bola porque não há possibilidade de progressão e há a necessidade de manter a posse de bola e isto leva a que os centrais, além das qualidades defensivas que têm que ter enquanto centrais, tenham que ter uma boa qualidade de passe, de jogo posicional ofensivo, de circulação de bola, saber onde é que a bola deve entrar em determinadas circunstâncias, resumindo, têm que ter uma boa qualidade ofensiva e muitas vezes não têm…” Vemos assim que há um jogo de cedências com o objectivo que isso resulte num enriquecimento possibilitado por algo que aparece de novo sendo isso vantajoso para ambas as partes pois evoluem simultaneamente. Perante isto há que saber gerir a situação e encontrar solução para o problema que estará na confluência de 74 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

dois aspectos: por um lado actuar sobre o(s) jogador(es) em causa e por outro reajustar o modelo de forma a tornar menos visíveis os problemas causados por essa limitação/incapacidade.

4.7.1. …havendo que actuar sobre o(s) jogador(es) em causa…

As limitações de um jogador, sejam elas quais forem, têm que ser tratadas no treino, sendo obrigação do treinador zelar para que deixem de o ser, num processo específico e muitas vezes individualizado. Mediante a Ideia de Jogo do treinador, este deve perceber o porquê de determinado jogador não conseguir atingir esse padrão comportamental almejado e a partir daí centrar a sua atenção em dotá-lo das “armas” necessárias para que no futuro ele esteja mais próximo do perfil desejado. Tendo como base o último exemplo de Guilherme Oliveira (Anexo 2) a respeito dos defesas centrais, ele diz o seguinte: “Por um lado temos que melhorar o mais possível a qualidade ofensiva deles, qualidade de passe, qualidade posicional, qualidade de escolha etc.” Ora a interacção (sobre-determinada ao Modelo de Jogo) idealizada pelo treinador (Figura 3) necessita dos 11 jogadores em total congruência em cada momento do jogo sendo que cada um tem a sua função específica de modo a permitir a evidenciação do padrão global, a forma, no caso da figura, o hexágono. Contudo, imaginemos que o jogador (4) por uma incapacidade de qualquer ordem não está disponível para dar aquele tipo de contributo, situando-se noutro registo que adultera o padrão desejado, ou seja, a sua limitação condena o padrão comportamental (Figura 4). A diferença que vai daquilo que é o idealizado para o jogador (4) (Figura 5) àquilo que é a realidade das suas possibilidades actuais (Figura 6) tem que ser esbatida no treino, indo isto de encontro ao que diz Guilherme Oliveira (Anexo 2): “…problemas que por vezes surgem obrigando-nos a um trabalho com um nível de complexidade inferior, situações mais individualizadas, mais sectoriais ou mais grupais para resolver esse tipo de problemas que vão surgindo permanentemente.” 75 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

A propósito da adaptação do jogador à equipa, Faria (Anexo 3) diz o seguinte: “no fundo temos de encontrar um equilíbrio de forma a que se identifique o jogador com os comportamentos, linguagem grupal e cultura de jogo da equipa, e tentar fazê-lo como a melhor forma de facilitar a compreensão da informação dada, seja teórica ou visual e ao mesmo tempo fazer experimentação prática de um conjunto de exercícios que permitam que ele vivencie esses mesmos comportamentos de jogo que pretendemos.” Constata-se assim como algo de importância capital, perceber que há que criar condições que promovam uma integração progressiva por parte de jogadores que por qualquer motivo se distanciam daquilo que se pretende em termos de cultura comportamental colectiva. Logicamente que tudo isto está em boa medida condicionado à cultura de jogo do jogador pois disso dependerá uma melhor e mais rápida apoderação daquilo que são os comportamentos pretendidos pelo treinador permitindo-lhe ter condições para jogar na equipa.

76 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

1 5 4

3

2 6

7

9

8 10

11

Figura 3 – Interacção imaginada pelo treinador para um determinado momento do jogo

1 5

44 3 3

2 6

7

9

8 10

11

Figura 4 – Formato da interacção global segundo as limitações do jogador (4) antes de qualquer reajuste Jogador 77 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Aproximar aquilo que é o estado real (Figura 6) daquilo que é o idealizado (Figura 5) só é possível através do treino e a referência é sempre o global (Figura 3) de modo a que o treinador tenha o menor número de entraves à consecução do seu modelo de jogo, ou seja, para que ele se possa desenvolver na sua plenitude.

4 Figura 5 – Configuração do contributo idealizado pelo treinador para o jogador (4)

4 Figura 6 – Configuração do contributo possibilitado pelas capacidades do jogador (4)

4.7.2. …e simultaneamente sobre o Modelo de Jogo, reajustando-o sem perda do Padrão Global

Além do condicionamento das partes para que estas se aproximem do Modelo idealizado, há também que reajustar o Modelo de modo a que o esforço convergente dos dois lados resulte num solucionamento mais rápido e eficaz do problema. Assim há que perceber aquilo que pode reajustar de modo a que as incapacidades de determinado(s) jogador(es) sejam menos visíveis e por conseguinte menos problemáticas. A propósito do seu exemplo prático que temos vindo a seguir, Guilherme Oliveira (Anexo 2) diz que, para além da melhoria individual há que trabalhar no reajuste do Modelo: “…temos também de reajustar alguns dos nossos comportamentos colectivos de forma a tornar menos visíveis essas limitações e incapacidades recuando-os um pouco de forma a permitir-lhes terem mais tempo e espaço.” Digamos que a equipa é

78 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

“obrigada” a adaptar-se a essa circunstância e face a isso alteram-se alguns dos sub-princípios. Partilhando a sua rica experiência de sucesso a top mundial, Faria (Anexo 3) refere esta adaptação dialéctica jogador-equipa como um processo complexo mas exequível mediante determinadas condições. No que diz respeito à intervenção no Modelo no sentido de o reconfigurar para facilitar a integração do jogador, Faria (Anexo 3) sublinha a importância da submissão à sua forma global: "são pequenos reajustes comportamentais em termos de equipa de acordo com aquilo que é a realidade de um novo elemento que é introduzido e que vem fazer parte do grupo. São pequenos reajustes mas nunca é uma alteração drástica da forma de jogar”. Voltando à analogia de imagens que ilustra a forma como os nossos entrevistados lidam com este problema, vemos que todas as interacções foram mais ou menos alteradas (reajustadas) em função do reajuste que aconteceu devido ao jogador (4). Assim, da interacção idealizada (Figura 3) para a interacção reajustada (Figura 7) vemos que as interacções foram readaptadas face à realidade das limitações do jogador (4), que por sua vez já se aproxima mais do ideal (Figuras 3 e 5) e já se afastou do seu estado inicial (Figuras 4 e 6) conseguindo uma configuração mais consentânea com aquilo que se pretende (Figura 8). O resultado é uma interacção global diferente mas muito próxima da originalmente idealizada visto que a forma (o hexágono) não foi adulterada, isto é, deu-se apenas um reajuste contextual de acordo com a realidade existente e fruto do treino nesse sentido. A enfatizar a relevância capital

daquilo

que

é

a

cultura

comportamental

estabelecida

independentemente de eventuais reajustes pontuais, Faria (Anexo 3) sintetiza o seguinte: “O nosso trabalho é criar condições para inserir um jogador no contexto de grupo sem que ele prejudique a nossa dinâmica colectiva, pois em nenhum momento ele pode criar perturbação à dinâmica colectiva e para isso nós promovemos a criação de alguns mecanismos de forma a que ele seja suportado pela equipa…”

79 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

1 5 4

3

2 6

7 8

10

9 4

11

Figura 7 – Configuração das interacções resultante dos reajustes do Modelo e da intervenção específica sobre o jogador (4)

Figura 8 – Configuração da interacção do jogador (4) após treino direccionado para a sua melhoria contextualizada

Tal como Guilherme Oliveira (Anexo 2) e em forma de síntese “vemos que há aqui um jogo de conhecimento das características que eles têm e das capacidades que eles não têm e que são importantes para o nosso jogo. Face a isso alteramos alguns dos nossos sub-princípios e treinamos mais determinados comportamentos deles, tanto a nível individual como a nível sectorial de forma a apetrechá-los dessas armas que eles não têm e que seria importante que tivessem. O objectivo é potenciar tanto quanto possível a nossa forma de jogar tendo consciência desses problemas que por vezes surgem…”

4.8. A criatividade Específica como um desvio treinado, previsto internamente e enriquecedor…

80 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Os desvios criadores, os desequilíbrios, surgem-nos como algo que de alguma forma tem que estar ligado ao Modelo de Jogo e a forma como isso é perspectivado,

treinado

e potenciado é algo

que

nos interessa de

sobremaneira. Tani e Corrêa (2006, p.17) colocam-se diante de idêntica busca quando põem a possibilidade de ser o sistema a aproveitar-se da perturbação para gerar uma nova forma de interacção sendo esse um processo autoorganizativo: “O desafio é como dotar o sistema com essa capacidade durante a prática ou o treino. Muitas vezes a solução emerge da habilidade motora individual de determinados componentes do sistema.” Quando falamos em Especificidade da criatividade referimo-nos a uma criatividade assente numa organização Específica, ou seja, como diz Guilherme Oliveira (Anexo 2) “não pode haver criatividade sem organização pois isso seria uma criatividade abstracta. A criatividade deve surgir em função de padrões comportamentais muito concretos e muito específicos.” Assim a promoção da criatividade apenas faz sentido nestes moldes deixando de ser específica “quando aparece no abstracto, como forma de recreação, quando aparece sem haver uma lógica.” Assim para a criatividade se poder manifestar dentro de uma organização, há que criar as condições necessárias para isso e dentro desta lógica surge a modelação do jogar tendo isso em consideração, isto é, podemos dizer que o aparecimento da criatividade, dos desvios criadores, são treinados na medida em que se deve ajustar a equipa a isso, à possibilidade da emergência desse tipo de comportamentos dentro de determinado contexto. Guilherme Oliveira (Anexo 2) trata este assunto da seguinte forma: “Nós, sabendo que existem alguns jogadores criativos na equipa, podemos criar uma dinâmica no nosso jogo para que em determinados momentos, esses jogadores tenham liberdade para fazerem tudo porque a equipa está equilibrada, porque a equipa criou condições para eles serem criativos em determinadas circunstâncias e sabendo a equipa que eles são criativos, está aberta à espera que eles tenham criatividade tanto em termos ofensivos como defensivos porque há jogadores que também são criativos a defender pela sua capacidade de antecipação, pela sua capacidade de leitura de jogo etc. Nós 81 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

temos que perceber e criar condições para que essa criatividade possa surgir sem pôr em causa a equipa e, esses jogadores, também têm que perceber que, em determinadas circunstâncias podem ser criativos porque são as circunstâncias ideais mas que noutras circunstâncias têm que respeitar a ordem da equipa e não podem ser criativos porque põem a causa a equipa porque está desequilibrada ou porque pode ser prejudicial por motivos de variada ordem.” De acordo com isto é evidente que a criatividade é prevista e treinada o que lhe confere uma ordem à qual responde sempre em congruência com os Princípios de Jogo estabelecidos. Defendendo idêntica perspectiva daquilo em que se deve consubstanciar a criatividade desequilibradora, Faria (Anexo3) sustenta a importância de não se castrar esta “arma” de um jogar rico: “Digamos que é fundamental não inibir a criatividade mas é fulcral que isso esteja inserido na perspectiva do todo pois tem que existir sempre esse suporte, isto é, não pode ser aleatória nem desinserida de um contexto pois aí estamos a desequilibrar a nossa equipa em vez de desequilibrar o adversário.” Esvanece-se assim a ideia duma criatividade marginal, ao sabor dos apetites individuais e muitas vezes contrariada pelo treinador com receio dos riscos. O objectivo de se promover a criatividade é o de melhorar o nosso jogo. Nunca se pode perspectivá-la como um adorno inconsequente que apenas faz as delícias do olhar pois isso conduzirá a uma situação em que cada jogador se recreará consigo próprio desvirtuando-se assim a tal premissa da criatividade específica subjugada hierarquicamente aos interesses colectivos e tal como diz Guilherme Oliveira (Anexo 2) “a criatividade insere-se num contexto que vem enriquecer esse macro, esse modelo de jogo em termos mais gerais e nesse sentido é extremamente importante.” Na esquematização da presença da criatividade no Modelo de Jogo (Figura 9) é visível a comunicação/articulação entre os princípios de cada momento sendo também identificável o facto de todos eles “beberem” de uma ordem implícita, ou seja, há uma relação simbiótica entre os princípios dos quatro momentos e outros, que não estando circunscritos de forma tão evidente, fazem parte do tal “potencial aberto”.

82 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

9.g)

9.b)

9.d)

9.e)

9.c)

9.f 9.a) Figura 9 – Contemplação da criatividade no Modelo de Jogo

O modelo é algo que se cria, que se define e como tal está balizado por algo, ou seja, está circunscrito (9.a). Ainda assim está sempre inacabado e aberto (9.g) a novas nuances que muitas vezes surgem da prática e o fazem evoluir, que o melhoram… Numa equipa que privilegie o ataque, o momento de posse de bola é o mais importante, é aquele hierarquicamente superior e como tal, aquele que merece mais relevância, daí o cinzento-escuro (menos escuro que o modelo de uma forma geral que é preto) para os princípios de jogo referentes a este momento (9.b). Um cinzento menos escuro que o anterior representa os princípios referentes ao momento defensivo uma vez que a equipa hipotética a que se refere privilegia a posse de bola daí que a cor seja um cinzento mais claro pois é uma parte menos relevante do modelo global (afasta-se mais do preto), (9.c). Entre os dois momentos anteriores situam-se as transições: transição para ataque (9.d) e transição para defesa (9.e). A transição para ataque é menos escura que o ataque pois ainda não é ataque propriamente dito mas é mais escuro que o momento defensivo pois os princípios que lhe estão 83 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

subjacentes já são a pensar no momento ofensivo. A mesma lógica foi pensada para a transição para defesa. A abertura existente (9.f) configura as articulações entre todos os momentos e a inter-dependência que os caracteriza. Estes predicados referemse não só aos Princípios dos diferentes momentos mas também àquilo que mesmo não estando definido de forma evidente também é Modelo, Modelo esse que está aberto (9.g) e como tal também os princípios que o caracterizam “bebem” algo do exterior que os influencia e os direcciona para uma riqueza crescente. Poderá inserir-se aqui o conceito de aparente desordem que mais não será que uma ordem oculta, característica dos sistemas caóticos, o tal “potencial aberto” que possibilita o aparecimento de inovações sustentadas por regras de funcionamento colectivo.

4.8.1. …apenas possibilitada por uma intervenção amplamente competente por parte do treinador

Antes de mais e de acordo com Gomes (Anexo 1) há que ter como premissa básica o desenvolvimento da dimensão macro do jogar no sentido dos Princípios de Jogo, do Modelo de Jogo para a partir daí ser possível deixar um “potencial aberto” que constituirá o cerne da criatividade de cada um devidamente contextualizada no seio colectivo. Este potencial aberto deve ser permitido de acordo com uma lógica de rigor e respeito absoluto a algo que é sempre hierarquicamente superior - o Modelo de Jogo - o que pode até afigurar-se como um paradoxo. Se por um lado a configuração geral do comportamento colectivo pretendido para cada momento nunca pode ser posta em causa, por outro há que desenvolver interacções que possibilitem a emergência de “desvios criadores” no sentido de enriquecer ainda mais o nosso jogo. Esta ideia de “potencial aberto” implica um controlo por parte do treinador com características particulares, ou seja, exige-se que se deixe o jogador decidir livremente, mas condicionado a um Sentido comum que todos 84 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

devem partilhar, e perceber isto é diferente de cada um fazer o que entende sem estar sob a alçada que qualquer critério ou lógica de funcionamento colectivo. Sobre isto Gomes (Anexo 1) diz o seguinte: “Acha que você é treinador se estiver sempre a dizer: «faz isto, leva para a direita e leva para a esquerda…»? Não é treinador nenhum porque você não está a deixar decidir, não está a deixar que eles criem um sentido comum porque quem está a dar isso é o treinador e depois chega-se ao jogo e o treinador não está lá para fazer isso. No jogo é o próprio contexto que orienta e exige uma resposta e se não houver uma lógica comum criada entre os 11 jogadores é mais difícil.” Há a considerar que treinar desta forma exige enorme competência por parte do treinador uma vez que é bem mais complexo descortinar padrões com variabilidade do que optar pelo lado mecanicista onde sabemos sempre que se fará a mesma coisa, porém, há que contrariar a tendência facilitista e procurar responder à realidade do jogo com um direccionamento tão específico quanto possível.

4.9. A preponderância da prática na aquisição de hábitos enquanto “capacidade organizante”…

Naquilo que é a aquisição de hábitos comportamentais por parte dos jogadores, há a ter em consideração um plano mais teórico relacionado com a identificação verbal e aquele ao qual é dada a primazia, o plano da prática por excelência. Gomes (Anexo 1) não tem dúvidas ao afirmar que a aquisição de hábitos surge “90% pela interacção - nem é pela acção mas sim pela interacção entre os jogadores - e 10% pode ser pela identificação verbal.” O “saber sobre um saber fazer” e o “ saber fazer” são duas faces da mesma moeda mas aquilo que é decisivo é o saber fazer no momento do jogo independentemente de estar conscientemente subordinado a um “saber sobre esse saber fazer” pois tal como diz Gomes (Anexo 1) “para que aquilo aconteça no jogo e para que seja realmente prática, no interagir, é determinante que seja sobretudo no domínio da acção.” 85 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

Esta superior importância da prática refere-se a uma prática de qualidade pois a aquisição de hábitos é potenciada através da vivenciação dos contextos de exercitação especificamente direccionados. Gomes (Anexo 1) fornece-nos um exemplo prático eloquentemente ilustrativo desta ideia: “a sua equipa está a circular mal a bola no sector médio, porque os dois médios interiores estão muito afastados, você tem que comunicar isso aos jogadores: «vocês estão muito afastados». Mas mais importante do que isso, é comunicarlhes isso através do exercício e fazer com que a bola circule nesse espaço fazendo com que haja insucesso ali. Eles estão muito afastados e você reconhece isso mas eles conseguem ter sucesso na mesma e por isso apesar de lhe dizer que estão muito afastados, eles não vão mudar, porque não sentem necessidade disso na prática. E então, você tem é que provocar o insucesso com a equipa adversária a explorar isso: «eles estão muito afastados: então vão posicionar-se aqui.» Se não houver um contexto da própria acção, para fazer com que as coisas mudem elas não mudam porque não é ao dizer que estamos afastados que as coisas mudam!” Este condicionamento que “obriga” a criar soluções é algo muitíssimo importante, daí que a competitividade seja um factor a ter em consideração para uma prática de qualidade pois só com a sua presença é que podemos falar na tal “necessidade que obriga a…”. Pelo exposto vemos que há uma determinada configuração a dar à prática para que esta potencie no máximo o aparecimento dos comportamentos desejados e para que estes se transformem em hábitos abertos que solucionem efectivamente os problemas do jogo. É neste sentido que Gomes (Anexo 1) refere o conceito de capacidade organizante para caracterizar os hábitos que pretende implementar: “O hábito não é uma coisa estanque por isso é que falamos em capacidade organizante… Organizante porque se trata de organizar as coisas de uma determinada lógica mas não sempre da mesma coisa ou da mesma forma.”

86 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

4.9.1. …que deve estar associada a uma identificação teórica consciente dos comportamentos a manifestar…

O plano relacionado com uma identificação mais teórica sobre aquilo que se pretende no plano da interacção prática reveste-se de alguma importância, e como tal, não devemos descurar este aspecto. Guilherme Oliveira (Anexo 2) chega mesmo a afirmar que dá muita importância a este plano na medida em que faz parte do processo que auxilia à transformação dos comportamentos pretendidos em hábitos abertos. Esta plasticidade que se deseja, fundamenta-se no cariz aberto e dinâmico do Jogo de forma a que os hábitos sejam adaptáveis às circunstâncias freneticamente variáveis do mesmo. É neste contexto que uma correcta identificação verbal com aquilo que são os comportamentos a manifestar adquire importância pois constitui um incremento da cultura de jogo específica que auxiliará o processo de análise contextual a que são constantemente submetidos. Corroborando, Guilherme Oliveira (Anexo 2) expõe a seguinte situação: “muitas vezes aquilo que acontece é que, no treino, estão a acontecer determinado tipo de problemas que eles não resolvem e nós parámos e perguntamos aquilo que está a acontecer. Se eles conseguirem responder por que é que estão a fazer mal, por que é que tomaram determinadas opções em função daquilo que aconteceu e não tomaram outras, eles têm consciência daquilo que aconteceu, eles estão a ler o jogo, estão a analisar aquilo que se está a passar, estão a agir em função dessa análise.” A complexidade de determinada exigência faz aumentar a necessidade de um apoio teórico, ou seja, este constitui-se como um auxílio do processo aquisitivo sendo isso atestado por Faria (Anexo 3) que aponta também essa necessidade quando se pretende dar um esboço do padrão comportamental desejado a um grupo novo que ainda tem pouca identificação com as ideias do treinador. Um outro contexto referido por Faria (Anexo 3) onde o recurso a um tipo de informação menos prática pode ser utilizado refere-se à correcção de erros repetidamente frequentes: “Também se pode tornar importante quando vemos que acontece algo que não é congruente com o que pretendemos e que 87 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

em consequência disso tem que ser corrigido para não se repetir, isto é, quando na prática não se consegue resolver é uma possibilidade recorrer a um apoio visual que facilite o aparecimento daquilo que pretendemos.” A utilização destes recursos constitui-se assim como uma realidade também a top, o que diz bem da sua utilidade naquilo que é a aquisição/consolidação de determinados comportamentos.

4.9.1.1. …possibilitada por uma transmissão verbal e pelo uso de imagens

Justificado que está o porquê da importância da identificação teórica com o padrão comportamental, importa agora perceber em que moldes isso é feito para além da dimensão prática anteriormente abordada (capítulo 4.9.). Guilherme Oliveira (Anexo 2) refere a transmissão verbal e recurso a imagens como os meios preferenciais para a operacionalização deste objectivo: “Aquilo que eu faço é apresentar os comportamentos de uma forma verbal e de uma forma visual para eles terem uma noção muito exacta daquilo que eu quero que eles depois façam, pois embora eu pretenda que os comportamentos se transformem em hábitos, também pretendo que, antes de se transformarem em hábito, eles percebem aquilo que estão a fazer, para actuarem no Jogo em função das necessidades que o próprio Jogo pede mas sempre dentro de padrões comportamentais que nós acharmos que são os ideais para a nossa equipa. Por isso é extremamente importante nós explicarmos bem aquilo que queremos para eles perceberem e a visualização de vídeos com esse tipo de comportamentos é fundamental para essa mesma compreensão.” Torna-se particularmente importante perceber de que modo é que a visualização de vídeos se deve processar, isto é, em que contextos deve ocorrer em que momentos se torna pertinente e em que aspectos deve incidir. Guilherme Oliveira (Anexo 2) desenvolve a ideia que quando percepcionámos o que quer que seja, fazemos uma interpretação baseada no historial de experiências que temos, ou seja, existe sempre um grau de 88 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

subjectividade inerente a qualquer interpretação e, a que se refere ao entendimento e assimilação do modelo de jogo não foge à regra. Neste sentido há que encontrar estratégias que diminuam este grau de subjectividade que se pretende tão reduzido quanto possível de modo a permitir a construção de um padrão comportamental que todos dominem e a visualização de vídeos promove uma “identificação e uma interpretação muito mais ajustadas.” A título de exemplo ilustrativo o mesmo autor propõem o seguinte: “Imaginemos que eu digo que quero a minha equipa com uma boa posse de bola, muita circulação com o objectivo de desorganizar a equipa adversária e aproveitar essa desorganização para depois dar profundidade. Para uns a circulação é uma coisa, para outros é outra, dar profundidade para uns é meter logo a bola nos jogadores mais ofensivos por trajectórias aéreas, para outros não, e então, para definir o padrão de jogo que pretendo, mostro um filme com isso e eles vêm e ficam com uma ideia muito mais concreta daquilo que eu pretendo. Sem dúvida alguma que a visualização de imagens é extremamente importante para eles perceberem aquilo que nós queremos.” Este intuito da eliminação da subjectividade associado ao incremento da cultura específica do jogo a implementar, são portanto, os pilares que justificam a utilização dos meios audiovisuais. Afigura-se agora importante sublinhar, em forma de síntese deste assunto, que esta identificação teórica está presente na concretização do próprio Modelo de Jogo não sendo portanto um corpo estranho a este constructo hierarquicamente condicionador de tudo. Em total harmonia com esta perspectiva, Gomes (Anexo 1) lembra que “A configuração do modelo de jogo não se pode restringir ao lado do exercício em si, passa muito pelo antes, após, a interacção, passa por tudo isso.”

89 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

4.10. A necessidade de uma SUPRA-ESPECIFICIDADE face à escassez de tempo para treinar quando se está a top

Quando se trabalha a top, o nível de exigência é máximo e isso reflectese também num calendário competitivo sobrecarregado de jogos onde competições nacionais, internacionais e mesmo a nível de selecções, preenchem uma época desportiva com jogos duas vezes por semana ao longo de quase todo o período competitivo. Face a esta realidade o processo de treino tem que ser gerido com cuidados muito particulares pois à necessidade de vencer, junta-se a necessidade de treinar para que isso seja possível o que faz emergir um paradoxo: Ganhar exige que se treine mas não existe muito tempo para isso! O facto de existir a necessidade de ganhar obriga a que haja qualidade no jogo da equipa mas o tempo que separa os jogos é o mínimo necessário para se poder recuperar, ou seja, a promoção dessa qualidade que conduz às vitórias terá que ter uma configuração muito particular. Faria (Anexo 3) fala-nos numa SUPRA-ESPECIFICIDADE como o caminho a seguir e os resultados conseguidos atestam a possibilidade de se conceber a realidade desta forma: “Numa época extremamente competitiva onde por vezes a falta de tempo para treinar obriga-nos a fazê-lo numa supra-especificidade relativamente ao Modelo, a única preocupação que temos é treinar comportamentos de jogo, é treinar princípios, é atender ao lado estratégico em função do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no próximo jogo, corrigir comportamentos do jogo anterior, ou seja, temos que rentabilizar ao máximo o tempo que temos para treinar, para potenciar ao máximo o padrão comportamental que queremos e não pensamos em mais nada!” Desta forma, a prioridade é dada a aspectos relacionados com a organização colectiva que terão que ser tratados de acordo com a lógica de recuperação subjacente a cada caso específico mas, o que há a ressalvar, é o primado atribuído à Especificidade da repetição sistemática dos Princípios de Jogo como chave do sucesso quando se trabalha a top sendo esse o modo de operacionalização de Faria (Anexo 3) que chega mesmo a afirmar 90 _____________________________________________________________________________

Análise e Discussão dos Resultados _____________________________________________________________________________

peremptoriamente: “Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemática em Especificidade dos Princípios de Jogo porque é FUNDAMENTAL perceber que a organização é o sucesso e quanto mais organizada for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá.” Assim sendo fica provada a possibilidade de não utilização de meios “auxiliares” como a musculação, o treino aquático ou o personal-training sendo isso justificado por Faria (Anexo 3) com a necessidade de evolução do jogo, o que nos leva a concluir que esses meios alternativos em nada contribuem para essa evolução almejada: “A nossa perspectiva de trabalho não fomenta isso porque não acredita que isso se possa privilegiar em termos de rendimento e como o que nós queremos é rendimento e este passa por organização…” A perspectiva proposta por Faria (Anexo 3) e operacionalizada na prática com resultados avassaladores, opta antes por uma centralização na organização de jogo sustentada na anteriormente referida SUPRA-ESPECIFICIDADE que se constitui como uma demanda fundamental em virtude da limitação temporal para treinar. No intuito de vincar bem a não contemplação dos meios alternativos antes abordados, o mesmo autor acentua essa falta de tempo como

mais

uma

evidência

que

sustenta

a

sua

metodologia

de

operacionalização: “nós não temos tempo para treinar aquilo que é fundamental para nós, quanto mais para treinar coisas que não fazem parte da nossa forma de pensar o treino… e que fique bem claro que elas não existem na nossa forma de treinar!” Esta incursão por aquilo que são as exigências num patamar de top, são a nosso ver muito proveitosas pois deve ser sempre este o farol indicador do caminho a seguir, mesmo considerando que quando o nível de exigência não é tão acentuado, a possibilidade de sucesso mantém-se quase inalterada independentemente de alguns “exageros”, mas se ambicionamos desenvolver uma cultura de exigência que permita um transfer para patamares superiores de competitividade há que ter sempre como referência a realidade que enfrentam os melhores.

91 _____________________________________________________________________________

:

Conclusões _____________________________________________________________________________

5. Conclusões A Periodização Táctica é uma «fenomenotécnica» na operacionalização do Treino na medida em que a intervenção do treinador durante os exercícios

é

um

factor

fundamental

para

o

seu

correcto

(re)direccionamento em função do Modelo de Jogo estando portanto sempre presente. A mera existência de um Modelo de Jogo não é suficiente para que os comportamentos sejam condicionados nesse sentido pois há que treiná-lo de forma a enraíza-lo no imaginário dos jogadores e da equipa, torná-lo presente de forma consciente e seguidamente subconsciente. O Treino deve exercer efeito sobre princípios de acção e não taxativamente sobre os movimentos a serem executados pois esses inserem-se na dinâmica imprevisível do “aqui e agora” e para isso não há equação. O Treino é o condicionador do imediatismo decisional que caracteriza o jogo, constituindo-se as imagens e os padrões neurais como os princípios que queremos estabelecer na equipa e que nele emergem em “plena espontaneidade”. O jogador de futebol actua, mais ou menos espontaneamente, de acordo com aquilo que treinou usando para tal as armas da actividade intrínseca e espontânea que o seu sistema nervoso permite, indo buscar o comportamento adequado para cada situação específica ás memórias apreendidas no treino. Uma equipa de futebol é exteriormente regulada pelo treinador que, como regulador externo, deve fazer surgir uma identidade comportamental na equipa de modo a que esta se reja por princípios comuns. O treino em Especificidade é o máximo director do “jogar” de uma equipa pois

será

ele

o

responsável

pelo

sentido

da

familiaridade

e

reconhecimento que conduzem aos mesmos padrões de activação no que às decisões diz respeito. 93 _____________________________________________________________________________

Conclusões _____________________________________________________________________________

O jogador deve ver e sentir na prática a validade e utilidade daquilo que lhe é requisitado, ou seja, a organização e o reforço da acção estão sob o controlo de uma recompensa recebida do mundo exterior. A Especificidade na repetição sistemática dos Princípios de Jogo está na interacção dos princípios da alternância horizontal, da progressão complexa e das propensões devidamente contextualizados. Na crescente assimilação dos Princípios de Jogo, o aumento de complexidade desempenha um papel fulcral. O aumento de complexidade é uma necessidade permanente uma vez que a riqueza do “jogar” nunca se esgota. A focalização da atenção dos jogadores é direccionada pela configuração prática do exercício e por uma intervenção do treinador centrada nos aspectos hierarquicamente mais importantes. O grau de dificuldade adequado de um exercício é aquele que exige aplicação para alcançar sucesso. A intervenção do treinador é de extrema importância no constante reajuste que permita que os jogadores se exercitem em auto-heterosuperação. A rapidez de processos deve-se ao desenvolvimento de uma lógica comum de

resolução

dos problemas

que

permite

que

perante

determinadas situações de jogo, o jogador aja, activando os neurónios dopaminergéticos, o que lhe permite uma antecipação na sequência da aprendizagem garantida pelo treino exaustivo desse “jogar” almejado. A desmontagem do jogo referenciada ao plano macro do “jogar”, constituise como a chave de actuação sobre o plano micro. A ênfase dada ao indivíduo deve ter um referencial colectivo, isto é, o direccionamento do processo de evolução individual tem como “farol” uma crescente identificação com a matriz comportamental colectiva idealizada. A imprevisibilidade enriquecedora do “jogar” é fornecida por uma aparente desordem que deve, ainda assim, estar sustentada pelo Modelo de Jogo exigindo uma intervenção amplamente competente por parte do treinador. O discurso oral e a exercitação de outros factores que não os comportamentos tácticos pretendidos, não sortirão efeitos na evolução 94 _____________________________________________________________________________

Conclusões _____________________________________________________________________________

qualitativa

da

organização

colectiva

pretendida

se

não

forem

acompanhados por uma prática devidamente configurada para isso. A top, a necessidade de se trabalhar exclusivamente sobre a evolução do “jogar”, é incrementada pelas limitações temporais impostas pela densidade do calendário competitivo.

95 _____________________________________________________________________________

.

Referências Bibliográficas _____________________________________________________________________________

6. Referências Bibliográficas

Araújo, D. (2003). A auto-organização da acção táctica: Comentário a Costa, Garganta, Fonseca e Botelho (2002). Revista Portuguesa de Ciências do Desporto. 3 (3); 87-93.

Barbosa,

D.

(2003).

A

importância

do

Modelo

de

Jogo

na

operacionalização de todo o processo de treino em Futebol. Porto: D. Barbosa. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

Bechara, A., Damásio, H., Tranel, D. & Anderson, S. (1998). Dissociation of Working Memory from Decision Making within the human prefrontal cortex. The Journal of Neuroscience, 18(1), 428-437.

Caldas, A. (1999). A herança de Franz Joseph Gall : o cérebro ao serviço do comportamento humano. Lisboa: MacGraw-Hill.

Carmelo, L. (2001). Signo Tempo e Consciência: Gilles Deleuze e António Damásio. Universidade Autónoma de Lisboa.

Castelo, J. (1994). Futebol modelo técnico-táctico do jogo: identificação e caracterização das grandes tendências evolutivas das equipas de rendimento superior. Lisboa: FMH.

Changeux, J. (2002). A Verdade e o Cérebro: O Homem de Verdade. Lisboa: Instituto Piaget.

Costa, R. (2002). «Periodização Táctica» - «Teoria» e Prática. Qual a Relação? Estudo de caso do Microciclo Padrão do Escalão de Sub-17 do Futebol Clube do Porto. Porto: R. Costa. Dissertação de Licenciatura

97 _____________________________________________________________________________

Referências Bibliográficas _____________________________________________________________________________

apresentada à Faculdade de Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

Cunha e Silva, P. (1999). O Lugar do Corpo. Elementos para uma cartografia fractal. Lisboa. Instituto Piaget.

Damásio, A. (1994). O erro de Descartes. Emoção razão e cérebro humano. Publicações Europa-América.

Damásio, A. (1996). The Somatic Marker hypothesis and the possible functions of the prefrontal córtex. Philos Trans R Soc Lond, 351, 1413-1420.

Damásio, A. (2000). O Sentimento de Si. O Corpo, a Emoção e a Neurobiologia da Consciência. Lisboa: Publicações Europa-América.

Damásio, A. (2003). Ao encontro de Espinosa. As emoções sociais e a neurobiologia do sentir. Mem Martins: Publicações Europa-América.

Damásio, A. & Bechara, A. (2005). The somatic marker: A neural theory of economic decision. Games & Economic behavior 52 (2), 336-372.

Damásio, A. (2006). Prefácio. In Mourinho, porquê tantas vitórias?. Lisboa: Gradiva.

Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Selecções (1990). Selecções do Reader’s Digest.

Faria,

R.

(1999).

«Periodização

Táctica».

Um

Imperativo

Conceptometodológico do Rendimento Superior em Futebol. Porto: R. Faria. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

98 _____________________________________________________________________________

Referências Bibliográficas _____________________________________________________________________________

Faria, R. (2002). Entrevista. In Periodização Táctica. Uma concepção metodológica que é uma consequência trivial do jogo de futebol. Um estudo de caso ao microciclo padrão do escalão sénior do Futebol Clube do Porto. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto.

Faria, R. (2006). Apresentação. In Mourinho, porquê tantas vitórias?. Lisboa: Gradiva.

Ferraz, R. (2005). A intervenção específica como aspecto fundamental na interacção treinador-exercício-jogador: um estudo de caso com Nelo Vingada / Ricardo Manuel Pires Ferraz. Porto: R. Ferraz. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Frade, V. (1998). Entrevista. In Modelo(s) de Jogo / Modelo(s) de Preparação



“Duas

faces

da

mesma

moeda”.

Um

imperativo

conceptometodológico no processo de treino de equipas de rendimento superior? Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto. Frade, V. (2004a). Apontamentos das aulas de Metodologia I – Futebol; Não publicado.

Frade, V. (2004b). Entrevista In Rendimento no Futebol: diferentes entendimentos,

diferentes

orientações

metodológicas.

Dissertação

de

Licenciatura apresentada à Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto.

Frade, V. (2005): Apontamentos das aulas de Metodologia II - Futebol; Não Publicado.

Frade, V. (2007): Apontamentos das aulas de Metodologia II - Futebol; Não Publicado. 99 _____________________________________________________________________________

Referências Bibliográficas _____________________________________________________________________________

Frisancho, A. (1981). Human Adaptation: functional interpretation. The University of Michigan Press.

Gaiteiro, B. (2006). A Ciência oculta do sucesso: Mourinho aos olhos da ciência. Porto: B. Gaiteiro. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Garganta, J. (2001). Futebol e Ciência. Ciência e Futebol. Educación Física y Deportes. Revista Digital, 40.

Garganta, J. e Cunha e Silva, P. (2000). O Jogo de Futebol: Entre o Caos e a Regra. Revista Horizonte, 91(11), 5-8.

Gomes, M. (2006). Do Pé como Técnica ao Pensamento Técnico dos Pés Dentro da Caixa Preta da Periodização Táctica – um Estudo de Caso. Porto: M. Gomes. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Gomes (2007). Entrevista a Simão Neto In Textos de apoio às aulas de Metodologia II – Futebol. Porto.

Guilherme Oliveira, J. (1991). Especificidade, O «Pós-futebol do Préfutebol». Um factor condicionante do alto rendimento desportivo. Porto: J. Guilherme Oliveira. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

Guilherme Oliveira, J. (2004). Conhecimento Específico em Futebol. Contributos para a definição de uma matriz dinâmica do processo de ensinoaprendizagem/treino do jogo. Porto: J. Guilherme Oliveira. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

100 _____________________________________________________________________________

Referências Bibliográficas _____________________________________________________________________________

Guilherme Oliveira, J. (2006). Entrevista In Do Pé como Técnica ao Pensamento Técnico dos Pés Dentro da Caixa Preta da Periodização Táctica – um Estudo de Caso. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Jacob, P. & Lafargue, G. (2005). Les intentions inconscientes. Cerveau Psycho, 9

Massada, L. (2001). O Bipedismo no homo sapiens: postura recente: nova patologia. Editorial Caminho.

Morin, E. (1986). O Método 3: O conhecimento do conhecimento. Editions du Seuil.

Morin, E. (1990). Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Editora Bertrand. Mourinho, J. (2003). Entrevista In “Ideias e Negócios” nº60, Junho de 2003.

Nash, J. (1999). Mystery of Consciousness. Time Australia.

Oliveira, B., Amieiro, N., Resende, N. & Barreto, R. (2006) Mourinho, porquê tantas vitórias?. Lisboa: Gradiva.

Pacheco, R. (2005). Características da intervenção do treinador de futebol na reunião de preparação da equipa para a competição. Estudo realizado com treinadores da 1ª liga e da 2ª divisão B. Porto: R. Pacheco. Dissertação de Doutoramento apresentada à Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade do Porto.

101 _____________________________________________________________________________

Referências Bibliográficas _____________________________________________________________________________

Pinto, J. (1996). A táctica no futebol: abordagem conceptual e implicações na formação. Estratégia e Táctica nos Jogos Desportivos Colectivos, 51-62.

Revoy, N. (s/d). Libré Arbitre: Notre decide avant nous! Fondamental. France.

Rocha, F. (2000). Modelo(s) de jogo/modelo(s) de preparação : "duas faces da mesma moeda" : um imperativo conceptometodológico no processo de treino de equipas de rendimento superior? Porto: F. Rocha. Dissertação de Licenciatura apresentada à Faculdade de Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.

Souza, G. C., Halfpap, D. M., Min, L. S., Alves, J. (2007). Estudo da consciência e a cognição corpórea. Ciências & Cognição 11, 143-155.

Stacey, R. (1995). A fronteira do Caos. Venda Nova: Bertrand

Surgrue, L. Corrado, G. & Newsome, W. (2005). Choosing the greater of twogoods: Neural currences for valuation and decision making. Nature Reviews Neuroscience, 6, 363-375.

Tani, G. e Corrêa, U. (2006). Esportes Coletivos: Alguns Desafios Quando Abordados Sob Uma Visão Sistémica. In Dante de Rose Júnior (Eds.), Modalidades Esportivas Coletivas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, pp. 1523.

Williams, M. & Hodges, N. (2005). Instruction and skill acquisition in soccer: Challenging tradition. Journal of Sports Sciences, 23(6): 637 – 650.

102 _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

7. Anexos

Anexo 1:

Entrevista à Professora Marisa Gomes (Treinadora dos quadros do Futebol de Formação do Futebol Clube do Porto)

Carlos Campos: A repetição sistemática dos princípios assenta em três pilares fundamentais: o princípio da progressão complexa, o princípio da alternância horizontal em especificidade e o princípio das propensões. De acordo com a sua experiência concorda que este último é o mais complexo, o que exige melhor conhecimento do jogo, o que contribui de forma mais efectiva para o “jogar” específico que pretende?

Marisa Gomes: Para conseguir um determinado jogar são precisos esses três princípios mas mais difícil que esses três princípios é a ligação entre eles. O que é que eu quero dizer com isto? É que em primeiro lugar para se conseguir um determinado jogar é preciso conhecê-lo e conhecer é ter um modelo de jogo que vai direccionar a Intencionalidade daquilo que nós pretendemos. A partir daí é que surge o Sentido ou a Especificidade que depois nos vai permitir cumprir os princípios da progressão, da alternância horizontal e o princípio das propensões. Repare que o princípio das propensões, se não respeitar os outros dois, será Específico? Digamos que a ligação destes três princípios metodológicos tem que partir da mesma base, que é o Sentido da Especificidade, no sentido da Intencionalidade. Para esclarecer um pouco melhor isto, uma vez que se trata de três princípios metodológicos bastante complexos, vamos detalhá-los para melhor os compreender. Partimos de um jogar que é a nossa Intencionalidade e a daí vamos desenvolver um modelo que é a adaptação dessa Intencionalidade à realidade. I _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

Posso ter um modelo em que quero a minha equipa a circular a bola, em posse, a fazer golos mas encontro-me numa realidade em que a equipa que me vai concretizar essa ideia não tem a qualidade que eu gostaria que eles tivessem para concretizar esses princípios, como por exemplo num contexto em que a equipa luta para não descer. Então terá algum sentido, para uma equipa que luta para não descer, dar primazia, no sentido da hierarquização dos quatro momentos, à circulação e manutenção bola? Talvez o ideal seja começar com uma organização defensiva que me permita depois chegar a isso. Se está a lutar para não descer é porque em termos de organização ofensiva e da ligação dos quatro momentos deve ter algumas debilidades. Portanto partimos da ideia do jogar e desenvolvemos o modelo que é a contextualização dessa ideia. Referimo-nos à operacionalização e esta apenas é Específica se nós, em todos os momentos, tivermos em conta aquilo a que ela se subjuga: o modelo. Imaginemos que o jogar complexo é o mapa de Portugal que pode ser dividido em regiões, mas todas fazem parte de Portugal. A Especificidade é Portugal, o país, e todas as coisas que aí existam não deixam de ser do país (a cidade, a aldeia, um bocadinho de terra) e tudo isto é o jogar, é o modelo. Ora o princípio da progressão passa exactamente por aí: como é que vamos chegar ao jogar que pretendemos? Temos que começar de acordo com o contexto, a partir da organização defensiva uma vez que em termos aquisitivos é mais fácil para a equipa perceber aquilo que se pretende, porque não temos a bola. Por isso, é muito mais fácil desenvolvermos uma interacção se estivermos ligados perante o mesmo objectivo do que desenvolver uma interacção onde para além disso ainda tenhamos a bola em nosso poder. O facto de construirmos uma identidade comum sem bola, isto é, não termos que estar a tratar dela e estarmos todos a jogar em função da mesma, é mais fácil para uma primeira assimilação. No entanto, também posso começar por uma organização ofensiva, isso depende dos contextos, do próprio modelo, do próprio jogar. A progressão passa, começando pelo aspecto mais geral, por saberem que estão em Portugal e depois partirem para as regiões, em que um sector da defesa é uma região, o defesa lateral é outra mais reduzida e o defesa central é uma mais próxima e por isso é que se fala em fractais porque são bocados dentro do II _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

todo. O sentido da progressão é exactamente isso porque a progressão do menos complexo para o mais complexo tem uma ordem e essa ordem só tem Sentido quando conhecemos bem o jogar e percebemos o que é mais difícil. Imagine que tem uma equipa que luta para ser campeã, tem uma boa organização ofensiva e está habituada a ter determinado padrão de jogo. Se calhar, para esta equipa, começar pela organização defensiva é pior e por isso é que eu digo que tem que haver uma contextualização. Está tudo relacionado com o Sentido porque é que vai dar o conceito da progressão complexa. Vemos então que a progressão é um princípio mas que se não houver a Especificidade que falei, a contextualização do modelo e da nossa ideia, não tem qualidade nenhuma. Agora, se queremos concretizar este princípio da progressão vamos ter que construir o jogar e isso não passa por treinar todos os dias da mesma forma, isto é, voltando ao exemplo de há pouco, para conhecermos Portugal não podemos andar todos os dias no mesmo sítio, temos que andar hoje num local, amanhã noutro e assim sucessivamente. Isto em termos de alternância horizontal permite-nos trabalhar o jogar em registos diferentes, para que haja adaptabilidade. Note que, em termos aquisitivos, o treino ideal seria competir todos os dias porque é o mais exigente mas se fizermos isso quatro dias seguidos com certeza que não obteremos o rendimento desejado. Os princípios de adaptabilidade exigem que haja uma gestão e esta gestão em alternância horizontal tem que ser uma alternância do jogar. Dentro de Portugal percorremos regiões diferentes de modo a que, chegados á competição consigamos ser Portugal, um todo, uma dinâmica colectiva desenvolvida. Para fazer isso temos que pegar nas partes do jogar, mas estas partes não podem ser todas do mesmo tamanho porque se comermos a mesma quantidade ou a mesma coisa todos os dias acabamos por enjoar! No desenvolvimento do padrão semanal temos de ter em conta as exigências Específicas do processo e fazer com que hajam condições para se treinar em intensidades (desempenhos) máximos. Por isso é que falámos do princípio da alternância horizontal em Especificidade, através do qual se varia o registo de solicitações Específicas em cada dia porque se você num dia promove situações onde predominam as contracções excêntricas e no dia seguinte vai funcionar nesse mesmo padrão (ou registo), de certeza que não III _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

vai ter as mesmas condições de realização pelo desgaste (assimilação) do dia anterior. Reconhecendo isto, as consequências – desgaste do que se faz – devemos alternar o registo e para isso fraccionamos o jogar para que em cada dia estejamos a desenvolver esse mesmo jogar gerindo esses aspectos. Sabemos que se trabalharmos numa dimensão complexa (completa) do jogar, as exigências serão maiores do que numa pequena fracção devido ao grau de complexidade e do tipo de exigências (padrão de contracções que a concretização desenvolve) que isso implica. Por exemplo, se eu tenho jogo ao domingo, não vou trabalhar numa dimensão complexa à segunda-feira porque o lado aquisitivo do jogo ainda está a ser assimilado pelos próprios jogadores. A necessidade de recuperação passa por dar tempo ao corpo (quando falo em corpo incluo também a mente) em assimilar aquilo que foi conseguido. Imagine que vai andar de bicicleta. Não é só no tempo em que está a andar que a adaptação decorre pois a assimilação perdura e no jogar é exactamente a mesma coisa. Neste sentido costumo desenvolver o nível de organização complexo no dia que está mais distanciado das competições porque em termos de complexidade é muito exigente (fadiga central) e para além disso predominam contracções de menor tensão, maior duração e menor velocidade, de grande desgaste e vou precisar de tempo para recuperar. Comecemos do ponto zero (do padrão semanal): a competição ao domingo. Face ao desgaste que este momento comporta em termos de fadiga central e periférica temos de dar tempo de recuperação para que possamos ter condições para desempenhos máximos. Então, à segunda-feira dá-se a folga e por isso não colorimos este dia no morfociclo-padrão porque cada um faz neste dia o que lhe apetece. No dia seguinte, na terça-feira, os jogadores ainda não estão recuperados e portanto o objectivo assenta na recuperação activa. Para isso abordamos uma pequena fracção do Jogar (reduzido grau de complexidade) uma vez que em termos centrais, os jogadores ainda estão fatigados a não vamos agravar esse estado com situações muito exigentes (pela sua densidade) onde não vão ter o máximo desempenho e precisarão de mais tempo para o conseguir. Podemos desenvolver situações onde abordamos partes do jogar, onde o tempo de recuperação entre as realizações é grande, o tipo de contracção dominante é de tensão reduzida, de menor IV _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

densidade e maior e maior velocidade. No dia seguinte, na quarta-feira, já podemos promover situações onde as exigências serão noutro registo, onde predominam as contracções de maior tensão, menor duração e mais velocidade. Em virtude desta configuração, desenvolvemos uma fracção intermédia do jogar ao nível dos sub-princípios. Na quinta-feira, já têm capacidade aquisitiva e portanto podemos desenvolver a dimensão completa do jogar onde predominam as contracções de menor tensão, maior duração e menor velocidade. Na sexta-feira, não podemos funcionar no mesmo registo, portanto criamos situações onde predominam contracções de menor tensão, menor duração e maior velocidade. Então, neste registo, podemos desenvolver pequenas fracções do jogar ao nível dos sub-sub-princípios ou articulação entre eles. Esta alternância horizontal permite-nos adquirir sempre qualquer coisinha do jogar de uns dias para os outros. Temos que conseguir que haja sempre aquisição e por isso é que falamos em Periodização Táctica, no sentido de ser aquisitivo, não ser uma coisa abstracta, e daí haver a absoluta necessidade de haver condições de trabalhar ao nível de desempenhos máximos. Em relação ao princípio das propensões, está ligado aos outros dois porque se fizermos um exercício à segunda-feira para o qual eles não estão preparados, não adianta, mesmo que ele seja propício ao aparecimento de algo. Por isso é que eu digo que o difícil e complexo neste tipo de metodologia é gestão entre estes três princípios metodológicos. O princípio das propensões chama-se assim porque queremos criar um contexto que seja propenso a determinada aquisição e eu digo contexto porquê? Porque tem que ter um sentido associado pois só é aquisitivo quando ao fazermos, soubermos minimamente aquilo que estamos a fazer. Por exemplo, se estivermos a fazer um exercício completamente abstracto ou descontextualizado, os jogadores fazem-no e estão no exercício mas… Imagine que fazemos um exercício de passe numa estrutura triangular e os jogadores podem estar a fazê-lo uns com os outros e se eu disser que a estrutura triangular é o pivot e os dois médios, aí a configuração do passe é diferente. Portanto, a propensão desse acontecimento é diferente pelo Sentido V _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

que é dado às coisas. A operacionalização destas propensões decorre em duas dimensões: primeiro, numa dimensão maior que é a dimensão do Sentido porque temos que desenvolver o jogar por níveis de organização e temos que articular os sentidos e hierarquizar; segundo, numa dimensão mais reduzida, é saber nesse mesmo sentido, que contexto é que você proporciona. Por exemplo: se queremos desenvolver o princípio da posse de bola e trabalha-lo numa dimensão inter-sectorial entre os 4 defesas e dois médios numa estrutura de 4.3.3. Em termos de Sentido, a propensão vai ser para que desenvolvam a circulação de bola através do guarda-redes, defesas e médios. Mas que contexto vamos proporcionar para acontecer isto? Em espaço largo ou espaço comprido? Com oposição ou sem oposição? Fazendo com que a bola saia sempre para um lado ou se bola sai noutro lado? Se têm que ganhá-la e depois circulá-la? Posso colocar a bola em condições facilitadoras, isto é, um bocadinho já de transição em que ganham a bola em condições propícias à circulação e a partir daí fazer aparecer aquilo que queremos. Mas que contexto, em termos do aqui e agora, é que vamos proporcionar? Vamos desenvolver aquilo mas como? E isso já é numa dimensão diferente pois você tem o objectivo e depois tem que ver como ele decorre na prática, ao nível destas coisas próprias da configuração do exercício. Assim, os três princípios metodológicos estão todos inter-ligados e não posso dar mais importância a nenhum deles. Se não houver inter-ligação, que é a Especificidade, é muito difícil de se conseguir sobretudo se tivermos em conta o lado do Sentido e depois como é que ele se vai concretizar, em termos de contexto de exercitação e como é que acontece, é algo muito difícil. Agora, não podem deixar de estar inter-ligados pelo jogar, por isso é que o modelo é extremamente importante porque é uma coisa que se vai desenvolvendo e é o que vai dar Sentido á articulação destes princípios todos: da especificidade, da alternância horizontal em especificidade, da progressão complexa em especificidade e propensão em especificidade.

VI _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

P: Tomando sempre a acção como primordial naquilo que é a aquisição de hábitos que queremos implementar, que importância dá à identificação teórica com os princípios de jogo?

R: Tal como você diz a acção é primordial na aquisição dos hábitos porque o jogo acontece no plano da acção. Se temos de hierarquizar, não tenho dúvidas nenhumas em dizer que 90% é pela aquisição da interacção nem é acção é interacção entre jogadores - e 10% pode ser pela identificação verbal. Porque repare: os jogadores podem receber e circular a bola, virar o jogo, dar ritmo, e se lhes perguntarmos eles sabem tudo. Mas o difícil é no momento do jogo, o saber fazer. Temos muitos jogadores que não sabem dizer, não sabem responder, mas jogam e repare que os miúdos de 5, 6, 7 e 8 ou 9 anos, não sabem dizer nada disso e eles jogam, circulam a bola, mantêmna na sua posse apesar de não saberem dizer o que é isso (em termos conceptuais). Não têm capacidade verbal, ou digamos, em termos conscientes que isto é circular a bola ou posse de bola ou virar o jogo, os conceitos que nós normalmente utilizamos. É importante perceberem e tomarem consciência daquilo que podem estar a fazer mal. Mas, para que aquilo aconteça no jogo e para que seja realmente prática, no interagir, é determinante que seja sobretudo no domínio da acção. Porque sabe perfeitamente que existem muitos jogadores que lhes perguntar se sabem os conceitos do que fazem, eles não sabem mas que jogam, jogam! Se você pedisse ao Zidane ou ao Makelele para dizerem tudo aquilo que faziam (mudar o corredor, alterar o ritmo, variar o jogo etc.), ou se lhes falasse em ritmos, transições, momentos entre outras coisas, eles podiam não ter uma noção tão clara como tinham no momento de realização no jogo. Este domínio da aquisição de hábitos só é conseguido com a prática, através da vivenciação dos contextos de exercitação que lhe falei há bocado. Porque o facto de você falar em princípios de jogo ou de princípios de interacção ajuda-o a pegar no treino para desenvolver determinados aspectos. Por exemplo: a sua equipa está a circular mal a bola no sector médio, porque os dois médios interiores estão muito afastados, você tem que comunicar isso aos jogadores: “vocês estão muito afastados”. Mas mais do que isso, é comunicar-lhes isso através do exercício e fazer com que a bola circule nesse VII _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

espaço fazendo com que haja insucesso ali. Eles estão muito afastados e você reconhece isso mas eles conseguem ter sucesso na mesma e por isso apesar de lhe dizer que estão muito afastados, eles não vão mudar, porque não sentem necessidade disso na prática. E então, você tem é que provocar o insucesso com a equipa adversária a explorar isso: “eles estão muito afastados: então vão posicionar-se aqui.” Se não houver um contexto da própria acção, para fazer com que as coisas mudem elas não mudam porque não é ao dizer que estamos afastados que as coisas mudam! Por isso é que a competitividade é determinante no treino porque havendo competitividade esse tipo de erros que se cometem por “forças”, digamos que semelhantes, condicionam essas interacções adversárias. E esse condicionamento obriga-os a arranjar algumas soluções, a desenvolver a capacidade de resolver os problemas e isso é que é treino, é que é aquisitivo e isso é que tem de ser o hábito. O hábito não é uma coisa estanque por isso é que falamos em capacidade organizante. O hábito é exactamente isso: uma capacidade organizante. Organizante porque se trata de organizar as coisas de uma determinada lógica mas não sempre da mesma coisa ou da mesma forma.

P: Sabendo que os sujeitos da aprendizagem têm que estar conscientes

dos

comportamentos

em

causa

nas

situações

de

aprendizagem (exercícios) para poderem direccionar o “foco” do seu cérebro, como toma isto em consideração na operacionalização do treino?

R: Penso que os sujeitos da aprendizagem não têm que estar conscientes do comportamento em causa. Quero com isto dizer que, por exemplo, num exercício de 8x8 o objectivo de uma equipa é desenvolver a organização ofensiva, isto é, o trocar a bola, manter a sua posse e chegar ao golo. A operacionalização micro desse objectivo não tem que ser consciente por parte dos sujeitos porque muitas vezes eles não têm consciência que fazem aquilo e só os fazemos tomar consciência através da própria prática, fazendo com que aconteçam determinadas coisas. No próprio exercício eles VIII _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

direccionam o foco do cérebro se determinada coisa estiver a acontecer muitas vezes e a partir daí surge esse direccionamento. Aparece assim a necessidade de diversificar o que se fez e por isso é que é importante o princípio da Estabilidade. Se estivermos muito tempo a fazer a mesma coisa sentimos a necessidade de fazer essa coisa já com uma pequena alteração e o mesmo acontece num exercício pois se disser para circularem a bola sempre da mesma maneira eles não gostam! Se pedirmos para circularem naturalmente, se não houver regras rígidas, eles vão diversificando essa circulação. Pensemos no exemplo: se numa situação de circulação de bola 10xGR disser: “a bola do central tem que ir para o lateral” ou “o pivot deve jogar nos médios interiores e “ligar” ao extremo” durante 5’ – repetições sucessivas – verifica que existe sempre a mesma situação e os jogadores até facilitam após as primeiras vezes. No entanto, imagine a mesma situação e diz apenas que a bola deve progredir e só “entra” para finalizar quando tiver percorrido os três corredores e com isto vai ver os jogadores envolvidos (ou concentrados) na situação porque o que vem a seguir depende da decisão do jogador que pode jogar nos laterais, nos extremos, no ponta e lança… E vê que nesse tempo de circulação existe variabilidade. Dentro do lado “consciente” em que a bola tem que circular pela estrutura para chegar ao golo, centramos a atenção na velocidade da bola, na mudança de corredores mas se isso acontecer. Este lado subconsciente só é conseguido com o acontecer muitas vezes disso porque num jogo 4x4 eles têm consciência que o objectivo é a circulação e manutenção da posse de bola se estiverem a fazer isso muito tempo porque se estiverem a maior parte do tempo em organização defensiva não vão ter essa consciência por mais que eu tenha dito antes do exercício. Eles podem ter isso em termos conscientes mas depois em termos subconscientes não têm. A consciência é estarmos alerta para qualquer coisa mas se o exercício em termos de subconsciente não nos direccionar para lá não vale a pena, não é Específico, não é adequado! Esta necessidade de criar exercícios para eles direccionarem o foco do cérebro está relacionado com o que disse há pouco. Imagine aquele exemplo do lateral direito que joga muito por dentro e o jogador tem tido algum insucesso graças a isso. Como é que eu faço para que ele direccione? Não me adianta parar o treino e dizer que ele tem que abrir cada IX _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

vez que ele recebe a bola pois, quando muito. fará isso uma vez. Por exemplo, num exercício de 5x5 pego na equipa adversária e jogo com 2 alas em vez de jogar com 3 médios e um avançado e jogo com 2 alas para lhe criar oposição em que cada vez que ele vem pelo meio a percentagem de sucesso vai ser muito menor e aí eu posso intervir mostrando-lhe como é que ele pode ter mais sucesso porque o papel do treinador é exactamente esse, é mostrar como ele pode ter sucesso fazendo acontecer determinadas coisas. É o tal princípio da propensão que o vai levar a mudar.

P: Um dos objectivos do treino é contrariar a lentidão do cérebro através do desenvolvimento da capacidade de antecipação. Que configuração dá à prática para que isto surja com a maior brevidade possível?

R: Através de uma prática Específica, isto é, desde o início do processo que tenho que criar um contexto macro que me vai direccionar sempre no mesmo sentido e seja num exercício mais particular, seja um exercício mais complexo isso tem que estar sempre presente. Vou-lhe dar um exemplo muito concreto: nós queremos ter uma posse com uma circulação de bola rica onde haja um grande domínio técnico por parte dos nossos jogadores porque achamos que a circulação deve ser mesmo assim e não uma circulação mecanizada. Como tal, no início do treino, críamos situações propícias ao desenvolvimento técnico, com contactos frequentes em que os miúdos estão ali a dar toques, estão a fazer simulações. Isto é: mesmo a situação mais particular tem sentido perante o meu jogar. Daí que, por exemplo, à quintafeira, na dimensão mais complexa, num exercício de 11xGr não posso pedir aos jogadores para fazerem a circulação a um toque porque não tem sentido! Posso é dizer aos jogadores que não precisam de dar três toques para haver riqueza técnica porque muitas vezes essa riqueza passa por simular que vai receber ali, deixar a bola rolar e num toque fazer a bola girar para o outro lado, o antes de tocar na bola, enfim… a riqueza passa exactamente por aí. Portanto, desde o mais pequenino pontinho até a dimensão completa tem que X _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

estar tudo congruente com aquilo que eu quero e só assim é que é possível desenvolver a antecipação. Por exemplo: você vai na rua e vê um carro, já não atravessa porque você antecipa o que lhe vai acontecer se for, ou seja, é atropelado. Mas imagine uma pessoa que nunca tenha visto carros, ela metese à frente porque não antecipa aquilo que lhe vai acontecer mas se tiver hipótese de sobreviver, provavelmente já não cairá no mesmo erro! No treino é exactamente a mesma coisa, ou seja, a aprendizagem é antecipar aquilo que conhecemos e daí a necessidade da estabilidade com o Sentido, com aquilo que a gente quer e sobretudo com a congruência das solicitações que vamos fazendo a todos os níveis. No entanto, a antecipação ocorre não só ao nível do cérebro mas ao nível do corpo também e, no jogar competitivo (e por isso é que eu falo no lado subconsciente) muitas vezes o lado consciente nem chega a estar presente na própria situação. Imagine que um jogador marca um golo após ter feito uma simulação e se lhe perguntar como é que ele fez aquilo em (termos conscientes) ele não sabe mas em termos subconscientes esta antecipação foi conseguida não pelo só cérebro mas pelo corpo, pelo mapa das experiências anteriores que vai absorvendo e remodelando. Portanto, esta antecipação é sobretudo acelerar a rapidez do corpo na leitura do contexto e na sua participação no mesmo.

P: A obtenção de sucesso para que algo seja aprendido mais facilmente é um dado adquirido. Na operacionalização do treino como encontra o equilíbrio entre a promoção do sucesso como facilitador da aprendizagem e a criação de exercícios com um grau de dificuldade adequado?

R: Um exercício, para ter um grau de dificuldade adequado, tem quer ter uma componente de sucesso e tem que ter uma componente de dificuldade. Repare que a aprendizagem consiste em adaptarmo-nos para resolver as situações e se você não tiver uma condição que o obrigue a fazer isso você não faz! Por isso é que eu digo que a melhor maneira de se trabalhar é fazê-lo XI _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

em auto-hetero-superação porque, por exemplo, estamos a fazer um exercício de circulação de bola de 11x11 e a equipa tem que ter sucesso no que está a fazer. Mas se tiver uma oposição de 5 defesas na zona central estamos a criar uma certa dificuldade pois eles vão ter que superar esses defesas para conseguir fazer essa circulação de bola. O grau de sucesso que eles vão ter é o mesmo que iriam ter se fizessem até sem oposição mas o grau de dificuldade não é o mesmo. O grau de dificuldade adequado é aquele que vai exigir que eles estejam sempre em auto-hetero-superação. Imagine que está a fazer passe em estrutura com a equipa a circular a bola. Será que este passe em estrutura no início da época deve ser o mesmo passados três meses? Eu penso que não! Por isso é que falo no princípio da progressão complexa. Você faz 10x0 no princípio da época dando a ideia geral etc., três meses depois se você estiver a fazer exactamente a mesma configuração, na mesma solicitação, os jogadores já não estão a trabalhar em auto-hetero-superação. Dou-lhe um exemplo que se passou comigo no início da época: o primeiro requisito que pedia na circulação de bola era que esta circulasse rápido e eles faziam-no mais à base da simulação antes da bola chegar, sempre com alguma riqueza. E neste momento tenho outras duas condicionantes: A bola não pode passar por quatro jogadores do mesmo sector, ou seja, têm que mudar de sector e eles percebem claramente isso, pois não quero a bola só a circular em largura, quero que haja também uma ligação intersectorial para promover a tal riqueza; Outra condicionante é que a equipa vá progredindo posicionalmente no terreno, circula a bola no meio campo ofensivo até dentro da grande área fazendo a bola progredir em circulação até à baliza. São conceitos que actualmente estão inerentes à nossa circulação e o exercício que exteriormente é a mesma coisa já não é a mesma coisa passados três meses. Só assim é que eles trabalham em auto-heterosuperação e daqui a um determinado tempo, consoante a evolução e as dificuldades da própria equipa, vou actuando sempre.

P: Aquilo que é aprendido tem que ficar de alguma forma retido para poder ser evocado no devido contexto. Na operacionalização do XII _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

treino que diferenças descreve entre os exercícios maioritariamente de aprendizagem e aqueles mais direccionados para a manutenção de algum princípio?

R: As grandes diferenças passam essencialmente por isto: quando queremos transmitir uma ideia temos que fazer o esboço. Imaginemos a organização defensiva em que quero que a minha equipa defenda em bloco, defenda à zona. Inicialmente dou o esboço para ver se a equipa sabe o que é um bloco, se sabe posicionar-se num determinado espaço em função da posição da bola etc. Isso é o esboço, são os pilares do objectivo. Numa fase posterior, já quero que a equipa, para além disso reconheça, por exemplo, os momentos e locais de pressão para que o bloco tenha algum sentido e eficácia. Assim, o esboço, num plano mais micro já é mais exigente, isto é, se calhar o extremo que está do lado da bola já tem que reconhecer que se o lateral receber mal vamos pressionar, se o lateral não receber mal o extremo já tem que retardar para que ele jogue no extremo adversário e aí sim, nós “asfixiamolo”. Dentro do mesmo objectivo, do princípio, passamos a incidir de uma forma mais particular neste contexto mas tendo em atenção que o facto destes dois jogadores conduzirem camufladamente o lateral a jogar no extremo para aí pressionarmos. Mas isto não passa só por estes dois jogadores pois se isto acontecer do lado direito, o lateral do lado esquerdo tem que estar envolvido nessa decisão! Portanto, se inicialmente ele não estiver muito bem posicionado até poderei não dar grande importância a isso pois é ainda num momento prematuro porque é o esboço geral que quero desenvolver e que me interessa que assimilem. A manutenção do princípio é uma coisa dinâmica, é uma coisa rica pelo exemplo referido. Na organização defensiva estou actualmente a incidir nisso e, se calhar, daqui a uns tempos vou fazer com que a equipa induza a equipa adversária a jogar pelo meio porque sei que aí vou ganhar a bola. A manutenção do princípio é uma coisa dinâmica em evolução constante!

XIII _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

P: É sabido que na codificação da informação, o pré-conhecimento da matriz é facilitador da aprendizagem pois apenas há a necessidade de re-codificar aquilo que muda relativamente àquilo que já era conhecido. Como lida com este facto na prática sabendo que existem diferentes ritmos de aprendizagem para diferentes indivíduos, que há jogadores que chegam de novo e têm que codificar todo um conjunto de informação que a maioria já domina?

R: Começando por dar um esboço onde toda a gente vai perceber o objectivo geral e depois vamos criando um conjunto de interacções nesse registo, isto é, primeiro faz-se a paisagem comum a todos através desse esboço e depois, ao longo do processo, vai-se fazendo com que a decisão do jogador mais longe da bola seja vivida da mesma forma por isso é falamos em interacção ou inter-decisão. Eles têm ritmos diferentes de aprendizagem mas eles estão sintonizados e tem que haver uma lógica comum que lhes permita perante determinado acontecimento conhecer a lógica de resolução. Vou dar-lhe um exemplo concreto: o meu ponta de lança recebe a bola do extremo e, por princípio, queremos que haja uma aproximação da linha média para apoiar e a bola continuar a progredir. Nesse sentido, há uma lógica de resolução do problema e muitas vezes, nem se joga nos médios para manter a posse e bola e joga-se para trás no lateral e isto, apesar de eles terem diferentes ritmos de aprendizagem, tem que ser conseguido. O grau de complexidade, a riqueza das decisões de todos eles, pode não ser evolutiva no mesmo registo, isto é, uns podem evoluir mais que outros mas o esboço nunca pode ficar comprometido.

P: Conhecendo a sua forma de perspectivar o treino sabemos que a sua acção se direcciona mormente para o condicionamento do plano macro do “jogar”. Quais os traços gerais das características da sua intervenção no plano micro?

XIV _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

R: Quando falamos na perspectiva macro do jogar temos que primeiro criar um contexto num sentido lato para que esse lado micro seja sempre direccionado para o mesmo objectivo. Imagine: você para ter uma casa tem que fazer os pilares, que são o esboço, é o plano macro do jogar. Imagine que você vende a casa com esses pilares. A casa que estava projectada mas pode ser totalmente diferente se eu lá chegar e quiser fazer algo distinto e aí, é que é o plano micro. Eu posso tirar esta parede, inverter aquelas escadas etc. e a casa fica diferente. Com o mesmo esboço, o plano micro é totalmente diferente. Não sendo descontextualizado, há um desenvolvimento consequente do lado micro a partir do esboço e no jogar é exactamente a mesma coisa. Se eu quero que a minha equipa faça o bloco e tenho os laterais sempre abertos, esse bloco vai ficar comprometido e é claro que em termos micro, que é um bocadinho do todo, tenho que lhes fazer compreender a matriz mas se, por exemplo, o extremo decidir ir pressionar o central (mesmo que não seja exactamente isso que quero que ele faça), o facto de ele ir faz com que a minha equipa tenha que reorganizar-se, viver essa decisão que ele tomou e formar na mesma o bloco. Se o extremo vai lá, provavelmente o ponta de lança deverá ir ocupar o espaço deixado por ele para que o bloco não seja comprometido. Nós falamos em princípios para gerar riqueza em termos de detalhe. Temos o esboço, em termos de detalhe posso ter as paredes todas coloridas, posso não pôr paredes, posso fazer o que entender. Quero a equipa a fazer um bloco com duas linhas, três linhas, quatro linhas, bascula lateralmente, bascula na profundidade como é que queremos que isto se faça? Isto vai condicionar todas as decisões que se tomam. Imagine que queremos a equipa a fazer bloco em duas linhas apenas. Neste caso a oscilação lateral se calhar já não acontece porque não há necessidade porque em termos estruturais a equipa está configurada para fechar esse espaço. A equipa vai ter que fazer essa basculação mais em profundidade subindo e descendo um pouco mais e isso em termos de decisão micro do jogador faz toda a diferença. O lado micro é consequente do macro, agora a decisão do jogador em termos de ir aqui, ir acolá, fechar o meio ou não, só é condicionável com aquele tipo de intervenção que falei há pouco de colocar a bola, por exemplo, no lateral com o extremo a pressiona-lo, para o obrigar a vir um XV _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

bocadinho mais para trás para lhe ganhar mais espaço, mesmo que seja para fazer a condução da bola. Mas eu não posso obrigar o lateral a fazer sempre passe porque aí estou a castrar, seja um jogador jovem seja até um jogador sénior. A riqueza do jogo passa exactamente pela capacidade variável de dar resposta com sucesso e tem tanto mais sucesso se independentemente da decisão que eu tome e equipa saiba viver essa decisão, ou seja, o lateral se fizer passe, a equipa tem que viver essa decisão, se fizer condução tem que viver essa decisão com o mesmo sucesso. Agora é claro que é muito mais fácil para um treinador dizer que o lateral tem que passar sempre porque sabe aquilo que vai acontecer e a equipa só tem uma resposta. Mas se for um lateral que passa, dribla, simula e vai pelo meio, as interacções têm que ser diferentes por isso é que falámos em princípio. Depois, o lado micro tem que ser rico nesse sentido, independentemente de, em termos de controlo, isso ser mais difícil para o treinador.

P: Admitindo uma equipa como um conjunto de jogadores com diferentes funções que condicionam as propriedades do todo, é esse todo que baliza a consecução ou não dos comportamentos pretendidos. Porém, a evolução desse todo assenta na melhoria individual de cada um dos seus constituintes, melhoria essa sobre-condicionada a referências eminentemente colectivas. Sendo dada total primazia a esse objectivo colectivo, como trata na prática casos individuais que por algum motivo não atingem esses referenciais colectivos impedindo a sua melhoria contextualizada?

R: Você não pode pensar no colectivo e nas partes como duas coisas diferentes porque são a mesma coisa. Nos só falamos no todo se tivermos conhecimento da matriz. Vamos para a parte prática que é mais fácil. Num exercício de jogo 4x4 você diz a uma equipa que o objectivo é a organização defensiva e à outra diz que é a organização ofensiva e as transições. Com este objectivo colectivo vamos jogar e se a equipa na qual quer trabalhar a organização defensiva estiver sempre em posse, está a desvirtuar o próprio XVI _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

exercício, o todo. Mas imagine que a equipa não está a fazer isso porque um jogador está sistematicamente mal posicionado, a decidir mal. Então, o todo está a resultar também disto porque esse todo expressa as interacções individuais entre eles porque se nós os dois estivéssemos aqui calados e de olhos fechados não estávamos a interagir. Estou a falar consigo, estou a olhar para si e estamos a interagir, há uma interacção, há uma ligação. No jogo é igual porque você toma uma decisão e eu vivo a sua decisão (se estiver a jogar porque se estiver a ver jogar já não é assim…). O todo é como que se vive essa decisão por isso é que é um conjunto de interacções e o facto do individual, ás vezes, não compreender passa por aí. Por exemplo: sou lateral e o meu colega, que é central, está a receber a bola e eu não estou a viver a decisão dele e o todo vai expressar isso porque o todo (o jogar) é a manifestação concreta de como toda a gente vive essa decisão e esse conjunto de decisões. Portanto, não podemos falar em todo e partes pois o todo e as partes têm que ser a mesma coisa por isso é que falamos em fractais porque um fractal é uma migalha do todo e o jogador também faz parte desse todo que está sobrecondicionado para viver essa decisão porque se ele está a ver o jogo é menos um porque não interage com os outros, ele age, é uma acção isolada. Por isso é que temos de dar o Sentido ás coisas e temos que falar em contextos de exercitação, temos que fazer com que determinadas coisas aconteçam porque isso é que vai fazer com que as coisas se liguem. Quando trabalhava nas escolinhas do Futebol Clube do Porto tinha miúdos de 6 e 7 anos e aparecem muitos daqueles que estão menos apaixonados pelo jogo ou que têm menos capacidades e passam ao lado do jogo. Eles vêem jogar, não jogam, não vivem a decisão do colega desmarcando-se ou pedindo a bola ou chutando, defendendo, atacando, eles não vivem! Então, temos que, por exemplo, na parte do jogo, meter a bola nele e ele decide (de preferência em condições facilitadoras para ele ter sucesso) fazendo com que ele deixe de ver o filme do jogo e que faça parte também. Só assim é que há jogo, caso contrário, ele está desligado, não interage, ele age e aí não há jogo, não há colectivo, não há parte sequer!

XVII _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

P: Os desvios criadores, os desequilíbrios, surgem-nos como algo que de alguma forma tem que estar ligado ao Modelo de Jogo. Como os perspectiva na dimensão macro, isto é, como os potencia sabendo que dizem respeito a uma ordem oculta?

R: Dizendo-lhe aquilo que lhe disse há bocado da dimensão macro. A dimensão macro como modelo de jogo tem que ser um esboço. Imagine que eu vou comprar a sua casa que está em plena construção com o esboço já definido e eu chego lá e ainda tenho capacidade para alterar aquilo tudo. Se eu vou lá altero aquilo duma maneira e se vai lá outro altera de outra. Os princípios de jogo são uma coisa aberta pois a abertura é isto e por isso é que é difícil porque repare: eu vivo a decisão do meu colega se tiver capacidade para tal e normalmente nos mais pequeninos e os mais fracos não entram no jogo porque não têm capacidade para viver a decisão do colega. No jogo é exactamente a mesma coisa, para desenvolvermos uma dimensão macro no sentido dos princípios de jogo, do modelo de jogo, temos que deixar este potencial aberto porque este potencial aberto é que permite realmente desenvolver o jogo. Acha que você é treinador se estiver sempre a: “faz isto, leva para a direita e leva para a esquerda…”? Não é treinador nenhum porque você não está a deixar decidir, não está a deixar que eles criem um sentido comum porque quem está a dar isso é o treinador e depois chega-se ao jogo e o treinador não está lá para fazer isso. No jogo é o próprio contexto que orienta e exige uma resposta e se não houver uma lógica comum criada entre os 11 jogadores é mais difícil. Imagine que a minha equipa perdeu a bola e um jogador vai logo pressionar mas se a equipa não vive a decisão desse colega quer dizer que não entendem a lógica subjacente. Esse lado micro é consequente, é o espaço aberto que temos que sobredominar mas não temos que dominar. O que é que eu quero dizer com isto? Temos um lateral direito que quer sempre puxar para dentro e temos outro que, pelas características que tem, joga quase sempre por fora, recebe, entrega e muitas das vezes também leva mas nós queremos fazer a circulação de bola pelos corredores em segurança, pode ser pelo corredor lateral e pode ser pelo corredor central e sei que com esse miúdo que joga quase sempre em passe vou conseguir essa XVIII _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

circulação mais facilmente do que com o outro miúdo que usa mais vezes a condução de bola devido às suas características. Conheço os jogadores e sei como ele vive a decisão do central pois enquanto um vive abrindo para poder fazer o passe para a lateral ou para o meio com mais espaço, o outro se calhar já ataca a bola para sair em condução. Vivem a decisão de maneira diferente. Este lado micro é como se vivencia a decisão do outro interagindo de determinada forma e você só desenvolve isso se houver um esforço mental. Repare que tenho estes dois jogadores e não digo a um “conduz a bola” e a outro “joga em passe” porque esta riqueza resulta disso mesmo. Agora, no jogo se vejo que o avançado pressiona ou o extremo não fecha e pressiona quase sempre, tenho que ter o cuidado de perceber que aquele que conduz vai ter menos sucesso que o outro que joga quase sempre em passe. Aqui aparece a tal gestão pois não domino o aqui e agora mas tenho quase a certeza que um vai ter mais sucesso que outro pela forma como vai viver as decisões dos colegas. Perante isto, não sou treinadora nenhuma se coloco o jogador que joga preferencialmente em condução que vai perder a bola duas vezes e uma delas até dá golo. Devo, isso sim, durante a semana fazer com que o miúdo melhore isso e tenha consciência disso e quando, daqui a uns tempos, ele conseguir fazer isso com a mesma liberdade com que faz o outro já não tenho dúvidas. Este lado macro e micro é isso mesmo, fazemos princípios não para dizer que tem que virar o jogo daqui para ali ou para acolá. Por isso é que no principio na circulação de bola digo que a bola não pode passar pelos 4 defesas pois quando a bola vem para o pivot ele tanto pode passar para a frente, como para trás, o extremo pode jogar para o lateral, para o ponta de lança ou para o médio ou seja o lado micro tem que ter graus de liberdade, aliás nós desenvolvemos uma lógica comum para que todos vivam a decisão do colega de modo a dar-lhe o maior número possível de soluções para haver maior possibilidade de escolha. Se eu for uma treinadora que não domine isto, seria muito mais fácil dizer “o extremo recebe e vai sempre para o 1x1” pois dou logo uma solução e muitas vezes o lado mecanicista do treino passa exactamente por aí porque há muito maior dificuldade em descortinar padrões com variabilidade do que fazermos sempre a mesma coisa. XIX _____________________________________________________________________________

Anexo 1 – Entrevista à Professora Marisa Gomes _____________________________________________________________________________

P: Admite como potencialmente importantes para a consecução do MJ outras coisas que não o processo de treino propriamente dito? (palestras, visionamento de jogos, power-points…)

R: A concretização do próprio modelo contempla tudo isso. Por exemplo, você vai para um determinado contexto onde todos têm ideias diametralmente opostas aquilo que você quer, se calhar, mostrar imagens daquilo que você quer é importante. Mas pode chegar a outro lado e isso não ser preciso. A concretização do próprio modelo é exactamente isso. Imagine que chega a um contexto onde há algumas dificuldades em termos de ordem e disciplina. Se você não for convicto nas suas decisões isto repercute-se na configuração do modelo de jogo. A configuração do modelo de jogo não se pode restringir ao lado do exercício em si, passa muito pelo antes, após, a interacção, passa por tudo isso. Eu não consigo hierarquizar porque todos eles são importantes. Você como líder, chega ao balneário antes do jogo e focaliza a sua atenção em determinados pontos ou pode ser um treinador que não diz nada ou diz mil e uma coisas, é tudo totalmente diferente. Daí que hierarquizar estas coisas não é possível pois estão todas interligadas.

XX _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

Anexo 2:

Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira (Treinador da equipa de juvenis do Futebol Clube do Porto)

Carlos Campos: A repetição sistemática dos princípios assenta em três pilares fundamentais: o princípio da progressão complexa, o princípio da alternância horizontal em especificidade e o princípio das propensões. De acordo com a sua experiência concorda que este último é o mais complexo, o que exige melhor conhecimento do jogo, o que contribui de forma mais efectiva para o “jogar” específico que pretende?

Mestre Guilherme Oliveira: Penso que não! Penso que a complexidade surge da interacção que tem que haver entre os três princípios. Penso que a maior dificuldade e a maior complexidade surge dessa interacção uma vez que são os três extremamente importantes em termos de evolução do jogo, tanto em termos colectivos como em termos individuais e, quando se treina como nós treinamos há a necessidade de ter os três permanentemente em consideração, caso contrário poderá haver alguns problemas. Se nós, por exemplo, dermos grande importância ao princípio das propensões e não estivermos a dar tanta importância ao princípio da alternância horizontal, aquilo que pode acontecer é ter jogadores lesionados, ter a equipa cansada e a equipa não estar a jogar com os comportamentos que nós desejamos por um cansaço acumulado. Se nós não dermos alternância por exemplo ao princípio da progressão, aquilo que acontece muitas vezes é quase que um acomodar a nível de comportamentos, não existe depois, por parte da equipa e dos jogadores, uma evolução em termos de determinado comportamento geral. Muitas das vezes aquilo que acontece é nós apresentarmos as nossas ideias aos nossos jogadores, eles assimilarem algumas das nossas ideias e nós não aproveitarmos a interacção entre aquilo que são as nossas ideias e aquilo que são as capacidades, características e recriação dessas nossas XXI _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

ideias e depois não existe muito a noção que nós podemos aproveitar essa interacção entre jogador e ideias do treinador. Por isso o que acho é que todos esses princípios metodológicos são de extrema importância para o jogar como nós pretendemos e não há uns mais complexos que outros. A complexidade surge da interacção dos três e temos de os ter permanentemente em consideração.

P: Tomando sempre a acção como primordial naquilo que é a aquisição de hábitos que queremos implementar, que importância dá à identificação teórica com os princípios de jogo?

R: Dou muita importância a esse plano porque aquilo que nós pretendemos com o treinar é criar adaptações por parte da equipa e por parte dos jogadores de forma a que muitos dos comportamentos que nós queremos que aconteçam, aconteçam muitas vezes e com naturalidade, ou seja, que se transformem em hábitos. Pretendemos também que esses hábitos não sejam fechados, que sejam abertos, isto é, queremos que sejam capazes de se adaptarem aos problemas que o jogo apresenta aos jogadores e portanto há necessidade de os hábitos terem uma certa plasticidade, que sejam adaptáveis às circunstancias e nesse sentido, eles terem conhecimento daquilo que é o jogo é extremamente importante porque, quando nós transmitimos aquilo que pretendemos, eles passam a ter uma cultura de jogo que lhes vai permitir depois, em jogo, analisar aquilo que pretendem e muitas vezes aquilo que acontece é que, no treino, estão a acontecer determinado tipo de problemas que eles não resolvem e nós parámos e perguntamos aquilo que está a acontecer. Se eles conseguirem responder por que é que estão a fazer mal, por que é que tomaram determinadas opções em função daquilo que aconteceu e não tomaram outras, eles têm consciência daquilo que aconteceu, eles estão a ler o jogo, estão a analisar aquilo que se está a passar, estão a agir em função dessa análise. Agora muitas vezes, a leitura que eles fazem não é a leitura que nós pretendemos que eles façam, pois nós queremos que eles tenham outro tipo de comportamentos, por isso é muito importante nós XXII _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

apresentarmos os nossos princípios, os nossos comportamentos, para eles perceberem e quando os comportamentos estiverem em acção eles terem uma identificação muito maior. Por isso aquilo que eu faço é apresentar os comportamentos de uma forma verbal e de uma forma visual para eles terem uma noção muito exacta daquilo que eu quero que eles depois façam, pois embora eu pretenda que os comportamentos se transformem em hábitos, também pretendo que antes de se transformarem em hábito eles percebem aquilo que estão a fazer para actuarem no jogo em função das necessidades que o próprio jogo pede, mas sempre dentro de padrões comportamentais que nós acharmos que são os ideais para a nossa equipa por isso é extremamente importante nós explicarmos bem aquilo que queremos para eles perceberem e a visualização de vídeos com esse tipo de comportamentos são fundamentais para essa mesma compreensão.

P: Sabendo que os sujeitos da aprendizagem têm que estar conscientes

dos

comportamentos

em

causa

nas

situações

de

aprendizagem (exercícios) para poderem direccionar o “foco” do seu cérebro, como toma isto em consideração na operacionalização do treino?

R: Cada exercício que eu faço não aparece por acaso, aparece em função de determinado tipo de comportamentos que eu quero treinar, que eu quero que aconteçam. Então, quando apresento um exercício aos jogadores digo qual é o objectivo do exercício e aquilo que pretendo treinar com esse exercício e ao fazer isso já direccionei o exercício, já lhes dei um foco de atenção para eles estarem a fazer aquele exercício em função de determinado comportamento. Depois a minha intervenção vai ser exactamente nesse tipo de comportamentos que eu pedi. Imaginemos que eu quero privilegiar a minha circulação de bola e que para treinar isso crio uma situação em que o fundamental é o jogo de posições dos jogadores, é eles estarem sempre em diagonais de forma a que a bola possa circular por todos os jogadores e haver uma certa eficácia. Então, o jogo está a decorrer e como lhes transmiti XXIII _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

exactamente esses comportamentos que queria que eles tivessem, vou intervir precisamente nesses aspectos que estão a ser contemplados ou não. Portanto é assim que eu faço o direccionamento para que aquilo que eu quero treinar seja realmente treinado.

P: Um dos objectivos do treino é contrariar a lentidão do cérebro através do desenvolvimento da capacidade de antecipação. Que configuração dá à prática para que isto surja com a maior brevidade possível?

R: Através da criação de exercícios que tenham os problemas que o jogo vai ter de forma a que eles estejam preparados para resolver esses mesmos problemas. No entanto, devido ao facto do jogo ser algo aberto, nós não conseguimos, no treino, apresentar todos os problemas que vão surgir no jogo, por isso as situações de treino devem ter uma abertura de tal ordem grande que permita que os jogadores tenham a capacidade de se adaptarem aos diferentes problemas que no jogo vão surgindo, ou seja, o treino pretende, dentro de determinado padrão de comportamentos, criar uma cultura de forma a que eles consigam jogar e resolver os problemas que as outras equipas colocam em função dessa cultura de jogo que eles vão adquirindo. Por isso aquilo que nós pretendemos com o treino é criar um conjunto de comportamentos abertos, criando uma cultura comportamental de forma a resolver os problemas que as outras equipas vão colocando à nossa.

P: A obtenção de sucesso para que algo seja aprendido mais facilmente é um dado adquirido. Na operacionalização do treino como encontra o equilíbrio entre a promoção do sucesso como facilitador da aprendizagem e a criação de exercícios com um grau de dificuldade adequado?

XXIV _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

R: É evidente que a obtenção de sucesso no exercício é extremamente importante para haver evolução e para se conseguir fazer as coisas. Mas também quando o sucesso começa a ser permanente nós temos que criar uma maior complexidade para que os problemas sejam maiores e para que o sucesso deixe de se dar novamente, ou seja, há um permanente reajuste das situações de forma a que se consiga jogar com o sucesso, por um lado, porque eles já conseguem resolver os problemas que o adversário coloca e, por outro lado, quando eles já conseguem resolver temos que colocar problemas ainda mais complexos para eles deixarem de resolver e voltarem a procurar fazê-lo. Este reajuste permanente é que vai provocar a evolução pois nós não podemos criar situações em que eles tenham sucesso permanente e não saiam desse sucesso porque se eles têm esse sucesso permanente é porque não se está a colocar problemas suficientemente complexos àquela equipa. É preciso reajustar tudo isso para que as coisas sejam mais complexas, para a evolução poder existir, porque só existe evolução quando existem problemas, caso contrário há estagnação e nesse sentido há a necessidade de reajustar permanentemente os exercícios de forma a conseguirmos sucesso mas conseguirmos logo momentos de insucesso para o sucesso voltar a aparecer e a evolução ser constante, caso contrário, há uma estagnação ou mesmo retrocesso porque isto também está relacionado com a dinâmica dos próprios sistemas complexos em que quando há um momento de equilíbrio, se não houver um desequilíbrio desse equilíbrio, esse equilíbrio vai-se manter, estagna, não há evolução nem por parte do sistema nem dos elementos do sistema, daí a necessidade constante de criar desequilíbrios porque esses desequilíbrios é que vão fazer com que a evolução seja adquirida para patamares de maior evolução e complexidade. As equipas que eu treino são equipas normalmente superiores às outras equipas

e

se

eu

não

crio

ali

determinado

tipo

de

desequilíbrios,

complexificando mais o nosso jogo, criando outro tipo de problemas, mudando de estruturas para que eles tenham uma cultura maior de compreensão do jogo, adoptando determinado tipo de estratégias para que a complexidade do nosso jogo seja maior, os princípios a nível comportamental também mais complexos, acontece uma estagnação, um certo “deixar andar” e isso é mau XXV _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

em termos evolutivos porque a qualquer momento aparecem problemas que nós não conseguimos resolver. Assim nós tentamos ser sempre cada vez melhores, mais complexos e essa procura de maior complexidade vai provocar permanentemente

uma

evolução.

Por

vezes



momentos

em

que

solidificamos determinada forma de jogar e pensamos que essa forma de jogar se deve manter, mas não! Do meu ponto de vista e tendo em consideração a minha experiência, devemos logo criar mais complexidade caso contrário não há evolução nem da equipa nem dos jogadores.

P: Aquilo que é aprendido tem que ficar de alguma forma retido para poder ser evocado no devido contexto. Na operacionalização do treino que diferenças descreve entre os exercícios maioritariamente de aprendizagem e aqueles mais direccionados para a manutenção de algum princípio?

R: Sobretudo a complexidade que os exercícios têm. Numa fase inicial a complexidade é mais reduzida e em fases posteriores a complexidade é maior e é sobretudo a esse nível que está a diferença. Suponhamos que eu quero treinar a minha organização ofensiva: numa fase inicial quero por exemplo que eles façam 10x5, passado uns tempos já fazem 10x8 e depois vão acabar por fazer o 10x10 e têm que ter os mesmos comportamentos ou ainda melhores que aqueles que apresentaram no 10x5. Há um aumento de complexidade de forma a eles adquirirem, primeiro de uma forma mais facilitadora para que as coisas aconteçam de uma forma regular, depois uma evolução permanente de forma a que eles consigam ter comportamentos extremamente complexos. Eu já treinei uma equipa com uma capacidade de circulação de bola de tal ordem grande e evoluída, que para treinar essa circulação e arranjar problemas tinha que treinar em 8x10 e eram os 8 que estavam a treinar fundamentalmente porque a qualidade de posse de bola daqueles que eram a equipa titular – chamemos-lhe assim - era de tal forma grande que os outros em igualdade numérica não lhes conseguiam criar problemas e a solução que encontrei foi pô-los em inferioridade numérica e nós XXVI _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

temos que arranjar esse tipo de estratégias. Numa fase inicial há exercícios mais introdutórios com complexidade menor, e à medida que eles vão adquirindo esse comportamento nós vamos criando complexidade para que esse comportamento seja mais complexo, mais evoluído.

P: É sabido que na codificação da informação, o pré-conhecimento da matriz é facilitador da aprendizagem pois apenas há a necessidade de re-codificar aquilo que muda relativamente àquilo que já era conhecido. Como lida com este facto na prática sabendo que existem diferentes ritmos de aprendizagem para diferentes indivíduos, que há jogadores que chegam de novo e têm que codificar todo um conjunto de informação que a maioria já domina?

R: Muitas vezes é bastante complexo porque os jogadores não são máquinas a que nós facilmente tiramos aquilo que é o historial deles, que são as experiências deles, que muitas vezes, sob determinadas circunstâncias, foi o sucesso deles. Não é possível chegar lá e simplesmente dizer “tu agora jogas assim porque é assim que eu quero que tu jogues!”. Isto é complexo e verificase um “jogo” entre treinador, equipa e jogador em que nós temos que perceber muito bem quais são as características e capacidades dos jogadores, depois, tendo em consideração aquilo que nós queremos para o nosso jogo, conseguindo

aqui

uma

dialéctica

entre

ideias

do

treinador

e

os

comportamentos e características desses jogadores. Aos poucos ele vai-se ajustando a nós e nós vamos fazendo com que algumas coisas do jogo dele se alterem consoante aquilo que são as nossas ideias. No entanto, é importante nós termos em consideração que algumas das capacidades e das características deles não lhes podem ser retiradas sob o risco de estarmos a castrar as suas maiores virtudes. Imaginemos um jogador cuja característica fundamental é a capacidade de drible em situações de 1x1 pois passa com uma certa frequência pelo adversário e nós queremos um jogo de posse e circulação, um jogo em que isso acontece com relativa pouca frequência ou só acontece em determinadas zonas do terreno sob determinadas circunstancias XXVII _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

que nós promovemos no nosso jogo mas noutras circunstâncias não o promovemos e ele está habituado sempre a fazer esse tipo de acções. Então nós temos que permitir que ele faça isso porque são as características e capacidades que ele tem, mas temos que lhe fazer entender que isso pode ser feito sob determinadas circunstância,s do nosso jogo, por exemplo em determinadas zonas do terreno que de acordo com o nosso jogo, são as adequadas para fazer isso, em determinadas circunstâncias quando o adversário está desequilibrado e não tem dobras (cobertura defensiva), ou seja, temos que dar uma cultura de jogo que é o nosso jogo de forma a que ele compreenda quando é que pode usar as características que tem e dessa forma nós reajustamos a codificação que ele tem de jogo àquilo que é a codificação do nosso jogo enquanto equipa e é este “dou aqui, recebo ali” que permite que por um lado ele entre no nosso jogo, ele evolua como jogador e enriqueça o nosso jogo porque o modelo de jogo não é um modelo que se adopta. Eu tenho a minha concepção de jogo muito concreta pois sei perfeitamente aquilo que quero em todas as circunstancias, mas a treinar este ano uma equipa e a treinar no próximo ano uma equipa com jogadores diferentes, o padrão é igual mas em termos mais específicos as coisas vão ser diferentes porque os jogadores têm características diferentes e isso leva a que o jogo se manifeste de forma diversa e é este “dar, criar, recriar” do modelo de jogo que é extremamente importante e para jogadores que têm características de jogo diferentes daquilo que nós queremos, que têm entendimentos de jogo diferentes, tem que haver reajustes permanentes de forma a que esses jogadores nos tragam algo e entendam que entram no nosso jogo não como castradores mas sim como enriquecedores do nosso modelo de jogo.

P: Conhecendo a sua forma de perspectivar o treino sabemos que a sua acção se direcciona mormente para o condicionamento do plano macro do “jogar”. Quais os traços gerais das características da sua intervenção no plano micro?

XXVIII _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

R: Eu não me centro apenas nos aspectos colectivos, centro-me também nos individuais, sectoriais, centro-me na globalidade. Agora sei que o jogo não são 5x5, nem 4x4, nem 3x3, nem 1x1, sei que o jogo são 11x11 e desmonto o jogo em níveis de complexidade diferenciados para depois poder treinar de forma a que o nível de complexidade superior, o tal macro, seja muito mais evoluído. Sabendo muito bem aquilo que quero num plano mais macro, aquilo que faço é desmontar o jogo perspectivando sempre isso. Mesmo em situações de 1x1

eu

peço

comportamentos

que

estejam

relacionados

com

os

comportamentos a nível dos grandes princípios. Há uma desmontagem, aquilo a que eu chamo uma desmontagem fractal, tanto num plano transversal como num plano em profundidade. O plano transversal relacionado com todos os momentos do jogo, ou seja, quando eu peço determinado comportamento em organização ofensiva, esse comportamento está a ser pedido porque eu já perspectivo

defender de

determinada forma,

perspectivo

transitar de

determinada forma tanto num sentido como noutro por isso há aqui uma fractalidade transversal. A fractalidade em profundidade está presente na medida em que, por exemplo, eu peço um comportamento mais geral no momento de organização ofensiva e o comportamento mais individual tem a ver com esse comportamento mais geral, ou seja, tem que haver uma fractalidade em profundidade e tem que ser sempre desta forma, caso contrário estou a treinar coisas que não têm sentido para a globalidade do meu jogo, para o padrão mais geral do meu jogo. É assim que eu lido com estas coisas, desmonto o jogo e torno a montar, sempre tendo em conta estas fractalidades em que uma parte tem que representar o todo tanto desse momento como da interacção dos diferentes momentos.

P: Admitindo uma equipa como um conjunto de jogadores com diferentes funções que condicionam as propriedades do todo, é esse todo que baliza a consecução ou não dos comportamentos pretendidos. Porém, a evolução desse todo assenta na melhoria individual de cada um XXIX _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

dos seus constituintes, melhoria essa sobre-condicionada a referências eminentemente colectivas. Sendo dada total primazia a esse objectivo colectivo, como trata na prática casos individuais que por algum motivo não atingem esses referenciais colectivos impedindo a sua melhoria contextualizada?

R: Cada caso é um caso e muitas vezes esses comportamentos individuais não atingem aquilo que nós queremos em termos colectivos por diferentes razões que podem ser muito diferentes. Uns porque não compreendem o jogo da forma como nós queremos, outros porque tecnicamente são fracos e nós exigimos, para o nosso jogo, determinados comportamentos que em termos individuais são complexos e eles não atingem, outros porque têm características completamente diferentes daquilo que nós pretendemos para o nosso jogo e não servem para jogar da forma que nós queremos, ou seja, há muitas circunstâncias e nós temos que analisar cada caso, perceber os porquês e depois actuar nesse jogador em função daquilo que são as nossas características a nível comportamental. Muitas vezes aquilo que acontece é nós termos que reformular alguns dos nossos princípios precisamente em função disso. Por exemplo, na equipa onde eu treino os defesas centrais são jogadores muito importantes em posse de bola porque são apoios recuados da equipa quando a equipa precisa, é por eles que se sai quase sempre a jogar na primeira fase de construção, é por ali que se sai a jogar quando o guarda-redes repõem a bola, quando a equipa já está numa fase de construção mais adiantada muitas vezes são eles que recebem a bola porque não há possibilidade de progressão e há a necessidade de manter a posse de bola e isto leva a os centrais, além das qualidades defensivas que têm que ter enquanto centrais, tenham que ter uma boa qualidade de passe, de jogo posicional ofensivo, de circulação de bola, saber onde é que a bola deve entrar em determinadas circunstâncias, resumindo, têm que ter uma boa qualidade ofensiva e muitas vezes não têm, obrigando a equipa a adaptar-se a essa circunstância. Por um lado temos que melhorar o mais possível a qualidade ofensiva deles, qualidade de passe, qualidade posicional, qualidade de escolha etc., e temos também que reajustar alguns dos nossos XXX _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

comportamentos colectivos de forma a tornar menos visíveis essas limitações e incapacidades recuando-os um pouco de forma a permitir-lhes terem mais tempo e espaço. Vemos que há aqui um jogo de conhecimento das características que eles têm e das capacidades que eles não têm e que são importantes para o nosso jogo. Face a isso alteramos alguns dos nossos subprincípios e treinamos mais determinados comportamentos deles, tanto a nível individual como a nível sectorial de forma a apetrechá-los dessas armas que eles não têm e que seria importante que tivessem. O objectivo é potenciar tanto quanto possível a nossa forma de jogar tendo consciência desses problemas que por vezes surgem obrigando-nos a um trabalho com um nível de complexidade inferior, situações mais individualizadas, mais sectoriais ou mais grupais

para

resolver

esse

tipo

de

problemas

que

vão

surgindo

permanentemente.

P: Os desvios criadores, os desequilíbrios, surgem-nos como algo que de alguma forma tem que estar ligado ao MJ. Como os perspectiva na dimensão macro, isto é, como os potencia sabendo que dizem respeito a uma ordem oculta?

R: Não pode haver criatividade sem haver organização pois isso seria uma criatividade abstracta. A criatividade deve surgir em função de padrões comportamentais muito concretos e muito específicos. A partir do momento em que a equipa está organizada e contempla esses aspectos, a criatividade insere-se num contexto que vem enriquecer esse macro, esse modelo de jogo em termos mais gerais e nesse sentido é extremamente importante. Agora, não é importante quando ela aparece no abstracto, como forma de recreação, quando aparece sem haver uma lógica. Nós, sabendo que existem alguns jogadores criativos na equipa, podemos criar uma dinâmica no nosso jogo de forma a que em determinados momentos, esses jogadores tenham liberdade para fazerem tudo porque a equipa está equilibrada, porque a equipa criou condições para eles serem criativos em determinadas circunstâncias e sabendo a equipa que eles são XXXI _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

criativos, está aberta à espera que eles tenham criatividade tanto em termos ofensivos como defensivos, porque há jogadores que também são criativos a defender pela sua capacidade de antecipação, pela sua capacidade de leitura de jogo etc. Nós temos que perceber e criar condições para que essa criatividade possa surgir sem pôr em causa a equipa e, esses jogadores, também têm que perceber que em determinadas circunstâncias podem ser criativos porque são as circunstâncias ideais mas que noutras circunstâncias têm que respeitar a ordem da equipa e não podem ser criativos porque põem a causa a equipa ou porque está desequilibrada ou porque pode ser prejudicial por motivos de variada ordem. A criatividade deve ser uma coisa fomentada pelo treinador mas em determinadas circunstâncias!

P: Admite como potencialmente importantes para a consecução do Modelo de Jogo outras coisas que não o processo de treino propriamente dito? (palestras, visionamento de jogos, power-points…)

R: Aquilo que eu utilizo muito e que do meu ponto de vista cria mais impacto de forma concreta é a visualização de vídeos daquilo que nós pretendemos a nível de comportamentos. Quando nós dizemos alguma coisa os jogadores percepcionam isso de acordo com aquilo que entendem do jogo e quando estão a ver, as imagens estão lá, é algo concreto de acordo com aquilo que nós pretendemos e então há uma identificação e uma interpretação muito mais ajustada. Se eu disser a vinte pessoas que tenho um cão muito bonito e lhes pedir para descrever o cão a partir daquilo que disse podem haver vinte cães diferentes porque para um o cão bonito é o bulldog, para outro é o caniche, para outro é o labrador, para outro poderá ser um serra da estrela e por aí adiante. Mas se eu disser: “Eu tenho um cão muito bonito e o cão é este” e apresentar a imagem, as pessoas olham e sabem qual é o cão bonito que eu gosto, que é aquele! Podem até não concordar mas ficam a conhecer! A nível de visualização dos comportamentos também funciona assim pois imaginemos que eu digo que quero defender à zona para depois ser mais XXXII _____________________________________________________________________________

Anexo 2 – Entrevista ao Mestre Guilherme Oliveira _____________________________________________________________________________

fácil nós nos organizarmos quando recuperamos a posse da bola e a queremos circular beneficiando de um bom jogo posicional. Digo isto e depois mostro uma imagem onde a equipa está a defender à zona, recupera a posse de bola e só a abrir já está organizada em termos ofensivos. Esta imagem é logo facilitadora do comportamento que eu pretendo que a minha equipa tenha. Imaginemos que eu digo que quero a minha equipa com uma boa posse de bola, muita circulação com o objectivo de desorganizar a equipa adversária e aproveitar essa desorganização para depois dar profundidade. Para uns a circulação é uma coisa, para outros é outra, dar profundidade para uns é meter logo a bola nos jogadores mais ofensivos por trajectórias aéreas, para outros não, e então para mostrar depois o padrão de jogo que pretendo mostro um filme com isso e eles vêm e ficam com uma ideia muito mais concreta daquilo que eu pretendo. Sem dúvida alguma que a visualização de imagens é extremamente importante para eles perceberem aquilo que nós queremos. Em determinadas ocasiões poder-se-ão utilizar outros instrumentos como palestras ou imagens mais estáticas mas o mais importante é mesmo a visualização de imagens em vídeo dos comportamentos que pretendemos!

XXXIII _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

Anexo 3

Entrevista ao Professor Rui Faria (Ex-treinador do F. C. do Porto e do Chelsea F. C.)

Carlos Campos: A repetição sistemática dos princípios assenta em três pilares fundamentais: o princípio da progressão complexa, o princípio da alternância horizontal em especificidade e o princípio das propensões. De acordo com a sua experiência concorda que este último é o mais complexo, o que exige melhor conhecimento do jogo, o que contribui de forma mais efectiva para o “jogar” específico que pretende?

Rui Faria: É fundamental perceber a relação que existe entre os três bem como a complexidade do exercício que se cria. No exercício vão aparecer determinados princípios e sub-princípios que queremos evidenciar porque são parte da nossa forma de jogar mas há que ter em conta que não podemos nem queremos isolar esses aspectos de outros que surgem por inerência. O importante é perceber a complexidade daquilo que se pede e enquadrar isso numa lógica de trabalho semanal que permita que a aquisição seja facilitada. Portanto, não podemos exigir a evidenciação de determinados princípios com grande complexidade quando os jogadores estão ainda em processo de recuperação mental e emocional, ou seja, é decisivo que a exigência do que queremos seja feita em função da relação que existe entre o desempenho e a recuperação. Não podemos pensar num desses três princípios sem pensar nos outros uma vez que o padrão de exigências tem que ser enquadrado na sua organização semanal no melhor momento para que haja sucesso na aquisição desse mesmo princípio.

XXXIV _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

P: Tomando sempre a acção como primordial naquilo que é a aquisição de hábitos que queremos implementar, que importância dá à identificação teórica com os princípios de jogo?

R: Penso que isso está intimamente relacionado com a complexidade daquilo que pretendemos pois quanto mais complexa for a informação que queremos transmitir mais importante se torna o apoio teórico. Quando estamos perante um grupo novo e queremos implementar um determinado tipo de comportamentos, torna-se decisivo apoiar aquilo que pretendemos com imagens e outros recursos teóricos. Também se pode tornar importante quando vemos que acontece algo que não é congruente com o que pretendemos e que, em consequência disso, tem que ser corrigido para não se repetir, isto é, quando na prática não se consegue resolver é uma possibilidade recorrer a um apoio visual que facilite o aparecimento daquilo que pretendemos.

P: Sabendo que os sujeitos da aprendizagem têm que estar conscientes

dos

comportamentos

em

causa

nas

situações

de

aprendizagem (exercícios) para poderem direccionar o “foco” do seu cérebro, como toma isto em consideração na operacionalização do treino?

R: Fundamentalmente temos que perceber que o exercício quando surge já tem que estar configurado de modo a que os comportamentos que pretendemos em termos de princípio, de objectivo, se evidenciem, ou seja quando o estruturamos já críamos condições para que o que pretendemos surja com frequência. Isto é o mais importante, é a Especificidade do exercício e nós como treinadores, em função das nossas necessidades é que vamos elaborar o exercício de acordo com determinado objectivo. Durante a execução do exercício, a intervenção em função da relação jogador-exercício-treinador, faz que por vezes sintamos a necessidade de criar ainda mais qualquer acrescento para que o que pretendemos se manifeste de XXXV _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

forma ainda mais vincada e este tipo de intervenção é apenas possível se soubermos muito bem onde estamos e para onde queremos ir, isto é, exige-se um conhecimento muito bem estruturado do Modelo de Jogo que nos permita reajustar a intervenção sempre no sentido de um direccionamento específico. Quando criamos exercícios novos há a necessidade de os experimentar de ver como resultam na prática e aí é frequente procedermos a correcções de pequenos detalhes mas o fundamental é sabermos exactamente o que queremos e criar o exercício mais adequado possível a essa necessidade de forma a que quando o colocamos aos jogadores eles experimentem os comportamentos e objectivos que queremos.

P: Um dos objectivos do treino é contrariar a lentidão do cérebro através do desenvolvimento da capacidade de antecipação. Que configuração dá á prática para que isto surja com a maior brevidade possível?

R: A Especificidade em relação ao Modelo de Jogo é fundamental e a partir dai temos que criar condições para que o jogador se confronte com o máximo de situações possível para que consiga antecipar-se promovendo um aparecimento natural das coisas sem que haja necessidade de um processamento demorado da informação, ou seja, tem que haver uma lógica de resolução dos problemas que seja subconsciente. A Especificidade que colocamos no treino vai permitir que o jogador se adapte a uma determinada forma de jogar e que, em consequência disso, na competição ele se antecipe num conjunto de situações permitindo uma resposta bastante mais rápida. Naturalmente que isto é também um processo de habituação e a progressão do menos complexo para o mais complexo é crucial para facilitar a aprendizagem. A experimentação dos comportamentos desejados vai fazer com que se tornem cada vez mais naturais e devido a isso vai decrescendo a necessidade de pensarmos muito sobre eles, as coisas acontecem de uma forma simplificada porque a partir da criação do hábito que é adquirido a partir da XXXVI _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

experimentação das realidades que pretendemos, o jogador não tem problemas em encontrar a resposta pois é uma experiência já adquirida.

P: A obtenção de sucesso para que algo seja aprendido mais facilmente é um dado adquirido. Na operacionalização do treino como encontra o equilíbrio entre a promoção do sucesso como facilitador da aprendizagem e a criação de exercícios com um grau de dificuldade adequado?

R: Tocamos novamente no princípio da progressão do menos complexo para o mais complexo. A necessidade de ir maturando cada vez mais os nossos princípios e sub-princípios é uma evidência. No início temos que reduzir a complexidade para que, numa primeira fase, a repetição sistemática dos princípios ocorra com sem grandes entraves e depois, numa fase mais avançada quando sabemos que esses princípios já se consubstanciaram em hábito, a complexidade do exercício é maior e como tal devemos centrar a nossa preocupação em perceber de que forma é possível aumentar a qualidade do nosso jogo partindo de patamares de complexidade cada vez maiores.

P: Aquilo que é aprendido tem que ficar de alguma forma retido para poder ser evocado no devido contexto. Na operacionalização do treino que diferenças descreve entre os exercícios maioritariamente de aprendizagem e aqueles mais direccionados para a manutenção de algum princípio?

R: Em primeiro lugar temos que perceber em que nível nos encontramos. É decisivo percebermos o que é a cultura individual dos jogadores em termos do jogo, é fundamental perceber as qualidades dos jogadores e perceber isso em função do que se pretende. Se pretendemos que haja sucesso em termos do que fazemos no treino e queremos que isso se XXXVII _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

constitua como uma aprendizagem em termos de cultura de jogo, em termos de comportamentos colectivos é necessário que se compreenda esta evolução em termos de complexidade. Isto é decisivo, mas também é decisivo fazer uma avaliação do que é a nossa equipa, os nossos jogadores e do que é o conhecimento do jogo por parte da equipa e portanto a antecipação é tão mais facilitada quanto maior for a cultura de jogo da equipa. Fazemos uma avaliação que, pela introdução dos sub-principios e dos princípios, pela complexidade dos exercícios que se criam, por vezes, como é um processo e como foi referido anteriormente, nós estamos constantemente a criar novos exercícios embora os objectivos por vezes se mantenham, criamos exercícios para que haja uma mudança, uma evolução de algo que crie algum estorvo, à execução de um determinado princípio para que haja uma readaptação estrutural e mental para que não seja um processo sempre idêntico, para que exista um enriquecimento em termos de trabalho. A par da a necessidade que temos de evoluir para novos exercícios, também ficamos na expectativa de como irá ser a reacção dos jogadores no que se refere á relação com exercício, com as regras e com os princípios que queremos implementar. Sente-se a necessidade mesmo durante o próprio exercício de o readaptar, reajustar para que a complexidade seja maior ou menor, para que o objectivo que pretendemos, aconteça. Isto no fundo é um trabalho muito importante por parte do treinador, pela necessidade e pela relação que ele tem que ter com o próprio exercício no sentido de perceber o nível dos jogadores, da equipa e da compreensão dos princípios e subprincipios e o nível de cultura dos jogadores em termos de grupo para perceber se a aquisição e o sucesso em termos de exercícios e a aquisição do princípio está a acontecer. A partir daqui, cria-se a maior ou menor complexidade do exercício e reajusta-se nesse sentido para que as coisas aconteçam com sucesso e, naturalmente, se a situação for muito facilitada também não tiramos o melhor rendimento, porque percebemos facilmente que os jogadores executaram com a maior das facilidades e, por outro lado, se for muito complexo não é importante porque a aquisição do que pretendemos também não está a acontecer. É este equilíbrio que é fundamental mesmo na nossa relação directa com os exercícios e com a nossa intervenção na liderança do XXXVIII _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

próprio trabalho, o que é necessário perceber é: temos de partir de uma menor complexidade para uma maior complexidade, identificar claramente qual é a cultura dos jogadores e o nível de jogo da equipa e a partir daqui criar exercícios no sentido de se ajustar ao máximo de sucesso na aquisição de objectivos. Não podemos é trabalhar nos extremos, nem na maior complexidade nem na menor complexidade porque não existe estorvo no processamento do trabalho, do que se pretende à acção, também não existe evolução, temos de criar situações em que o jogador tenha que se reajustar, readaptar a algo novo para que essa evolução possa acontecer.

P: É sabido que na codificação da informação, o pré-conhecimento da matriz é facilitador da aprendizagem pois apenas há a necessidade de re-codificar aquilo que muda relativamente àquilo que já era conhecido. Como lida com este facto na prática sabendo que existem diferentes ritmos de aprendizagem para diferentes indivíduos, que há jogadores que chegam de novo e têm que codificar todo um conjunto de informação que a maioria já domina?

R: É tão mais fundamental apoio teórico quanto maior é o desconhecimento do jogador ou da equipa em relação a um determinado tipo de comportamentos que se pretende para a equipa, e quando se particulariza um jogador que é novo na equipa e que precisamos de o introduzir numa cultura grupal para ele jogar como queremos. Em primeiro lugar nós já o seleccionamos para ele fazer parte da equipa porque ele tinha características que interessavam no sentido do que se perspectiva (em termos de jogo), depois existem comportamentos que são necessários e fundamentais dentro da linguagem da equipa e normalmente o que nós fazemos aos jogadores novos é criar condições facilitadas para que, sem prejudicar o grupo, eles possam ter presente um conjunto de experiências que lhes permitam adquirir mais rapidamente o conhecimento do que é a equipa. Por vezes, se lhe podermos chamar assim, podia dizer que é feita uma “lavagem cerebral” no sentido de dar apoio visual e teórico com que o jogador acompanha as XXXIX _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

reuniões individuais e colectivas, em exercícios tentamos criar situações onde ele possa ter experiências ao nível do que nós pretendemos dele, mas é obvio que há necessidade de uma maior intervenção e particularização dos comportamentos em relação a este individuo especifico mas sem que isto prejudique o contexto do que é a informação e a complexidade a que os outros estão habituados, no fundo temos de encontrar um equilíbrio de forma a que se identifique o jogador com os comportamentos, linguagem grupal e cultura de jogo da equipa, e tentar fazê-lo como a melhor forma de facilitar a compreensão da informação dada, seja teórica ou visual e ao mesmo tempo fazer experimentação prática de um conjunto de exercícios que permitam que ele vivencie esses mesmos comportamentos de jogo que pretendemos. Naturalmente, temos de perceber que ele próprio necessita de uma evolução em termos de complexidade e que é tanto maior quanto maior for a evolução e a progressão do jogador. Depende muito do jogador, depende da inteligência dele e da sua própria cultura de jogo para perceber mais rapidamente quais são as ideias do treinador, quais sãos os comportamentos que o treinador pretende para ele enquanto elemento de equipa e qual é a liberdade que ele tem dentro da equipa. Por vezes há necessidade, em termos de equipa, de reajustar comportamentos de alguns jogadores em função da qualidade do jogador. Podemos dar o exemplo de um jogador ala ou extremo em que se sabe que é um jogador extremamente forte no um contra um, temos então de criar mecanismos de equilíbrio na equipa para que no momento em que se sabe que apesar dos comportamentos dele estarem subordinados àquilo que é o colectivo temos de encontrar um equilíbrio comportamental dentro da equipa para que estejamos preparados para quando o insucesso acontecer. No fundo isto são os pequenos reajustes comportamentais em termos de equipa de acordo com aquilo que é a realidade de um novo elemento que é introduzido e que vem fazer parte do grupo. São pequenos reajustes mas nunca é uma alteração drástica da forma de jogar, são reajustes específicos em função, por vezes de um plano estratégico, e isto acontece frequentemente, é um processo também evolutivo e, por vezes com o pequeno detalhe fazemos a diferença e também a própria forma do jogador, que é importante para nós, e a própria XL _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

forma de estar deste jogador faz com que nós criemos mecanismos para fomentar o sucesso em jogo. Por vezes temos de encontrar soluções comportamentais noutros elementos do grupo que não prejudiquem a linguagem comum da equipa mas que permitam facilitar o sucesso do elemento em si. Há um conjunto de detalhes que não só ocorrem quando o elemento é novo mas também durante a própria época e são fundamentais para que o sucesso em termos de grupo aconteça.

P: Conhecendo a sua forma de perspectivar o treino sabemos que a sua acção se direcciona mormente para o condicionamento do plano macro do “jogar”. Quais os traços gerais das características da sua intervenção no plano micro?

R: É tão mais importante quanto mais perturbador for para a resolução do jogo para o sucesso da equipa. É tão mais importante a intervenção quanto maior for o prejuízo da nossa forma de jogar pois apesar de ser micro, ou como lhe quisermos chamar, é importante na medida em que pensamos que há necessidade de intervenção em função do que isso possa influenciar a equipa em termos de jogo. Portanto, essa intervenção por vezes pode ser feita porque percebemos que algo acontece, mas podemos fazer uma intervenção quando se faz a pausa do exercício e se chama à atenção de aspectos que são importantes para o exercício, chamando à atenção particularmente para a questão que é micro mas que pode ter alguma perturbação. Por vezes sentimos a necessidade, durante o próprio exercício, de o interromper para que esse comportamento ou esse detalhe em termos de comportamento não se repita ou não aconteça, é tão maior a nossa intervenção imediata para parar um exercício no sentido de interromper o que está a acontecer quanto maior for a perturbação desse micro no macro do jogo. Podemos dar do exemplo do lateral que perde a bola, do ala que perde bola, do pivot que perde bola ou o médio interior que perde bola, é tanto maior a intervenção quando nós percebemos

que

é

mais

prejudicial

para

a

nossa

equipa

é

esse

comportamento. XLI _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

Tudo é subordinado ao macro, o individual está sujeito àquilo que é a linguagem comportamental comum, o individual tem que estar identificado com isto, quando o erro ocorre e quando um determinado detalhe, sob o ponto de vista individual, vai prejudicar o comportamento colectivo, esses equilíbrios colectivos da equipa têm que se ajustar de imediato. Então é tão mais importante a nossa intervenção quanto mais isso prejudicar a nossa equipa. Se tivermos que fazer essa intervenção e parar imediatamente o exercício para fazer perceber claramente que algo é errado, que algo não está correcto ou que algo pode ser importante, também não é só quando as coisas acontecem de negativo é também quando elas acontecem de positivo porque quando elaboramos um exercício elaboramos um princípio que não é um fim. Não é um fim porque permitimos que a partir dali as coisas evoluam em função da criatividade dos jogadores subordinado àquilo que nós pretendemos em termos globais do grupo, mas damos também liberdade de um mecanismo não mecânico, isto é, no fundo nós atribuímos o principio, organizamos esse principio mas ele não se esgota naquilo que nós estabelecemos no cumprimento do objectivo que queremos que aconteça, mas a partir dai temos que perceber que tudo tem uma evolução e essa evolução também faz pensar em novas coisas.

P: Admitindo uma equipa como um conjunto de jogadores com diferentes funções que condicionam as propriedades do todo, é esse todo que baliza a consecução ou não dos comportamentos pretendidos. Porém, a evolução desse todo assenta na melhoria individual de cada um dos seus constituintes, melhoria essa sobre-condicionada a referências eminentemente colectivas. Sendo dada total primazia a esse objectivo colectivo, como trata na prática casos individuais que por algum motivo não atingem esses referenciais colectivos impedindo a sua melhoria contextualizada?

R: Em primeiro lugar temos de perceber que a equipa é mais importante que o individual e se percebemos que há um jogador que tem qualidades e que XLII _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

essas qualidades também podem ser importantes para nós, por vezes acontece que as suas características apesar de serem interessantes e de nós até achamos que podem contribuir de forma positiva para a equipa ele não se insere na nossa forma de jogar. Há pouco falamos um pouco disto, podemos encontrar mecanismos dentro da própria equipa de forma a que possamos suportar estas características individuais, porém não podemos fazer com que essas características individuais sejam um estorvo àquilo que é a nossa forma de jogar. Temos de encontrar um ponto de equilíbrio e também temos de acreditar que é possível encontrá-lo dentro da equipa. Em nenhum momento devemos fazer com que ele prejudique a nossa equipa e temos de tentar encontrar o equilíbrio, o que também depende da inteligência dos jogadores. O jogador também tem de perceber, na perspectiva do que é a equipa, e a equipa tem que conhecer o jogador para permitir a sua integração, agora é fundamental entender que às vezes os jogadores, por muito que queiramos, não têm cultura nem inteligência táctica suficiente para poderem perceber o nosso

jogo,

por

vezes

têm

características

individuais

extremamente

interessantes mas não tem condições para jogar na nossa equipa. O nosso trabalho é criar condições para inserir um jogador no contexto de grupo sem que ele prejudique a nossa dinâmica colectiva pois em nenhum momento ele pode criar perturbação à dinâmica colectiva e para isso nós promovemos a criação de alguns mecanismos de forma a que ele seja suportado pela equipa e isto é decisivo, tem que ser é bem estruturado de forma a que consigamos perceber que por vezes os jogadores vêm habituados a uma determinada posição e as suas características fazem com que se pense nele em posições diferentes onde se possa explorar melhor certas capacidades e essas características do jogador numa outra posição que não aquela a que o jogador está habituado. Podemos dar o exemplo em que tivemos vários jogadores, no último clube onde estivemos, que estavam referenciados para determinada posição no terreno e que nós percebemos que, na nossa forma de jogar, esse jogador não era o mais indicado ou não tinha as características mais indicadas para aquilo que pretendíamos e encontramos soluções posicionais diferentes para esses jogadores. Um exemplo concreto foi o Geremi que estava referenciado como um jogador de meio campo onde podia jogar em qualquer XLIII _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

uma das posições desse sector, isto é, pivot, interior direito ou médio interior esquerdo e que jogou imensas vezes a lateral, chegou a jogar a ala, portanto em função da necessidade e em função das características de outros jogadores que estavam no terreno nós conseguimos criar um suporte de forma a que este jogador pudesse dar uma contribuição à equipa. Temos de conhecer muito bem os jogadores e é com o tempo que isso também acontece, e assim conseguimos criar condições para que ele possa ser importante dentro da equipa.

P: Os desvios criadores, os desequilíbrios, surgem-nos como algo que de alguma forma tem que estar ligado ao MJ. Como os perspectiva na dimensão macro, isto é, como os potencia sabendo que dizem respeito a uma ordem oculta?

R: Nós não somos inibidores de criatividade. Temos uma linguagem comum que é um ponto de partida pois o Jogo é uma dinâmica onde constantemente surgem coisas novas que criam dificuldades aos jogadores e criam constantemente a necessidade do jogador responder com sucesso a essas situações. Neste sentido, é importante percebermos que a linguagem que introduzimos é um guia mas depois esse guia de organização colectiva permite que a criatividade e a individualidade contextualizada surja sustentada nessa linguagem comum. Em termos individuais as características de um jogador fazem com que tu cries mecanismos de suporte a esse jogador de forma a que o sucesso seja mais facilmente alcançado. Por exemplo os jogadores que são muito fortes no 1x1 “exigem” que se criem formas de equilibrar a equipa quando ocorre o insucesso. Digamos que é fundamental não inibir a criatividade mas é fulcral que isso esteja inserido na perspectiva do todo pois tem que existir sempre esse suporte, isto é, não pode ser aleatória nem desinserida de um contexto pois aí estamos a desequilibrar a nossa equipa em vez de desequilibrar o adversário.

XLIV _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

O jogador tem que ser inteligente para perceber quando pode dar azo à sua criatividade e tem que existir essa sensibilidade caso contrário a equipa pode sentir efeitos negativos pondo-se em causa o sucesso da equipa, portanto tem que existir este ponto de equilíbrio e isto é tão mais possível quanto melhor os jogadores conhecerem a dinâmica comportamental da equipa!

P: Admite como potencialmente importantes para a consecução do Modelo de Jogo outras coisas que não a repetição sistemática em especificidade dos Princípios de Jogo, isto tendo em conta a sua vasta experiência a top? (musculação, personal-training, piscina…)

R: Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemática

em

especificidade

dos

Princípios

de

Jogo

porque

é

FUNDAMENTAL perceber que a organização é o sucesso e quanto mais organizada for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá. Numa época extremamente competitiva onde por vezes a falta de tempo para treinar obriga-nos a fazê-lo numa supra-especificidade relativamente ao Modelo, a única preocupação que temos é treinar comportamentos de jogo, é treinar princípios, é atender ao lado estratégico em função do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no próximo jogo, corrigir comportamentos do jogo anterior, ou seja, temos que rentabilizar ao máximo o tempo que temos para treinar, para potenciar ao máximo o padrão comportamental que queremos e não pensamos em mais nada!

Mas estando a top, onde qualquer detalhe é decisivo, não sente necessidade de uma individualização do treino com recurso a máquinas de musculação, piscina, personal-training… Insisto nisto porque somos confrontados diversas vezes, mesmo dentro da nossa Faculdade, com o facto de vocês no Chelsea, utilizarem este tipo de recursos? Confirma isso? Em que moldes o faz?

XLV _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

R: Só por idiotice e falta de rigor científico se pode afirmar uma coisa dessas porque a necessidade em termos de evolução do jogo é de tal ordem que não temos tempo para pensar nesse tipo de particularizações e nessas questões. A nossa perspectiva de trabalho não fomenta isso porque não acredita que isso se possa privilegiar em termos de rendimento e como o que nós queremos é rendimento e isso passa por organização é de uma extrema idiotice por em causa ou dizer-se - e eu não sei onde se foi buscar essa ideiaque temos personal-trainers ou fazemos musculação. É uma falta de rigor científico enorme fazer-se comentários desse género pois quando nós não temos tempo para treinar aquilo que é fundamental para nós, quanto mais para treinar coisas que não fazem parte da nossa forma de pensar o treino, portanto elas não fazem parte da nossa natureza mesmo que tivéssemos tempo e que fique bem claro que elas não existem na nossa forma de treinar! Volto a repetir que só por idiotice e por falta de rigor científico é que as pessoas podem dizer que nós tínhamos personal-training ou que fazíamos treinos na piscina! Aliás queria-te pedir para que, quando fosses novamente confrontado com essas afirmações, convidasses essas pessoas a fazer um estágio connosco para saber qual é a nossa realidade e para terem maior rigor quando fazem esse tipo de observações. Nós não temos que provar nada a ninguém nem temos necessidade de dizer que fazemos coisas que depois na realidade não fazemos, portanto até me dá vontade de rir quando me dizes que ouves isso. O principal responsável era o treinador e em seguida era eu e como segundo responsável da estrutura técnica afirmo que é ridículo pessoas dizerem que fazemos um determinado tipo de coisas que na realidade não fazemos! Quem não acreditar pode vir observar e constatar o que estou a dizer. É fácil perceber que durante um processo de reabilitação médica, existam jogadores que tenham, pela forma como o departamento médico se organiza, responsáveis pelo seu processo de reabilitação, de superação da lesão, e estes jogadores eram entregues a elementos do departamento médico que tinham em determinadas horas o cuidado de tratar deles e actividades para fazer com os jogadores sendo que aí sim, utilizavam os meios que eles XLVI _____________________________________________________________________________

Anexo 3 – Entrevista ao Professor Rui Faria _____________________________________________________________________________

consideravam serem importantes para a sua recuperação mas aqui os jogadores não estavam a trabalhar no terreno, não estavam entregues à equipa técnica pois estamos a falar do processo de recuperação onde iam ao ginásio, faziam hidroginástica mas numa perspectiva de recuperação funcional e biomecânica. A partir do momento em que os jogadores estavam recuperados funcionalmente

e

voltavam

para

o

terreno,

todo

o

trabalho

era

progressivamente específico em termos de modalidade e Modelo de Jogo. Não temos necessidade de provar nada a ninguém, até pelo trajecto que temos feito, nem temos necessidade de dizer que fazemos uma coisa e fazermos outra só porque nos lembramos de dizer que somos diferentes. Nós somos efectivamente diferentes e para as pessoas que não conseguem perceber essa realidade é-lhes mais fácil dizer que nós somos iguais a eles do que dizerem que trabalhamos duma forma diferente porque nós sabemos como eles treinam mas eles desconhecem completamente a nossa forma de operacionalizar o treino.

XLVII _____________________________________________________________________________